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Privatizações não trouxeram ganhos ao sector produtivo - economista
Nuno Castel-Branco analisa o percurso da economia nacional e aponta
as razões do insucesso do processo
Outrora maior parque industrial de Moçambique, hoje Matola já não é digno desse estatuto. Após as
privatizações ocorridas, sobretudo, no inicio da década de 90 esperava-se que as industrias se recuperassem, o
que não aconteceu devido a vários factores, entre as quais a falta de investimento na modernização do processo
produtivo.
Maputo, Sexta-Feira, 4 de Abril de 2008:: Notícias
Pouco mais de 20 anos após o arranque do das privatizações das empresas estatais, o
“Notícias” conversou com o economista Nuno Castel-Branco quem analisa o percurso das
industrias moçambicanas, desde o período colonial, passando pela fase de transição, até às
privatizações.
Explica que as industrias, mesmo nas mãos dos portugueses, passaram por um período de crise
nos finais da década de 60 e princípios da década de 70, fenómeno que teve repercussões no
pós independência.
A queda verificada em 1973 alastrou-se até 1975, quando da Independência. Nessa altura, a
principal prioridade do Presidente Samora Machel era manter a força de trabalho e a actividade
produtiva para evitar o desemprego.
Tendo em conta o tipo de indústria, nomeadamente aperto de parafuso, montagem e
acabamento, a qual não fornecia bases para luta contra o subdesenvolvimento, o primeiro
desafio foi manter a indústria a funcionar e ao mesmo tempo criar novas estruturas produtivas
para um país com uma nova dimensão.
O segundo desafio, era fazer face à saída dos técnicos com o fim do colonialismo, fuga essa
que constituiu um revés para manter o sector produtivo: os moçambicanos não tinham acesso à
gestão. A liderança estava sob controlo colonial.
A pergunta que se impunha na altura, segundo Castel-Branco, era como construir uma nova
estrutura industrial ligada à economia de Moçambique e que gerasse emprego e industrializasse
o País? Não apenas focos de actividade manufacturaria, mas, uma indústria de facto.
O economista explica que foi preciso elaborar um processo de reorganização industrial que teve
como base, a racionalização, aprendizagem e organização. Foi assim que em 1980 introduziuse o Plano Perspectiva Indicativo (PPI) que tinha como eixo a industrialização, socialização do
campo e a formação, como bases para o desenvolvimento sustentável.
Houve necessidade de introduzir reformas económicas, a primeira foi de 1987 a 91, cujo
principal foco era injecção de moeda externa para esta poder reabilitar a economia produtiva e
servir aos compromissos internacionais, a isso chamou-se de Programa de Reabilitação
Económica (PRE). Este não era um programa de desenvolvimento, mas sim para estancar a
crise e iniciar o programa da actividade económica.
Como diria aquele economista, conseguiu-se iniciar com o programa de actividade económica,
tendo se produzido. Mas quando terminou o efeito da injecção anterior, recomeçam as
negociações para um novo programa. Nesse intervalo de negociações, a indústria sofre uma
nova rotura e regride para níveis de actividade verificado anteriormente - duma indústria
dependente de recursos externos que não é sustentável porque não gera lucro e é sujeita a
crescimentos e roturas.
A ideia das privatizações era potenciar mais os comerciantes, dado que estes tinham-se tornado
o único grupo financeiramente viável em Moçambique, fruto da acumulação da chamada “taxa
de guerra”. Tendo em conta que as empresas eram subsidiadas pelo Estado, o que aumentava
o encargos, daí que vendê-las resolviam-se três problemas: as empresas deixavam de ser
encargo, arrecadava-se receitas para o Estado e estas empresas atrairiam investimento
doméstico ou estrangeiro que gerariam receita fiscal.
O economista afirma que uma das principais razões do fracasso das privatizações, foi entregar
as empresas a alguns moçambicanos que não pagaram sequer um centavo, para além de que
essas empresas, maioritariamente de pequena dimensão, se encontravam em mau estado de
conservação.
Com as privatizações, prossegue Castel-Branco, o Governo tinha a ideia de gerar activos
líquidos através da venda de empresas rapidamente, mas isso não aconteceu, pois na verdade
tratou-se de um subsídio implícito que se deu a esses cidadãos.
O economista observa que quando se vende uma empresa e o comprador não paga nem lhe é
cobrado aí estamos perante um subsídio implícito.
“Mais um subsidio sem estratégia. Por um lado se disse que não se podia subsidiar porque é
uma economia de mercado, por outro subsidiamos o surgimento de uma burguesia nacional
improdutiva sem estratégia de desenvolvimento ao entregarmos activos e não recebermos
pagamento em troca”, refere Castel-Branco.
Para aquele economista, os propósitos das privatizações nunca foram alcançados. Aliás, o
professor entende que foi desenvolvida uma estratégia de passar activos do Estado para o
sector privado, uma estratégia de formar uma burguesia nacional.
“No tempo do presidente Samora dizíamos que tínhamos de matar o jacaré ainda no ovo,
porque depois de crescer se tornaria. Depois disse-se que tínhamos de deixar o animal chocar o
ovo e ele crescer. Essa passagem da propriedade do Estado para o sector privado foi o acto de
chocar os ovos e deixar crescer o jacaré, mas sem nenhuma estratégia. Então o animal comeu
tudo que estava a volta e devorou-se a si mesmo”, metaforiza.
A marca principal da privatização em Moçambique não foi a criação da capacidade produtiva, foi
a transferência de poderes e recursos do Estado para o sector privado.
Citou um estudo do Banco de Mundial de 1999 que diz que as empresas menos eficazes em
Moçambique são as que foram privatizadas, as que sempre foram privadas e as novas
empresas são as mais eficazes.
Agora as empresas que desapareceram são as velhas que não eram competitivas. As que estão
a surgir novas, não o fazem sobre as ruínas das velhas. Aqui o economista citou o da Mozal,
Sasol, Tabaco, empresas de Biodiesel. O único sector que conseguiu ressurgir das cinzas da
guerra foi o açúcar, o resto é novo que não é produto das privatizações, mas sim de uma
economia e investimento privado diferente.
“Quando se diz que as privatizações atraíram o investimento privado e se faz referência ao
número de investimento directo estrangeiro esse não tem nada a ver com as privatizações,
porque o grosso desse investimento são projectos de raízes que não têm nada a ver com as
empresas privatizadas.
Para Castel-Branco o sector que atraiu novos investimentos foi o de açúcar. Aqui com
estratégia, primeiro definiu-se não reabilitar todas açucareiras para evitar a superprodução e
perdas no mercado mundial, segundo recorrer a uma política de preços que protege o
investimento enquanto ele cresce, produzir para um mercado especifico e uma plataforma
comum de comercialização, evitando as açucareiras não lutassem entre si.
Houve uma estratégia industrial específica, os sectores foram privatizados sem esse tipo de
cuidado, mencionou a Industria de Caju com interesse fragmentados, lutas internas
desapareceram. Na açúcar que houve estratégia apesar das dificuldades que ainda existem.
FASES DA REFORMA ECONÓMICA
Maputo, Sexta-Feira, 4 de Abril de 2008:: Notícias
A primeira fase das reformas económicas no país vai de 1987 a 1991, nomeadamente o
Programa de Reabilitação Económica (PRE). Foi repetido várias vezes pelos então, primeiro-
ministro e ministro da Finanças, Mário Machungo e Magid Osman, que o PRE não era programa
de desenvolvimento, mas para estancar a crise e iniciar um programa de actividade económica.
Recorda que a palavra de ordem na altura era reactivar a produção e circulação de mercadorias
no campo. Porém está ideia tinha inconvenientes, porque estava-se em guerra e essa incidia-se
no campo: cortavam-se as vias de escoamento, comunicação e rede de transporte de energia,
daí que não era possível reactivar a produção.
O segundo ponto mencionado por Castel Branco foi de injectar recursos, moeda externa para
compra de matéria-prima para a reactivação das empresas paralisadas, mas a estrutura
produtiva das mesmas não oferecia condições para o desenvolvimento. Então, o crescimento
económico gerado nas condições existentes e herdadas do colonialismo era dependente do
endividamento externo. Significa que cada vez que a economia tivesse um boom de
crescimento tinha-se também um grande endividamento externo.
Não se conseguindo fazer as compensações, tinha de se fazer ajustamentos que levavam
contracções, e esta tendência era do período colonial. No final dos anos 50, quando começa o
boom industrial do período colonial, inicia o agravamento dos desequilíbrios na balança de
pagamento, facto considerado normal pelo professor porque há investimentos, importações,
mas isto não foi compensado pelo volume das exportações e o resultado é que passado alguns
anos há uma rotura das capacidades de manter o défice da balança de pagamento, uma
redução drástica das reservas externas.
Castel-Branco recorda que quando se injectaram recursos em 87 os sectores começam a
produzir. Todavia, quando terminou o efeito da injecção, começam as negociações para um
novo programa. A indústria sofre uma nova rotura e regride para níveis de actividade
verificados em 87, portanto uma indústria dependente de recursos externos não é sustentável
porque não gera lucro.
O programa introduzido depois dos Acordo de Paz, em 1994, não visava apenas a estabilização
e reabilitação da economia como também as privatizações. Não que as privatizações tenham
iniciado nesse período, porque de facto, começaram nos princípios dos anos 80, e Samora nos
seus discursos dizia que “não era tarefa do Estado vender agulhas, portanto, o presidente
estava a dizer que havia uma série de actividades que deveriam sair das mãos do Estado e
passarem para privados” cabendo ao Estado a função de legislar e regular sem exercer.
Com isto o economista pretendia dizer que as privatizações não são produto da reabilitação
económica, embora tenha seja verdade que foi nos anos 90 que se intensificaram. “Isso não
podia ter sido doutra maneira porque ninguém quereria comparar empresas falidas em zonas
de guerra, no mínimo devia existir a paz para que houvesse condições de investimento”.
O grande leque de privatizações deu-se na década de 90.
Na óptica da nossa fonte, tratou-se de mais uma acção sem estratégia e cita dirigentes
entrevistados por alguns órgãos de comunicação social a dizerem o que estava a acontecer
com as empresas privatizadas não era problema do Estado.
Castel Branco diz que o problema é de todos nós, porque ficam afectadas as componentes de
emprego e produção do País e não apenas das pessoas que compraram as empresas.
A ideia original das privatizações era transferir o dinheiro dos comerciantes que se tinham
tornado o único grupo financeiramente viável em Moçambique por terem acumulado dinheiro
com a taxa guerra, advinda da comercialização agrícola em condições difíceis. A ideia era ao
privatizar esses activos trazer o dinheiro para a esfera produtiva incentiva-los a investirem.
A outra ideia era de natureza fiscal, porque as empresas eram subsidiadas pelo Estado o que
aumentava os encargo e vendendo-as empresas resolvia-se três problemas: deixa de ser
encargo, o Estado arrecada receita, se as empresas atraíssem investimento doméstico ou
estrangeiro elas tornar-se-iam mais produtivas a médio prazo para gerarem receita fiscal.
Segundo Castel-Branco, quando das privatizações havia uma ideia segundo a qual elas eram
benéficas para o País e a partir dessa conclusão não se analisou se as estavam ou não a atingir
os objectivos preconizados.
“Então inicia a avaliação de quantas empresas foram privatizadas, quão depressa privatizadas e
não o que aconteceu com as privatizadas. Estamos a conseguir atrair o capital especulativo,
investimento estrangeiro, receitas para o Estado, esse tipo de coisas não foi analisado, apenas
a rapidez com que se privatizou”.
Prossegue indicando que mesmo as organizações internacionais como o Banco Mundial e Fundo
Monetário Internacional (FMI) que introduziram privatizações nos seus condicionalismos não o
fizeram com uma definição de quanto capital especulativo, investimento estrangeiro, mas sim o
número de empresas que deviam ser privatizadas.
“Quando hoje essas organizações olham para Moçambique e dizem que é um dos grandes
sucessos em termos de privatizações, referem-se ao número de empresas privatizadas num
curto espaço de tempo e não o efeito económico e social”, diz Castel-Branco.
Argumenta que o País não tinha um sector privado minimamente capaz e desenvolvido, pelo
que as privatizações sem nenhum contexto estratégico económico claro de suporte ao
desenvolvimento da capacidade empresarial e produtiva resultou na transformação das
empresas em armazéns.
Acrescentou que mais de 45 porcento das empresas privatizadas foram encerradas, perderamse empregos que nunca se recuperaram, perdeu-se capacidade produtiva, as ligações dentro do
tecido económico e industrial ficaram mais fracas do que eram e criou-se uma burguesia
altamente parasitária e consumista com todas as características, menos que investe na
capacidade produtiva.
Aquele académico diz ainda que são poucos os casos de empresas nacionais que sejam
produtivas, tendo citado como exemplo a Agro Alfa, projectos recentes na área agrícola. Maior
parte das coisas são armazéns onde se guardam produtos importados. Isso é visível para quem
anda pela auto-estrada da Matola ou zona industrial da Machava.
HISTORIAL DA INDÚSTRIA
Maputo, Sexta-Feira, 4 de Abril de 2008:: Notícias
Depois da independência houve um desafio que se colocava a Moçambique, era preciso manter
a força de trabalho e a actividade produtiva, porque a indústria existente não era forte, nem
competitiva, mas sim terminal do tipo aperta parafuso, que compra quites e peças.
Segundo o professor esse tipo de indústria é fácil de expandir em Países com uma base
científica tecnológica limitada porque não requer muito, dado que apenas monta-se. O
problema desse tipo de indústria é que gerava emprego e não valor acrescentado.
As privatizações, segundo Castel-Branco, não forneceram a base para combater a pobreza,
construir oportunidades de desenvolvimento mais amplas, numa altura em que Moçambique
tinha esse tipo de desafio, baseado numa indústria construída para responder as aspirações
duma classe empresarial colona em crescimento.
Nesse contexto, o primeiro desafio das privatizações era como manter a indústria a funcionar e
ao mesmo tempo criar novas estruturas produtivas no País.
O segundo desafio tinha haver com a saída dos técnicos com o fim do colonialismo, o que
constituiu uma grande machadada em relação aos esforços para manter o sector produtivo. Os
moçambicanos não tinham acesso à gestão, liderança razão porque não chegaram a acumular
quaisquer experiências nem conhecimento, muito menos conhecer o circuito de venda de
matéria prima.
A pergunta que se colocava era como manter a economia a funcionar, tendo em conta a fuga
de cérebros para além da sabotagem que acompanhou todo o processo.
Então, como construir uma nova estrutura industrial ligada a economia de Moçambique e que
gerasse emprego e industrializasse o País e não ter apenas focos de centros de actividade
manufacturaria?
Sobre esta matéria Castel Branco afirma que essa era a opção mais acertada, mas ao mesmo
tempo tinha de se manter em funcionamento essas empresas que estavam abandonadas e
outras sabotadas. O fundamental era, por um lado saber que fazer para que se tivesse tudo a
funcionar, mas com racionalização, por outro.
Sublinhou o facto de ter sido feito um trabalho de reorganização e aprendizagem, o que
permitiu recuperar a actividade produtiva até certo limite, porque para tal devia-se ter
investimentos de grande envergadura coisas que não se podia fazer de um dia para outro nem
sem estratégias.
Esse tipo de investimento segundo o interlocutor tem efeitos futuros, por isso, foi necessário ter
essa visão.
PPI, UM PLANO AMBICIOSO
Maputo, Sexta-Feira, 4 de Abril de 2008:: Notícias
Em 1980 o Plano Perspectiva Indicativo (PPI) que tinha como eixo a industrialização,
socialização do campo e a formação. Porém, o plano era ambicioso, irrealístico com uma taxa
de crescimento na ordem de 17 porcento/ano, fasquia considerada não alcançável anualmente
durante dez anos consecutivos. Apenas conseguiu-se uma vez após a guerra com a fixação da
população produziu-se em grande escala, a inspiração era enorme, mas um dos eixos era a
industrialização.
A concepção era de construir uma base industrial que dessa auto-suficiência e soberania e que
construísse as bases de desenvolvimento económico nessa época, pois a mesma era concebida
de forma que a economia pudesse gerar os recursos e capacidade, isso traduzia-se em
industrias de base, metalo-mecânica, siderúrgica, metalúrgica que produz meios de produção
para o sector agrícola e transporte.
A preocupação do PPI era criar investimentos nas chamadas indústrias de base através dos
projectos de alumínio. Nos finais dos anos 70 houve uma comissão liderada por Magid Osman
que tinha como missão estudar a estratégia da siderurgia nacional, tendo sido criadas as
condições com a ideia de desenvolvê-la nos locais onde o País tinha recursos, como Vale do
Zambeze rico em recursos energéticos e minerais.
Estava subjacente no PPI o desenvolvimento de grandes bases industrias em diferentes partes
do País. Por detrás disso estava a racionalidade económica de produzir onde existe matéria,
dado que a política era combater as assimetrias regionais e criar pólos de desenvolvimento em
várias partes, dado o monopólio detido por Maputo.
A implementação do PPI foi de curta duração. Quando se olha para estatística de investimento
de produção industrial verifica-se um rápido crescimento da produção industrial em dois anos
(1981-1982). Depois disso começa uma crise, mas quando se olha para trás verifica-se que
1981 foi o melhor ano de produção pós-independência e antes da reforma. A seguir começa a
crise associada à guerra, preço do petróleo, oscilações no mercado financeiro que constituíram
problemas agudos para uma economia débil e dependente de importações.
“A conjugação de factores como guerra, deterioração dos termos de troca, preço de petróleo,
aumento de taxas de juro no mercado internacional, assim como o facto de termos um plano
ambicioso e dependente de importações e arriscado num País com pouca capacidade em
termos de infra-estruturas. Não poderíamos ter tentado resolver com dinheiro, devia-se saber
qual era a capacidade produtiva”, considera.
O professor considera que a conjugação de tais factores tornou o PPI irrealizável e o resultado
foi que em 1984 a economia começou a tornar-se insustentável, em relação ao serviço da
dívida, sendo que a saída foi negociar com as instituições da Bretton Woods em 1985 “e
entramos para essas organizações. No ano seguinte começamos a fazer as primeiras
experiências para introdução das reformas económicas que foram formalmente introduzidas em
1987,
hoje
faz
22
anos
que
iniciamos
as
reformas.

JAIME CUMBANA
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