REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS, ESPECIFICAMENTE A SURDEZ1 Karina Ulitzka Batagin2 Patrícia Casagrande Malaguetta3 RESUMO Este artigo científico tem como objetivo estudar qual a importância dos jogos e atividades lúdicas no processo de alfabetização das crianças com necessidades especiais, especificamente no caso da surdez. Considerando que essa deficiência não é vista como um fator que impossibilita êxito na vida de um indivíduo, e sim como apenas mais um obstáculo a ser superado, é importante ressaltar que um aluno surdo não pode ser entendido como alguém sem possibilidades e sim apenas com possibilidades diferentes. Palavras-chave: aprendizagem; jogos; professor mediador. THE IMPORTANCE OF GAMES IN THE PROCESS OF LITERACY FOR CHILDREN WITH SPECIAL EDUCATIONAL NEEDS, ESPECIALLY A HEARING ABSTRACT This research paper aims to study how important the games and recreational activities in the literacy process of children with special needs, specifically in the case of deafness or hearing impairment. Whereas such deficiencies are not seen as a factor that hinders success in life of an individual, but as just another obstacle to overcome. Not allowing the deaf to be perceived as someone without chances but just with different possibilities. Keywords: learns; games; teacher mediator. 1 O presente artigo foi elaborado para a conclusão de curso de pós-graduação em Psicopedagogia Institucional da Faculdade Cenecista de Capivari. 2 Professora Karina Ulitzka Batagin. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Deficiência da ÁudioComunicação pela Faculdade de Ciências e Letras Nossa Senhora do Patrocínio Itú (1995). 3 Professora Orientadora. Possui graduação em Matemática pelo IMES-Catanduva (2003) e mestrado em Matemática Universitária na área de Matemática do Ensino Superior pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP – Rio Claro (2010). Atualmente é professora da Faculdade Cenecista de Capivari, da E.E.Prof. Hélio Nehring e do Colégio Seletivo em Piracicaba. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente com o tema Dificuldades de Aprendizagem da Matemática. © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 103 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ INTRODUÇÃO Através dos estudos de grandes autores, entre eles o grande pesquisador Vygotsky, que afirma que o desenvolvimento cognitivo e a socialização de uma criança estão relacionados, de forma direta à aquisição da linguagem, e que a criança vai absorvendo e dominando gradativamente os instrumentos mentais produzidos pelo homem ao longo de sua própria história a partir da convivência em sociedade e das interações com os adultos que a cercam, a escola seria um ambiente bastante favorável para aprendizagem do ser humano. Este artigo científico pretende apresentar e discutir o desenvolvimento da linguagem dos surdos e seu processo de alfabetização auxiliado pelos jogos educativos, brinquedos e materiais pedagógicos diferenciados. Ao abordar a alfabetização do surdo apoiada pelos jogos e pela ludicidade, discute-se também a importância do papel do professor e de toda a equipe multidisciplinar da escola como fatores de suma importância nesta trajetória. Para tanto, este trabalho apóia em pesquisas bibliográficas procurando salientar que os jogos e os brinquedos educativos não são objetos que trazem um saber pronto, acabado e estático, mas sim, são materiais e instrumentos que podem apresentar interpretações diferentes para cada indivíduo de acordo com seus conhecimentos prévios e que atuam em função da cadeia simbólica e imaginária que o aluno estabeleceu durante toda a sua existência. Portanto, compreender como se processa a aquisição da linguagem da criança surda, seu processo de alfabetização e qual a importância de se utilizar jogos e brinquedos como facilitadores deste processo consistem nos objetivos principais deste artigo científico. Desta forma, pretende-se com este estudo obter um material que se transforme em subsídio, e até mesmo mais um recurso para que professores e demais profissionais da educação possam fazer reflexões sobre quais as melhores alternativas para se alfabetizar a criança surda. Oferecendo para a mesma uma variedade de condições, para que tenham o seu direito a educação respeitada e facilitada diante das suas restrições. UM POUCO DE RESGATE HISTÓRICO REFERENTE À EDUCAÇÃO ESPECIAL E A TRAJETÓRIA DOS SURDOS NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE. Antes do século XVIII, “[...] nas sociedades antigas era normal o infanticídio quando se observavam anormalidades nas crianças.” (BAUTISTA, 1993, p.22). Ao referir anormalidades, não são apenas aos surdos e sim a todos àqueles que apresentavam qualquer necessidade especial. Embora, durante a Idade Média a Igreja tenha condenado o infanticídio, © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 104 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ a mesma acalentou a ideia de que as deficiências eram causadas por forças sobrenaturais ou possessão demoníaca de espíritos maléficos, submetendo as crianças às práticas de exorcismo. (BAUTISTA, 1993). Desta forma, é possível afirmar que além das dificuldades impostas pelas limitações, o surdo no decorrer da História da humanidade, também sofreu as limitações impostas pela ignorância e rejeição das sociedades vigentes que com suas atitudes, inicialmente exterminaram, depois segregaram e discriminaram os portadores de deficiência, incluindo o surdo. Foi quando, por volta do final “[...] do século XVIII, princípio do século XIX, iniciase o período da institucionalização especializada de pessoas com deficiências, e é a partir de então que podemos considerar ter surgido a Educação Especial.” (BAUTISTA, 1993, p.22). Surgem as primeiras pesquisas e abordagens “[...] para a desinstitucionalização. Tratase de integrar os deficientes no mesmo ambiente escolar e laboral dos outros indivíduos considerados normais”. (BAUTISTA, 1993, p.25). As escolas especiais proporcionavam um ambiente demasiadamente restrito e empobrecedor do ponto de vista educativo, com um alto custo frente aos resultados apresentados. Um marco histórico na Educação Especial foi a Declaração de Salamanca, documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação Especial, realizada em Salamanca na Espanha no ano de 1994, tratando de princípios, políticas e práticas na área da Educação Especial. Seu principal objetivo é, de acordo com o movimento de inclusão social, fornecer diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas educacionais. Considerada um dos principais documentos mundiais que visam à inclusão social sendo promovida pelo governo Espanhol em colaboração com a UNESCO, ao lado da Convenção de Direitos das Crianças (1998) e da Declaração sobre Educação para Todos (1990). A sua origem é dada aos movimentos em favor dos direitos humanos e contra instituições segregacionistas, cujos movimentos foram iniciados a partir das décadas de 1960 e 1970. Assim sendo, a Declaração de Salamanca ampliou o conceito de Educação Especial, onde a educação é direito de todos, não só para as crianças portadoras de deficiências, mas também àquelas que têm uma dificuldade de aprendizagem ou sofrem por alguma “exclusão social”, podendo ser consideradas especiais. Nesse sentido, as escolas necessitam adaptar-se às especificidades dos alunos, e não o contrário, o ensino deve ser diversificado e realizado num espaço comum a todas as crianças. © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 105 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ A Declaração de Salamanca repercutiu de forma significativa, sendo incorporada às políticas educacionais brasileiras. Vários outros documentos fazem referência à Educação Especial, como por exemplo, a LDB, que define a Educação Especial “como modalidade de educação escolar, oferecida, preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades educacionais especiais”. (LDB, cap. V, art. 58). Também no art. 59, garante que os sistemas de ensino assegurarão para o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica. DEFININDO ALGUNS CONCEITOS O termo “deficiente” para muitos tem sido considerado inadequado, depreciando a pessoa, sendo cada vez mais rejeitado por especialistas da área e pelos próprios portadores. A partir da Declaração de Salamanca surge o termo necessidades educativas especiais, substituindo o termo criança especial utilizado em educação para designar a criança com deficiência. Portanto, esse termo engloba toda e qualquer necessidade considerada atípica, seja de ordem comportamental, social, física, emocional ou familiar e não só a pessoa com deficiência. Deficiência Auditiva é quando alguma das estruturas da orelha apresenta uma alteração levando o indivíduo a uma diminuição da capacidade de perceber o som, onde se comunica através da fala, não sendo necessário o uso da Língua de Sinais e sua perda auditiva é de grau leve a moderado. Já a surdez ocasiona uma incapacidade em perceber o som, o indivíduo necessita fazer uso da Língua de Sinais para se comunicar e sua perda auditiva é de grau severo ou profundo. Linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações. Língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação, surge em sociedade, podendo se manifestar de forma oral ou gestual, como a LIBRAS. LIBRAS é o nome dado a uma língua gestual, por estar associada aos sinais que representa. Essa língua utilizada pelos surdos tem sua origem na Língua de Sinais Francesa, desenvolvida a partir de 1760, tendo como destaque o abade L Épee, o qual reconheceu a necessidade de usar sinais com as crianças surdas. “A iniciativa de L Éppe revolucionou as © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 106 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ possibilidades de educação, comunicação, interação e cidadania para os surdos, um grupo que se encontrava marginalizado e excluído até então”. (REILY, 2004, p. 115). UM POUCO DA HISTÓRIA DOS SURDOS E AS DIFERENTES ABORDAGENS EDUCACIONAIS AO LONGO DOS TEMPOS No século XIX surgiram as diferentes abordagens educacionais para os deficientes e para o surdo especificamente. E foi no I Congresso Internacional, sobre a instrução do surdo, que focava a participação familiar na educação e integração social do mesmo o qual “[...] também acarretou alguns ganhos civis para o surdo, como o direito de assinar documentos, o que os tirou da completa marginalidade social”. (SILVA & NEMBRI, 2008, p.20). Este Congresso ocorreu em 1878, em Paris e deu início ao processo de buscar alternativas que integrassem o surdo com os demais indivíduos, mas pouca coisa mudou em relação à educação efetiva do surdo, entretanto, foi a partir do II Congresso Internacional que ocorreu em 1880, em Milão, que a corrente intitulada Oralista se firmou como marco histórico de abordagem educacional para os surdos. E onde, [...] a eficácia da oralidade foi apontada pela apresentação de surdos que falavam bem, e o uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista foi pregado em detrimento do uso de gestos e sinais, pois os mesmos desviavam o surdo da aprendizagem da língua oral. (SILVA& NEMBRI, 2008, p.20). Assim, podemos observar que a primeira abordagem educacional para os surdos, ou seja, a abordagem Oralista, estava preocupada em aproximar o surdo do modelo ouvinte, com a finalidade de integrá-lo junto à sociedade, que na sua maioria utiliza a língua como instrumento de aprendizagem global e de comunicação, fazendo a sua reabilitação em direção a normalidade, negando a surdez e enfatizando a fala. Portanto, na abordagem Oralista, “[...] a fala, seguida de um exaustivo treinamento de leitura labial, tem como objetivo promover a adequação do indivíduo surdo ao meio de comunicação da sociedade ouvinte, falante”. (SILVA&NEMBRI, 2008, p.21). Desta forma, o método Oralista, inicia-se com a atenção visual para a leitura labial, incluindo elementos isolados do som, combinações de sons, palavras e finalmente a fala. Já na década de 1950, com os avanços da ciência e as novas tecnologias, surgem as próteses e com elas diversos métodos com o objetivo de levar o surdo a ouvir e falar. No entanto, iniciam-se também neste período as críticas a Corrente Oralista, principalmente pela precocidade da ação educacional, pois “[...] esta premissa é questionada por uma série de © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 107 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ pesquisas que apontam “o fato de” que, mesmo com o atendimento precoce, os surdos, na maioria das vezes, não falam”. (SILVA & NEMBRI, 2008, p.21). Inclusive, o grande pesquisador Vygotsky, segundo GOES (apud, SILVA & NEMBRI, 2008), faz fortes críticas ao método Oralista por serem caracterizados como mecânicos, artificial e muito penoso para as crianças, chegando a classificar este método como cruel, pois ensina a criança a pronunciar palavras e não a falar. É quando em 1970, surge outro método de educação para o surdo chamado de “Comunicação Total”, este método tinha como objetivo “[...] usar sinais, leitura labial, amplificação e alfabeto digital para fornecer input linguístico para estudantes surdos, para que eles pudessem se expressar nas modalidades preferidas.” (STEWART apud SILVA &NEMBRI, 2008, p.23). Neste novo método, ou seja, nesta nova filosofia de trabalho muda-se também a maneira de se entender o surdo, que deixa de ser visto como um portador de patologia médica e passa a ser visto como uma pessoa que possui a surdez como uma marca e que tem uma completa liberdade para definir quaisquer estratégias que permita que o mesmo se comunique, ou seja, pela linguagem oral, pelos sinais, pela datilografia, hoje pelo computador, ou pela combinação destes ou de outros modos que permitam uma comunicação total. No entanto, o método ou filosofia de trabalho, intitulado Comunicação total, também vai receber críticas ao longo dos tempos. Já que, segundo alguns pesquisadores, é impossível falar e sinalizar ao mesmo tempo, utilizando das duas línguas efetivamente. Também, nesta metodologia pressupõem que a comunicação seja “[...] a fiel representação de todos os aspectos da fala, inclusive elementos como artigos, preposições, terminações verbais e outros que não fazem parte das línguas de sinais”. (SILVA & NEMBRI, 2008, p.24). Além de que, a inexistência de correspondência linear entre sinais e fala, corresponde à outra crítica a esta abordagem educativa, já que, mesmo os docentes que são hábeis em sinais não conseguem manter o uso simultâneo por longos períodos entre a fala e o uso de sinais. Assim, mesmo no final do processo da comunicação Total, comparada a abordagem do oralismo, os ganhos para o surdo foram mais significativos no que diz respeito ao fato de conseguirem se comunicar melhor, a grande maioria dos surdos não apresenta autonomia na produção da linguagem, não atingindo níveis acadêmicos compatíveis a sua faixa etária. Desta forma, apesar das críticas que as abordagens Oralista e Comunicação Total sofreram e ainda sofrem no Brasil, somente a partir de Abril de 2002, a abordagem que utiliza © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 108 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ a Língua de Sinais foi considerada uma língua em toda a sua extensão do termo. Portanto, é recente no nosso país a utilização da “[...] LIBRAS, como meio legal de comunicação, entre os surdos. Ainda com relação à legislação, foi apenas em 2005 que a LIBRAS foi incluída como componente curricular em nosso sistema escolar”. (SILVA & NEMBRI, 2008, p.32) E ainda hoje, [...] embora não haja consenso com relação à língua de sinais ser ou não ser considerada como a língua materna dos surdos, a esta deveria ser adquirida como LI, uma vez que este indivíduo, em função do déficit de sentido que possui, possivelmente só poderá ter acesso a uma língua de forma natural se esta não for veiculada por meio do canal oral-auditivo. É importante frisar que a língua de sinais não é mais fácil nem menos complexa do que qualquer língua oral-auditiva, apenas veiculada por um outro canal. (SILVA& NEMBRI, 2008, p.34). Assim, pode-se afirmar que depois de muito sofrimento no decorrer da história da humanidade, os surdos ainda hoje enfrentam dificuldades, pois não há consenso a respeito de qual abordagem metodológica utilizar e nem sempre há o acesso necessário para que o surdo usufrua e adquira a LIBRAS de forma natural. Já que “[...] as crianças surdas estão iniciando tarde seu aprendizado”. (SILVA & NEMBRI, 2008, p.36). Sendo que, muitas crianças que nascem em lares em que os pais são ouvintes e desconhecem a Língua Brasileira de Sinais, o único acesso a esta modalidade de comunicação fica restrita a sua entrada na escola, o que ocorre muitas vezes por volta dos seis anos,e que de acordo com especialistas,representa um atraso na sua aprendizagem. Dado o fato de que, quanto antes à criança surda tiver acesso à língua de Sinais, maior será a naturalidade deste processo. Desta forma, podemos observar que há muitas divergências sobre como e quando iniciar as atividades para a aquisição da linguagem do surdo. No entanto, este artigo científico tratará sobre abordagem na qual cabe ao sujeito surdo à escolha do canal de comunicação que melhor se identifica com as suas necessidades, ou seja, [...] é preciso que este sujeito tenha tido acesso às várias línguas na primeira infância para que depois de tê-las adquirido ou aprendido, seja capaz de optar por esta ou aquela ou ser “bilíngue” e utilizá-las com competência de acordo com seus interlocutores. (SILVA & NEMBRI, 2008, p.37). Para os bilinguistas, o surdo não precisa mais almejar uma vida parecida ou então semelhante ao indivíduo ouvinte, podendo assim assumir sua surdez e conseguir da sua maneira, atingir um nível de vida mais próximo aos considerados normais. © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 109 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ CONSIDERAÇÕES FRENTE À UTILIZAÇÃO DE JOGOS E BRINCADEIRAS EDUCATIVAS NA APRENDIZAGEM DA CRIANÇA SURDA Considerando que, através deste artigo científico, pretende-se que profissionais da educação e especialistas possam fazer reflexões e repensar a maneira de ensinar o surdo,de forma que o ensino deixe de ser apenas um ato de transmitir informações, onde o aluno é um agente apenas passivo, iniciarei este tópico abordando a questão do jogo propriamente dito. Sabe-se que não existe ensino sem que ocorra a aprendizagem “[...] e esta não acontece senão pela transformação, pela ação facilitadora do professor, do processo de busca do conhecimento, que deve sempre partir do aluno”. (ANTUNES, 1998, p. 36). Desta forma, o interesse do aluno passou a ser quesito importante para o ensino e um desafio à competência do professor. Ou seja, Seu interesse passou a ser a força que comanda o processo de aprendizagem, suas experiências e descobertas, o motor de seu progresso e o professor um gerador de situações estimuladoras e eficazes. É nesse contexto que o jogo ganha um espaço como a ferramenta ideal da aprendizagem, na medida em que propõe estímulo ao interesse do aluno, que como todo pequeno animal adora jogar e joga sempre principalmente sozinho e desenvolve níveis diferentes de sua experiência pessoal e social. (ANTUNES, 1998, P. 36). Assim, segundo o autor ANTUNES (1998), é através do jogo planejado e programado, de acordo com a meta de aprendizagem, que o aluno pode construir novas descobertas que enriquecerão sua própria personalidade, possibilitando que o professor possa ser um condutor, estimulador, mediador e também avaliador desta nova aprendizagem, utilizando o jogo como mais um instrumento pedagógico. E são muitos os pesquisadores que se interessaram pelo lúdico, pelos jogos e pelas metáforas no fenômeno humano. Dentre eles, “De HUIZINGA a Roger Caillois, de Heidegger a Georges Bataille, de Montaigne a Fröbel, de Konrad Lorenz a Gardner, alguns dos mais destacados pensadores de nosso tempo”. (ANTUNES, 1998, p.36). Através destes estudos e pelas reflexões que os mesmos geraram, está se perdendo no tempo a ideia de que brincadeira ou jogo pedagógico deve ser separado da chamada “atividade séria”. Sendo que, de acordo com vários especialistas como: filósofos, sociólogos, etólogos e antropólogos, devemos compreender “[...] o jogo como uma atividade que contém em si mesmo o objetivo de decifrar os enigmas da vida e de construir um momento de entusiasmo e alegria na aridez da caminhada humana”. (ANTUNES, 1998, p.36). Desta forma, o jogo e as brincadeiras são os melhores caminhos e também, © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 110 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ [...] uma fonte rica de conhecimento dos processos da criança e, ao mesmo tempo, um espaço que possibilita a investigação de várias questões do desenvolvimento infantil, com análises que permitem a projeção de ideias orientadoras para projetos socioeducativos. (SILVA, 2002, p.11). Observando que segundo a autora, SILVA (2002), o ato de brincar é a esfera na vida de uma criança, onde mais se promove o seu desenvolvimento, muito mais pelos modos de funcionamento e orientação do que pela frequência. Quando refiro criança estou falando em todas as crianças inclusive as surdas, pois infelizmente muitos se perguntam se uma criança surda também brinca. E através das pesquisas para este artigo científico, pude observar que toda criança responde às brincadeiras e jogos, inclusive as surdas. Segundo a autora, SILVA (2002), Por intermédio da análise de episódios de brincadeira de crianças surdas, a autora discute a flexibilização de significados dos objetos e a diversidade na assunção de papéis. Examina principalmente a participação de recursos linguísticos (da língua de sinais ou da língua falada) de recursos diversos da gestualidade, expressão facial e corporal. Mostra capacidades e peculiaridades dos jogos das crianças, levanta e explora indagações importantes. (SILVA, 2002, p.12). No entanto é importante que se diga que não basta acreditar na capacidade da criança surda para brincar e construir situações imaginárias, onde a mesma até encene enredo e personagens diversos. Toda atividade que envolva jogos e brincadeiras, em se tratando da criança surda, deve promover a vivência precoce da língua de sinais como experiência indispensável para o seu desenvolvimento. Assim, de acordo com VYGOTSKY (1988 apud SILVA, 2002, p.59), “[...] a criança brinca para preencher necessidades em sua compreensão do mundo adulto”. Atuando no jogo de faz de conta para realizar atividades que ela ainda não domina, vivenciando aspectos relacionados com a sua realidade e não apenas pelo prazer e satisfação. E mesmo que nas brincadeiras e jogos praticados por crianças surdas, haja uma limitação no uso de linguagens, seja de sinais ou falada,a mesma procura interagir com as demais crianças através de recursos gestuais e expressão corporal, demonstrando que não encontra nenhuma, [...] impossibilidade de construção da ação simbólica, nem mesmo uma incapacidade de abstração, pois o uso de sinais, embora ainda em aquisição pelos sujeitos, já lhes garantia condições de um funcionamento mental de ordem complexa. (SILVA, 2002, p. 65). © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 111 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ Demonstrando, portanto, que a criança surda pode se beneficiar e muito dos jogos e brincadeiras, como toda criança, desde que este momento não seja sem planejamento e sem uma meta clara por parte do educador, que deverá estar conduzindo, mediando e principalmente observando a criança em todo o processo.Além de que, para se trabalhar com jogos e brincadeiras, outro aspecto deve ser considerado - o espaço físico, [...] devem ser propícios para o encontro entre crianças, ricos em sua diversidade de brinquedos e/ou recursos materiais variados respeitosos com relação ao interesse da criança, de forma que ela brinque “do que quiser e de quem quiser”, sem restrições. (SILVA, 2002, p.65). Lembrando que as crianças devem ter liberdade de escolher os brinquedos desejados, as brincadeiras e até os parceiros, mas sempre com a presença do adulto que deverá, quando necessário, coordenar o uso dos brinquedos, pois todos devem ter o mesmo direito de brincar, orientar os jogos que apresentem regras e também brincar assumindo o faz de conta junto com as crianças enquanto o educador observa a reação e a interação de cada uma enquanto brinca. RELATO DE EXPERIÊNCIA REAL DE APRENDIZAGEM COM O USO DE JOGOS Neste tópico será relatada uma experiência real de atividades que envolveram jogos e a aprendizagem da criança portadora da surdez, essas atividades foram desenvolvidas com cinco (5) crianças do 3º ano de uma escola municipal, com idades entre 8 e 9 anos. Entre elas duas com aprendizagem normal, duas com dificuldades de aprendizagem e uma com surdez profunda, a qual faz uso de LIBRAS. A realização das atividades práticas teve como objetivo mostrar que o ensino da Matemática, através da utilização dos jogos, facilita o processo de ensino-aprendizagem dos surdos já que, as experiências e a construção de mundo se dão através da visãoeos jogos beneficiam este aspecto pelo fato de serem visuais e concretos. Diante de um jogo, as crianças planejam, analisam e agem dando o melhor de si. O interesse mostrado por elas diante das atividades faz do jogo um excelente recurso, podendo ser incluído na sala de aula com dois objetivos: ensinar um conteúdo ou simplesmente jogar. Para os alunos surdos, a utilização de jogos, principalmente no ensino da Matemática, facilita o entendimento do conteúdo. Desta forma, apresentaremos a seguir as atividades aplicadas: Atividade 1: um tabuleiro com números de 1 à 100 e um dado com os sinais de adição e subtração. © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 112 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ O desenvolvimento da atividade deu-se da seguinte maneira: cada criança deveria jogar dois feijões sobre o tabuleiro e em seguida jogar o dado, de acordo com o sinal representado e com os números marcados no tabuleiro pelos feijões, a criança deveria realizar a conta fazendo o registro no papel. Foram realizadas três rodadas, sendo que cada aluno tinha a sua própria vez de jogar. Somente aqueles com dificuldades sentiram-se inseguros e não conseguiram fazer o registro das contas no papel nem resolvê-las. Entretanto, durante a atividade foi observado que a aluna surda conseguiu compreender o jogo, fazer o registro das contas sem maiores dificuldades, colocando os números na ordem correta. Na sequência, foi pedido que cada criança, no momento da realização de cada conta, fosse descrevendo como e por que estava fazendo daquela maneira. Neste momento, a aluna surda mostrou o mesmo desempenho que a criança considerada “normal”, demonstrando que a utilização do jogo foi um facilitador de aprendizagem, o que permitiu que a aluna deficiente auditiva se apoiasse em seus outros sentidos para ter uma compreensão maior da atividade trabalhada. Atividade 2: Já nesta segunda atividade, foi entregue aos alunos o material dourado, antes certifiquei-me se todos conheciam e se já o haviam utilizado. Assim, tendo a certeza de que todos estavam familiarizados foi dada continuidade a atividade. No entanto, foi observado que aqueles com mais dificuldades não conseguiram nomear as peças corretamente, reconheciam somente as que representavam as unidades. Em seguida, foi colocado na lousa seis contas sendo duas de adição, duas de subtração e duas de multiplicação. Cada criança, uma de cada vez, deveria montar a conta e dar o resultado usando as peças do material dourado. Enquanto realizavam as operações, deveriam explicar o que estavam fazendo e por que. Em seguida, fazer o registro no papel. Durante a atividade observei e fiz alguns questionamentos.Os alunos com mais dificuldades demonstraram pouco domínio, montaram as contas, fizeram os registros, mas apresentaram erros, um na montagem e outro no resultado obtido, isso ocorreu em todas as contas. Enquanto que a aluna surda demonstrou grande habilidade com o material, explicou em sinais como estava representando os números e resolvendo as contas. Seu desempenho foi o mesmo do aluno sem dificuldades. Observando o desempenho da aluna surda podemos concluir que, a utilização dos jogos nas atividades de Matemática é de grande importância, pois o mesmo explora a forma visual, permitindo que o surdo organize, através de suas imagens mentais, sua aprendizagem. © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 113 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ Por serem atividades concretas, o jogo facilita o ensino-aprendizagem da criança surda, pois sabemos que suas experiências são visuais. De acordo com Sales (2004), O elemento visual configura-se como um dos principais facilitadores do desenvolvimento da aprendizagem dos surdos. As estratégias metodológicas utilizadas na educação devem necessariamente privilegiar os recursos visuais como um meio facilitador do pensamento, da criatividade e da linguagem viso-espacial. (SALES, 2004, p.10). Baseado nas pesquisas de grandes estudiosos e autores do tema jogos, brincadeiras e brinquedos, conclui-se que os mesmos, se bem utilizados, são preciosas ferramentas de trabalho, principalmente para a criança surda, embora também tenha ficado claro que só a utilização dos jogos não é garantia de aprendizado para todos. Alguns alunos que apresentam dificuldades diversas de aprendizagem, muitas vezes necessitam de outros recursos e caminhos para se desenvolverem e adquirirem conhecimento. Demonstrando mais uma vez que o bom educador deve sempre buscar caminhos diferentes para alunos também diferentes, pois o que funciona para um não é garantia que dê o mesmo resultado para outro. CONSIDERAÇÕES FINAIS Muito tem se falado em inclusão, na verdade nunca se falou tanto em inclusão como nos últimos anos. No entanto, a inclusão verdadeira só irá ocorrer quando o aluno portador de qualquer tipo de necessidade especial tiver as mesmas oportunidades de aprender e construir seus conhecimentos como todos os demais alunos, e isso inclui a utilização de caminhos variados. Assim, o interesse em escrever este artigo científico, esteve ancorado no pressuposto de que há muito tempo, grandes estudiosos e pesquisadores abordam o tema ludicidade, jogos e brincadeiras como um grande instrumento e caminho para o desenvolvimento da criança. Sendo assim,observa-se que estes estudiosos não estavam preocupados em pesquisar apenas as crianças ditas “normais” e a sua relação com a ludicidade, mas a influência destas atividades para todas as crianças. Partindo deste pressuposto, este trabalho objetivou esclarecer que todas as crianças, portadoras de deficiências ou não, possuem uma relação muito importante com os jogos e brincadeiras e que estes são facilitadores do processo de aprendizagem e de desenvolvimento de todas as crianças, haja vista o valor simbólico que o brinquedo e as brincadeiras educativas têm na vida da criança mesmo antes de sua chegada à escola. © Revista Conteúdo, Capivari, v.5, n.1, ago./dez. 2013 – ISSN 1807-9539 114 REVISTA CONTEÚDO ARTIGO/ Sendo importante para todas as crianças, não poderia ser diferente para os surdos, que por desenvolverem uma língua viso-espacial,se beneficiariam ainda mais destes recursos, pois antes de serem alfabetizados os mesmos precisam adquirir a língua de sinais, que é a sua aquisição de linguagem propriamente dita. Recordando o que o grande pesquisador Vygotsky (1999) diz “que o gesto precede a palavra”, acredito que o brinquedo esteja presente na vida da criança muito antes da mesma iniciar o seu processo escolar tendo um valor simbólico ainda maior, já que muitos pais se utilizam de objetos da própria realidade da criança para ir instituindo a língua de sinais, o que torna os brinquedos ainda mais significativos para a criança surda. Por conseguinte, auxiliariam no processo da aquisição da linguagem e no processo de alfabetização da criança surda. No entanto, os jogos e brincadeiras educativas não podem acontecer num contexto em que não se programou ou se tem bem claras as metas que se quer atingir. Também não basta levar uma caixa de brinquedos na sala de aula e deixar as crianças brincarem, sem ter a participação, orientação e observação do educador docente ou de um psicopedagogo durante a atividade em si. Além do que, se faz necessário que o educador ou demais profissionais da educação tenham uma visão de comprometimento e crença naquilo que estão fazendo, pois sem o envolvimento incondicional do mediador em questão nem um grande instrumento como os jogos pedagógicos apresentarão bons resultados. Finalmente, a utilização dos jogos pedagógicos, brinquedos e brincadeiras educativas só surtirão efeito se todos os envolvidos na sua aprendizagem - educadores, coordenadores, enfim toda a equipe escolar - estiver livre de todo e qualquer tipo de preconceito e/ou discriminação, quanto à criança, suas necessidades e os instrumentos utilizados no seu processo de aprendizagem e desenvolvimento forem superados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Celso. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. Editora Vozes: Petrópolis, RJ, 1998. ARANHA, Maria Salete Fábio (Org.) A Bidirecionalidade do Processo de Ensino e Aprendizagem: Saberes e Práticas da Inclusão, SEESP/MEC: Brasília, 2003. 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