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Transplante de Córnea Penetrante vs Lamelar Anterior Profundo (DALK)
Jeferson Lautert
Ramon Coral Ghanem
O transplante de córnea é um dos procedimentos mais comuns realizados nos
dias de hoje, quando o assunto é substituição de tecidos. A maneira tradicional de
realizar a cirurgia é o transplante penetrante (TP) da córnea, que ainda ocupa posição
importante no número de procedimentos realizados.
Após o primeiro transplante de córnea em humanos realizado por Eduard Zirm
em 1905, passando pela popularização do procedimento e a grande evolução técnica
da década de 80 e 90, que culminaram nos procedimentos lamelares de hoje, muito já
se tem discutido e publicado relacionando os resultados de cada técnica. Atualmente
os TP ainda são muito realizados, mas há uma forte tendência para a redução do seu
uso.
De acordo com estatísticas do “Eye Bank Association of America”, em 2010,
ainda 51,5% de todos os transplantes realizados nos Estados Unidos correspondiam
ao TP. Muito documentado na literatura, com bons resultados pós-operatórios e mais
fácil de realizar.
A grande questão ligada à troca de todas as camadas corneanas, refere-se
principalmente a menor sobrevida do enxerto e maior risco de rejeição (endotelial) em
relação ao transplante lamelar anterior profundo (DALK).
Como conceito, o DALK corresponde a retirada das camadas anteriores
preservando o endotélio e as membranas de Descemet e de Dua e a consequente
substituição por um tecido doador com finalidade óptica, terapêutica ou tectônica. O
DALK é uma técnica mais difícil e demorada, com curva de aprendizagem maior.
Porém, apresenta muitas vantagens ao método convencional. Além das já citadas
acima, há menor risco de infecção e hemorragia expulsiva por ser um procedimento
extra-ocular e menor tempo de uso de corticosteróides no pós-operatório, reduzindo o
risco de glaucoma cortisônico e catarata.
Em meados de 1800 foram relatados os primeiros transplantes lamelares.
Arthur Von em 1888 realizou o primeiro transplante lamelar com sucesso. Ao longo
dos últimos vinte anos, com a evolução da técnica cirúrgica e materiais, o transplante
lamelar se tornou a técnica de escolha para tratamento das doenças que afetam as
camadas anteriores da córnea, especialmente o estroma corneano, e poupam a
membrana de Descemet e o endotélio.
As principais indicações do transplante lamelar são:
I.
II.
Ceratocone;
Leucoma de qualquer etiologia;
III.
Distrofias corneanas, exceto as do endotélio;
IV.
Ceratite intersticial;
V.
VI.
VII.
Degeneração corneana;
Queimadura ocular;
Anomalias corneanas congênitas;
Um amplo campo de discussão se abre quando comparamos as duas técnicas.
Existe superioridade dos resultados de um ou outro procedimento?
No estudo conduzido por Borderie et al. que buscou justamente esta análise,
os resultados foram superiores para os pacientes submetidos ao DALK, sigla em
inglês para Deep Anterior Lamellar Keratoplasty. Foram 284 olhos separados em 2
grupos: DALK (Técnica big-bubble ou dissecção manual) e TP.
A perda média de células endoteliais no seguimento de 5 anos foi de -22,3% e
-51,1% para o DALK e PK, respectivamente (p<0,001). A previsão de sobrevida
média do enxerto também surpreendeu quanto ao resultado: 49 anos no grupo do
DALK e 17.5 anos no grupo TP (p<0,001). No que tange a acuidade visual, os
resultados foram ligeiramente melhores no TP, diferença variando de 1,0 para 2,5
linhas de visão. Com a evolução das técnicas de DALK muito tem mudado em
relação aos resultados visuais, pois o leito residual está cada vez mais regular e fino
(restando apenas endotélio/Dua/Descemet e praticamente nada de estroma residual),
proporcionando aos pacientes de DALK resultados similares ao TP.
Em estudo realizado por Sarnicola et al., avaliando a taxa de sobrevida dos
DALKs em séries de 660 casos com diferentes tempos de acompanhamento, mostrou
taxa de sucesso de 98,5% no grupo de maior seguimento, 9 anos. As causas para a
falência foram: ceratite por pseudomonas e herpética, falência endotelial por excesso
de manipulação cirúrgica e 1 caso por insuficiência de cicatrização e úlcera em um
olho com queimadura química.
Em relação a técnica cirúrgica, a preferência é pela remoção completa do
estroma. Quanto mais estroma residual houver, e quanto mais irregular for este, pior
será o resultado visual final. É consenso entre os cirurgiões que a forma mais fácil de
separar o estroma profundo das membranas de Dua e Descemet é através da injeção
de ar intraestromal com formação da “bolha de descolamento”. É comprovado que
quanto mais profunda a injeção de ar no estroma maior a chance de formação de
bolha. Daí a procura por uma técnica que permita alcançar este objetivo de forma
reprodutível.
Conseguir um plano de separação entre Descemet/Dua e o estroma profundo
facilita
muito
a
realização
do
procedimento,
diminuindo
a
chance
de
micro/macroperfurações ou mesmo a conversão para um TP.
A técnica Pachy-bubble tornou o procedimento mais reprodutível através de
medidas paquimétricas na área por onde passará a cânula que injetará ar intraestromal. Esta técnica permite a injeção de ar muito próximo da Dua/Descemet
aumentando a taxa de formação de bolha. Em publicação recente, dos 105 olhos
submetidos ao transplante com Pachy-bubble, 95,5% foram feitos pela técnica
lamelar e a “bolha” foi alcançada em 91% dos casos.
Outro fator preponderante no sucesso e taxa de conversão, refere-se ao tipo de
bolha que ocorre durante a injeção de ar. Nos casos de bolha tipo 1, quando ocorre
separação do estroma profundo da membrana de Dua, a probabilidade de perfuração é
muito menor. A Dua é uma camada acelular, de cerca de 10 micra, composta por
colágeno tipo 1, extremamente resistente.
No tipo 2, a bolha se forma entre as membranas de Dua e Descemet. Desta
forma, a parte resistente fica aderida ao estroma profundo e o que sobra é apenas
endotélio e Descemet, camadas muito mais frágeis.
Em resumo, a prática do DALK ainda é um desafio para os cirurgiões, mas
muito já se fez para alcançar melhores resultados. Conhecimento da nova anatomia da
córnea e das diferentes técnicas existentes, treinamento e paciência figuram os pilares
para o sucesso no transplante lamelar anterior profundo.
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