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Relato de caso
Aplasia cútis congênita de couro cabeludo: relato de caso e revisão
de literatura
Aplasia cutis congenita of the scalp: case report and review of literature
Samir Ale Bark2
Francisco Alves de Araújo Jr3
Andrei Leite de Morais4
Danilo Magnani Bernardi4
Cristina Belotserkovets Heinrich4
Fabio Koga de Oliveira5
Luis Alencar Biurrum Borba6
RESUMO
ABSTRACT
Introdução: A aplasia cútis congênita é uma doença rara que
apresenta incidência de 1 a cada 10.000 nascimentos. Uma
taxa de mortalidade de 20% tem sido relatada, principalmente
devido a hemorragia ou meningite naqueles pacientes com envolvimento craniano. Objetivo: Relatar o caso de um paciente
e realizar revisão de literatura sobre o assunto. Relato de caso:
Paciente do sexo feminino nascida de parto cesáreo, com 37
semanas de gestação. A doença foi diagnosticada intra-útero
por meio de exames de imagem (ultra-sonografia obstétrica e
ressonância magnética fetal). Nas primeiras 48 horas de vida,
a recém-nascida foi submetida a procedimento cirúrgico com
o intuito de reparar a lesão. Evoluiu com complicações tardias, como fístula liquórica, meningite e convulsões. Aos dois
anos de idade, foi a óbito em decorrência de sepse de foco
pulmonar. Conclusão: Aplasia cútis congênita é uma doença
rara, que pode atingir somente couro cabeludo, mas também
apresentar-se com ausência de parte da calota craniana, o que
aumenta a mortalidade devido ao maior risco de complicações
como fístula liquórica, meningoencefalite e sangramento.
Introduction: Aplasia cutis congenital ( ACC ) is a rare disease with an incidence of 1 in 10,000 births. A mortality rate
of 20% has been reported, mainly due to hemorrhage or meningitis in patients with skull involvement. Objective: To report
the case of a patient presenting with ACC and to perform a
review of literature. Case report: A female patient, born by a
cesarean section after a 37 weeks’ gestation had an intrauterine diagnosis of ACC by obstetric ultrasound and fetal magnetic resonance imaging. In the first 48 hours after birth, the
newborn underwent a surgical procedure in order to repair the
cranial defect, evolving with late complications such as cerebrospinal fluid fistula, meningitis and seizures. The child died
due to lung sepsis two years later. Conclusion: Aplasia cutis
congenita is a rare disease, which can involve only the scalp,
but also presenting with absence of part of the skull, what increases the mortality rate due to increased risk of complications like CSF leak, meningoencephalitis and bleeding.
Keywords: aplasia cutis, scalp.
Palavras-chave: Aplasia cútis, couro cabeludo.
1. Trabalho realizado no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) – Departamento de Neurocirurgia.
2. Médico Neurocirurgião, Preceptor da Residência Médica em Neurocirurgia do HUEC, Professor da Disciplina de Neuroanatomia do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica do
Paraná (FEPAR).
3. Residente de Neurocirurgia do HUEC.
4. Médico Neurocirurgião.
5. Médico formado pela FEPAR.
6. Neurocirurgião Chefe do Departamento de Neurocirurgia do HUEC. Mestre em Neurocirurgia pela UNIFESP e Doutor em Cirurgia pela FMUSP – Ribeirão Preto.
Recebido em abril de 2010, aceito em junho de 2010
Bark SA, Junior FAA, Morais AL, Bernardi DM, Heinrich CB, Oliveira FK, Borba LAB - Aplasia cútis congênita de couro cabeludo:
relato de caso e revisão de literatura
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Relato de caso
Introdução
Relato de caso
A aplasia cútis congênita (ACC), também chamada de ausência
congênita da pele é uma doença rara composta por um grupo
heterogêneo de alterações caracterizadas pela ausência de pequenas ou extensas áreas de pele no momento do nascimento,
podendo ocorrer em qualquer região do corpo2, 16, 25, 34, 46.
Paciente M.K.O , sexo feminino, nascida em 18/07/2005, com
37 semanas de gestação, de parto cesáreo.
Condom, em 1767, descreveu pela primeira vez um caso de
aplasia cútis nos membros inferiores34. Campbell, em 1826, foi
o primeiro a relatar um caso de “úlcera congênita” no couro
cabeludo6. Em 1828, Billard descreveu tal anomalia no couro
cabeludo associada a falha óssea34.
A lesão é mais comumente vista na região das fontanelas na
linha média, ao longo do seio sagital superior, mas ocorre também na região parietal e retro-auricular, seguido pelos braços,
joelhos, ambos os lados do tronco e pescoço32, 35. Mais de 500
casos já foram relatados29. A lesão pode atingir diferentes profundidades e envolver o periósteo, crânio e dura-máter. Aproximadamente 85% dos casos envolvem o couro cabeludo e, em
15% a 30% desses casos, a lesão está associada a anomalias
dos ossos do crânio, como na agenesia óssea. Cerca de 80%
das lesões pequenas ocorrem próximo ao “redemoinho parietal”8, 10, 13, 26, 32, 44. Das lesões do couro cabeludo, 70% a 75% são
únicas, 20% duplas e 8% simples34. A maioria dos casos sem
anomalias congênitas associadas tem bom prognóstico. Não há
predileção por raça e a lesão está presente desde o nascimento.
Na maioria dos casos, a doença afeta o escalpo e está limitada
a derme, epiderme e ocasionalmente ao subcutâneo. A aplasia
cútis típica mede de 0,5 a 3 cm4, 23.
A parturiente tinha 23 anos, primigesta, sem comorbidades e
sem vícios, fez pré-natal regularmente, sendo realizada ultrasonografia (US) no primeiro e terceiro trimestres de gestação.
Na última US feita (fig. 1a e 1b), foi diagnosticada malformação em calota craniana do feto, sugestiva de acrania frontal, então a parturiente foi encaminhada para continuar pré-natal no
Serviço de Gestação de Alto Risco do Hospital Universitário
Evangélico de Curitiba. Após o achado observado na ecografia obstétrica, foi realizada ressonância magnética encefálica (
RM ) do feto (fig. 2a e 2b). Durante o pré-natal a parturiente
evoluiu com anemia, sem outras intercorrências.
Figura 1. (a e b) – US obstétrica evidenciando aumento dos lobos frontais e
ausência de calota craniana frontal
Existem diversas teorias sobre a etiopatogenia da ACC, porém
nenhuma delas foi devidamente confirmada e alguns estudos
concluíram que provavelmente esse defeito não pode ser atribuído a uma só causa17, 18, 33.
A ACC que acomete o crânio e dura-máter é uma entidade rara
e tem uma taxa de mortalidade elevada, decorrente de complicações hemorrágicas e infecciosas do sistema nervoso central
(SNC )3, 17, 20.
Diante da raridade da afecção e de seu difícil manejo clínicocirúrgico, esse estudo visa relatar o caso de uma paciente com
aplasia cútis congênita de grande extensão e revisar a literatura
a cerca do assunto.
Figura 2 (a e b) – RM do encéfalo fetal (corte sagital em T2) evidenciando volumosa herniação frontal dos hemisférios cerebrais que se apresentam recobertos
por meninge e, parcialmente, pela pele.
Ao completar 37 semanas de gestação, foi realizado parto cesáreo. O recém-nascido (RN) permaneceu na UTI Neonatal do
HUEC. Imediatamente após o parto, o diagnóstico de aplasia
cútis foi confirmado. A lesão localizava-se em região frontal
com comprometimento da calota craniana, era bilateral e simétrica medindo, aproximadamente, 10 cm de extensão em seu
maior diâmetro, com exposição do parênquima cerebral que
era protegido por um tecido fino e translúcido que permitia a
visualização dos sulcos, giros e vasos sanguíneos do encéfalo
(fig. 3a e 3b). A RN foi examinada minuciosamente pela equipe médica e não foram encontradas outras malformações.
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Discussão
A ACC é uma doença rara que apresenta incidência de 1 a cada
10.000 nascimentos. Uma mortalidade de 20% tem sido relatada, principalmente devido a hemorragia ou meningite naqueles
pacientes com envolvimento craniano3,17, 20.
Figura 3 (a e b) – Imagem da lesão antes do primeiro procedimento cirúrgico.
Nas primeiras 48 horas de vida, o RN foi submetido ao primeiro procedimento cirúrgico, tendo sido retirado retalho da coxa
para cobertura do cérebro exposto. No pós-operatório imediato
e recente, não houve intercorrências, entretanto, tardiamente,
a paciente apresentou fístula liquórica e necrose de tecido cerebral, sendo novamente submetida a procedimento cirúrgico
para debridamento e correção da fístula. Aos seis meses de
vida, a lactente foi internada novamente com quadro de fístula
liquórica e, para corrigi-la, a pele que recobria o parênquima
cerebral foi coberta com pericárdio bovino. Dois meses após
esse procedimento, a paciente evoluiu com meningite, sendo
necessária introdução de derivação ventricular externa e antibioticoterapia. Após tratamento do quadro infeccioso, novo
pericárdio bovino foi utilizado para recobrir a pele. Em agosto
de 2006 a paciente apresentou quadro de deiscência de sutura
e nova fístula liquórica. Foi tratada com retirada do pericárdio
bovino e suturado o local onde estava ocorrendo a fístula.
Nos pós-operatórios, a ferida cirúrgica era tratada com curativo
(2 a 3 vezes por dia) utilizando-se sulfadiazina de prata e, ocasionalmente usava-se rifocina spray®.
Por volta dos quatro meses de vida a criança foi submetida
a primeira tomografia de crânio (TC) que evidenciou coleção
líquida em fossa posterior com anteriorização do cerebelo que
encontrava-se normal. Aos 18 meses, em seu internamento
mais recente, tal exame foi repetido e observou-se que o cerebelo encontrava-se atrofiado, assim como o tronco cerebral.
Com o decorrer da evolução clínica da doença, a criança apresentou crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas e o tratamento instituído foi valproato de sódio associado a fenobarbital. Houve sucesso no tratamento, com controles das crises,
entretanto quando ocorriam processos infecciosos ou fístula,
ocasionalmente a paciente apresentava crises que eram controladas com diazepam via retal.
A criança evolui a óbito, aos dois anos de idade, por um quadro
séptico de origem pulmonar de difícil tratamento.
Parece não haver uma teoria que unifique a etiologia da aplasia cútis34. A causa envolve, certamente, o fator genético, além
de outros fatores, como insuficiência vascular, agentes teratogênicos, dentre outros. As teorias propostas também incluem
comprometimento nutricional, deficiência de vitaminas, dano
químico ou tóxico intra-uterino e distúrbios hormonais11.
Segundo Glasson e Duncan (1985)15, a ACC geralmente ocorre
no primeiro filho do casal e no sexo feminino, o que concorda
com caso clínico descrito.
A literatura descreve casos ocorrendo dentro de uma mesma
família, entretanto, a paciente apresentava história familiar negativa para ACC. A doença seria transmitida por herança autossômica dominante ou recessiva, e em algumas ocasiões por
herança ligada ao cromossomo X14, podendo indicar um componente genético nesta condição. Há um relato interessante de
um paciente cuja mãe também possuía a lesão típica da ACC,
demonstrando o caráter hereditário da doença. Essa condição
é observada em gemelares, mas a ocorrência em mãe e filho é
rara7, 27.
No caso em estudo, a mãe da RN negava comorbidades e, durante a gravidez não usou nenhuma medicação potencialmente teratogênica. Hubert (1984)19 descreveu um caso em que a
exposição intra-útero ao ácido valpróico estaria relacionada à
aplasia cútis. Ademais, tem sido relatada associação ao uso de
metimazol31 e ao de misoprostol12.
A morfologia das lesões é muito variável. Clinicamente vários tipos e padrões de acometimento da pele podem ser observados. As características das lesões são bastante variáveis
não só em tamanho e localização, mas também no que tange a
fragilidade cutânea, crostas, úlceras e cicatrizes atróficas25. A
descrição clássica é de uma área de alopécia, brilhante, coberta
por um fina cicatriz quase transparente e vascular, por tecido
parecido com pergaminho. O escalpe adjacente é desprovido
de cabelo e se prolonga através de um raio circunferencial de
vários centímetros. Envolve áreas bem circunscritas, não inflamatórias no momento do nascimento e podem apresentar
lesões ulcerosas e escaras. Contudo, normalmente são benignas e podem se apresentar isoladamente ou associadas a outras malformações, síndromes e nevos4, 13. O exame histológico
dessas lesões demonstram uma camada delgada de colágeno na
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derme, sem cobertura de epitélio, com ausência de estruturas
anexiais34. Existe também uma redução do tecido celular subcutâneo, que em algumas ocasiões é completa, encontrando-se
geralmente nestes casos afetadas também algumas estruturas
profundas, como o músculo e o osso, deixando descoberto a
dura-máter24, como no caso descrito.
A suspeita diagnóstica leva a necessidade de uma investigação completa: história obstétrica, familiar e exame físico detalhado, devendo-se ter especial atenção para malformações em
tecidos oriundos da ectoderme13, 45. A placenta deve ser cuidadosamente examinada23. A avaliação clínica deve detectar a
coexistência de lesões tanto no tecido nervoso como em outros
órgãos16, 30. As anomalias incluem gastrosquize, onfalocele,
atresia duodenal, atresia pilórica, linfangectasia intestinal e fístula traqueoesofágica2, 9, 13; ausência distal dos membros, fenda
palatina e labial, anomalias cardíacas e cutis marmorata38. Assimetria distal de membros, deformidades auriculares, retardo
mental, anomalias renais e micrognatia podem estar presentes
e a associação com feto papiráceo tem sido descrita5, 11, 28, 47.
Para descartar alterações associadas pode-se dispor de exames
complementares como o ultra-som, TC e RM e até mesmo de
estudo eletroencefalográfico25. No caso descrito, o diagnóstico
foi feito intra-útero por meio de US obstétrica e RM do encéfalo do feto e, tais exames não mostraram outras anormalidades.
Aos quatro meses de vida, foi realizada TC de encéfalo da
lactente e evidenciou-se presença de coleção líquida em fossa
posterior que deslocava, anteriormente, o cerebelo. Alem disso, em região frontal identificava-se imagem compatível com
esquisencefalia e notava-se, também, ausência de corpo caloso.
De acordo com os achados da literatura, não foram observados
relatos da ACC com tais resultados tomográficos. Por volta de
18 meses, novo exame tomográfico foi realizado. Alem das alterações descritas, foi notado que havia atrofia do cerebelo e
tronco cerebral, que não foram relatadas no primeiro exame.
A ACC é uma condição que oferece grande dificuldade de tratamento, devido a sua raridade (pouco mais de 500 casos já foram relatados) e também devido à variedade de apresentações
clínicas. O reparo das lesões pode envolver deste uma simples
excisão até uma reconstrução complexa com uso de enxerto
ósseo e retalhos de músculos43.
O tamanho, localização e malformações congênitas associadas
determinam o prognóstico e tratamento44. Lesões superficiais e
limitadas com freqüência regridem sem intercorrências25, 42, 46.
O tratamento recomendado para lesões pequenas e superficiais
é o conservador1, 21, 41, 44, incluindo o cuidado local da ferida
com curativos embebidos em antibióticos aplicados 2 a 3 vezes
por dia39,42. Contudo, quando a lesão é extensa (mais de 6 cm
de diâmetro) raramente fecham completamente e permanecem
em tratamento por muito tempo29, e podem cursar com hemorragias e infecção17.
O tratamento das lesões grandes, profundas e com envolvimento
da dura-máter é controverso. Alguns autores defendem o tratamento conservador mesmo nas lesões extensas com relatos de
boa evolução de alguns pacientes46. Outros tem destacado as
desvantagens desse regime de tratamento e sugerem o tratamento conservador inicialmente com cirurgia precoce no caso
de pequenos sangramentos que classicamente precedem grandes
hemorragias3, 15, 29, 37, 46. Estes sangramentos, ocorrem devido a
pequenas fissuras secundárias ao ressecamento da superfície das
lesões após os curativos. Cirurgias de urgência devido a lesões
do seio sagital superior ou de lagos venosos são tecnicamente
difíceis, devido a anatomia anômala e fragilidade do tecido a
ser suturado15. Assim, o fechamento precoce da lesão é muito
importante, não somente para prevenir complicações fatais, mas
também para facilitar a reconstrução cirúrgica subseqüente46.
Wexler e col44 apresentaram seus casos bem sucedidos de manejo com tratamento conservador para lesões extensas. Eles também destacaram a ausência de crescimento ósseo sob enxerto de
pele e do risco de hemorragia no procedimento de reconstrução
subseqüente. Ross e col37 apresentaram exemplos de falência no
tratamento conservador, além disso, outros trabalhos demonstraram crescimento ósseo ocorrendo após o enxerto de pele41,
revelando as vantagens do fechamento precoce da lesão.
As cranioplastias autólogas ou heterólogas foram realizadas em
abordagens precoces e mais tardias, devido ao pouco crescimento
dos ossos do crânio após a cicatrização da pele46. É conveniente
que se faça o controle e profilaxia de infecções com uso de antibióticos em uma primeira etapa e posterior abordagem cirúrgica25.
No caso relatado, a lesão é considerada extensa (aproximadamente 10 cm). Optou-se pelo tratamento cirúrgico, sendo a paciente submetida à operação dentro das primeiras 48 horas de
vida com o intuito de evitar as possíveis complicações. No primeiro procedimento realizado, a lesão foi recoberta por enxerto
de pele, como nas descrições da literatura, não havendo complicações no transoperatório. Apesar de a cirurgia ter ocorrido sem
intercorrências, não houve sucesso terapêutico por muito tempo,
uma vez que a paciente evoluiu com piora clinica devido à infecção de repetição e fístula liquórica.
A utilização de sulfadiazina de prata foi proposta inicialmente por
Wexler e col44, com bons resultados. Essa terapia tem como principais benefícios o suporte antibacteriano, que evita o ressecamento
da lesão, permitindo a epitelização e o crescimento ósseo. Nos períodos pós-operatórios, sulfadiazina de prata foi utilizada e realmente
melhorou a cicatrização, evitando infecção de sítio cirúrgico.
Após o primeiro procedimento cirúrgico, parte do parênquima cerebral sofreu isquemia e necrose, sendo necessário reabordagem para
debridamento. Tal complicação não foi encontrada na literatura.
Alta mortalidade só é comum no grupo que possui anomalias
congênitas associadas. No entanto, a mortalidade devido à he-
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morragia do seio sagital40 e meningite tem sido descrita na presença de lesões solitárias de couro cabeludo e calota óssea46.
Lesões extensas e que acometem a dura-máter são extremamente raras, mas têm mortalidade mais elevada. As infecções e hemorragias (principalmente do seio sagital superior) são as principais causas de morte neste subgrupo, com taxa de mortalidade
de 20% e 55% respectivamente3, 29, 36. As outras causas de morte
descritas são trombose de seio venoso, hiponatremia (por perda
direta de sódio pela ferida), hipercalemia (devido ao uso de sulfadiazina de prata nos curativos)3, 15 e traumatismos 1, 18.
Os raros casos de lesões extensas são propensos a evoluir com
essas complicações hemorrágicas e infecciosas, podendo levar
a êxito letal. Por essa razão, a intervenção cirúrgica precoce
das lesões extensas deve nortear a terapêutica para se evitar um
desfecho indesejado.
No caso relatado, apesar da intervenção cirúrgica precoce, a
paciente evolui com complicações, dentre elas a meningite de
repetição, que apesar de difícil tratamento, foi tratada com sucesso. Enfim, o óbito deveu-se a outras causas não diretamente
relacionada com a doença, uma vez que na época em que apresentou o quadro de pneumonia, não foram constatados sinais
de infecção no SNC .
Devido à raridade da ACC e ao pequeno número de pacientes
nas séries publicadas na literatura, a padronização do tratamento ainda é muito inicial. O que existem são recomendações,
sendo necessários estudos que abordem desde a etiologia da
doença até a avaliação dos métodos de tratamento e evolução
de grupos maiores de pacientes.
Conclusão
Aplasia cútis congênita é uma doença rara, que pode atingir somente couro cabeludo, mas também apresentar-se com ausência de parte da calota craniana, o que aumenta a mortalidade
devido ao maior risco de complicações como fístula liquórica,
meningoencefalite e sangramento.
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Autor Correspondente
Francisco A. Araújo Jr.
Rua Padre Anchieta, 2454 – AP 203
Bairro Bigorrilho – Curitiba (PR)
CEP: 80730-000
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relato de caso e revisão de literatura
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