227 Case Report Síndrome de Adams-Oliver: Revisão da Literatura e Relato de uma Criança Brasileira com 11 Anos Adams-Oliver Syndrome: Literature Review and Report of an 11 Year-old Brazilian Child Luana Antunes Maranha Gatto1 Danielle Domingues2 RESUMO A Síndrome de Adams-Oliver é uma desordem rara caracterizada por aplasia cútis congênita e defeitos nos membros distais transversais. Geralmente esporádica, mas também autossômica recessiva ou dominante, apresenta um amplo espectro de apresentações fenotípicas, que podem incluir variadas malformações múltiplas sistêmicas. A doença pode ser fatal, quando inclui principalmente anomalias cardíacas, cerebrais ou renais graves. Acredita-se que a etiopatogenia se dá em função de distúrbios na vasculogênese, e mutações em seis genes foram identificados. Ampla revisão da literatura foi realizada, discutindo critérios diagnósticos e terapêuticos. Por fim, foi relatado o caso de um menino brasileiro de 11 anos de idade, com fenótipo característico e doença leve, sem achados de anomalias sistêmicas, mas retardo mental, epilepsia e traços autistas, com ressonância encefálica normal. Palavras-chave: Displasia ectodérmica; Dermatoses do couro cabeludo; Deformidades congênitas dos membros; Anormalidades congênitas; Anormalidades múltiplas; Deficiência intelectual. ABSTRACT The Adams-Oliver syndrome is a rare disorder characterized by aplasia cutis congenita and terminal transverse limb defects. Generally sporadic, but also autosomal, recessive or dominant, it presents a broad spectrum of phenotypic presentations, which may include various multiple systemic malformations. The disease can be fatal, when include mainly severe cardiac, cerebral or renal abnormalities. It is thought that the pathogenesis occurs in function of disorders of vasculogenesis, and mutations in six genes have been identified. Comprehensive literature review was conducted, discussing diagnostic and therapeutic criteria. Finally, it was reported the case of a Brazilian boy of 11 years old, with characteristic phenotype and mild disease without findings of systemic abnormalities, but mental retardation, epilepsy and autistic traits, with normal resonance of brain. Key words: Ectodermal dysplasia; Scalp dermatoses; Congenital limb deformities; Congenital abnormalities; Multiple abnormalities; Intellectual disability. Introdução A síndrome de Adams-Oliver (AOS) é uma desordem congênita rara, autossômica/recessiva/ou esporádica, caracterizada por aplasia cútis congênita e defeitos nos membros transversais terminais5,6,7,9. A co-ocorrência esporádica desses dois achados foi primeiramente relatada por Pincherle, em 1938, sete anos antes da descrição por Adams e Oliver de uma grande família com vários membros afetados, em 19453,7. Anomalias adicionais em outros órgãos (por exemplo, o coração, o cérebro e os olhos) também podem estar presentes com expressividade variável6,9. Uma estimativa da incidência de AOS é de 0,44 por 100.000 nascidos vivos. Centros de atendimento pediátrico terciários suportam uma incidência um pouco maior, e um 1 2 reconhecimento de fenótipos mais suaves dentro do espectro da AOS ainda pode revelar uma incidência significativamente maior3. Relato de Caso Menino, 11 anos de idade. Mãe primigesta com pré-natal e parto vaginal sem intercorrências. Ao nascimento, visualizada ausência de pelo capilar e ferimento profundo e extenso na região da fontanela anterior, além de deformidades nas extremidades: ausência das falanges distais de mãos e pés, e pés tortos. A ferida na cabeça cicatrizou em um mês, mas até a idade atual permanece com alopecia na linha média (Figuras 1 a-e, 2 a-d). Não houve encaminhamento para Neurosurgery and Interventional Neuroradiology Department, Hospital Universitário Cajuru, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR Physical Therapy Student, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ Received Aug 31, 2016. Corrected Sept 16, 2016. Accepted Sept 19, 2016 Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira com 11 anos. J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015 228 Case Report investigação diagnóstica durante o primeiro ano, pois, apesar de as deformidades serem estranhas à família e aos médicos que o assistiram, o menino apresentava desenvolvimento neuropsicomotor normal. Não há nenhum caso semelhante na família, nem epilepsia, doenças neurológicas ou outras síndromes. Com 1 ano e 1 mês apresentou sua primeira crise convulsiva. Um mês após cursou com estado de mal epiléptico, tendo sido necessária neuroanestesia e ventilação assistida. Recebeu o diagnóstico de síndrome de Adams-Oliver por médico geneticista, puramente pelos achados clínicos. Novamente seguiu sem conclusão diagnóstica e sem acompanhamento para o tratamento, ao longo de vários anos, devido à deficiência da saúde pública do Estado do Rio de Janeiro. Figura 1. a,b. Aplasia cútis congênita do menino aos 14 meses de vida. As crises eram tônico-clônico generalizadas, numa frequência média de 1 ou 2 vezes por mês. Atualmente, duram no máximo 30 segundos (exceto se houver privação de sono, ocorrendo em salvas), habitualmente no início da manhã. Além disso, apresenta frequentemente alucinações visuais como fenômenos circulares multicoloridos e luzes (crises occipitais). O menino deambula sem dificuldades, após muitos anos de acompanhamento fisioterápico. Não há déficits focais ao exame neurológico. Possui déficit cognitivo moderado e comportamento infantilizado; prejuízo importante de memória imediata e recente, além de déficit de atenção, com alguns traços de autismo. Não conseguiu ser alfabetizado. Desorientado em tempo e espaço. Faz uso de Neuleptil 4% 5mg, 5 gotas e Fenobarbital 100mg à noite. Fez uso prévio de Carbamazepina e Depakene, tendo sido substituídos por controle pobre das crises generalizadas. Necessita de auxílio para as atividades básicas diárias, inclusive higiene. A ressonância magnética (RMI) de crânio (0,5 Tesla) se apresenta normal, apesar de acentuados artefatos de movimento e devido ao aparelho ortodôntico (apenas com falha óssea na topografia da fontanela anterior de cerca de 2 cm) (Figura 3 a-c). O eletroencefalograma de vigília se mostrou anormal focal grau III em regiões occipitais à esquerda, com acentuados sinais de disfunção de caráter específico córtico-subcorticais de projeção em regiões occipitais à esquerda. Eletrocardiograma e ecocardiograma transtorácico, avaliação oftalmológica global, ecodoppler arterial e venoso dos membros inferiores, além de cariótipo também foram normais. Figura 1. c-e. aos 10 anos. Figura 2. a-b. Malformações nos membros distais. Figura 2. c-d. Malformações nos membros distais. Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira com 11 anos. J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015 229 Case Report Figura 3. c. Ressonância magnética de crânio. Discussão Figura 3. a. Ressonância magnética de crânio. Síndrome de Adams-Oliver é uma desordem rara (1 caso em 225.000 nascimentos) com defeitos e anormalidades físicas de grande variabilidade entre os indivíduos afetados4,9. O mecanismo fisiopatológico responsável pelas anomalias e malformações permanece desconhecido, com hipóteses de circulação deficiente em determinadas áreas durante um período crítico do desenvolvimento9. Pela presença de aplasia cútis congênita na abóboda craniana em 75% dos casos é mandatória uma investigação de possíveis lesões ou malformações cranioencefálicas subjacentes, com raios-X, tomografia, ressonância e até mesmo ultrassonografia do crânio. Opções de tratamento são discutidas na literatura, de acordo com o tipo e extensão da lesão, indo desde cicatrização por segunda intenção, curativos com substitutos de pele e indutores de duramater, até cirurgia com rotação de retalhos e enxertos ósseos2. Manifestações Dermatológicas Figura 3. b. Ressonância magnética de crânio. Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira com 11 anos. A lesão típica da aplasia cútis é pequena (0,5 - 10 cm), bem circunscrita, com aspectos diferentes: circular, oval, linear ou estrelado, membranoso (superfície membrana-like) ou não-membranoso (irregular e maior). Pode ser associada com defeitos do crânio subjacentes, especialmente quando a lesão da pele for maior que 10 cm. Este é um indício clínico importante quando se considera malformações associadas ou possíveis complicações (hemorragia ou trombose do seio sagital, infecção focal ou meningite), importantes causas de J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015 230 Case Report óbito. A lesão é não-inflamatória e circunscrita. O aspecto clínico pode informar sobre o momento de indução durante a gravidez: nas primeiras semanas, não há tempo para a cura e a lesão aparece como uma cicatriz alopécica atrófica ou fibrótica. Em alguns casos, os defeitos mais profundos podem ser observados: ulcerações que passam pela derme, tecido subcutâneo, periósteo, até mesmo o crânio e dura, com complicações graves. O sinal do colar de cabelo (crescimento do cabelo distorcido em torno de uma lesão do couro cabeludo) é um indicador significativo, levantando a questão de lesões subjacentes. A localização da aplasia cútis para o vértice pode ser explicada parcialmente pela existência da força de tração máxima durante o crescimento rápido do cérebro nessa região; isso acontece durante as semanas 10-15 de gestação1. A aplasia cútis congênita da AOS geralmente ocorre na linha média das regiões parietal ou occipital, mas também pode ocorrer no abdômen ou membros. Ao nascimento, uma lesão na pele pode já ter a aparência de uma cicatriz seca, devido à ausência de folículos capilares. Histologicamente, há ausência variável da epiderme, derme, tecido subcutâneo, músculos ou ossos. Muitas vezes, lesões menores que 5 centímetros envolvem apenas a pele e quase sempre se curam num período de meses. Lesões maiores são mais sujeitas a envolver o crânio (o que ocorre em 50% dos casos), incluindo a dura mater, com maior risco de complicações: infecção, hemorragia, úlcera, trombose (geralmente do seio sagital superior), fístula liquórica, encefalocele e crises convulsivas2,3,9. Essas complicações possuem uma mortalidade geral de 20%2. Um caso de AOS em que a aplasia cútis envolvia uma grande porção do crânio foi relatado com sucesso de tratamento apenas de forma conservadora através de curativos repetidos. Um dia após o nascimento, o paciente foi tratado com aposição de substituto dérmico sintético devido a vazamento de líquor, para prevenir a infecção. Foram utilizadas gazes estéreis úmidas não-aderentes e atraumáticas, relativamente baratas, com aplicação tópica dos agentes antimicrobianos com sulfadiazina de prata ou pomada de bacitracina, em conjunto com uma terapia antibiótica sistêmica durante as primeiras várias semanas, reduzindo a carga bacteriana e evitando a desidratação da ferida. Esse curativo mantém indução dural para a regeneração óssea. O defeito cicatrizou sem necessidade de cirurgia. A cirurgia possuiria alto risco de falha parcial ou total do enxerto por causa do tamanho do defeito ou da anormalidade subjacente à pele2. Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira com 11 anos. Manifestações Apendiculares Os defeitos nos membros variam de leve (falanges distais curtas uni- ou bilateralmente; braquidactilia, polidactilia, sindactilia e unhas hipoplásicas) a grave (ausência completa de todos os dedos dos pés ou dedos e, em algumas vezes, assemelhase a uma amputação)3,4. Os membros inferiores são quase sempre mais severamente afetados do que as extremidades superiores3,9. Manifestações Clínicas e de Órgãos Internos Características principais adicionais incluem malformações/ disfunções cardiovasculares (23%), como hipertensão pulmonar, defeitos do septo ventricular, tetralogia de Fallot, anomalias das grandes artérias e de suas válvulas3,4,7. Anomalias cerebrais, renais, hepáticas e oculares são vistas menos frequentemente3,9. Anormalidades oculares e complicações pré-natais (como restrição de crescimento intrauterino e oligoidrâmnio) compreendem, cada uma, a menos de 10% dos indivíduos com a síndrome. A gravidade das malformações varia de sutil a desabilitante ou com risco de vida; a variabilidade entre membros da mesma família é comum. Apesar de rara, a morbimortalidade grave na AOS geralmente é resultado de hemorragia ou infecção envolvendo grandes e profundas lesões na calota craniana, ou de anomalias cardiovasculares, incluindo malformações cardíacas graves5. Manifestações Neurológicas Embora a maioria dos indivíduos com AOS não tenha envolvimento neurológico, achados neurológicos frequentes em um subconjunto de pessoas incluem principalmente deficiência mental, convulsões ou paralisia cerebral. São achados bastante incomuns em doentes por gene autossômico dominante e contabilizam 30% dos doentes por gene autossômico recessivo. Deficiência intelectual é rara na ausência de uma anomalia estrutural do cérebro ou microcefalia. São possíveis os seguintes achados clínicos na AOS3: • deficiência cognitiva, dislexia, distúrbios do espectro do autismo; • hemiplegia espástica ou diplegia; • convulsões. J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015 231 Case Report Achados de neuroimagem possíveis na AOS: • malformações cerebrais e defeitos de migração: microcefalia, displasia cortical, polimicrogiria, paquigiria, corpo caloso disgenético; • atrofia cortical com ventriculomegalia, hemorragia cerebral, calcificações intracranianas (muitas vezes periventriculares)3; • hidrocefalia; • síndrome de Dandy-Walker7; • mielinização atrasada3. Exames de neuroimagem recomendados: • RM encefálica, para delinear quaisquer malformações cerebrais e identificar lesões sugestivas de microhemorragia ou isquemia. Recém-nascidos com anomalias cerebrais estão sob maior risco para convulsões, deficiência de desenvolvimento ou déficits motores e se faz mandatória a avaliação e acompanhamento de perto por especialistas de desenvolvimento. • Angiografia e venografia, para mostrar a anatomia vascular. Procedimentos cirúrgicos podem resultar em complicações inesperadas se vasculatura anormal não for reconhecida. Também são importantes para orientar tratamento de feridas quando a lesão da aplasia cútis for extensa e para determinar se há envolvimento do seio sagital superior3. Embora um mecanismo fisiopatológico claro não tenha sido reconhecido na AOS, um comprometimento vascular em áreas de watershed, com ou sem faixas amnióticas secundárias ou compressão externa durante a gravidez, tem sido sugerida como uma possível origem para AOS2,6. É proposto que uma instabilidade geneticamente diminuída dos vasos sanguíneos embrionários e/ou uma regulação anormal do endotélio possam induzir às anomalias relacionadas com a AOS, uma vez que há um comprometimento da vasculogênese sob a forma de perfusão reduzida e isquemia5,7. Genética As alterações genéticas, autossômicas, recessivas ou de novo (essas sendo as mais comuns) foram reveladas em genes que codificam proteínas envolvidas na regulação de dois importantes reguladores do citoesqueleto de actina, cujo efeito se dá sobre a interação célula-célula ou célula-matriz. Isso corrobora as hipóteses historicamente propostas para explicar a síndrome, devido a uma interrupção vascular6. Mutações em seis genes foram identificadas até o momento como causa para a AOS. Mutações no EOGT e DOCK6 causam AOS autossômica recessiva, enquanto mutações no ARHGAP31, RBPJ, DLL4 e NOTCH1 levam a AOS autossômica dominante3,4. De qualquer forma, há muita heterogeneidade de loci e das expressões fenotípicas dentro da mesma doença1. Apesar dos recentes avanços na compreensão da base genética da AOS, para a maioria dos indivíduos afetados o defeito molecular subjacente continua não esclarecido. Algumas mutações específicas estão sendo apontadas como preditoras de anomalias sistêmicas, fornecendo uma correlação genótipo-fenótipo convincente. Isso foi demonstrado, por exemplo, entre indivíduos com a mutação NOTCH1 positiva e a presença de anomalias cardíacas na AOS, que merecem maior investigação epidemiológica8,9. Critérios Diagnósticos O diagnóstico de AOS pode ser estabelecido com um dos seguintes itens3: • Achados clínicos de aplasia cútis congênita do couro cabeludo e defeitos dos membros distais; • Aplasia cútis congênita ou defeitos dos membros distais e um parente de primeiro grau com resultados consistentes com AOS; • Aplasia cútis congênita ou defeitos dos membros distais e qualquer uma das seguintes: variante patogênica em um gene autossômico dominante relacionado com AOS (ARHGAP31, DLL4, NOTCH1 ou RBPJ) ou duas variantes patogênicas em um gene autossômico recessivo relacionado com AOS (DOCK6 ou EOGT)3. Snape sugeriu características diagnósticas baseado em critérios maiores e menores. Os critérios maiores são defeitos Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira com 11 anos. J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015 232 Case Report de membros terminais transversos; aplasia cútis congênita e história familiar da AOS. São critérios menores: cútis marmórea teleangiectásica congênita; defeitos congênitos cardíacos e anomalia vascular. A presença de dois critérios maiores é considerada suficiente para o diagnóstico de AOS. A combinação de um critério maior e um menor deve suscitar alta suspeita para o diagnóstico de AOS de tais indivíduos7. Diagnósticos diferenciais se dão com síndromes de aplasia cútis congênita, como a síndrome couro-cabeludo-orelhaboca (síndrome de Finlay-Marks); hipoplasia dermal focal (síndrome de Goltz); epidermólise bolhosa distrófica dominante (DDEB); trissomia do 13 (síndrome de Patau); síndrome WolfHirschhorn (síndrome dos 4 “P”); síndrome Setleis (displasia dérmica facial focal tipo 3); síndrome Johanson-Blizzard; síndrome óculo-cérebro-cutânea (Delleman); síndrome de Kabuki; e várias displasias ectodérmicas3. Outros diferenciais com aplasia cútis congênita de origem não genética: trauma no nascimento; bandas amnióticas; disrupção vascular intrauterina (por exemplo, secundária a embolismo pela perda de gêmeo); teratogênicas (misoprostol, cocaína, metotrexato, inibidores da enzima conversora de angiotensina, metimazol, benzodiazepínicos, ácido valpróico)3. Diagnósticos diferenciais em função de defeitos dos membros terminais transversos incluem: sequências de faixas amnióticas. Considerando-se que a concordância dessas anomalias dos membros distais com aplasia cútis é diagnóstico de AOS, não há um diagnóstico diferencial imediato para esta combinação específica, com a notável exceção da sequência de faixa amniótica que pode se apresentar como uma fenocópia completa especialmente se as bandas não foram observadas em ultrassonografia pré-natal ou no momento do parto. Anéis de constrição dos membros ou dos pés têm sido descritos como AOS, porém essa característica não distingue totalmente ambas condições. É um pouco incomum faixas amnióticas causarem defeitos focais no couro cabeludo. Os defeitos no vértice do couro cabeludo são mais consistentes com AOS (embora possam ocorrer em qualquer lugar). Alguns médicos não diagnosticam sequência da faixa amniótica, a menos que o tecido da banda esteja fisicamente presente ou for visto no exame de ultrassom pré-natal, ou o âmnio esteja rasgado ou com nós na análise placentária. Na ausência de evidência física, anéis de constrição podem ser interpretados como evidência de alteração vascular. Outras doenças genéticas que causam Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira com 11 anos. anomalias de membros distais transversais: anemia tipo I congênita diseritropoiética; síndrome de Poland; anomalia hipoglossia-hipodactilia (síndrome de Hanhart). Doenças não genéticas que produzem as mesmas anomalias: teratogênicas (fenitoína, misoprostol, ergotamina); interrupção vascular; biópsia de vilo corial, particularmente quando realizada em gestação antes de 10 semanas3. Tratamento O tratamento é sintomático a depender das manifestações. A aplasia cútis congênita deve ser avaliada por um dermatologista pediátrico e/ou cirurgião plástico dependendo da gravidade. Os objetivos da terapia conservadora são prevenir infecção e promover a cura. Lesões extensas e/ou profundas com envolvimento da calvária necessitam de cuidados agudos e podem, eventualmente, exigir a reconstrução por um neurocirurgião. Muitas anomalias dos membros nos pacientes com AOS não são graves o suficiente para exigir intervenção cirúrgica ou protética. Terapia ocupacional e/ou fisioterapia podem ajudar no funcionamento do membro. Raramente, a intervenção cirúrgica de malformações em mãos é indicada3. O acompanhamento multidisciplinar está sempre indicado2. Ecocardiografia deverá ser realizada anualmente até a idade de três anos para sinais de hipertensão pulmonar. Exame neurológico e avaliação contínua do desenvolvimento psicomotor devem ser anuais. Também é recomendada avaliação anual pelo oftalmologista pediátrico até os 3 anos, para a evidência do desenvolvimento vascular retinal anormal3. Não há muitos relatos de casos desta síndrome tão rara na literatura brasileira. O objetivo do presente estudo foi relatar o caso de uma criança portadora da AOS, visando contribuir com uma revisão detalhada da doença. O relato em questão apresenta dois critérios maiores para o diagnóstico da síndrome2, o fato de não necessitar de nenhum procedimento cirúrgico específico e ser esporádico em relação a qualquer histórico familiar. Provavelmente se trata de uma das formas mais leves de penetrância, uma vez que não apresenta qualquer malformação cardíaca, ocular, renal, hepática ou outras. Apesar de imagem de ressonância encefálica sem anormalidades, o paciente possui retardo mental moderado e traços de autismo. Além disso, apresenta crises visuais frequentes corroboradas por traçado eletroencefalográfico anormal de origem occipital, e um bom controle de crises convulsivas generalizadas com J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015 233 Case Report o uso de anticonvulsivantes. Alterações neurológicas como as relatadas não são vistas frequentemente na ausência de malformações em neuroimagem3. 5. Peralta-Calvo J, Pastora N, Casa-Ventura YG, HernandezSerrano R, Abelairas J. Peripheral ischemic retinopathy in Adams-Oliver syndrome. Arch Ophthalmol. 2012;130(8):10781080. doi: 10.1001/archophthalmol.2012.531. Esse relato descreve também a dificuldade de assistência médica pública adequada no município de Magé, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar dos achados fenotípicos grosseiros, a criança não recebeu atenção multidisciplinar recomendada, sendo submetida a avaliações por especialistas e a exames complementares apenas a partir dos 10 anos de idade, por procura direta e persistência da mãe, que localizou a síndrome na internet. Por sorte, a longa sobrevida se deu mais por a doença apresentar-se leve nesse indivíduo, do que pelos cuidados médicos necessários a uma síndrome tão rara e com potencial letal. 6. Shaheen R, Aglan M, Keppler-Noreuil K, Faqeih E, Ansari S, Horton K, et al. Mutations in EOGT Confirm the Genetic Heterogeneity of Autosomal-Recessive Adams-Oliver Syndrome. Am J Hum Genet. 2013;92(4):598-604. doi: 10.1016/j.ajhg.2013.02.012. Faz-se importante o conhecimento dos médicos e demais profissionais de saúde sobre uma síndrome tão rara, mas de fácil identificação clínica pelas características fenotípicas. A AOS pode estar subdiagnosticada, por essa falta de conhecimento. O acompanhamento multidisciplinar será extremamente importante após o diagnóstico para todas as crianças identificadas. Futuras investigações do papel do desenvolvimento vascular anormal na patogênese da doença, à luz do repertório de alvos moleculares, são provavelmente o arsenal mais importante para a promissora terapia gênica. Enquanto isso, se faz necessária melhoria significativa da atenção básica à saúde pública em nosso país. 7. Snape KM, Ruddy D, Zenker M, Wuyts W, Whiteford M, Johnson D, et al. The Spectra of Clinical Phenotypes in Aplasia Cutis Congenita and Terminal Transverse Limb Defects. Am J Med Genet A. 2009;149A(8):1860-1881. doi: 10.1002/ ajmg.a.32708. 8. Southgate L, Sukalo M, Karountzos AS, Taylor EJ, Collinson CS, Ruddy D, et al. Haploinsufficiency of the NOTCH1 Receptor as a Cause of Adams-Oliver Syndrome with Variable Cardiac Anomalies. Circ Cardiovasc Genet. 2015;8(4):572-581. doi: 10.1161/CIRCGENETICS.115.001086. 9. Stittrich AB, Lehman A, Bodian DL, Ashworth J, Zong Z, Li H, et al. Mutations in NOTCH1 Cause Adams-Oliver Syndrome. Am J Hum Genet. 2014;95(3):275-284. doi: 10.1016/j. ajhg.2014.07.011. Corresponding Author Luana Antunes Maranha Gatto Neurocirurgia e Neurorradiologia Intervencionista Hospital Universitário Cajuru Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR E-mail: [email protected] Referências 1. Brzezinski P, Pinteala T, Chiriac AE, Foia L, Chiriac A. Aplasia cutis congenita of the scalp - what are the steps to be followed? Case report and review of the literature. An Bras Dermatol. 2015;90(1):100-103. doi: 10.1590/abd1806-4841.20153078 2. Khashab ME, Rhee ST, Pierce SD, Khashab YE, Nejat F, Fried A. Management of large scalp and skull defects in a severe case of Adams-Oliver syndrome. J Neurosurg Pediatr. 2009;4(6): 523-527. doi: 10.3171/2009.7.PEDS09220. 3. Lehman A, Wuyts W, Patel MS. Adams-Oliver Syndrome. In: Pagon RA, Adam MP, Ardinger HH, et al, editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2016. Accessed on 2016 Apr 14. http://www.ncbi.nlm.nih. gov/books/NBK355754/ 4. Meester JAN, Southgate L, Stittrich AB, Venselaar H, Beekmans SJ, den Hollander N et al. Heterozygous Loss-of-Function Mutations in DLL4 Cause Adams-Oliver Syndrome. Am J Hum Genet. 2015;97(3):475-482. doi: 10.1016/j.ajhg.2015.07.015. Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira com 11 anos. J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015