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Case Report
Síndrome de Adams-Oliver: Revisão da Literatura e Relato
de uma Criança Brasileira com 11 Anos
Adams-Oliver Syndrome: Literature Review and Report of an 11 Year-old Brazilian Child
Luana Antunes Maranha Gatto1
Danielle Domingues2
RESUMO
A Síndrome de Adams-Oliver é uma desordem rara caracterizada por aplasia cútis congênita e defeitos nos membros distais
transversais. Geralmente esporádica, mas também autossômica recessiva ou dominante, apresenta um amplo espectro de
apresentações fenotípicas, que podem incluir variadas malformações múltiplas sistêmicas. A doença pode ser fatal, quando
inclui principalmente anomalias cardíacas, cerebrais ou renais graves. Acredita-se que a etiopatogenia se dá em função de
distúrbios na vasculogênese, e mutações em seis genes foram identificados. Ampla revisão da literatura foi realizada, discutindo
critérios diagnósticos e terapêuticos. Por fim, foi relatado o caso de um menino brasileiro de 11 anos de idade, com fenótipo
característico e doença leve, sem achados de anomalias sistêmicas, mas retardo mental, epilepsia e traços autistas, com
ressonância encefálica normal.
Palavras-chave: Displasia ectodérmica; Dermatoses do couro cabeludo; Deformidades congênitas dos membros; Anormalidades
congênitas; Anormalidades múltiplas; Deficiência intelectual.
ABSTRACT
The Adams-Oliver syndrome is a rare disorder characterized by aplasia cutis congenita and terminal transverse limb defects.
Generally sporadic, but also autosomal, recessive or dominant, it presents a broad spectrum of phenotypic presentations, which
may include various multiple systemic malformations. The disease can be fatal, when include mainly severe cardiac, cerebral
or renal abnormalities. It is thought that the pathogenesis occurs in function of disorders of vasculogenesis, and mutations in
six genes have been identified. Comprehensive literature review was conducted, discussing diagnostic and therapeutic criteria.
Finally, it was reported the case of a Brazilian boy of 11 years old, with characteristic phenotype and mild disease without findings
of systemic abnormalities, but mental retardation, epilepsy and autistic traits, with normal resonance of brain.
Key words: Ectodermal dysplasia; Scalp dermatoses; Congenital limb deformities; Congenital abnormalities; Multiple
abnormalities; Intellectual disability.
Introdução
A síndrome de Adams-Oliver (AOS) é uma desordem congênita
rara, autossômica/recessiva/ou esporádica, caracterizada por
aplasia cútis congênita e defeitos nos membros transversais
terminais5,6,7,9. A co-ocorrência esporádica desses dois achados
foi primeiramente relatada por Pincherle, em 1938, sete
anos antes da descrição por Adams e Oliver de uma grande
família com vários membros afetados, em 19453,7. Anomalias
adicionais em outros órgãos (por exemplo, o coração, o cérebro
e os olhos) também podem estar presentes com expressividade
variável6,9.
Uma estimativa da incidência de AOS é de 0,44 por
100.000 nascidos vivos. Centros de atendimento pediátrico
terciários suportam uma incidência um pouco maior, e um
1
2
reconhecimento de fenótipos mais suaves dentro do espectro
da AOS ainda pode revelar uma incidência significativamente
maior3.
Relato de Caso
Menino, 11 anos de idade. Mãe primigesta com pré-natal e
parto vaginal sem intercorrências. Ao nascimento, visualizada
ausência de pelo capilar e ferimento profundo e extenso
na região da fontanela anterior, além de deformidades nas
extremidades: ausência das falanges distais de mãos e pés,
e pés tortos. A ferida na cabeça cicatrizou em um mês, mas
até a idade atual permanece com alopecia na linha média
(Figuras 1 a-e, 2 a-d). Não houve encaminhamento para
Neurosurgery and Interventional Neuroradiology Department, Hospital Universitário Cajuru, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR
Physical Therapy Student, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ
Received Aug 31, 2016. Corrected Sept 16, 2016. Accepted Sept 19, 2016
Gatto LAM, Domingues D. - Síndrome de Adams-Oliver: revisão da literatura e relato de uma criança brasileira
com 11 anos.
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investigação diagnóstica durante o primeiro ano, pois, apesar
de as deformidades serem estranhas à família e aos médicos
que o assistiram, o menino apresentava desenvolvimento
neuropsicomotor normal. Não há nenhum caso semelhante
na família, nem epilepsia, doenças neurológicas ou outras
síndromes. Com 1 ano e 1 mês apresentou sua primeira crise
convulsiva. Um mês após cursou com estado de mal epiléptico,
tendo sido necessária neuroanestesia e ventilação assistida.
Recebeu o diagnóstico de síndrome de Adams-Oliver por
médico geneticista, puramente pelos achados clínicos.
Novamente seguiu sem conclusão diagnóstica e sem
acompanhamento para o tratamento, ao longo de vários anos,
devido à deficiência da saúde pública do Estado do Rio de
Janeiro.
Figura 1. a,b. Aplasia cútis congênita do menino aos 14 meses de vida.
As crises eram tônico-clônico generalizadas, numa frequência
média de 1 ou 2 vezes por mês. Atualmente, duram no máximo
30 segundos (exceto se houver privação de sono, ocorrendo
em salvas), habitualmente no início da manhã. Além disso,
apresenta frequentemente alucinações visuais como fenômenos
circulares multicoloridos e luzes (crises occipitais).
O menino deambula sem dificuldades, após muitos anos de
acompanhamento fisioterápico. Não há déficits focais ao
exame neurológico. Possui déficit cognitivo moderado e
comportamento infantilizado; prejuízo importante de memória
imediata e recente, além de déficit de atenção, com alguns traços
de autismo. Não conseguiu ser alfabetizado. Desorientado
em tempo e espaço. Faz uso de Neuleptil 4% 5mg, 5 gotas e
Fenobarbital 100mg à noite. Fez uso prévio de Carbamazepina
e Depakene, tendo sido substituídos por controle pobre das
crises generalizadas. Necessita de auxílio para as atividades
básicas diárias, inclusive higiene.
A ressonância magnética (RMI) de crânio (0,5 Tesla) se
apresenta normal, apesar de acentuados artefatos de movimento
e devido ao aparelho ortodôntico (apenas com falha óssea na
topografia da fontanela anterior de cerca de 2 cm) (Figura 3
a-c). O eletroencefalograma de vigília se mostrou anormal
focal grau III em regiões occipitais à esquerda, com acentuados
sinais de disfunção de caráter específico córtico-subcorticais de
projeção em regiões occipitais à esquerda. Eletrocardiograma e
ecocardiograma transtorácico, avaliação oftalmológica global,
ecodoppler arterial e venoso dos membros inferiores, além de
cariótipo também foram normais.
Figura 1. c-e. aos 10 anos.
Figura 2. a-b. Malformações nos membros distais.
Figura 2. c-d. Malformações nos membros distais.
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Figura 3. c. Ressonância magnética de crânio.
Discussão
Figura 3. a. Ressonância magnética de crânio.
Síndrome de Adams-Oliver é uma desordem rara (1 caso em
225.000 nascimentos) com defeitos e anormalidades físicas
de grande variabilidade entre os indivíduos afetados4,9. O
mecanismo fisiopatológico responsável pelas anomalias e
malformações permanece desconhecido, com hipóteses de
circulação deficiente em determinadas áreas durante um
período crítico do desenvolvimento9.
Pela presença de aplasia cútis congênita na abóboda craniana
em 75% dos casos é mandatória uma investigação de possíveis
lesões ou malformações cranioencefálicas subjacentes, com
raios-X, tomografia, ressonância e até mesmo ultrassonografia
do crânio. Opções de tratamento são discutidas na literatura, de
acordo com o tipo e extensão da lesão, indo desde cicatrização
por segunda intenção, curativos com substitutos de pele e
indutores de duramater, até cirurgia com rotação de retalhos e
enxertos ósseos2.
Manifestações Dermatológicas
Figura 3. b. Ressonância magnética de crânio.
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A lesão típica da aplasia cútis é pequena (0,5 - 10 cm), bem
circunscrita, com aspectos diferentes: circular, oval, linear
ou estrelado, membranoso (superfície membrana-like) ou
não-membranoso (irregular e maior). Pode ser associada
com defeitos do crânio subjacentes, especialmente quando a
lesão da pele for maior que 10 cm. Este é um indício clínico
importante quando se considera malformações associadas
ou possíveis complicações (hemorragia ou trombose do seio
sagital, infecção focal ou meningite), importantes causas de
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óbito. A lesão é não-inflamatória e circunscrita. O aspecto
clínico pode informar sobre o momento de indução durante
a gravidez: nas primeiras semanas, não há tempo para a
cura e a lesão aparece como uma cicatriz alopécica atrófica
ou fibrótica. Em alguns casos, os defeitos mais profundos
podem ser observados: ulcerações que passam pela derme,
tecido subcutâneo, periósteo, até mesmo o crânio e dura, com
complicações graves. O sinal do colar de cabelo (crescimento
do cabelo distorcido em torno de uma lesão do couro cabeludo)
é um indicador significativo, levantando a questão de lesões
subjacentes. A localização da aplasia cútis para o vértice pode
ser explicada parcialmente pela existência da força de tração
máxima durante o crescimento rápido do cérebro nessa região;
isso acontece durante as semanas 10-15 de gestação1.
A aplasia cútis congênita da AOS geralmente ocorre na linha
média das regiões parietal ou occipital, mas também pode
ocorrer no abdômen ou membros. Ao nascimento, uma lesão
na pele pode já ter a aparência de uma cicatriz seca, devido à
ausência de folículos capilares. Histologicamente, há ausência
variável da epiderme, derme, tecido subcutâneo, músculos
ou ossos. Muitas vezes, lesões menores que 5 centímetros
envolvem apenas a pele e quase sempre se curam num período
de meses. Lesões maiores são mais sujeitas a envolver o crânio
(o que ocorre em 50% dos casos), incluindo a dura mater,
com maior risco de complicações: infecção, hemorragia,
úlcera, trombose (geralmente do seio sagital superior),
fístula liquórica, encefalocele e crises convulsivas2,3,9. Essas
complicações possuem uma mortalidade geral de 20%2.
Um caso de AOS em que a aplasia cútis envolvia uma grande
porção do crânio foi relatado com sucesso de tratamento
apenas de forma conservadora através de curativos repetidos.
Um dia após o nascimento, o paciente foi tratado com aposição
de substituto dérmico sintético devido a vazamento de líquor,
para prevenir a infecção. Foram utilizadas gazes estéreis
úmidas não-aderentes e atraumáticas, relativamente baratas,
com aplicação tópica dos agentes antimicrobianos com
sulfadiazina de prata ou pomada de bacitracina, em conjunto
com uma terapia antibiótica sistêmica durante as primeiras
várias semanas, reduzindo a carga bacteriana e evitando a
desidratação da ferida. Esse curativo mantém indução dural
para a regeneração óssea. O defeito cicatrizou sem necessidade
de cirurgia. A cirurgia possuiria alto risco de falha parcial
ou total do enxerto por causa do tamanho do defeito ou da
anormalidade subjacente à pele2.
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Manifestações Apendiculares
Os defeitos nos membros variam de leve (falanges distais curtas
uni- ou bilateralmente; braquidactilia, polidactilia, sindactilia
e unhas hipoplásicas) a grave (ausência completa de todos
os dedos dos pés ou dedos e, em algumas vezes, assemelhase a uma amputação)3,4. Os membros inferiores são quase
sempre mais severamente afetados do que as extremidades
superiores3,9.
Manifestações Clínicas e de Órgãos Internos
Características principais adicionais incluem malformações/
disfunções cardiovasculares (23%), como hipertensão
pulmonar, defeitos do septo ventricular, tetralogia de
Fallot, anomalias das grandes artérias e de suas válvulas3,4,7.
Anomalias cerebrais, renais, hepáticas e oculares são vistas
menos frequentemente3,9.
Anormalidades oculares e complicações pré-natais (como
restrição de crescimento intrauterino e oligoidrâmnio)
compreendem, cada uma, a menos de 10% dos indivíduos
com a síndrome. A gravidade das malformações varia de
sutil a desabilitante ou com risco de vida; a variabilidade
entre membros da mesma família é comum. Apesar de rara,
a morbimortalidade grave na AOS geralmente é resultado
de hemorragia ou infecção envolvendo grandes e profundas
lesões na calota craniana, ou de anomalias cardiovasculares,
incluindo malformações cardíacas graves5.
Manifestações Neurológicas
Embora a maioria dos indivíduos com AOS não tenha
envolvimento neurológico, achados neurológicos frequentes em
um subconjunto de pessoas incluem principalmente deficiência
mental, convulsões ou paralisia cerebral. São achados bastante
incomuns em doentes por gene autossômico dominante
e contabilizam 30% dos doentes por gene autossômico
recessivo. Deficiência intelectual é rara na ausência de uma
anomalia estrutural do cérebro ou microcefalia. São possíveis
os seguintes achados clínicos na AOS3:
• deficiência cognitiva, dislexia, distúrbios do espectro do
autismo;
• hemiplegia espástica ou diplegia;
• convulsões.
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Achados de neuroimagem possíveis na AOS:
• malformações cerebrais e defeitos de migração:
microcefalia, displasia cortical, polimicrogiria,
paquigiria, corpo caloso disgenético;
• atrofia cortical com ventriculomegalia, hemorragia
cerebral, calcificações intracranianas (muitas vezes
periventriculares)3;
• hidrocefalia;
• síndrome de Dandy-Walker7;
• mielinização atrasada3.
Exames de neuroimagem recomendados:
• RM encefálica, para delinear quaisquer malformações
cerebrais e identificar lesões sugestivas de microhemorragia ou isquemia. Recém-nascidos com anomalias
cerebrais estão sob maior risco para convulsões,
deficiência de desenvolvimento ou déficits motores e se
faz mandatória a avaliação e acompanhamento de perto
por especialistas de desenvolvimento.
• Angiografia e venografia, para mostrar a anatomia
vascular. Procedimentos cirúrgicos podem resultar em
complicações inesperadas se vasculatura anormal não
for reconhecida. Também são importantes para orientar
tratamento de feridas quando a lesão da aplasia cútis for
extensa e para determinar se há envolvimento do seio
sagital superior3.
Embora um mecanismo fisiopatológico claro não tenha sido
reconhecido na AOS, um comprometimento vascular em áreas
de watershed, com ou sem faixas amnióticas secundárias ou
compressão externa durante a gravidez, tem sido sugerida
como uma possível origem para AOS2,6. É proposto que uma
instabilidade geneticamente diminuída dos vasos sanguíneos
embrionários e/ou uma regulação anormal do endotélio possam
induzir às anomalias relacionadas com a AOS, uma vez que
há um comprometimento da vasculogênese sob a forma de
perfusão reduzida e isquemia5,7.
Genética
As alterações genéticas, autossômicas, recessivas ou de novo
(essas sendo as mais comuns) foram reveladas em genes
que codificam proteínas envolvidas na regulação de dois
importantes reguladores do citoesqueleto de actina, cujo efeito
se dá sobre a interação célula-célula ou célula-matriz. Isso
corrobora as hipóteses historicamente propostas para explicar
a síndrome, devido a uma interrupção vascular6. Mutações
em seis genes foram identificadas até o momento como causa
para a AOS. Mutações no EOGT e DOCK6 causam AOS
autossômica recessiva, enquanto mutações no ARHGAP31,
RBPJ, DLL4 e NOTCH1 levam a AOS autossômica
dominante3,4. De qualquer forma, há muita heterogeneidade
de loci e das expressões fenotípicas dentro da mesma
doença1. Apesar dos recentes avanços na compreensão da
base genética da AOS, para a maioria dos indivíduos afetados
o defeito molecular subjacente continua não esclarecido.
Algumas mutações específicas estão sendo apontadas como
preditoras de anomalias sistêmicas, fornecendo uma correlação
genótipo-fenótipo convincente. Isso foi demonstrado, por
exemplo, entre indivíduos com a mutação NOTCH1 positiva
e a presença de anomalias cardíacas na AOS, que merecem
maior investigação epidemiológica8,9.
Critérios Diagnósticos
O diagnóstico de AOS pode ser estabelecido com um dos
seguintes itens3:
• Achados clínicos de aplasia cútis congênita do couro
cabeludo e defeitos dos membros distais;
• Aplasia cútis congênita ou defeitos dos membros distais e
um parente de primeiro grau com resultados consistentes
com AOS;
• Aplasia cútis congênita ou defeitos dos membros distais
e qualquer uma das seguintes: variante patogênica em
um gene autossômico dominante relacionado com AOS
(ARHGAP31, DLL4, NOTCH1 ou RBPJ) ou duas
variantes patogênicas em um gene autossômico recessivo
relacionado com AOS (DOCK6 ou EOGT)3.
Snape sugeriu características diagnósticas baseado em
critérios maiores e menores. Os critérios maiores são defeitos
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de membros terminais transversos; aplasia cútis congênita
e história familiar da AOS. São critérios menores: cútis
marmórea teleangiectásica congênita; defeitos congênitos
cardíacos e anomalia vascular. A presença de dois critérios
maiores é considerada suficiente para o diagnóstico de AOS. A
combinação de um critério maior e um menor deve suscitar alta
suspeita para o diagnóstico de AOS de tais indivíduos7.
Diagnósticos diferenciais se dão com síndromes de aplasia
cútis congênita, como a síndrome couro-cabeludo-orelhaboca (síndrome de Finlay-Marks); hipoplasia dermal focal
(síndrome de Goltz); epidermólise bolhosa distrófica dominante
(DDEB); trissomia do 13 (síndrome de Patau); síndrome WolfHirschhorn (síndrome dos 4 “P”); síndrome Setleis (displasia
dérmica facial focal tipo 3); síndrome Johanson-Blizzard;
síndrome óculo-cérebro-cutânea (Delleman); síndrome de
Kabuki; e várias displasias ectodérmicas3.
Outros diferenciais com aplasia cútis congênita de origem não
genética: trauma no nascimento; bandas amnióticas; disrupção
vascular intrauterina (por exemplo, secundária a embolismo
pela perda de gêmeo); teratogênicas (misoprostol, cocaína,
metotrexato, inibidores da enzima conversora de angiotensina,
metimazol, benzodiazepínicos, ácido valpróico)3.
Diagnósticos diferenciais em função de defeitos dos
membros terminais transversos incluem: sequências de faixas
amnióticas. Considerando-se que a concordância dessas
anomalias dos membros distais com aplasia cútis é diagnóstico
de AOS, não há um diagnóstico diferencial imediato para esta
combinação específica, com a notável exceção da sequência de
faixa amniótica que pode se apresentar como uma fenocópia
completa especialmente se as bandas não foram observadas
em ultrassonografia pré-natal ou no momento do parto. Anéis
de constrição dos membros ou dos pés têm sido descritos
como AOS, porém essa característica não distingue totalmente
ambas condições. É um pouco incomum faixas amnióticas
causarem defeitos focais no couro cabeludo. Os defeitos no
vértice do couro cabeludo são mais consistentes com AOS
(embora possam ocorrer em qualquer lugar). Alguns médicos
não diagnosticam sequência da faixa amniótica, a menos que
o tecido da banda esteja fisicamente presente ou for visto no
exame de ultrassom pré-natal, ou o âmnio esteja rasgado ou
com nós na análise placentária. Na ausência de evidência física,
anéis de constrição podem ser interpretados como evidência
de alteração vascular. Outras doenças genéticas que causam
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anomalias de membros distais transversais: anemia tipo I
congênita diseritropoiética; síndrome de Poland; anomalia
hipoglossia-hipodactilia (síndrome de Hanhart). Doenças não
genéticas que produzem as mesmas anomalias: teratogênicas
(fenitoína, misoprostol, ergotamina); interrupção vascular;
biópsia de vilo corial, particularmente quando realizada em
gestação antes de 10 semanas3.
Tratamento
O tratamento é sintomático a depender das manifestações. A
aplasia cútis congênita deve ser avaliada por um dermatologista
pediátrico e/ou cirurgião plástico dependendo da gravidade.
Os objetivos da terapia conservadora são prevenir infecção
e promover a cura. Lesões extensas e/ou profundas com
envolvimento da calvária necessitam de cuidados agudos
e podem, eventualmente, exigir a reconstrução por um
neurocirurgião. Muitas anomalias dos membros nos pacientes
com AOS não são graves o suficiente para exigir intervenção
cirúrgica ou protética. Terapia ocupacional e/ou fisioterapia
podem ajudar no funcionamento do membro. Raramente, a
intervenção cirúrgica de malformações em mãos é indicada3.
O acompanhamento multidisciplinar está sempre indicado2.
Ecocardiografia deverá ser realizada anualmente até a idade
de três anos para sinais de hipertensão pulmonar. Exame
neurológico e avaliação contínua do desenvolvimento
psicomotor devem ser anuais. Também é recomendada
avaliação anual pelo oftalmologista pediátrico até os 3 anos,
para a evidência do desenvolvimento vascular retinal anormal3.
Não há muitos relatos de casos desta síndrome tão rara na
literatura brasileira. O objetivo do presente estudo foi relatar
o caso de uma criança portadora da AOS, visando contribuir
com uma revisão detalhada da doença. O relato em questão
apresenta dois critérios maiores para o diagnóstico da
síndrome2, o fato de não necessitar de nenhum procedimento
cirúrgico específico e ser esporádico em relação a qualquer
histórico familiar. Provavelmente se trata de uma das formas
mais leves de penetrância, uma vez que não apresenta qualquer
malformação cardíaca, ocular, renal, hepática ou outras. Apesar
de imagem de ressonância encefálica sem anormalidades, o
paciente possui retardo mental moderado e traços de autismo.
Além disso, apresenta crises visuais frequentes corroboradas
por traçado eletroencefalográfico anormal de origem occipital,
e um bom controle de crises convulsivas generalizadas com
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o uso de anticonvulsivantes. Alterações neurológicas como
as relatadas não são vistas frequentemente na ausência de
malformações em neuroimagem3.
5. Peralta-Calvo J, Pastora N, Casa-Ventura YG, HernandezSerrano R, Abelairas J. Peripheral ischemic retinopathy in
Adams-Oliver syndrome. Arch Ophthalmol. 2012;130(8):10781080. doi: 10.1001/archophthalmol.2012.531.
Esse relato descreve também a dificuldade de assistência
médica pública adequada no município de Magé, na região
metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar dos achados fenotípicos
grosseiros, a criança não recebeu atenção multidisciplinar
recomendada, sendo submetida a avaliações por especialistas
e a exames complementares apenas a partir dos 10 anos de
idade, por procura direta e persistência da mãe, que localizou a
síndrome na internet. Por sorte, a longa sobrevida se deu mais
por a doença apresentar-se leve nesse indivíduo, do que pelos
cuidados médicos necessários a uma síndrome tão rara e com
potencial letal.
6. Shaheen R, Aglan M, Keppler-Noreuil K, Faqeih E, Ansari
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10.1016/j.ajhg.2013.02.012.
Faz-se importante o conhecimento dos médicos e demais
profissionais de saúde sobre uma síndrome tão rara, mas de
fácil identificação clínica pelas características fenotípicas.
A AOS pode estar subdiagnosticada, por essa falta de
conhecimento. O acompanhamento multidisciplinar será
extremamente importante após o diagnóstico para todas as
crianças identificadas. Futuras investigações do papel do
desenvolvimento vascular anormal na patogênese da doença,
à luz do repertório de alvos moleculares, são provavelmente
o arsenal mais importante para a promissora terapia gênica.
Enquanto isso, se faz necessária melhoria significativa da
atenção básica à saúde pública em nosso país.
7. Snape KM, Ruddy D, Zenker M, Wuyts W, Whiteford M,
Johnson D, et al. The Spectra of Clinical Phenotypes in Aplasia
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Corresponding Author
Luana Antunes Maranha Gatto
Neurocirurgia e Neurorradiologia Intervencionista
Hospital Universitário Cajuru
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR
E-mail: [email protected]
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J Bras Neurocirurg 26 (3): 227 - 233, 2015
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