ARTIGO ARTIGO ACADÊMICO ACADÊMICO INTERATIVIDADE NA COMUNICAÇÃO ONLINE: ENFRAQUECIMENTO OU PERPETUAÇÃO DA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO? POR Cláudio Aleixo Rocha [email protected] Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás Resumo O artigo discute como os tipos de mecanismos de interatividade online podem contribuir para um enfraquecimento ou aperfeiçoamento dos instrumentos de poder mercadológicos produzidos a partir do consumo desenfreado de mercadorias, cujo aprimoramento e fortalecimento iniciam-se na sociedade pós-industrial. Palavras-chave Sociedade do espetáculo, interatividade, consumo, poder Os indivíduos vivem em sociedade através de relações de interdependência. Nessa relação, cada ação corresponde a retroações, as quais se apresentam de formas variadas, e por vezes, inesperadas. Assim, é pela interação, que toda a vida social é conduzida e fundamentada. São essas trocas existentes na interação entre indivíduos e sistemas, e estas atualmente, mais do que nunca, encontram-se intimamente interligada por relações não apenas locais, mas também globais, que sustentam a estrutura que garante a sobrevivência da, e em sociedade. Com o desenvolvimento tecnológico tornou-se possível experimentar outras formas de interação, sendo esta agora ao mesmo tempo, técnica e social. Em específico, as mídias digitais, no que se refere às questões técnicas de interação, trouxeram um novo agente de relacionamento entre os indivíduos em um ambiente globalizado: a interatividade. E nesse sentido, como é possível valorar em uma interação a predominância do 25 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 caráter técnico ou social? Para André Lemos (2003) o aparelho de telefone pode ser utilizado como exemplo clássico para se compreender como se mantém uma relação técnica e social, persistindo dessa relação, um foco maior no aspecto social. Para Lemos a ênfase na prevalência da interação social no uso do telefone evidencia-se pela reduzida interação com o terminal. O caráter técnico de interação concentra-se apenas durante a combinação do número desejado através de suas teclas, compreendidas aqui como sua interface física de contato. O uso objetivo do telefone focalizado na relação entre os indivíduos é que o caracteriza como uma ferramenta que valoriza o aspecto de interação social. Portanto, sua interface técnica tem menos importância que o diálogo articulado entre os indivíduos. Assim, no uso do telefone como um instrumento comunicativo, prevalece uma forte interação social, em oposição a uma fraca interação técnica. Assim, ARTIGO ACADÊMICO mesmo que a relação de interação entre os indivíduos seja mediada pela técnica, os interlocutores são o centro da interação, não o aparelho técnico. O intuito maior de sua construção e manuseio não estão firmados em sua interface técnica, mas sim em sua utilidade como ferramenta de interação social entre os agentes humanos. Dessa forma, para Lemos “a evolução da relação homem técnica vai nesse sentido, ou seja, num privilégio da interação social e num “desaparecimento” da interatividade técnica, em direção à uma “interface zero”, à uma simbiose completa (LEMOS, 2003, p. 02). Todavia, de forma crescente, a evolução tecnológica de diferentes tipos de mecanismos de interação, tem conduzido os indivíduos a se envolverem de forma mais admirativa com os novos artifícios técnicos das máquinas, do que de reflexivamente objetivando-se compreender como tais dispositivos podem melhor sua relação com o ser humano, e, por com seguinte, com a sociedade. Assim, em grande parte, os indivíduos encontram-se cada vez mais envolvidos em uma relação de fidelidade, e até mesmo de aprisionamento diante das constantes inovações tecnológicas. Constata-se que tal relação se constrói a partir do impacto advindo do deslumbramento de suas díspares, e cada vez mais mirabolante funcionalidades técnicas de uso. Neste aspecto, tais indivíduos, por sua vez, têm assumido um papel de mero instrumento acessório, utilizados essencialmente para um melhor desempenho mercadológico de diferentes produtos, os quais, através de tais artifícios técnicos de interação, desfrutam, mais e mais, 26 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 de variadas formas de garantir a produção e a gestão de seu consumo. Diante desse cenário, é possível se identificar que as características da dita “Sociedade do Espetáculo”, expressão apresentada inicialmente em Paris (1967) por Guy Debord, podem ainda estarem vivas em nosso ambiente social contemporâneo? Ou as reais, e ao mesmo tempo, “ocultas intenções capitalistas” que controlam e conduzem o fluxo das relações sociais, encontrase enfraquecidas diante de seu possível “desmascaramento”, fruto do reflexo direto de uma sociedade mais informada globalmente, mediante a difusão de um grande aparato tecnológico e interativo que possibilita a uma grande parte da população mundial, a troca de informação e conhecimento em tempo real? O espetáculo Para desenvolver tal reflexão é necessário apresentar o que seria a dita “Sociedade do Espetáculo”, ou o espetáculo inserido na sociedade para Debord, para então posteriormente, relacionar como os dispositivos técnicos interativos inseridos nas mídias de comunicação online, não tradicionais, especificamente a Internet, podem contribuir para o enfraquecimento, ao uma adaptação dos mecanismos de controle social apresentados pelo autor. Nas palavras de Guy Debord, o espetáculo é o “momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada alem dela: o mundo que se vê é o seu mundo” (1997, p. 30). Com bem 3 ARTIGO ACADÊMICO observa Debord, o resultado obtido da concentração no trabalho social revela-se de forma aparente, submetendo toda a realidade à aparência, sendo esta agora, seu produto de desejo. Assim, o capital já não se manifesta como um centro invisível e condutor do modo de produção, visto que sua acumulação o expande até a periferia sob a forma de objetos sensíveis. Todo o ambiente social é o seu retrato. “O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem” (op. cit., p.25). Nessa lógica espetacular, a vitória ou a existência de uma economia com finalidades autônomas, ou de necessidades reais, deve ser burlada, pois, a prevalência desta seria o fracasso da magia produtiva do espetáculo. Quando a lógica produtiva espetacular consegue substituir a satisfação das primeiras e essenciais necessidades humanas, característica das sociedades antigas, por um frenético desenvolvimento econômico baseado na fabricação infinita de “pseudonecessidades, ela garante assim, a perpetuação e manutenção de seu reino. A construção do fortalecimento do espetáculo na sociedade não está em uma produção de um conjunto de imagens, e sim, em uma sistematização de uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. Neste aspecto, compreende-se que o espetáculo está amalgamado no consumo de mercadorias, e, portanto, valendo-se de todas as formas particulares, seja pela informação, publicidade, política, entretenimento, etc., ele constitui o modelo vigente da vida dominante na sociedade. E a partir dessa lógica, conclui-se que o espetáculo está na, e é a “afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o 27 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 consumo que decorre dessa escolha” (idem, p.15). É importante se frisar que para Guy Debord, em seu momento mais avançado, a sociedade modernizada caracteriza-se pelo estágio do espetacular integrado. Nesse estágio o espetáculo, entre outros aspectos, estrutura-se na incessante renovação tecnológica, e na fusão econômico-estatal. A união destas duas características garante ainda mais o domínio espetacular. A inovação tecnológica constitutiva da sociedade pós-industrial insere e transforma os indivíduos em números, e em um sistema de cálculos, cujos especialistas da área visam à satisfação através destes cálculos. A fusão entre economia e Estado, aliança esta que estabelece a não oposição entre ambos, arregimenta a continuidade do desenvolvimento da dominação espetacular, objetivo este que, desde sua formação, nunca fora outro. Dessa forma, a lógica do consumo social de imagens tem através do estágio do espetáculo integrado a perpetuação de seu avanço. Nele, a cultura como um todo integrado é transformada integralmente em mercadoria, tornando-a mercadoria vedete da sociedade espetacular. Diante do exposto, propõem-se uma reflexão de como o espetáculo integrado através da incessante inovação tecnológica, e a fusão econômico-estatal, duas de suas características peculiares, podem trabalhar a favor da hegemonia do poder espetacular de forma sorrateira. Tal proposta será aqui especificamente focalizada, em algumas formas de funcionamento dos mecanismos técnicos de interatividade presentes na Internet, por esta se tratar de um atual veículo ARTIGO ACADÊMICO tecnológico de comunicação online da sociedade moderna. Técnica, tecnologia, alienação consumo e A técnica é, e sempre foi inerente ao social. Utilizada no seu sentido mais amplo, ela é constitutiva do homem e de toda vida em sociedade. A interação homem-técnica é assim, uma atividade tecno-social presente em todas as etapas da civilização. É notório que através dos estudos e aprimoramento das técnicas, o desenvolvimento tecnológico tem modificado as mídias tradicionais já existentes - TV, rádio, cinema, meios impressos -, e abrindo novas possibilidades para a experimentação em seus ambientes de diferentes possibilidades de veiculação de mensagens. Paralelamente, e consequentemente a isso, os elementos que compõem a linguagem de cada uma dessas ditas mídias tradicionais passam também por sensíveis mudanças estruturais. Para Pierre Lévy “a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo.” (LEVY, 1993, p. 7). Segundo Lévy a instalação do que ele nomeia de “realidades tecnoeconômicas” nos diversos aspectos da vida social, implica o reconhecimento da técnica como um dos mais importantes temas econômicos, políticos, filosóficos, e estéticos da atualidade. É importante salientar que o conjunto de novas técnicas embutidas no processo tecnológico afeta o mundo da linguagem, visto que a linguagem está ligada às diversas formas sociais de comunicação e de significação, e, portanto, relacionase diretamente aos sistemas de 28 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 produção de sentido. Na sociedade moderna os meios eletrônicos e digitais, frutos do desenvolvimento tecnológico, são atualmente os atores principais dentro desse processo de produção, reprodução, criação e difusão de sentidos. A tecnologia e o aprimoramento de seus conjuntos de técnicas caracterizam-se como elementos construtivos e modificantes do ambiente social, artístico e cultural. Sendo assim, tem participação direta na abertura relativa às possibilidades de se transformar linguagens existentes das já consolidadas mídias tradicional. “Todo fato cultural está apoiado em uma técnica”. (PLAZA, TAVARES, 1998, p. 13). Conforme esclarece Milton Vargas (1994) a técnica tem relação direta com a habilidade de fabricar, construir e utilizar instrumentos. Relativo à tecnologia Vargas adverte que a palavra tem sido utilizada com o sentido de “técnica em geral, ou mesmo num sentido menor, como por exemplo, o do trato com aparelhagem ou processos de fabricação sofisticados, e mesmo num sentido comercial, muito próximo ao de marketing.” (1994, p. 15). Porém o autor adverte que é importante se fazer uma diferenciação entre o momento da aquisição do conhecimento tecnológico, pelo estudo do tecnólogo ou pelo trabalho do pesquisador, do momento econômico-industrial, ou seja, da inserção no mercado de novos instrumentos ou novos processos advindos do saber tecnológico. Para Vargas “tecnologia é cultura que se tem ou não, cuja aquisição se dá por uma inserção de todo o sistema sociocultural do país.” (1994, p. 15). Tecnologia é produto de uma sociedade ou cultura, e seu uso está ARTIGO ACADÊMICO incorporado ao cotidiano. Essa é a mesma compreensão que advoga Pierre Lévy (1999) que visualiza a tecnologia como um ator que não atua separadamente da sociedade e da cultura, existindo e atuando como entidades passivas a ela. Ao contrário, Lévy defende a ideia de que, assim como Vargas, as tecnologias são produtos decorrentes das relações existentes entre a sociedade e sua cultura. Pierre Lévy ainda enfatiza que “a distinção traçada entre cultura (a dinâmica das representações), sociedade (as pessoas, seus laços, suas trocas, suas relações de força) e técnica (artefatos eficazes) só pode ser conceitual”. (LÉVY, 1999, p. 23). Para o autor as autênticas interações sociais, não são criadas entre “a” tecnologia (que seria da ordem da causa) e “a” cultura (que sofreria os efeitos), “mas sim entre um grande número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas as técnicas”. (LÉVY, 1999, p. 23). Portanto, é importante compreender que, fundamentalmente, a tecnologia não deve ser vista apenas como um instrumento de uso massificado, mas acima de tudo, que atue em conformidade com as particularidades e necessidades do indivíduo que a manipula, e não inversamente a isso. Entretanto, a inserção do aparato tecnológico na sociedade pósindustrial trouxe também consigo mudanças sociais que contribuíram para a legalização de estruturas hegemônicas políticas e econômicas, dentro dessa agora chamada sociedade midiatizada, ou sociedade do espetáculo. A industria alastrada na esfera cultural, sustentada pelo consumo advindo de seus artifícios de persuasão imagéticos, influencia 29 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 e transforma o modo de vida das pessoas, porquanto, levam-nas a aceitarem determinadas normas, demandas e comportamentos, de acordo com os novos conceitos e percepções criados por antecedência no âmbito secreto de seus interesses, não apenas garantem sua existência, mas perpetue seu domínio social. Uma das características da sociedade pós-industrial refere-se à capacidade de transformação de objetos em mercadorias. Tal funcionamento mercadológico contribui para o surgimento de pessoas apegadas ao desejo de adquirir produtos criados apenas para satisfazer às necessidades de identificação social das mesmas. Portanto, concentrase na lógica de sobrevivência da produção industrial, porquanto esta se encontra unida à sociedade tanto em seu aspecto econômico-estatal, quanto sócio-cultural. No intuito de viabilizar e perpetuar esse mecanismo paradoxal de individualização identitária social, haja vista ser o mesmo, ao mesmo tempo, dentro dos objetivos da mercadoria espetacular de unificação e pasteurização, as imagens midiáticas modificam, a seu bel-prazer, as formas de expressar e os costumes de vida em sociedade, e assim, contribuem para o desenvolvimento e sobrevivência desse modo de produção e consumo. Indo na mesma direção dos argumentos expostos, Terry Eagleton (2000, p. 48) argumenta que no mundo pós-moderno, a cultura e a vida social estão mais uma vez estreitamente aliadas. Seu enlaçar está agora amalgamado à estética da mercadoria, na espetacularização do consumo como um estilo de vida e no olhar centralizado na imponência da imagem. E é certo que todas essas questões comportamentais ARTIGO ACADÊMICO cotidianas têm seu surgimento relacionado ao momento em que a própria cultura local manifesta-se como uma mercadoria necessária a ser consumida como uma forma de subterfúgio ao bem estar social. A relação de interdependência do desenvolvimento tecnológico entre sociedade, mercadoria, consumo e cultura também são relatados por Herbert Marcuse (1999). Marcuse aponta a tecnologia como um modo de produção constituído por uma totalidade de instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era da máquina, atuando ao mesmo tempo como uma forma de organizar, modificar, e/ou perpetuar as relações sociais, a qual se revela em sua totalidade como uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes. Para ele, o desenvolvimento tecnológico manifesta-se, acima de tudo, como um instrumento de controle e dominação social. É nesse sentido também que Vilém Flusser (2002) desenvolve textos críticos à sociedade “Pós-industrial”. Seus argumentos apontam uma inversão de valores comportamentais: o ser humano vivendo a partir de uma dependência consumista alienada e desenfreada dos aparelhos tecnológicos que ele próprio constrói. Diante de tal contexto, será realmente que a atual produção tecnológica de mecanismos interativos, em específico os inseridos nas mídias sociais de comunicação online, caracterizadas como mídias não tradicionais, têm sido utilizados no sentido de minar essas forças estratégicas de dominação social embutidas no consumo, através de uma dita “socialização” maior da informação e conhecimento, visto que estes por sua vez, acreditam 30 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 estar sem produzidos “aparte” do eixo centralizador do poder econômico? Ou, ao contrário, estes também seriam uma nova forma adaptada do espetáculo integrado às novas mercadorias de consumo tecnológico que ele mesmo já articulou por antecedência sua forma de uso, seu meio e seu fim, garantindo-lhe assim, a continuidade de sua existência, domínio e poder social? A Interatividade Para se iniciar tal discussão, é importante que seja apresentado a definição deste termo - extremamente controverso entre os pesquisadores da área -, e que para muitos, se trata de um dos grandes agentes construtivos da dita democratização e socialização do acesso à informação e ao conhecimento, a saber: a interatividade. De forma breve e simplificada, André Lemos define o termo da seguinte maneira: “O que compreendemos hoje por interatividade, nada mais é que uma nova forma de interação técnica, de cunho “eletrônico-digital”, diferente da interação “analógica” que caracterizou os media tradicionais”. (op. cit., p. 01). Nas mídias tradicionais, a baixa interatividade, até então “eletrônicoanalógica”, limitava-se em ligar e desligar os aparelhos, melhorar sua imagem ou trocar de canal. Porém, com a técnica provida de mecanismos interativos, o usuário tem a abertura para interferir, manipular e atualizar o conteúdo de forma direta nos aparelhos eletrônicodigitais. Portanto, nota-se que com a interatividade o indivíduo pode ao mesmo tempo emitir e receber informações. Sendo que a resposta recebida, ou feedback interativo dado pelo sistema da máquina ARTIGO ACADÊMICO a seu manipulador, refere-se aos processos internos de codificação de informações binárias que a capturam e decodificam as ações/dados advindos do meio externo. Isso pressupõe delimitar a “interatividade” como uma ação dialógica entre o homem e a técnica, com respostas simultâneas em tempo real. Percebe-se assim que, o aspecto dialógico na interatividade é um elemento importante para caracterizá-la como sendo o sinônimo de interação, em sua “versão” digital, nas relações sociais mediadas pelas máquinas, haja vista existir entre os agentes de interação uma relação simétrica de interdependência. Conduto cabe aqui apresentar alguns tipos de configuração de interatividade, porquanto esta não se apresenta de uma única forma nos ambientes interativos online. E, não despretensiosamente, apresentam funções objetivas diferentes embutidas em suas características, ou limitações, articuladamente pensadas para cada uma de suas formas específicas de uso. A interatividade como elemento diferenciador das mídias nãotradicionais O objetivo do presente trabalho é de refletir até que ponto realmente a interatividade pode ser considerada atualmente um agente tecnológico precursor do enfraquecimento da alienação social espetacular. Alienação esta alimentada até então pelo uso desenfreado e pouco reflexivo de mercadorias construídas a partir de um domínio técnico de produção, o qual no decorrer dos anos, e em maior escala atualmente, tem encontrado novas formas para manter seu poder hegemônico social. 31 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 Nesse sentido, seguem algumas considerações sobre a interatividade como mediadora técnica de processos comunicativos entre humanos mediados pela máquina. Mídia quente e mídia fria era a forma que Marshall McLuhan (1969) pensava a interatividade. As mídias quentes são aquelas que deixam pouco ou nenhum espaço para a intervenção ou interação entre o indivíduo e o conteúdo da máquina. Portanto, caracterizam-se como mídias que propagam mensagens prontas, tal qual ocorre com as mídias tradicionais. O rádio, a televisão ou o cinema são um bom exemplo para este tipo de mídia. Especificamente, referem-se a modelos de propagação de mensagens chamados de “UmTodos”. Já as mídias frias deixam o espaço aberto para a intervenção dos indivíduos em seu ambiente informacional. Nelas, é possível ao mesmo tempo preencher, acrescentar ou modificar seu conteúdo. O computador e a Internet são representantes desse tipo de mídia fria. Nesses sistemas a interatividade é fundamental para a construção conjunta da informação. Estes são os modelos de propagação e construção de mensagens chamados de “Todos-Todos”. Neles a comunicação está em fluxo entre os agentes, e, portanto, não se caracterizam como sistemas que apresentam uma relação unicamente unilateral, mas sim, bilateral. Ambos os agentes emissores de mensagens tem importância no processo comunicativo. Andre Lémos (op. cit., 2003), apoiado nos estudos de McLuhan (1969), vê a interatividade na Internet como uma maneira de formação de “comunidades virtuais”. Uma espécie de construção de núcleos ARTIGO ACADÊMICO concentrados a partir de interesses específicos. E, que, portanto, se organizam de forma afastada e fragmentada da informação difundida a todos a partir um único núcleo central, o qual transmite uma informação massificada, no sentido de tal informação filtrada por esse núcleo apresentar, pretensiosamente, a mesma importância na comunicação para o todo social. A “retribalização” observada no meio online digital-interativo por André Lemos poderia ser considerada uma forma de enfraquecimento do poder dominante, vista que cria uma nova forma de sociedade à parte dos interesses unificantes das mercadorias espetaculares. Todavia, cabe aqui um questionamento: Estaria por trás dessa “liberdade” de segmentação tribal construída a partir dos gostos, afinidades e interesse de acesso a informações particularizadas, uma forma de enfraquecimento do interesse coletivo sócia? Visto que a força social brota de sua união. E tal segmentação por interesses individuais de informação e afinidades não seria também uma forma de distribuição de mercadorias específicas e consumíveis, a partir de um víeis da lógica do espetáculo integrado? Outra questão importante para ser tratada refere-se aos dois tipos específicos de interatividade entrados na Internet e discutidos por Roy Ascott (1997): a interatividade trivial e interatividade não-trivial. Mônica Tavares (2002, pp. 4445) contribui com a discussão ao referir-se aos tipos de interatividade propostos por Roy Ascott (op. cit.). Como exposto, em seus estudos, este autor apresenta dois tipos de interatividade: trivial e não trivial. Na interatividade trivial, o receptor tem a possibilidade de atualizar 32 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 o potencial de escolhas, todas dispostas e pré-programadas em um banco de dados. Nesse tipo de interatividade, o sistema é fechado (finite data sets), o que torna as ações do receptor limitadas ao que foi pré-programado por seu idealizador. Já na interatividade não trivial é permitido ao receptor tanto acionar a informação circulante em um sistema quanto ampliá-la ou até mesmo transformá-la. Nota-se dessa forma, que a interatividade não trivial está relacionada a sistemas abertos (opened data sets), ou seja, o controle e as ações do receptor não são controlados conforme os limites de escolhas pré-programadas por seu idealizador. Diante destes dois aspectos da interatividade na rede, o que pode ser apontado como sendo uma questão crítica, e que, portanto, carece de maiores aprofundamentos de pesquisa para se averiguar até que ponto a dita “Sociedade do Espetáculo” ainda reina entre nós é: A maior forma de interatividade encontrada atualmente nos sites, ou comunidades sociais presentes na Internet é a trivial. Como descrito, nesse tipo de interatividade o indivíduo tem pouco, ou quase nenhuma liberdade para se expor. É um tipo de estrutura de “interação” fortemente caracterizada como unilateral. Nela, cabe ao indivíduo apenas escolher uma, ou algumas opções ali já preestabelecidas pelo idealizador do ambiente de interação. Ou então, deixar seu registro pessoal através de uma ferramenta de interatividade já criada e, nenhum pouco ingenuamente pensado, conforme os objetivos específicos do site, ou poder-se-ia aqui dizer: conforme os benefícios oferecidos do produto a seu consumidor? Poucos ainda são os ambientes de interação ARTIGO ACADÊMICO social eletrônico-digital que disponibilizam a interatividade nãotrivial aos seus interagentes. Esta por sua vez, se estudada a fundo, demonstra ser a forma ideal para se construir um ambiente de relações sociais, menos impositiva, com dispositivos interativos de comunicação bidirecionais, e, portanto dialógicos, como é a intenção de mídia não-tradicional que se propõem a ser a Internet. Caso contrário, a prevalência de uma interatividade de nível baixo como o é a trivial, pode conduzir a Internet a permanecer como uma mídia de características de mídia tradicional, estruturada em um modelo de comunicação “Um-Todos”, porquanto os interesses por trás dos “pseudos” mecanismos de interatividade consistem em averiguar ou transmitir os objetivos preestabelecidos de seus idealizadores. Ficam aqui alguns questionamentos, longe de serem os últimos sobre este tema, ou de se apresentarem como uma fórmula para se buscar uma resposta precisa: Até que ponto os mecanismos de interatividade utilizados nos meios de comunicação online, presentes no processo de interação entre os indivíduos, tem garantido o acesso não cerceado às informações buscadas, enviadas ou recebidas durante essa relação de troca de dados informatizados? Até que ponto essas informações são realmente relevantes para uma melhor compreensão e melhoria das relações sociais humanas mediadas pelas máquinas? Ou seja, majoritariamente, o envolvimento com os mecanismos técnicos de interatividade online tem sido feito com um propósito central de um melhor conhecimento da dimensão humana? Ou os indivíduos têm sido envolvidos por tais mecanismos interativos, mediante um objetivo central e específico anteriormente planejado, no intuito de contribuírem para a melhoria e aperfeiçoamento das mercadorias de consumo espetacular integrado? Referências bibliográficas DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo: Unesp, 2000. FLUSSER, Vilém. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Conexões, 2002. LEMOS, André. “Anjos interativos e retribalização do mundo. Sobre interatividade e interfaces digitais”. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/ lemos/interativo.pdf>. Acesso em: 26.06.2011. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. São Paulo: Editora 34, 1993. ________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: Unesp, 1999. 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Trata-se de uma produção coletiva, já que é o depositário da memória que a família e os grupos recolhem de seus contatos com o cotidiano” (MORAES, 2008, p. 1). 2 - A expressão “Realismo Mágico” foi cunhada em 1925 pelo crítico de Arte alemão Franz Roh, para designar inicialmente um grupo de pintores que exprimiam um certo onirismo de forma realista. A expressão foi repescada em 1949 pelo escritor cubano Alejo Carpentier, para se referir a certas obras da literatura latino-americana e, mais tarde, em 1955, por Ángel Flores, para designar o trabalho de Jorge Luis Borges em comparação com o de Franz Kafka, segundo o crítico, seu equivalente europeu. Desde então, o termo designa uma técnica literária em que a recriação de uma realidade geralmente sombria e negativa, é atenuada das fatalidades a que está sujeita, através da recorrência a episódios maravilhosos e fantásticos, por vezes surrealistas (INFOPEDIA, 2011). 3- A pesquisa foi realizada usando a técnica do grupo focal, com professoras da educação infantil e alunos de 5 a 7 anos, de escolas públicas e privadas, de diferentes bairros e classes socioeconômicas da cidade do Rio de Janeiro, em 2008. 4- Ibope – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. Multinacional brasileira de capital privado, é uma das maiores empresas de pesquisa de mercado da América Latina. Entre outros estudos, como fornecer um amplo conjunto de informações sobre mídia, opinião pública, intenção de voto, consumo, marca, comportamento e mercado, no Brasil e em mais 14 países, o Ibope também mede o índice de audiência de programas de televisão. (www.ibope.com.br) 5- “Na década de 1980 ainda não havia o terrível clima de violência urbana que hoje se presencia nas metrópoles brasileiras, a falência da segurança pública, a supremacia organizacional de gangues sobre a polícia e o sistema carcerário. Trata-se, no entanto, de uma década marcada por novelas urbanas, sobretudo da equipe liderada por Gilberto Braga. A década de 1990, quando essa crise não pode mais ser mascarada, representou precisamente a ascensão da novela rural, consagrando Benedito Ruy Barbosa com sua trilogia rural Pantanal (Manchete, 1990), Renascer (Globo, 1993) e O Rei do Gado (Globo, 1996) [...] O espaço rural é sempre tratado de forma mais detida e carinhosa. Com tomadas mais longas, fotografia e luz mais cuidadas do que o urbano e é frequentemente lá que ocorrem as ações fundamentais da trama. O ritmo das ações e das tomadas do universo rural é mais lento e pausado. A edição acompanha o ritmo narrativo e aproxima esse produto televisual do cinema ”(BALOGH, 2002, p. 172). 6- Facebook - O site de rede social Facebook foi criado pelo americano Mark Zuckerberg. Lançado em 2004¬¬, o foco inicial do site era criar uma rede de contatos destinada a jovens recém-formados no ensino médio e aqueles que estavam entrando na faculdade. Depois foi aberto para qualquer pessoa e agora tem adeptos em todo o mundo. (RECUERO, 2009). 7- Twitter - O micro-blog foi criado por Jack Dorsey, Biz Stone e Evan Williams em 2006 como um projeto da empresa Odeo. O site funciona como um blog integrado com uma rede social. Cada usuário possui uma página com o perfil, fotografia, as mensagens das pessoas que segue e tem liberdade de escrever até 140 caracteres. Os textos postados são organizados em ordem cronológica inversa, ou seja, do mais atual para o mais antigo. No começo a ideia era que os usuários usassem o site a partir da pergunta: “o que você está fazendo?”. Mas na atualidade as pessoas falam sobre diversos assuntos, postam informações e notícias (RECUERO, 2009). 8- Orkut - Criado por Orkut Buyukokkten, ex-aluno da Universidade de Stantford e lançado pelo Google em janeiro de 2004, o software é uma espécie de conjunto de perfis de pessoas e suas comunidades. Desenvolvido com base na idéia de software social, ali é possível cadastrar-se e colocar fotos e preferências pessoais, listar amigos e formar comunidades. [...] Mostrando os indivíduos enquanto perfis, é possível perceber suas conexões diretas (amigos) e indiretas (amigos dos amigos), bem como as organizações sob a forma de comunidades. Além disso, existem ferramentas de interação variadas, tais como sistemas de fóruns para comunidades, envio de mensagens para cada perfil, envio de mensagens para comunidades, amigos e amigos de amigos (RECUERO, 2009). 9- Heterocosmo, um universo similar, e, por isso mesmo, diferente do real. Um outro mundo, uma outra natureza. (LIMA, 2009). 10- “O gancho representa um mecanismo de suspensão do sentido que ocorre, em geral, nos momentos de maior tensão do relato. O sentido suspenso deverá ser reatado no bloco ou no capítulo subseqüente. Quanto maior for o intervalo ocorrido entre o momento da suspensão e o da retomada do sentido, mais efetivo deverá ser o gancho utilizado para preservar o interesse do expectador na trama” (BALOGH, 2002, P. 166) 34 11- Merchandising – é uma ferramenta de Marketing formada pelo conjunto de técnicas responsáveis pela informação e apresentação destacada dos produtos no ponto de venda, de maneira tal que acelere sua rotatividade. Na televisão, “esse fenômeno ocorre sobretudo a partir do advento do controle remoto e do zapping constante dos espectadores de um canal a outro, retirando dos intervalos comerciais grande parte de sua eficácia. Como conseqüência, a própria trama da novela transforma-se REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 ARTIGO ACADÊMICO 35 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011 ARTIGO ACADÊMICO num grande balcão de anúncios” (BALOGH, 2002, p. 164). REFERÊNCIAS: ALENCAR, Mauro. Eternas emoções: a questão do remake na telenovela brasileira. UNIrevista, Vol. 1, nº 3, julho 2006. Disponível em: < http://www .unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIREV~1.PDF >. Acesso em 17 mar 2010. BALOGH, Anna Maria. O discurso ficcional na TV: sedução e sonho em doses homeopáticas. São Paulo: Edusp, 2002. COELHO, Cláudio Novaes Pinto; CASTRO, Valdir José de. Comunicação e sociedade do espetáculo. São Paulo: Paulus, 2008. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. ____________. A sociedade do espetáculo. Lisboa, Edições Mobilis in Móbile, 1991. FERNANDES, Ismael. Memória da telenovela brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1997. Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2011. Disponível em: <www.infopedia.pt/$realismo-magico>. Acesso em: 06 jul 2011. Eliani de Fátima é mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, especialista em Assessoria de Comunicação e graduada em Jornalismo, ambas pela Universidade Federal de Goiás. Professora de Telejornalismo e Comunicação em televisão do curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo da PUC Goiás. Assessora administrativa e de comunicação da Coordenação de Arte e Cultura da PUC Goiás. 36 REVISTA PANORAMA edição on line numero I agosto - 2011