25 interatividade na comunicação online: enfraquecimento ou

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ARTIGO
ARTIGO ACADÊMICO
ACADÊMICO
INTERATIVIDADE NA COMUNICAÇÃO
ONLINE: ENFRAQUECIMENTO OU
PERPETUAÇÃO DA SOCIEDADE DO
ESPETÁCULO?
POR Cláudio Aleixo Rocha
[email protected]
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás
Resumo
O artigo discute como os tipos de mecanismos de interatividade online podem contribuir para um enfraquecimento
ou aperfeiçoamento dos instrumentos de poder mercadológicos produzidos a partir do consumo desenfreado de
mercadorias, cujo aprimoramento e fortalecimento iniciam-se na sociedade pós-industrial.
Palavras-chave
Sociedade do espetáculo, interatividade, consumo, poder
Os
indivíduos
vivem
em
sociedade através de relações de
interdependência. Nessa relação,
cada ação corresponde a retroações,
as quais se apresentam de formas
variadas, e por vezes, inesperadas.
Assim, é pela interação, que toda a vida
social é conduzida e fundamentada.
São essas trocas existentes na
interação entre indivíduos e sistemas,
e estas atualmente, mais do que
nunca, encontram-se intimamente
interligada por relações não apenas
locais, mas também globais, que
sustentam a estrutura que garante a
sobrevivência da, e em sociedade.
Com o desenvolvimento tecnológico
tornou-se possível experimentar
outras formas de interação, sendo
esta agora ao mesmo tempo, técnica
e social. Em específico, as mídias
digitais, no que se refere às questões
técnicas de interação, trouxeram
um novo agente de relacionamento
entre os indivíduos em um ambiente
globalizado: a interatividade. E nesse
sentido, como é possível valorar em
uma interação a predominância do
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caráter técnico ou social? Para André
Lemos (2003) o aparelho de telefone
pode ser utilizado como exemplo
clássico para se compreender como
se mantém uma relação técnica e
social, persistindo dessa relação, um
foco maior no aspecto social. Para
Lemos a ênfase na prevalência da
interação social no uso do telefone
evidencia-se pela reduzida interação
com o terminal. O caráter técnico
de interação concentra-se apenas
durante a combinação do número
desejado através de suas teclas,
compreendidas aqui como sua
interface física de contato. O uso
objetivo do telefone focalizado na
relação entre os indivíduos é que o
caracteriza como uma ferramenta
que valoriza o aspecto de interação
social. Portanto, sua interface
técnica tem menos importância
que o diálogo articulado entre
os indivíduos. Assim, no uso do
telefone como um instrumento
comunicativo, prevalece uma forte
interação social, em oposição a
uma fraca interação técnica. Assim,
ARTIGO ACADÊMICO
mesmo que a relação de interação
entre os indivíduos seja mediada
pela técnica, os interlocutores são o
centro da interação, não o aparelho
técnico. O intuito maior de sua
construção e manuseio não estão
firmados em sua interface técnica,
mas sim em sua utilidade como
ferramenta de interação social entre
os agentes humanos. Dessa forma,
para Lemos “a evolução da relação
homem técnica vai nesse sentido,
ou seja, num privilégio da interação
social e num “desaparecimento” da
interatividade técnica, em direção à
uma “interface zero”, à uma simbiose
completa (LEMOS, 2003, p. 02).
Todavia, de forma crescente, a
evolução tecnológica de diferentes
tipos de mecanismos de interação,
tem conduzido os indivíduos a
se envolverem de forma mais
admirativa com os novos artifícios
técnicos das máquinas, do que
de reflexivamente objetivando-se
compreender como tais dispositivos
podem melhor sua relação com o
ser humano, e, por com seguinte,
com a sociedade. Assim, em grande
parte, os indivíduos encontram-se
cada vez mais envolvidos em uma
relação de fidelidade, e até mesmo
de aprisionamento diante das
constantes inovações tecnológicas.
Constata-se que tal relação se
constrói a partir do impacto advindo
do deslumbramento de suas
díspares, e cada vez mais mirabolante
funcionalidades técnicas de uso.
Neste aspecto, tais indivíduos, por
sua vez, têm assumido um papel
de mero instrumento acessório,
utilizados essencialmente para um
melhor desempenho mercadológico
de diferentes produtos, os quais,
através de tais artifícios técnicos de
interação, desfrutam, mais e mais,
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de variadas formas de garantir a
produção e a gestão de seu consumo.
Diante desse cenário, é possível se
identificar que as características
da dita “Sociedade do Espetáculo”,
expressão apresentada inicialmente
em Paris (1967) por Guy Debord,
podem ainda estarem vivas em nosso
ambiente social contemporâneo?
Ou as reais, e ao mesmo tempo,
“ocultas intenções capitalistas” que
controlam e conduzem o fluxo
das relações sociais, encontrase enfraquecidas diante de seu
possível “desmascaramento”, fruto
do reflexo direto de uma sociedade
mais
informada
globalmente,
mediante a difusão de um grande
aparato tecnológico e interativo
que possibilita a uma grande parte
da população mundial, a troca de
informação e conhecimento em
tempo real?
O espetáculo
Para desenvolver tal reflexão é
necessário apresentar o que seria a
dita “Sociedade do Espetáculo”, ou o
espetáculo inserido na sociedade para
Debord, para então posteriormente,
relacionar como os dispositivos
técnicos interativos inseridos nas
mídias de comunicação online,
não tradicionais, especificamente a
Internet, podem contribuir para o
enfraquecimento, ao uma adaptação
dos mecanismos de controle social
apresentados pelo autor.
Nas palavras de Guy Debord, o
espetáculo é o “momento em que
a mercadoria ocupou totalmente
a vida social. Não apenas a relação
com a mercadoria é visível, mas
não se consegue ver nada alem
dela: o mundo que se vê é o seu
mundo” (1997, p. 30). Com bem
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ARTIGO ACADÊMICO
observa Debord, o resultado obtido
da concentração no trabalho
social revela-se de forma aparente,
submetendo toda a realidade à
aparência, sendo esta agora, seu
produto de desejo. Assim, o capital
já não se manifesta como um centro
invisível e condutor do modo de
produção, visto que sua acumulação
o expande até a periferia sob a forma
de objetos sensíveis. Todo o ambiente
social é o seu retrato. “O espetáculo é
o capital em tal grau de acumulação
que se torna imagem” (op. cit., p.25).
Nessa lógica espetacular, a vitória
ou a existência de uma economia
com finalidades autônomas, ou
de necessidades reais, deve ser
burlada, pois, a prevalência desta
seria o fracasso da magia produtiva
do espetáculo. Quando a lógica
produtiva espetacular consegue
substituir a satisfação das primeiras
e essenciais necessidades humanas,
característica das sociedades antigas,
por um frenético desenvolvimento
econômico baseado na fabricação
infinita de “pseudonecessidades,
ela garante assim, a perpetuação
e manutenção de seu reino. A
construção
do
fortalecimento
do espetáculo na sociedade não
está em uma produção de um
conjunto de imagens, e sim, em uma
sistematização de uma relação social
entre pessoas, mediada por imagens.
Neste aspecto, compreende-se que
o espetáculo está amalgamado
no consumo de mercadorias, e,
portanto, valendo-se de todas
as formas particulares, seja pela
informação, publicidade, política,
entretenimento, etc., ele constitui o
modelo vigente da vida dominante
na sociedade. E a partir dessa lógica,
conclui-se que o espetáculo está
na, e é a “afirmação onipresente
da escolha já feita na produção, e o
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consumo que decorre dessa escolha”
(idem, p.15).
É importante se frisar que para Guy
Debord, em seu momento mais
avançado, a sociedade modernizada
caracteriza-se pelo estágio do
espetacular
integrado.
Nesse
estágio o espetáculo, entre outros
aspectos, estrutura-se na incessante
renovação tecnológica, e na fusão
econômico-estatal. A união destas
duas características garante ainda
mais o domínio espetacular. A
inovação tecnológica constitutiva
da sociedade pós-industrial insere
e transforma os indivíduos em
números, e em um sistema de
cálculos, cujos especialistas da área
visam à satisfação através destes
cálculos. A fusão entre economia e
Estado, aliança esta que estabelece
a não oposição entre ambos,
arregimenta a continuidade do
desenvolvimento da dominação
espetacular, objetivo este que, desde
sua formação, nunca fora outro.
Dessa forma, a lógica do consumo
social de imagens tem através do
estágio do espetáculo integrado a
perpetuação de seu avanço. Nele,
a cultura como um todo integrado
é transformada integralmente em
mercadoria, tornando-a mercadoria
vedete da sociedade espetacular.
Diante do exposto, propõem-se
uma reflexão de como o espetáculo
integrado através da incessante
inovação tecnológica, e a fusão
econômico-estatal, duas de suas
características peculiares, podem
trabalhar a favor da hegemonia
do poder espetacular de forma
sorrateira. Tal proposta será aqui
especificamente focalizada, em
algumas formas de funcionamento
dos mecanismos técnicos de
interatividade presentes na Internet,
por esta se tratar de um atual veículo
ARTIGO ACADÊMICO
tecnológico de comunicação online
da sociedade moderna.
Técnica, tecnologia,
alienação
consumo
e
A técnica é, e sempre foi inerente
ao social. Utilizada no seu sentido
mais amplo, ela é constitutiva do
homem e de toda vida em sociedade.
A interação homem-técnica é
assim, uma atividade tecno-social
presente em todas as etapas da
civilização. É notório que através
dos estudos e aprimoramento
das técnicas, o desenvolvimento
tecnológico tem modificado as
mídias tradicionais já existentes - TV,
rádio, cinema, meios impressos -, e
abrindo novas possibilidades para a
experimentação em seus ambientes
de
diferentes
possibilidades
de veiculação de mensagens.
Paralelamente, e consequentemente
a isso, os elementos que compõem a
linguagem de cada uma dessas ditas
mídias tradicionais passam também
por sensíveis mudanças estruturais.
Para Pierre Lévy “a técnica é uma das
dimensões fundamentais onde está
em jogo a transformação do mundo
humano por ele mesmo.” (LEVY, 1993,
p. 7). Segundo Lévy a instalação
do que ele nomeia de “realidades
tecnoeconômicas” nos diversos
aspectos da vida social, implica o
reconhecimento da técnica como
um dos mais importantes temas
econômicos, políticos, filosóficos,
e estéticos da atualidade.
É
importante salientar que o conjunto
de novas técnicas embutidas
no processo tecnológico afeta o
mundo da linguagem, visto que a
linguagem está ligada às diversas
formas sociais de comunicação e de
significação, e, portanto, relacionase diretamente aos sistemas de
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produção de sentido. Na sociedade
moderna os meios eletrônicos e
digitais, frutos do desenvolvimento
tecnológico, são atualmente os
atores principais dentro desse
processo de produção, reprodução,
criação e difusão de sentidos. A
tecnologia e o aprimoramento
de seus conjuntos de técnicas
caracterizam-se como elementos
construtivos e modificantes do
ambiente social, artístico e cultural.
Sendo assim, tem participação direta
na abertura relativa às possibilidades
de se transformar linguagens
existentes das já consolidadas mídias
tradicional. “Todo fato cultural está
apoiado em uma técnica”. (PLAZA,
TAVARES, 1998, p. 13).
Conforme esclarece Milton Vargas
(1994) a técnica tem relação direta
com a habilidade de fabricar,
construir e utilizar instrumentos.
Relativo à tecnologia Vargas adverte
que a palavra tem sido utilizada
com o sentido de “técnica em geral,
ou mesmo num sentido menor,
como por exemplo, o do trato com
aparelhagem ou processos de
fabricação sofisticados, e mesmo num
sentido comercial, muito próximo ao
de marketing.” (1994, p. 15). Porém
o autor adverte que é importante
se fazer uma diferenciação entre
o momento da aquisição do
conhecimento tecnológico, pelo
estudo do tecnólogo ou pelo trabalho
do pesquisador, do momento
econômico-industrial, ou seja, da
inserção no mercado de novos
instrumentos ou novos processos
advindos do saber tecnológico.
Para Vargas “tecnologia é cultura
que se tem ou não, cuja aquisição
se dá por uma inserção de todo o
sistema sociocultural do país.” (1994,
p. 15). Tecnologia é produto de uma
sociedade ou cultura, e seu uso está
ARTIGO ACADÊMICO
incorporado ao cotidiano. Essa é a
mesma compreensão que advoga
Pierre Lévy (1999) que visualiza a
tecnologia como um ator que não
atua separadamente da sociedade e
da cultura, existindo e atuando como
entidades passivas a ela. Ao contrário,
Lévy defende a ideia de que, assim
como Vargas, as tecnologias são
produtos decorrentes das relações
existentes entre a sociedade e sua
cultura. Pierre Lévy ainda enfatiza
que “a distinção traçada entre cultura
(a dinâmica das representações),
sociedade (as pessoas, seus laços,
suas trocas, suas relações de força) e
técnica (artefatos eficazes) só pode
ser conceitual”. (LÉVY, 1999, p. 23).
Para o autor as autênticas interações
sociais, não são criadas entre “a”
tecnologia (que seria da ordem da
causa) e “a” cultura (que sofreria os
efeitos), “mas sim entre um grande
número de atores humanos que
inventam, produzem, utilizam e
interpretam de diferentes formas
as técnicas”. (LÉVY, 1999, p. 23).
Portanto, é importante compreender
que,
fundamentalmente,
a
tecnologia não deve ser vista apenas
como um instrumento de uso
massificado, mas acima de tudo,
que atue em conformidade com
as particularidades e necessidades
do indivíduo que a manipula, e não
inversamente a isso.
Entretanto, a inserção do aparato
tecnológico na sociedade pósindustrial trouxe também consigo
mudanças sociais que contribuíram
para a legalização de estruturas
hegemônicas políticas e econômicas,
dentro dessa agora chamada
sociedade midiatizada, ou sociedade
do espetáculo. A industria alastrada
na esfera cultural, sustentada pelo
consumo advindo de seus artifícios
de persuasão imagéticos, influencia
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e transforma o modo de vida das
pessoas, porquanto, levam-nas a
aceitarem determinadas normas,
demandas e comportamentos, de
acordo com os novos conceitos e
percepções criados por antecedência
no âmbito secreto de seus interesses,
não apenas garantem sua existência,
mas perpetue seu domínio social.
Uma das características da sociedade
pós-industrial refere-se à capacidade
de transformação de objetos em
mercadorias. Tal funcionamento
mercadológico contribui para o
surgimento de pessoas apegadas
ao desejo de adquirir produtos
criados apenas para satisfazer às
necessidades de identificação social
das mesmas. Portanto, concentrase na lógica de sobrevivência da
produção industrial, porquanto esta
se encontra unida à sociedade tanto
em seu aspecto econômico-estatal,
quanto sócio-cultural. No intuito de
viabilizar e perpetuar esse mecanismo
paradoxal
de
individualização
identitária social, haja vista ser o
mesmo, ao mesmo tempo, dentro dos
objetivos da mercadoria espetacular
de unificação e pasteurização, as
imagens midiáticas modificam,
a seu bel-prazer, as formas de
expressar e os costumes de vida em
sociedade, e assim, contribuem para
o desenvolvimento e sobrevivência
desse modo de produção e consumo.
Indo na mesma direção dos
argumentos expostos, Terry Eagleton
(2000, p. 48) argumenta que no
mundo pós-moderno, a cultura e
a vida social estão mais uma vez
estreitamente aliadas. Seu enlaçar
está agora amalgamado à estética da
mercadoria, na espetacularização do
consumo como um estilo de vida e
no olhar centralizado na imponência
da imagem. E é certo que todas
essas questões comportamentais
ARTIGO ACADÊMICO
cotidianas têm seu surgimento
relacionado ao momento em que
a própria cultura local manifesta-se
como uma mercadoria necessária a
ser consumida como uma forma de
subterfúgio ao bem estar social.
A relação de interdependência do
desenvolvimento tecnológico entre
sociedade, mercadoria, consumo e
cultura também são relatados por
Herbert Marcuse (1999). Marcuse
aponta a tecnologia como um
modo de produção constituído por
uma totalidade de instrumentos,
dispositivos e invenções que
caracterizam a era da máquina,
atuando ao mesmo tempo como
uma forma de organizar, modificar,
e/ou perpetuar as relações sociais,
a qual se revela em sua totalidade
como uma manifestação do
pensamento e dos padrões de
comportamento dominantes. Para
ele, o desenvolvimento tecnológico
manifesta-se, acima de tudo, como
um instrumento de controle e
dominação social. É nesse sentido
também que Vilém Flusser (2002)
desenvolve textos críticos à sociedade
“Pós-industrial”. Seus argumentos
apontam uma inversão de valores
comportamentais: o ser humano
vivendo a partir de uma dependência
consumista alienada e desenfreada
dos aparelhos tecnológicos que ele
próprio constrói.
Diante de tal contexto, será realmente
que a atual produção tecnológica
de mecanismos interativos, em
específico os inseridos nas mídias
sociais de comunicação online,
caracterizadas como mídias não
tradicionais, têm sido utilizados
no sentido de minar essas forças
estratégicas de dominação social
embutidas no consumo, através de
uma dita “socialização” maior da
informação e conhecimento, visto
que estes por sua vez, acreditam
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estar sem produzidos “aparte” do eixo
centralizador do poder econômico?
Ou, ao contrário, estes também
seriam uma nova forma adaptada
do espetáculo integrado às novas
mercadorias de consumo tecnológico
que ele mesmo já articulou por
antecedência sua forma de uso, seu
meio e seu fim, garantindo-lhe assim,
a continuidade de sua existência,
domínio e poder social?
A Interatividade
Para se iniciar tal discussão, é
importante que seja apresentado a
definição deste termo - extremamente
controverso entre os pesquisadores
da área -, e que para muitos, se
trata de um dos grandes agentes
construtivos da dita democratização
e socialização do acesso à
informação e ao conhecimento, a
saber: a interatividade. De forma
breve e simplificada, André Lemos
define o termo da seguinte maneira:
“O que compreendemos hoje por
interatividade, nada mais é que uma
nova forma de interação técnica, de
cunho “eletrônico-digital”, diferente
da interação “analógica” que
caracterizou os media tradicionais”.
(op. cit., p. 01).
Nas mídias tradicionais, a baixa
interatividade, até então “eletrônicoanalógica”, limitava-se em ligar e
desligar os aparelhos, melhorar sua
imagem ou trocar de canal. Porém,
com a técnica provida de mecanismos
interativos, o usuário tem a
abertura para interferir, manipular
e atualizar o conteúdo de forma
direta nos aparelhos eletrônicodigitais. Portanto, nota-se que com
a interatividade o indivíduo pode
ao mesmo tempo emitir e receber
informações. Sendo que a resposta
recebida, ou feedback interativo
dado pelo sistema da máquina
ARTIGO ACADÊMICO
a seu manipulador, refere-se aos
processos internos de codificação de
informações binárias que a capturam
e decodificam as ações/dados
advindos do meio externo. Isso
pressupõe delimitar a “interatividade”
como uma ação dialógica entre o
homem e a técnica, com respostas
simultâneas em tempo real.
Percebe-se assim que, o aspecto
dialógico na interatividade é
um elemento importante para
caracterizá-la como sendo o sinônimo
de interação, em sua “versão” digital,
nas relações sociais mediadas pelas
máquinas, haja vista existir entre os
agentes de interação uma relação
simétrica de interdependência.
Conduto cabe aqui apresentar
alguns tipos de configuração de
interatividade, porquanto esta não
se apresenta de uma única forma nos
ambientes interativos online. E, não
despretensiosamente, apresentam
funções
objetivas
diferentes
embutidas em suas características,
ou limitações, articuladamente
pensadas para cada uma de suas
formas específicas de uso.
A interatividade como elemento
diferenciador das mídias nãotradicionais
O objetivo do presente trabalho é
de refletir até que ponto realmente a
interatividade pode ser considerada
atualmente um agente tecnológico
precursor
do
enfraquecimento
da alienação social espetacular.
Alienação esta alimentada até então
pelo uso desenfreado e pouco
reflexivo de mercadorias construídas
a partir de um domínio técnico de
produção, o qual no decorrer dos
anos, e em maior escala atualmente,
tem encontrado novas formas para
manter seu poder hegemônico social.
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Nesse sentido, seguem algumas
considerações sobre a interatividade
como mediadora técnica de
processos comunicativos entre
humanos mediados pela máquina.
Mídia quente e mídia fria era a
forma que Marshall McLuhan (1969)
pensava a interatividade. As mídias
quentes são aquelas que deixam
pouco ou nenhum espaço para a
intervenção ou interação entre o
indivíduo e o conteúdo da máquina.
Portanto, caracterizam-se como
mídias que propagam mensagens
prontas, tal qual ocorre com as mídias
tradicionais. O rádio, a televisão ou o
cinema são um bom exemplo para
este tipo de mídia. Especificamente,
referem-se a modelos de propagação
de mensagens chamados de “UmTodos”. Já as mídias frias deixam o
espaço aberto para a intervenção
dos indivíduos em seu ambiente
informacional. Nelas, é possível
ao mesmo tempo preencher,
acrescentar ou modificar seu
conteúdo. O computador e a
Internet são representantes desse
tipo de mídia fria. Nesses sistemas a
interatividade é fundamental para a
construção conjunta da informação.
Estes são os modelos de propagação
e construção de mensagens
chamados de “Todos-Todos”. Neles
a comunicação está em fluxo entre
os agentes, e, portanto, não se
caracterizam como sistemas que
apresentam uma relação unicamente
unilateral, mas sim, bilateral. Ambos
os agentes emissores de mensagens
tem importância no processo
comunicativo.
Andre Lémos (op. cit., 2003), apoiado
nos estudos de McLuhan (1969),
vê a interatividade na Internet
como uma maneira de formação
de “comunidades virtuais”. Uma
espécie de construção de núcleos
ARTIGO ACADÊMICO
concentrados a partir de interesses
específicos. E, que, portanto, se
organizam de forma afastada
e fragmentada da informação
difundida a todos a partir um único
núcleo central, o qual transmite uma
informação massificada, no sentido
de tal informação filtrada por esse
núcleo apresentar, pretensiosamente,
a
mesma
importância
na
comunicação para o todo social. A
“retribalização” observada no meio
online digital-interativo por André
Lemos poderia ser considerada
uma forma de enfraquecimento
do poder dominante, vista que cria
uma nova forma de sociedade à
parte dos interesses unificantes das
mercadorias espetaculares. Todavia,
cabe aqui um questionamento:
Estaria por trás dessa “liberdade”
de segmentação tribal construída
a partir dos gostos, afinidades e
interesse de acesso a informações
particularizadas, uma forma de
enfraquecimento
do
interesse
coletivo sócia? Visto que a força social
brota de sua união. E tal segmentação
por interesses individuais de
informação e afinidades não seria
também uma forma de distribuição
de mercadorias específicas e
consumíveis, a partir de um víeis da
lógica do espetáculo integrado?
Outra questão importante para
ser tratada refere-se aos dois
tipos específicos de interatividade
entrados na Internet e discutidos por
Roy Ascott (1997): a interatividade
trivial e interatividade não-trivial.
Mônica Tavares (2002, pp. 4445) contribui com a discussão ao
referir-se aos tipos de interatividade
propostos por Roy Ascott (op. cit.).
Como exposto, em seus estudos,
este autor apresenta dois tipos de
interatividade: trivial e não trivial.
Na interatividade trivial, o receptor
tem a possibilidade de atualizar
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o potencial de escolhas, todas
dispostas e pré-programadas em
um banco de dados. Nesse tipo de
interatividade, o sistema é fechado
(finite data sets), o que torna as
ações do receptor limitadas ao
que foi pré-programado por seu
idealizador. Já na interatividade não
trivial é permitido ao receptor tanto
acionar a informação circulante em
um sistema quanto ampliá-la ou até
mesmo transformá-la. Nota-se dessa
forma, que a interatividade não
trivial está relacionada a sistemas
abertos (opened data sets), ou seja, o
controle e as ações do receptor não
são controlados conforme os limites
de escolhas pré-programadas por
seu idealizador.
Diante destes dois aspectos da
interatividade na rede, o que pode
ser apontado como sendo uma
questão crítica, e que, portanto,
carece de maiores aprofundamentos
de pesquisa para se averiguar até
que ponto a dita “Sociedade do
Espetáculo” ainda reina entre nós
é: A maior forma de interatividade
encontrada atualmente nos sites, ou
comunidades sociais presentes na
Internet é a trivial. Como descrito,
nesse tipo de interatividade o
indivíduo tem pouco, ou quase
nenhuma liberdade para se expor. É
um tipo de estrutura de “interação”
fortemente caracterizada como
unilateral. Nela, cabe ao indivíduo
apenas escolher uma, ou algumas
opções ali já preestabelecidas pelo
idealizador do ambiente de interação.
Ou então, deixar seu registro pessoal
através de uma ferramenta de
interatividade já criada e, nenhum
pouco ingenuamente pensado,
conforme os objetivos específicos
do site, ou poder-se-ia aqui dizer:
conforme os benefícios oferecidos do
produto a seu consumidor? Poucos
ainda são os ambientes de interação
ARTIGO ACADÊMICO
social eletrônico-digital que disponibilizam a interatividade nãotrivial aos seus interagentes. Esta por sua vez, se estudada a fundo,
demonstra ser a forma ideal para se construir um ambiente de
relações sociais, menos impositiva, com dispositivos interativos
de comunicação bidirecionais, e, portanto dialógicos, como é a
intenção de mídia não-tradicional que se propõem a ser a Internet.
Caso contrário, a prevalência de uma interatividade de nível baixo
como o é a trivial, pode conduzir a Internet a permanecer como
uma mídia de características de mídia tradicional, estruturada em
um modelo de comunicação “Um-Todos”, porquanto os interesses
por trás dos “pseudos” mecanismos de interatividade consistem
em averiguar ou transmitir os objetivos preestabelecidos de seus
idealizadores.
Ficam aqui alguns questionamentos, longe de serem os últimos
sobre este tema, ou de se apresentarem como uma fórmula para
se buscar uma resposta precisa: Até que ponto os mecanismos
de interatividade utilizados nos meios de comunicação online,
presentes no processo de interação entre os indivíduos, tem
garantido o acesso não cerceado às informações buscadas,
enviadas ou recebidas durante essa relação de troca de dados
informatizados? Até que ponto essas informações são realmente
relevantes para uma melhor compreensão e melhoria das
relações sociais humanas mediadas pelas máquinas? Ou seja,
majoritariamente, o envolvimento com os mecanismos técnicos de
interatividade online tem sido feito com um propósito central de
um melhor conhecimento da dimensão humana? Ou os indivíduos
têm sido envolvidos por tais mecanismos interativos, mediante um
objetivo central e específico anteriormente planejado, no intuito de
contribuírem para a melhoria e aperfeiçoamento das mercadorias
de consumo espetacular integrado?
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História da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: Unesp. 1994.
edição
on line
numero I
agosto - 2011
ARTIGO ACADÊMICO
NOTAS
1- “O imaginário social é composto por um conjunto de relações imagéticas que atuam como memória
afetivo-social de uma cultura, um substrato ideológico mantido pela comunidade. Trata-se de uma
produção coletiva, já que é o depositário da memória que a família e os grupos recolhem de seus
contatos com o cotidiano” (MORAES, 2008, p. 1).
2 - A expressão “Realismo Mágico” foi cunhada em 1925 pelo crítico de Arte alemão Franz Roh, para
designar inicialmente um grupo de pintores que exprimiam um certo onirismo de forma realista. A
expressão foi repescada em 1949 pelo escritor cubano Alejo Carpentier, para se referir a certas obras
da literatura latino-americana e, mais tarde, em 1955, por Ángel Flores, para designar o trabalho de
Jorge Luis Borges em comparação com o de Franz Kafka, segundo o crítico, seu equivalente europeu.
Desde então, o termo designa uma técnica literária em que a recriação de uma realidade geralmente
sombria e negativa, é atenuada das fatalidades a que está sujeita, através da recorrência a episódios
maravilhosos e fantásticos, por vezes surrealistas (INFOPEDIA, 2011).
3- A pesquisa foi realizada usando a técnica do grupo focal, com professoras da educação infantil e
alunos de 5 a 7 anos, de escolas públicas e privadas, de diferentes bairros e classes socioeconômicas
da cidade do Rio de Janeiro, em 2008.
4- Ibope – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. Multinacional brasileira de capital
privado, é uma das maiores empresas de pesquisa de mercado da América Latina. Entre outros
estudos, como fornecer um amplo conjunto de informações sobre mídia, opinião pública, intenção de
voto, consumo, marca, comportamento e mercado, no Brasil e em mais 14 países, o Ibope também
mede o índice de audiência de programas de televisão. (www.ibope.com.br)
5- “Na década de 1980 ainda não havia o terrível clima de violência urbana que hoje se presencia
nas metrópoles brasileiras, a falência da segurança pública, a supremacia organizacional de gangues
sobre a polícia e o sistema carcerário. Trata-se, no entanto, de uma década marcada por novelas
urbanas, sobretudo da equipe liderada por Gilberto Braga. A década de 1990, quando essa crise
não pode mais ser mascarada, representou precisamente a ascensão da novela rural, consagrando
Benedito Ruy Barbosa com sua trilogia rural Pantanal (Manchete, 1990), Renascer (Globo, 1993) e O
Rei do Gado (Globo, 1996) [...] O espaço rural é sempre tratado de forma mais detida e carinhosa.
Com tomadas mais longas, fotografia e luz mais cuidadas do que o urbano e é frequentemente lá que
ocorrem as ações fundamentais da trama. O ritmo das ações e das tomadas do universo rural é mais
lento e pausado. A edição acompanha o ritmo narrativo e aproxima esse produto televisual do cinema
”(BALOGH, 2002, p. 172).
6- Facebook - O site de rede social Facebook foi criado pelo americano Mark Zuckerberg. Lançado em
2004¬¬, o foco inicial do site era criar uma rede de contatos destinada a jovens recém-formados no
ensino médio e aqueles que estavam entrando na faculdade. Depois foi aberto para qualquer pessoa
e agora tem adeptos em todo o mundo. (RECUERO, 2009).
7- Twitter - O micro-blog foi criado por Jack Dorsey, Biz Stone e Evan Williams em 2006 como um
projeto da empresa Odeo. O site funciona como um blog integrado com uma rede social. Cada usuário
possui uma página com o perfil, fotografia, as mensagens das pessoas que segue e tem liberdade de
escrever até 140 caracteres. Os textos postados são organizados em ordem cronológica inversa, ou
seja, do mais atual para o mais antigo. No começo a ideia era que os usuários usassem o site a partir
da pergunta: “o que você está fazendo?”. Mas na atualidade as pessoas falam sobre diversos assuntos,
postam informações e notícias (RECUERO, 2009).
8- Orkut - Criado por Orkut Buyukokkten, ex-aluno da Universidade de Stantford e lançado pelo Google
em janeiro de 2004, o software é uma espécie de conjunto de perfis de pessoas e suas comunidades.
Desenvolvido com base na idéia de software social, ali é possível cadastrar-se e colocar fotos e
preferências pessoais, listar amigos e formar comunidades. [...] Mostrando os indivíduos enquanto
perfis, é possível perceber suas conexões diretas (amigos) e indiretas (amigos dos amigos), bem como
as organizações sob a forma de comunidades. Além disso, existem ferramentas de interação variadas,
tais como sistemas de fóruns para comunidades, envio de mensagens para cada perfil, envio de
mensagens para comunidades, amigos e amigos de amigos (RECUERO, 2009).
9- Heterocosmo, um universo similar, e, por isso mesmo, diferente do real. Um outro mundo, uma outra
natureza. (LIMA, 2009).
10- “O gancho representa um mecanismo de suspensão do sentido que ocorre, em geral, nos
momentos de maior tensão do relato. O sentido suspenso deverá ser reatado no bloco ou no capítulo
subseqüente. Quanto maior for o intervalo ocorrido entre o momento da suspensão e o da retomada
do sentido, mais efetivo deverá ser o gancho utilizado para preservar o interesse do expectador na
trama” (BALOGH, 2002, P. 166)
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11- Merchandising – é uma ferramenta de Marketing formada pelo conjunto de técnicas responsáveis
pela informação e apresentação destacada dos produtos no ponto de venda, de maneira tal que
acelere sua rotatividade. Na televisão, “esse fenômeno ocorre sobretudo a partir do advento do
controle remoto e do zapping constante dos espectadores de um canal a outro, retirando dos intervalos
comerciais grande parte de sua eficácia. Como conseqüência, a própria trama da novela transforma-se
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num grande balcão de anúncios” (BALOGH, 2002, p. 164).
REFERÊNCIAS:
ALENCAR, Mauro. Eternas emoções: a questão do remake na telenovela brasileira. UNIrevista, Vol. 1,
nº 3, julho 2006. Disponível em: < http://www .unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIREV~1.PDF >. Acesso
em 17 mar 2010.
BALOGH, Anna Maria. O discurso ficcional na TV: sedução e sonho em doses homeopáticas. São
Paulo: Edusp, 2002.
COELHO, Cláudio Novaes Pinto; CASTRO, Valdir José de. Comunicação e sociedade do espetáculo.
São Paulo: Paulus, 2008.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997.
____________. A sociedade do espetáculo. Lisboa, Edições Mobilis in Móbile, 1991.
FERNANDES, Ismael. Memória da telenovela brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1997.
Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2011. Disponível em: <www.infopedia.pt/$realismo-magico>.
Acesso em: 06 jul 2011.
Eliani de Fátima é mestre em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, especialista em
Assessoria de Comunicação e graduada em Jornalismo,
ambas pela Universidade Federal de Goiás. Professora
de Telejornalismo e Comunicação em televisão
do curso de Comunicação Social Habilitação em
Jornalismo da PUC Goiás. Assessora administrativa e
de comunicação da Coordenação de Arte e Cultura da
PUC Goiás.
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