70 ANOS DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região Setenta anos atrás surgia a Consolidação das Leis do Trabalho, também conhecida pela sigla CLT, cujo objetivo primordial era, e ainda hoje é, regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho, notadamente os vínculos de emprego. A história revela que a partir dos anos 1930 entrou em pauta de discussão no Brasil, com maior intensidade, o reconhecimento dos direitos trabalhistas, que visava, na realidade, impulsionar o desenvolvimento social e industrial do país. Depois de instaurada a Justiça do Trabalho em 1941, tornou-se necessária a criação de leis específicas que regulassem a atividade profissional. Em 1942, juristas de renome foram convidados para participar da elaboração do anteprojeto da CLT. Para tanto, esta comissão se inspirou nas conclusões do 1º Congresso Brasileiro de Direito Social, nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, na encíclica Rerum Novarum, nos pareceres dos consultores jurídicos Oliveira Viana e Oscar Saraiva e na Carta Del Lavoro, de 1927, acarretando, nesta parte, severas críticas por sua diretriz fascista e corporativista. Interessante registrar que os 10 membros integrantes daquela comissão trabalharam sem remuneração e se reuniram após as 17 horas, o que lhes permitia manter suas rotinas normais de trabalho. Finalmente, em 1º de maio de 1943 a CLT, por meio do Decreto-Lei nº 5.452, foi sancionada pelo presidente Getúlio Vargas e assinada em pleno Estádio de São Januário, que estava lotado para a comemoração. Fruto de um momento relevante na história brasileira, a CLT poderia ter sido apenas um mero e vago expediente do poder político dominante naquela época. Porém, não foi o que se sucedeu, porque a Consolidação se revelou superior às oportunistas contendas de ocasião e se transformou em um real e acessível meio de proteção do trabalhador, até então praticamente desamparado das mínimas garantias legais. Mais do que forjada em gabinetes assépticos dos movimentos de rua, a CLT é uma obra construída diuturnamente pela participação de pessoas de diferentes segmentos de interesse e/ou necessidade, que se entrecruzam e se interagem no percurso de criação, interpretação, incidência e aplicação das normas jurídicas. Falamos de trabalhadores, empregadores, sindicatos, advogados, juízes e procuradores, dentre outros. Muitos estudiosos do tema entendem que a CLT constitui um sistema ambíguo, pois simboliza, simultaneamente, atraso e modernização quando trata da diversidade das situações de trabalho. O texto legal prima pelo reconhecimento e regulamentação dos direitos sociais do trabalhador, mas ao lado da limitação das lutas trabalhistas e sindicais por melhorias nas condições do labor e do salário. Todavia, apesar das críticas que lhe são atribuídas, não se pode deixar de reconhecer os aspectos positivos trazidos pela CLT ao direito pátrio. À parte de quaisquer polêmicas quanto à sua fonte de inspiração ou até mesmo quanto à sua motivação, o certo é que ao longo do tempo ela se firmou como uma das principais contribuições do nosso ordenamento jurídico para a garantia dos direitos dos trabalhadores. A Consolidação se tornou norteadora do equilíbrio entre capital e trabalho, estabelecendo-se como fundamental mecanismo de pacificação dos conflitos sociais e se revelando como protagonista importante na formação de um novo modelo jurídico. O impacto que as normas contidas na CLT causam no meio social possui uma ampla dimensão, mesmo quando examinadas de pontos de vista bem distintos como o jurídico, o ético ou o político. Tanto é assim que os conceitos de trabalho, cidadania e democracia estão interligados e atuam de maneira interdependente para a formação da identidade nacional. Aliás, o Direito do Trabalho foi o pioneiro na defesa dos direitos de personalidade do trabalhador, lançando bases para a formação do princípio da dignidade que hoje permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro. Note-se que no momento histórico de surgimento da CLT, a organização da classe operária ainda estava em seu estágio inicial, quase não desperta para o mundo. Entretanto, esta situação não mais persiste, principalmente porque, com o advento da Consolidação no universo jurídico, passou a integrar o nosso ordenamento legal uma série de garantias destinadas à correção da existência de disparidade do poder econômico entre patrões e empregados, evitando, desta forma, o aprofundamento da desigualdade existente entre ambos. Lembrando o mestre Orlando Gomes: “a CLT deu generoso passo para a integração dos trabalhadores no círculo dos direitos fundamentais do homem, sem o qual nenhuma civilização é digna desse nome”. Como consequência, as exigências da atual sociedade brasileira não nos autorizam a ficarmos alienados das prementes demandas advindas do embate trabalho e capital. A propósito, a causa do trabalho/capital deve estar voltada, necessária e indistintamente, para uma vida digna dos seres humanos. Assim, o maior e mais belo desafio a nós imposto a partir da celebração destes 70 anos da CLT, creio eu, é nutrir este sistema jurídico que desde o seu nascimento foi construído para garantir a inclusão política e econômica pelo trabalho, mediante o entrelaçamento dos critérios de justiça comutativa com justiça distributiva.