Relato de Experiência A LÓGICA DO RACIOCÍNIO MATEMÁTICO GT 02 – Educação matemática no ensino médio e ensino superior Aline Brum Ottes, UFSM, [email protected] Ricardo Fajardo, UFSM, [email protected] Samuel Sonego Zimmermann, UFSM, [email protected] Resumo: Neste artigo apresenta-se inicialmente um referencial teórico sobre as dificuldades de ensinar matemática no ensino superior. Menciona-se que os estudantes têm diferentes estilos de aprendizagem e, por isso, quando o professor se aproxima desses estilos, os alunos tem maior facilidade de aprender. Após, aborda-se as dez leis da lógica clássica, mencionando alguns exemplos. Finalmente, comenta-se sobre as vantagens desse projeto tais como: maior interação entre colegas, desenvolvimento do raciocínio lógico, utilidade das leis da lógica na demonstração matemática. Palavras-chave: lógica; raciocínio lógico; demonstração; matemática. Introdução A Lógica do Raciocínio Matemático é um projeto de graduação que teve início no primeiro semestre de 2010. Surgiu devido ao interesse de alguns acadêmicos do Curso de Licenciatura Noturno e da intenção do professor em aprimorar os conhecimentos de lógica, visto que este é fundamental no estudo e desenvolvimento do conteúdo matemático. Em geral, nas disciplinas do currículo o conteúdo de lógica não é abordado em profundidade. No entanto, nesse projeto até o momento estudou-se as dez leis da Lógica Clássica, aprofundando-se, desta forma, o estudo de lógica abordado nas disciplinas de álgebra. Referencial teórico A Lógica é a ciência que trata dos princípios válidos do raciocínio e da argumentação. Seu estudo é um esforço no sentido de determinar as condições que permitem tirar de determinadas proposições, chamadas de premissas, uma conclusão delas derivadas. A validade lógica é a relação entre as premissas e a conclusão. Portanto, acredita-se que um estudo mais detalhado da lógica clássica venha a ajudar os acadêmicos a compreender melhor como a Matemática é desenvolvida. Segundo Relato de Experiência Nasser (2009, p. 44) “a aprendizagem também pode ser dificultada se o estilo adotado no ensino não se adequar aos estilos de aprendizagem dos alunos. De acordo com Felder (1966), os estudantes, em geral, têm diferentes estilos de aprendizagem – características e preferências quanto a maneira como eles tomam e processam a informação”. Com esta questão de cada aluno ter o seu estilo de aprendizagem é indispensável a ajuda, dedicação e entusiasmo do professor para que consiga despertar o aluno para a aula de matemática. “Segundo a teoria de estilos de aprendizagem, os alunos têm mais facilidade de aprender quando os estilos da aula, do texto e da linguagem do professor coincidem com os estilos de aprendizagem dos alunos da turma”. (NASSER ,2009, p. 47). Desta forma, é necessário que o professor use uma linguagem que desperte o interesse do aluno, que seja de fácil compreensão; não que faça somente uma repetição dos livros, porque, com isso, os alunos já estão habituados e não os chama mais a atenção. Onuchic e Allevato (2009, p. 171) mencionam que: Sempre houve muita dificuldade para se ensinar Matemática. Apesar disso, todos reconhecem a importância e a necessidade da Matemática para se entender o mundo e nele viver. Como o elemento mais importante para se trabalhar a Matemática é o professor de matemática e este não está sendo bem preparado para desempenhar suas funções, as dificuldades nesse processo tem aumentado muito. A dificuldade para se ensinar matemática é um problema que acompanha professores desde o ensino fundamental até os do ensino superior. Acontece que a disciplina já é temida pela maioria dos alunos, vista como a mais difícil de ser compreendida. O aluno já vai para a aula com certo receio. Logo, o professor tem que ter certa criatividade e paciência para chamar atenção do aluno e motivá-lo aprender matemática. Percebemos que existe uma maior aprendizagem quando o aluno tenta resolver questões individualmente e interagindo entre colegas, onde eles tentam chegar à resposta correta. No entanto, ocorre que, muitas vezes, esta “liberdade” não é oportunizada em sala de aula. Por outro lado, não se vê somente como “culpa” do professor. Existe, também, a falta de curiosidade do aluno, que se satisfaz com o que é dito, com o exercício resolvido pelo professor. Relato de Experiência Com relação ao interesse por parte dos alunos, Chagas (2004) menciona que existem alunos que tentam apresentar soluções diferentes das apresentadas pelo professor e que estes a ignoram ou consideram como inadequadas. Apresentam, então, o “modo correto” de resolver o problema e, assim, os alunos apagam o que fizeram e copiam o “modo correto” apresentado pelo professor. Isto desestimula o aluno. Acaba com a certeza do que tinha feito, pois o professor vai até o quadro e resolve a questão, dizendo que assim é o modo correto. O aluno apaga o que fez, copia do quadro e, na maioria das vezes, fica sem entender. Não desenvolve o raciocínio, e nem sabe se a maneira que fez estava correta. Concorda-se que o professor resolva de seu modo, mas que corrija a do aluno e lhe dê a oportunidade dele mostrar para os colegas outro caminho, que para muitos pode parecer mais fácil de compreensão. O ensino da Matemática deve ser mais do que somente cópia de exercícios, mais do que somente a tentativa de uma “decoreba”. Relato da experiência Durante o ano de 2010, tivemos um encontro semanal de duração de uma hora. Inicialmente, o professor mencionou que esse estudo somente funcionaria se os participantes concordassem em participar efetivamente, contrapondo idéias e as apresentando no quadro. Do contrário, seria uma mera repetição das aulas corriqueiras, tradicionais. Foi-nos explicado que o progresso seria lento, mas era intencional, pois, assim, teríamos tempo para amadurecer no conteúdo. No início das atividades começamos a estudar sentenças, afirmações e valores verdade. Uma sentença enuncia um fato ou contém uma ideia completa. Algumas sentenças têm valores verdade incertos, uma vez que elas são verdadeiras para algumas pessoas e falsas para outras. Outras sentenças, denominadas de sentenças abertas, contém variáveis. Em geral, não é possível determinar um valor verdade para uma sentença aberta até que a variável seja substituída por algum valor específico. Tivemos certas dificuldades, tínhamos que parar e pensar bem na frase que nos era passada, para percebemos que tipo de sentença era. Mas com vários exemplos e prática fomos entendendo e tendo mais facilidade. Relato de Experiência A seguir fomos adicionando ideias a respeito da negação e dos conetivos lógicos. Em lógica se estuda os valores verdade de afirmações, ou seja, se uma afirmação é verdadeira ou falsa. A negação é uma afirmação que é geralmente construída ao se inserir a palavra ‘não’ na afirmação original. Após, foi-nos apresentada a ideia de representar por uma letra um pensamento completo simples. Por exemplo: seja p a sentença “A semana tem sete dias” (V). Então, ~p significa “A semana não tem sete dias” (F); ou, ainda, ~p pode significar “Não é o caso de toda semana ter sete dias” (F). Realizamos vários exercícios do mesmo gênero dos exemplos acima e os apresentamos ao grupo. Além do mais, o professor trabalhou diversas frases oralmente em sala de aula conosco. Assim, fomos adquirindo facilidade ao resolvê-los. Aos poucos demos início à noção de Tabela Verdade. Vimos que uma afirmação e a sua negação possuem valores verdade opostos. Gradualmente fomos adicionando o estudo da conjunção e disjunção. Em lógica, uma conjunção é uma sentença composta formada pela palavra “e” e uma disjunção envolve o conectivo “ou”. No estudo do condicional vimos que é uma sentença composta geralmente formada pelas palavras “se …, então...” para combinar duas sentenças simples. Vimos que p implica em q, simbolicamente é representando por p → q. As partes de um condicional “se p, então q” podem ser identificadas por nome: p é a hipótese ou o antecedente, enquanto que q é a conclusão ou o conseqüente. Esta parte nos foi de suma importância para nos facilitar a organização e compreensão de uma demonstração matemática e, ainda, aprendemos que todo teorema pode ser escrito na forma “se … , então ...”. Por exemplo, a afirmação “o quadrado de qualquer número par é múltiplo de quatro”; pode, também, ser escrito como “se x é um número par, então x2 é múltiplo de quatro”. Trabalhamos bem a ideia de que, de uma hipótese falsa podemos chegar a uma conclusão verdadeira, mas de uma verdadeira não se conclui uma falsa. Ao decorrer dos encontros trabalhamos com mais uma sentença composta, o bicondicional, que é formada pela conjunção “e” e dois condicionais, a saber: p → q e q → p. Logo, o bicondicional enuncia que “p implica q” e “q implica p”. Na sua forma simbólica tem-se que: p q é o mesmo que ( p q) (q p) . Relato de Experiência Quando começamos a trabalhar a parte de tautologia, precisávamos de um bom entendimento da Tabela Verdade vista anteriormente, pois ela se forma com as sentenças anteriores. Em lógica, uma tautologia é uma sentença composta que é sempre verdadeira, independentemente dos valores verdade das sentenças simples que formam a sentença composta. Com a idéia de tautologia foi introduzido a noção de sentenças equivalentes, usando o bicondicional: p e q são logicamente equivalentes se a tabela verdade de p q for uma tautologia. Vimos um exemplo de tautologia usando frases: seja p a sentença “José é bonito” e q a sentença “Maria é linda”. As tabelas 3 e 4 nos mostram que: uma conjunção sempre implicará numa disjunção, uma vez que p q p q é uma tautologia. Se “José é bonito e Maria é linda”, segue que “José é bonito ou Maria é linda”. Esta sentença composta é verdadeira. Uma disjunção não pode implicar numa conjunção, uma vez que p q p q não é uma tautologia. Se “José é bonito ou Maria é linda”, não é possível concluir que “José é bonito e Maria é linda”. Após, demos início ao estudo das dez Leis do Raciocínio Lógico. Começamos pela Lei do Destacamento. Um argumento consiste de uma série de sentenças chamadas de premissas e uma sentença final denominada conclusão. Percebemos que as premissas nos levam à conclusão ou que a conclusão segue das premissas. Por exemplo: se temos como premissas (hipóteses) “Se eu jogo futebol, então eu preciso de uma bola” e “Eu jogo futebol”, então a segunda premissa ativa, por assim dizer, a premissa do condicional e podemos concluir que “eu preciso de uma bola”. Na forma simbólica temos que: p: “eu jogo futebol” e q: “eu preciso de uma bola”. Logo, a tabela abaixo resume a Lei do Destacamento. Tabela 1: lei do destacamento na forma simbólica Premissa: p q Premissa: p Conclusão: q Relato de Experiência Em Matemática esta lei não é explicitamente usada, pois num teorema, sempre assumimos a hipótese (premissa) como verdadeira. Em seguida estudamos a Lei da Contraposição. Trabalhamos vários exemplos. O professor nos questionou bastante a respeito dela, pois em princípio, estávamos um pouco confusos com esta noção. O condicional “se p, então q” é o conectivo mais usado no raciocínio lógico. Do condicional original podemos formar mais três condicionais. Examinamos estes condicionais tanto na sua forma simbólica como em palavras. Por exemplo, sejam: p: “A temperatura é 5o C ” e q: “Está frio”. Então, temos quatro possibilidades. Tabela 2: exemplo da lei da contraposição Condicional: p q Se a temperatura é 5o C , então está frio. (V) Negação: ~ p ~ q Se a temperatura não é 5o C , então não está frio. (F) Inversa: q p Se está frio, então a temperatura é 5o C . (F) Contraposição: ~ q ~ p Se não está frio, então a temperatura não é 5o C . (V) A sentença condicional é, certamente, sempre verdadeira. A negação não garante sempre uma verdade, pois a temperatura poderia ser 4o C . Logo é falsa. Da mesma forma, a inversa não garante sempre ser uma verdade, pois a temperatura poderia ser 9o C . Por outro lado, a contraposição é sempre verdade, visto que se não estão frio, a temperatura não poder ser de 5o C ! Isto sugere que o condicional e a sua contraposição sejam equivalentes; isto é, formam uma tautologia. De fato, ao construir-se a tabela verdade de p q ~ q ~ p , obtemos uma tautologia. A regra é “inverter” e “negar” para obter uma sentença equivalente; ou seja, a tabela verdade de p q ~ q ~ p é uma tautologia. A partir deste ponto começamos a trabalhar demonstração em lógica. A cada etapa que passávamos tínhamos mais entusiasmo, curiosidade pelo estudo da lógica. Nesta parte de demonstração interagimos mais que o freqüente. Tínhamos um gosto de vermos aquilo que estudamos e que muitas vezes achávamos complicado estava dando certo e que nós conseguíamos chegar à resposta procurada. Relato de Experiência A seguir vimos a Lei de Modus Tollens. Esta não nos trouxe muita novidade, pois são as duas leis estudadas anteriormente, só que em uma. Aplica-se a lei da contraposição e depois a do destacamento. É um atalho no raciocínio. Seguindo, estudamos a Lei do Silogismo Hipotético. Aqui são usadas várias sentenças condicionais em um argumento. Mas, neste momento, nos limitamos a duas sentenças condicionais. Esta lei é uma espécie de transitividade. Tabela 3: lei do silogismo hipotético pq qr pr Continuando, estudamos a Lei da Inferência Disjuntiva e mostraremos um teste de validação através de valores verdade. Tabela 4: a lei da inferência disjuntiva bn ~n b Conforme a tabela 4, temos como premissas b n e ~ n . Logo, como ~ n é verdadeira (premissa), temos que n é falsa e como b n também é verdadeira (premissa), conclui-se que b (conclusão) deve ser verdadeiro. A Lei da Dupla Negação foi de fácil compreensão. Ela nos trouxe um conhecimento que já sabíamos. Ela diz que ~ ( ~ p ) e p são logicamente equivalentes. Após, estudamos as Leis de De Morgan que distribuem a negação usando os conetivos “e” e “ou”. Tabela 5: leis de De Morgan ~ p q ~ p ~ q Relato de Experiência ~ p q ~ p ~ q Para comprovar a veracidade destas leis, trabalhamos as respectivas tabelas verdades e verificamos que são tautologias. Finalmente, estudamos as Leis da Simplificação, da Conjunção e da Adição Disjuntiva, conforme a tabela abaixo: Tabela 6: leis da simplificação, conjunção e adição disjuntiva Lei da Simplificação Lei da Conjunção p q p Tendo-se p e premissas, então p q q q Lei da Adição Disjuntiva como Tendo-se p como premissa, p q é então p q é verdadeiro. verdadeiro. À medida que estudávamos cada lei, praticávamos a demonstração em duas colunas. Assim, aos poucos desenvolvíamos a habilidade de raciocínio lógico, agregando uma nova lei por vez. A demonstração em duas colunas apresenta a vantagem de não termos que nos preocupar com a redação, mas sim em desenvolver uma estratégia de pensamento. Apresentamos, abaixo, um exemplo de demonstração executado no final do ano. Tendo-se como premissas ~ ~ p t , p k , k d e t , conclua d . Demonstração: Tabela 7: exemplo de demonstração lógica Afirmação Justificativa 1. ~ ~ p t 1. Premissa 2. p k 2. Premissa 3. k d 3. Premissa 4. t 4. Premissa 5. p ~ t 5. Leis de De Morgan em 1 6. p 6. Inferência Disjuntiva em 4 e 5 7. k 7. Lei do Destacamento em 2 e 6 8. d 8. Lei do Destacamento em 3 e 7 Relato de Experiência Considerações finais Durante o desenvolvimento do projeto tivemos uma grande evolução. Tivemos a oportunidade de apresentar as nossas soluções no quadro e explicá-las. Assim, a parte de aprender o um conteúdo novo, aprendemos a vencer o nosso nervosismo e praticar a apresentação em público, mesmo que restrito. Percebemos que estudos extracurriculares nos propiciam vários benefícios. Expande nossos conhecimentos, temos mais maturidade para resolver certos cálculos, nos desperta aptidões, nos permite em não nos contentarmos somente em ler e compreender o mundo em que vivemos, mas de preferência que possamos atuar nele trazendo benefícios; ou seja, ser mais ativo no processo de ensino e aprendizagem. Durante o ano, o professor mencionava alguns exemplos de matemática, conforme estudávamos as leis. Um desses exemplos usou a Lei da Contraposição: “Se f é uma função real de variável real diferenciável, então f é contínua”. A contrapositiva desta sentença é: “Se f não é contínua, então f não é diferenciável”. Conhecendo a lei torna-se mais simples entender o resultado e usá-lo. A demonstração no formato de duas colunas foi uma boa novidade para nós. A informação fica limitada ao conteúdo essencial que precisamos e não é necessário preocupar-se com a redação. Isto pode ser feito mais tarde. Pretendemos continuar com o projeto. Desta vez, utilizando as dez leis e o raciocínio lógico desenvolvido na demonstração de problemas matemáticos. Referências NASSER, L. Uma pesquisa sobre o desempenho de alunos de cálculo no traçado de gráficos. In: FROTA, M. C. R.; NASSER, L. (Org.) Educação Matemática no Ensino Superior: pesquisas e debates. Recife: SBEM, 2009. ONUCHIC, L. R.; ALLEVATO, N. S. G. Formação de professors – mudanças urgents na licenciatura em matemática. In: FROTA, M. C. R.; NASSER, L. (Org.) Educação Matemática no Ensino Superior: pesquisas e debates. Recife: SBEM, 2009. Relato de Experiência CHAGAS, E. M. P. F. Educação Matemática na Sala de Aula: problemáticas e possíveis soluções. Millenium - Revista do ISPV - n.º 29 - Junho de 2004. Disponível em: http://www.ipv.pt/millenium/Millenium29/31.pdf. Acesso em: 25 Fev. 2011.