O Direito e o Pensamento Jurídico (3.1.2012) Enunciado de exame com tópicos de respostas tidas por adequadas A presente prova é composta por 3 grupos de questões. As questões dos grupos I e III são de resposta obrigatória. Em relação ao grupo II o aluno deverá escolher 3 questões para resposta. I Responda a cada uma das questões seguintes, usando não mais de 75 palavras em cada resposta: 1. O Direito Natural será invariável ou o seu conteúdo poderá variar no tempo e no espaço? Depende da conceção adotada. Os primeiros modos de conceber o Direito Natural configuravam-no como invariável. Muitos autores, sobretudo entre os antigos, reservam mesmo a expressão para designar a justiça eterna, de fonte divina ou imanente à natureza humana. No entanto, é possível adotar uma posição relativista, que faça o Direito Natural variar no tempo e no espaço. De resto, os próprios conteúdos defendidos pelos jusnaturalistas têm variado. 2. O chamado «soft law» é direito? Depende da noção de direito. Se na mesma só couberem normas cuja coercibilidade seja assegurada pelo Estado, o «soft law» não será direito. 3. Qual a diferença entre direito material (ou substantivo) e direito processual (ou adjetivo)? O direito substantivo regula as relações sociais, nomeadamente atribuindo direitos e impondo deveres. O direito processual regula a efetivação do direito substantivo pelos órgãos do Estado, seja essa efetivação levada a cabo sob o impulso dos interessados ou oficiosamente. 4. O Direito Internacional Privado tem necessariamente fonte internacional? O Direito Internacional Privado regula as relações privadas internacionais (isto é, as que estão em contacto com mais de uma ordem jurídica), quer por meio de normas materiais, quer por meio de normas de conflitos - podendo umas e outras ter fonte internacional ou nacional (sendo exemplos destas as que constam dos arts. 25 a 65 do Código Civil). 5. No âmbito do Direito da União Europeia, qual a diferença entre regulamentos e diretivas? Os regulamentos têm caráter geral, sendo obrigatórios em todos os seus elementos 1 e diretamente aplicáveis em todos os Estados-Membros. As diretivas vinculam os EstadosMembros destinatários quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios de o fazer (art. 288 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). 6. Quais as principais funções dos advogados? O exercício do mandato forense e do aconselhamento jurídico. II Responda a três das seguintes questões – e só a três: 7. A ideia de direito implica necessariamente a ideia de dever ser? Para a maior parte dos pensadores (bem como das pessoas em geral), o direito é um modo de dever ser, isto é, de normatividade. Há, porém, quem tente analisar os fenómenos jurídicos sem recorrer à ideia de dever ser. É o caso dos membros das escolas de pensamento conhecidas como «realismo jurídico» e de certos autores marxistas. Por exemplo, Karl Olivecrona, autor enquadrável no “realismo escandinavo», sustentou que: a força vinculativa do direito só é realidade enquanto ideia nos espíritos humanos; nada há no mundo exterior que corresponda a essa ideia; as tentativas de entender que o direito é vinculativo em qualquer sentido que não naquele segundo o qual ele exerce pressão sobre a população conduzem necessariamente ao absurdo. 8. Para quem entende que os princípios jurídicos vigoram, a sua aplicação faz-se em termos idênticos aos das normas? A lógica da aplicação das normas tende a ser a de «sim ou não» (all or nothing fashion). Os princípios podem aplicar-se gradativamente e de forma coordenada. A diferença resulta sobretudo da diferença de estrutura entre as normas e os princípios: aquelas compostas de previsão e estatuição e estes comandos sem tal divisão e, por isso, mais plásticos. Sirvam de exemplos as normas que preveem crimes (que se aplicam ou não se aplicam) e os princípios pacta sunt servanda e do equilíbrio contratual, que, apesar de potencialmente contraditórios, podem ser aplicados em simultâneo, de modo coordenado 9. Comente a seguinte afirmação: «A lei e a jurisprudência não são fontes de direito que se excluam mutuamente». Na tarefa de aplicação do direito, os tribunais são frequentemente forçados a descobrir proposições normativas que não constam expressamente das leis, designadamente em concretização das que constam expressamente das leis. Por vezes, a própria lei prevê que essas proposições normativas de origem jurisprudencial se tornem obrigatórias (casos dos assentos e dos acórdãos de uniformização de jurisprudência). Outras vezes, é a mera repetição dessas proposições nas decisões judiciais que leva a que se 2 deva entender que se está perante uma norma vigente. Em qualquer dos casos verifica-se a formação de normas com uma fonte mista (legal e jurisprudencial). Daí que a afirmação sob comentário mereça concordância. 10. Por que razão mostra o Código Civil maior abertura ao recurso aos usos do que ao costume? Porque, ao contrário do que sucede com o costume, os usos não têm imperatividade própria, só relevando na medida em que a lei o determine. O mesmo é dizer que o monopólio da produção normativa que o Código Civil atribui à lei não é afetado pelo papel que o Código Civil reconhece aos usos – ao contrário do que sucede com o costume, cuja vigência não depende da lei. 11. Por que razão a maioria dos juristas aceita mais facilmente que o costume seja fonte de Direito Internacional Público do que fonte dos direitos de cada Estado? A força do costume como fonte de direito tende a ser inversamente proporcional à força do poder político na sociedade considerada. Os Estados modernos estão omnipresentes nas sociedades em que existem e, por meio das suas leis, absorvem (absorveram) ou repelem (repeliram) o costume. Na sociedade internacional não há um poder tão presente e forte quanto o de cada Estado na sua ordem interna. Daí que seja reconhecido ao costume um papel mais relevante na regulação das relações internacionais do que na regulação das relações dentro das sociedades estatais. 12. Por que é que muitos autores sustentam que os sistemas jurídicos são «autopoiéticos»? Porque os sistemas jurídicos se auto-reproduzem, nomeadamente pela «descoberta» de normas não aparentes. A própria constituição dos ordenamentos jurídicos como sistemas cria condições para a expansão dos seus conteúdos, por meio da criação do que não era visível ao primeiro olhar. III Comente as seguintes afirmações: «Há uma ligação clara entre as opiniões acerca das fontes do direito e a posição ideológica: os defensores do Estado de Direito baseado na divisão de poderes não podem encarar com entusiasmo que a jurisprudência tenha um papel criador de normas, nem que estas possam resultar de consensos tácitos – gerais ou doutrinários - não sancionados pelo poder legislativo legítimo». À primeira vista, a aceitação da divisão de poderes como uma das bases do Estado de Direito implica que: - Os tribunais não tenham legitimidade para criar normas; - O consenso popular tácito não seja também um modo legítimo de criar normas; 3 - As elaborações doutrinárias, mesmo que consensuais, não sejam outrossim um modo legítimo de criar normas. No entanto: - É inequívoco que, na tarefa de aplicação do direito, os tribunais são, frequentemente, forçados a descobrir proposições normativas que não constam expressamente das leis, designadamente em concretização das que constam expressamente das leis; - Esse papel criador de normas da jurisprudência é abertamente aceite por muitos pensadores, de muitos países cuja qualificação como Estados de Direito baseados na divisão de poderes não é normalmente posta em causa (v.g., EUA); - O consenso social que leva à existência do costume sobrepõe-se a qualquer regra legal; - Os consensos doutrinários servem de indício à legitimidade de certas formulações de proposições normativas. Observações: 1. As cotações das perguntas são: – Grupo I: 9 valores (1,5 valores cada questão) – Grupo II: 6 valores (2 valores cada questão) – Grupo III: 5 valores 2. O tempo máximo para a realização da prova é de três horas 3. Na avaliação das respostas, serão tidos em conta, além do mais, o rigor conceitual e a clareza da exposição 4