Cardite Lúpica

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Falcão e cols.
Atualização
Arq Bras Cardiol
volume 74, (nº 1), 2000
Cardite l pica
Cardite Lúpica
Creso A. Falcão, Norma Lucena, Izabel C. Alves, Ângela L. Pessoa, Emmanuelle T. Godoi
Recife, PE
Ainda que os rins sejam classicamente considerados
os principais órgãos lesionados no lúpus eritematoso
sistêmico, o coração e a circulação cardiopulmonar também
podem ser seriamente acometidos. O reconhecimento clínico da agressão cardiovascular pode ser dificultado pela
corriqueira coexistência de múltiplos problemas clínicos em
pacientes com lúpus, como infecções e insuficiência renal.
O acometimento cardíaco próprio da doença (cardite lúpica)
requer adequada identificação, visto tratar-se de uma situação específica onde geralmente se impõe o emprego da terapia de imunossupressão, ao lado da terapêutica cardiológica convencional. Pericardite, miocardite, endocardite de
Libman-Sacks, hipertensão arterial pulmonar e coronariopatia são consideradas as principais complicações cardiovasculares associadas às alterações auto-imunes do lúpus
eritematoso sistêmico. Os anticorpos antifosfolípide, os
quais são usualmente identificados por testes para pesquisa do “anticoagulante lúpico” e dos anticorpos anticardiolipina, têm sido descritos como associados a diversas
modalidades de acometimento cardíaco do lúpus.
O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença autoimune de origem desconhecida, caracterizada por acometimento inflamatório de múltiplos sítios orgânicos (rins, cérebro, coração, fígado, pulmões, articulações, músculos, pele
e outros), ao longo de uma evolução que costuma ser marcada por remissões e recidivas. A gravidade da doença é
variável, estando compreendida num espectro que envolve
desde apresentações clínicas leves e frustras, com acometimento cutâneo e artrite, até formas rapidamente fulminantes,
com insuficiência renal e graves distúrbios do sistema nervoso central 1,2.
O termo “lúpus” é derivado do latim (lupus, lobo) e reporta-se às clássicas ulcerações eritematosas por sobre a
face - “uma doença que corrói, morde e destrói”, conforme
as primeiras observações médicas sobre a doença, que datam de há pelo menos sete séculos 3. O lúpus eritematoso
sistêmico é a mais comum das doenças auto-imunes
sistêmicas 4, com uma prevalência estimada entre 4 a 250
Faculdade de Ciências Médicas - FESP - Universidade de Pernambuco
Correspondência: Creso A. Falcão – Rua Padre Carapuceiro, 488/603 - Boa Viagem 51020-280 – Recife, PE
Recebido para publicação em 4/3/99
Aceito em 19/5/99
casos por 100.000 indivíduos da população geral, e ocorre
com maior freqüência no sexo feminino, surgindo usualmente na faixa etária de 16 a 55 anos 5. O aspecto mais
marcante e característico do lúpus eritematoso sistêmico é
um estado auto-imune caracterizado pelo desenvolvimento
de anticorpos para múltiplos antígenos derivados do núcleo, citoplasma e membranas celulares 1,5.
Muito embora os rins ainda sejam os órgãos mais estudados no lúpus, com o surgimento da lesão renal, sendo tradicionalmente considerado um marco na evolução e prognóstico dos pacientes acometidos, há pelo menos um século já se sabe que o coração também pode ser seriamente lesionado nesta condição, podendo contribuir de forma
igualmente significativa para a morbidade e mortalidade da
doença 6-8.
Ainda que na prática clínica - e mesmo na literatura relacionada - seja eventualmente difícil diferenciar a cardiopatia própria do lúpus eritematoso sistêmico da cardiopatia
que ocorre no lúpus eritematoso sistêmico em decorrência
de outras causas 9, como a hipertensão arterial e a endocardite infecciosa, considera-se que o acometimento cardíaco é a terceira causa mais comum de morte no lúpus, logo
abaixo das infecções e da nefropatia 10. Esta revisão procurará dar ênfase ao acometimento cardíaco considerado próprio do lúpus eritematoso sistêmico, o qual decorre das alterações auto-imunes da doença, que parece ser mais facilmente detectável durante períodos de exacerbação (atividade) da doença 11, e é mais comumente referido como cardiopatia lúpica, ou cardite lúpica (tab. I).
Reconhece-se William Osler, a partir de 1895, como o
primeiro a considerar a lesão cardíaca como fazendo parte
do lúpus sistêmico 12, ao lado de outras complicaç es do
eritema exudativo multiforme, também classificadas como
inflamatórias, tais como: acometimento cerebral, respiratório, gastrointestinal e renal 13. Por sua vez, Libman e Sacks
chamaram a atenção para uma forma de acometimento cardíaco que consideraram específica do lúpus, ao descreverem achados post-mortem de uma forma de endocardite
não-infecciosa, denominada endocardite verrucosa atípica,
em quatro pacientes com dados clínicos sugestivos de
lúpus eritematoso sistêmico 14. Gross, de 1932 a 1940, descrevendo detalhadamente os achados patológicos da
cardite lúpica, concluiu que o acometimento cardíaco do
lúpus era na realidade uma pancardite 15,16.
Como um todo, o acometimento cardíaco no lúpus
eritematoso sistêmico teria uma prevalência estimada entre
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Tabela I - Freqüência de eventos cardíacos no lúpus
Cardiopatia
Pericardite
Miocardite
Endocardite verrucosa
Hipertensão pulmonar
Infarto miocárdico
Freqüência (%)
Método
24-49
40
15-60
14
2-8
Dopplerecocardiografia 8
Necropsia 16
Necropsia 25
Dopplerecocardiografia 34
Clínica + ECG + enzimas 42
30 a 50% 17, ou até entre 52 a 89%, quando se inclui a hipertensão pulmonar 8. Diferenças entre os diversos relatos são
provavelmente influenciadas pelos métodos de detecção
utilizados, mencionando-se uma freqüência de aproximadamente 57% quando se emprega a ecocardiografia bidimensional e o Doppler 12. Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico podem apresentar mais de uma forma de cardiopatia
simultaneamente.
Apesar das lesões cardíacas consideradas próprias do
lúpus eritematoso sistêmico serem, presumivelmente, devidas à deposição de imunocomplexos no pericárdio, miocárdio ou paredes dos vasos 12, e de vários estudos procurarem
definir uma associação entre a cardite lúpica e os anticorpos
antifosfolípide 18-20, a patogênese da doença cardíaca do
lúpus eritematoso sistêmico ainda não está esclarecida. O
modelo tradicionalmente considerado para a patogênese da
cardite lúpica é bastante similar ao de outros sítios de acometimento do lúpus, acreditando-se que a deposição de
imunocomplexos e a ativação do complemento levariam à
inflamação aguda, crônica ou recorrente no endotélio vascular, pericárdio, miocárdio, endocárdio, sistema de condução e folhetos valvares, o que pode ser respaldado pelo
achado comum de imunocomplexos, complemento e anticorpos antinucleares nos tecidos afetados 10. É também possível que os complexos imunes encontrados nos tecidos
não sejam patogênicos, mas lá se depositem passivamente
em seguida a uma lesão tecidual prévia, de modo similar aos
imunocomplexos encontrados na junção derme-epiderme
da pele normal de diversos pacientes com lúpus 21.
De todo modo, verifica-se que o achado de cardiopatia
em pacientes com lúpus é mais comum à autópsia que na
prática clínica 12. O quadro patológico usualmente observado à necropsia de diversos pacientes que faleceram com
lúpus eritematoso sistêmico é de uma pancardite afetando
pericárdio, miocárdio, endocárdio e coronárias, podendo o
acometimento de uma das camadas, como o pericárdio, ser
predominante em um determinado indivíduo, ao passo que
noutro o coração pode ser difusamente afetado.
Pericardite - A pericardite é a forma mais comum de
acometimento cardíaco no lúpus eritematoso sistêmico 8,12,17
e, de modo similar a outras formas de acometimento cardíaco
no lúpus, sua prevalência também é maior em amostras de
casos que são submetidos a necropsia, indicando que o
acometimento pericárdico assintomático é comum 8. Avaliando diversos estudos clínicos na literatura, Doherty e
Siegel 16 encontraram uma prevalência de pericardite de
25,6% dentre 1.194 pacientes com lúpus eritematoso sis56
têmico, mas uma prevalência de 62,1% nos 254 casos submetidos à necropsia. Bulkley e Roberts 6 registraram um
envolvimento pericárdico predominantemente fibroso em
53% de 36 casos de lúpus eritematoso sistêmico que vinham
utilizando corticosteróides e foram submetidos à necropsia.
A avaliação ecocardiográfica em pacientes com lúpus
eritematoso sistêmico pode evidenciar uma freqüência de
pericardiopatia que varia de 24% a 49% 8, um grande número
destes podendo ser constituído por pequenos derrames, em
pacientes assintomáticos 22.
A pericardite aguda, com ou sem derrame, pode ser a
manifestação inicial do lúpus eritematoso sistêmico, e na vigência desta condição a hipótese de lúpus deverá sempre
ser considerada, especialmente em mulheres 8. O quadro clínico é geralmente típico, podendo se manifestar por intermédio de febre, taquicardia, dor subesternal (que se agrava com
o ato de respirar, tossir ou curvar-se para a frente), e pela
presença de um atrito pericárdico à ausculta; a avaliação
eletrocardiográfica, com ondas T apiculadas e elevação do
segmento ST, também não costuma diferir de outras causas
de pericardite 8,10,12. A inflamação poderá atingir o nó
sinoatrial ou o nó atrioventricular e provocar arritmias 23.
O líquido pericárdico de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico freqüentemente contém células LE e baixos níveis de complemento, em comparação com os valores
séricos 12,17. Anticorpos antinucleares, anticorpos antiDNA, e fator reumatóide também podem ser encontrados no
derrame pericárdico 16. O achado eventual de anticorpos
antinucleares é considerado virtualmente patognomônico
de pericardite associada a lúpus eritematoso sistêmico 10.
A ecocardiografia modo M e a bidimensional são
atualmente considerados os métodos complementares de
escolha para o diagnóstico do derrame pericárdico. No entanto, a ausência de efusões pericárdicas à ecocardiografia
não deverá excluir a possibilidade de uma pericardite suspeitada clinicamente 10.
Já nos casos de constricção pericárdica, a tomografia
computadorizada e a ressonância nuclear magnética se mostram superiores à ecocardiografia, para a visualização do
espessamento pericárdico e das calcificações 10. No entanto,
apesar da freqüência elevada de pericardite e efusão, o tamponamento cardíaco e a constricção pericárdica raramente
ocorrem na evolução do lúpus eritematoso sistêmico 8,12,17.
Para os pacientes sintomáticos com efus es discretas,
o tratamento deve incluir o uso de anti-inflamatórios nãohormonais, como a indometacina, com ou sem a adição de
antimaláricos. Para os casos mais graves, ou que não responderam às medidas citadas, geralmente são utilizados
corticóides, em doses que variam de 0,5 a 1mg/kg/dia de
prednisona, de acordo com a gravidade do acometimento. A
drenagem pericárdica e a pericardiectomia raramente necessitam ser empregadas 8,10,12,21.
Miocardite e cardiomiopatia - A doença miocárdica no
lúpus teria três causas distintas: a primeira, considerada a
mais freqüente, seria a miocardite, aguda ou crônica, a qual
seria responsável por uma miocardiopatia própria do lúpus;
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a segunda seria a isquemia miocárdica, provocada por arterite coronariana, aterosclerose coronariana, trombose ou
embolia coronariana; a última causa seria a disfunção
miocárdica decorrente de insuficiência mitral ou aórtica 10.
Considera-se que o reconhecimento da existência de
um acometimento miocárdico diretamente decorrente do
lúpus eritematoso sistêmico tenha sido consideravelmente
impulsionado, quando dos achados hemodinâmicos e ecocardiográficos de disfunção sistólica e diastólica, em diversos pacientes com lúpus que não se apresentavam com dados clínicos de cardiopatia 16, 21.
Na verdade, o envolvimento miocárdico primário no
lúpus foi considerado incomum, citando-se freqüências de
8 a 10%, quando reconhecido unicamente por intermédio da
avaliação clínica 8. No entanto, pode ser observada uma
maior freqüência de miocardite, de 40% 16 a até 80% 10, nos
casos necropsiados. Uma tendência à descrição de menores freqüências de miocardite nas séries de necropsias mais
recentemente estudadas poderia ser atribuída à disseminação do uso de corticosteróides para pacientes com lúpus
eritematoso sistêmico 21.
Biópsias endomiocárdicas realizadas em pacientes
com miocardite lúpica costumam demonstrar acentuadas
infiltração linfocítica intersticial e fibrose tecidual perivascular, sendo o achado corriqueiro de depósitos de imunocomplexos nos vasos miocárdicos fortemente sugestivo
do seu papel na indução da lesão miocárdica 24. Anticorpos
antimiocárdicos são observados com uma freqüência variável, usualmente descrita como elevada, no soro de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, não sendo clara, no
entanto, a responsabilidade destes anticorpos no acometimento cardíaco da doença 8,16.
O reconhecimento clínico de miocardite lúpica pode
ser dificultado pela freqüente presença no lúpus eritematoso sistêmico de outros fatores potencialmente responsáveis por dano miocárdico, tais como anemia, hipertensão,
infecção sistêmica, doença valvar e retenção hídrica secundária a doença renal ou uso de corticosteróides. Os casos
que se apresentam com miocardite aguda geralmente vêm
associados à pericardite, no mais das vezes também se manifestando com febre, taquicardia - a qual pode aqui ser desproporcional à febre - e dor torácica, só ocasionalmente estando
presentes sinais de insuficiência cardíaca, arritmias, e/ou distúrbios da condução intraventricular e atrioventricular 8,10, 21.
De todo modo, a disfunção ventricular decorrente da
miocardite lúpica não costuma ser de grande magnitude, e
deste modo a assim chamada miocardiopatia própria do lúpus
seria de leve intensidade, com sintomas escassos ou ausentes 10,23. Um quadro de insuficiência cardíaca poderá se apresentar de modo ocasional, geralmente em associação com
grave cardiomiopatia dilatada, sendo esta decorrente de uma
miocardite isolada, ou de vários episódios repetidos de
miocardite 10. No entanto, a insuficiência cardíaca congestiva,
como evento independente, é relatada em menos de 5% dos
pacientes com lúpus, considerando-se ser a mesma secundária a uma combinação de fatores - dentre todos, parecendo
ser a hipertensão arterial decorrente de insuficiência renal e/
ou uso de corticosteróides, o mais importante 21.
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Por outro lado, a disfunção miocárdica assintomática
no lúpus parece ser uma ocorrência freqüente, e assim a
detecção da miocardiopatia lúpica costuma depender da
realização de métodos complementares de diagnóstico,
como o estudo hemodinâmico por cateterismo cardíaco 16,
ou de métodos não-invasivos, como a ecocardiografia bidimensional com Doppler e a ventriculografia com radionuclídeos 25, os quais se apresentam com sensibilidade similar
à angiocardiografia e são preferencialmente empregados na
atualidade.
De modo geral, o eletrocardiograma - que pode mostrar extra-sístoles atriais e ventriculares, com alteraç es
inespecíficas do segmento ST e das ondas T - e a radiografia
do tórax - que somente em casos de acentuada disfunção
sistólica mostra alargamento da silhueta cardíaca - são avaliações de baixa especificidade na miocardite lúpica, trazendo usualmente resultados semelhantes aos de outras causas de miocardiopatia 10. Elevação de enzimas musculares
pode estar presente em pacientes com miocardite lúpica, a
qual seria uma condição eventualmente associada a uma
miosite periférica, sendo certamente úteis as dosagens de
creatinoquinase total (CPK) e da fração músculo-cérebro da
creatinoquinase (CPK-MB) nestes pacientes 26.
A miocardite aguda lúpica com grave repercussão clínica e hemodinâmica é tratada com prednisona em altas doses (1mg/kg/dia), recomendando-se um período mínimo de
tratamento de 7 a l4 dias; diuréticos, vasodilatadores e digitálicos podem ser utilizados 10. Agentes imunossupressores
citotóxicos, tais como azatioprina e ciclofosfamida, também
têm sido ocasionalmente empregados 8.
Endocardite de Libman-Sacks. Valvopa ias - A
endocardite de Libman-Sacks (endocardite verrucosa atípica, endocardite não-infecciosa) é considerada um achado
característico, mesmo patognomônico, do lúpus eritematoso sistêmico. A denominação se refere a vegetaç es verrucosas, em geral com diâmetro que varia de 1-4mm, que se
apresentam isoladas ou em conglomerados, via de regra fortemente aderidas ao endocárdio das superfícies valvares,
mas também às cordas tendíneas, músculos papilares e endocárdio mural atrial ou ventricular. As quatro valvas podem
ser acometidas, sendo a localização mais comum na valva
mitral (folheto posterior), e a seguir na valva aórtica 8,10,12,16.
A avaliação microscópica das les es demonstra células degenerativas, fibrina, tecido fibroso e ocasionalmente
corpúsculos de hematoxilina, com um grau variável de inflamação. A observação da presença de imunoglobulinas e
complemento nas paredes dos vasos das les es verrucosas
sugere um papel dos imunocomplexos circulantes no crescimento e proliferação das vegetações 8,16.
A endocardite de Libman-Sacks é antes um achado
anatomopatológico que clínico 22. As les es deste tipo de
acometimento costumam ser silentes, e os problemas clínicos ocasionais associados com as mesmas estão mais relacionados a fenômenos embólicos ou infecção bacteriana
sobreposta que mesmo a disfunções valvares ou insuficiên57
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cia cardíaca 9,23. A verdadeira prevalência deste tipo de acometimento seria de difícil aferição ao exame clínico isoladamente, observando-se que a maioria dos sopros auscultados no lúpus - os quais mais comumente decorrem de febre,
anemia, taquicardia e cardiomegalia - não demonstram associação com doença valvar orgânica 9,16,22,25.
Por outro lado, a endocardite de Libman-Sacks é freqüentemente relatada em necropsias de pacientes sem
quaisquer indícios de sopros, ao exame clínico, ainda que a
prevalência nas necropsias deste tipo de lesão no lúpus
eritematoso sistêmico tenha variado consideravelmente nas
séries descritas, com descrições de amplos intervalos de
freqüência, citando-se de 15 a 60% 25, ou até de 13% a 74% 8.
As vegetações, ordinariamente pequenas, costumam
ser de difícil detecção à ecocardiografia, ainda que este método possa ser útil quando as vegetações são maiores que
2mm 21. Vegetações de diâmetro igual ou maior que 10mm
podem ser encontradas em alguns pacientes com endocardite de Libman-Sacks 16.
Tem-se observado que a incidência deste tipo de endocardite vem declinando progressivamente nas últimas
quatro décadas, imputando-se tal declínio à utilização de
medidas terapêuticas mais eficazes para o lúpus eritematoso
sistêmico em anos mais recentes, em comparação com o
período inicial (anos 20 e 30) em que as lesões foram descritas 22. O papel específico dos corticosteróides neste campo
é controverso, havendo quem atribua a possível redução na
incidência destas lesões no lúpus à maior difusão do uso de
corticóides 16. Também se atribui aos corticosteróides uma
possível indução no surgimento de disfunções valvares,
devido a promoverem cicatrização das lesões verrucosas,
as quais resultariam em retração fibrótica das cúspides
valvares 6,7,21.
Uma outra possível explicação para as menores freqüências de endocardite verrucosa descritas nos últimos
anos seria que o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico
passou a ser efetuado antemortem, por critérios clínicos, e
não mais pelo achado post-mortem das vegetações, como o
foi no passado, quando o reconhecimento da alta especificidade das lesões e a ausência de outros critérios diagnósticos para lúpus eritematoso sistêmico estimulava a criteriosa busca das mesmas nas necropsias 8,16.
Embora a endocardite de Libman-Sacks raramente resulte em comprometimento hemodinâmico apreciável, encontram-se eventuais relatos de complicações, tais como
ruptura de cordoalha tendinosa, estenose aórtica, trombose
localizada e embolia cerebral 8. A endocardite infecciosa
pode complicar a endocardite de Libman-Sacks, ficando
demonstrado numa revisão de 15 relatos efetuada por
Doherty e Siegel 16 que 4,9% dos casos de endocardite
verrucosa identificados à necropsia e 1,3% dos casos clinicamente diagnosticados tiveram endocardite infecciosa
como complicação, sendo tais freqüências consideravelmente maiores que na população geral ou mesmo de pacientes com outras doenças do tecido conectivo. Portanto, o
uso profilático de antibióticos quando da realização de procedimentos cirúrgicos e dentários está indicado em pacientes com endocardite de Libman-Sacks 21.
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Espessamentos valvares decorrentes ou não de endocardite de Libman-Sacks podem ser observados em cerca de
metade dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, por
intermédio da ecocardiografia modo M ou bidimensional, e
afetam predominantemente as valvas aórtica e mitral 10, podendo, em alguns casos, ser identificada uma correlação
dos espessamentos valvares identificados à ecocardiografia com achados cirúrgicos de endocardite verrucosa 21.
A disfunção valvar mais comum no lúpus seria a regurgitação, a qual, no mais das vezes, é de pequena magnitude, sem expressão clínica. No entanto, disfunç es valvares com consideráveis repercussões clínica e hemodinâmica, a ponto de requererem substituição cirúrgica por
próteses, podem ocorrer em determinados pacientes 8. A
insuficiência aórtica, a qual pode ser decorrente de endocardite de Libman-Sacks, valvulite, fibrose, degeneração
mucóide, endocardite bacteriana e dissecção aórtica, é considerada a disfunção valvar mais comumente associada a
grave repercussão hemodinâmica no lúpus eritematoso
sistêmico 16.
Casos graves de insuficiência mitral também têm sido
relatados, embora com menor freqüência, podendo esta
disfunção ser causada por fibrose, espessamento e calcificação dos folhetos mitrais e cordas tendíneas, ruptura das
cordas tendíneas, e necrose fibrinóide dos músculos papilares. Casos de estenose aórtica, estenose mitral e estenose
tricúspide decorrentes de tromboses in situ - alguns requerendo troca valvar - também foram descritos, embora também em número reduzido 8,10,16.
A avaliação da valvopatia no lúpus inclui os achados
convencionais do exame clínico e do eletrocardiograma, radiografia de tórax e ecocardiograma, sendo ainda o ecocardiograma transtorácico o método mais comumente empregado na atualidade para o diagnóstico da doença valvar
associada ao lúpus eritematoso sistêmico 10. O ecocardiograma transesofágico começa naturalmente a ser utilizado,
tanto na abordagem clínica como em estudos para avaliação
da freqüência de valvopatia nesta condição, tendo Roldan
e cols. 27 detectado uma freqüência de valvopatia no lúpus
eritematoso sistêmico de 74% por intermédio deste método.
Uma maior freqüência de regurgitação em câmaras direitas
em relação às câmaras esquerdas, como identificado em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico pela ecocardiografia com Doppler, tem sido associada a les es vasculares
pulmonares, as quais trariam como conseqüência a hipertensão arterial pulmonar 8,22.
No presente momento, ainda não há dados suficientes
indicando que corticóides ou outras modalidades de terapia
imunossupressora sejam benéficos no tratamento da valvopatia associada ao lúpus eritematoso sistêmico. A substituição valvar tem sido indicada regularmente nos pacientes com doença valvar sintomática e com repercuss es clínica e hemodinâmica de grande magnitude 7,28,29,30, ainda
que a mortalidade associada com a troca valvar em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico tenha sido considerada duas vezes mais elevada que a de pacientes sem lúpus 10,
encontrando-se estreitamente ligada à presença de grave
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insuficiência renal 7,28. Recentemente, Morin e cols. 31 revisaram 25 casos de insuficiência mitral secundária a lúpus
eritematoso sistêmico requerendo troca valvar e observaram serem os dados relacionados à mortalidade pós-operatória sugestivos de que o risco cirúrgico para esses pacientes parece ser o mesmo que para a população sem lúpus,
podendo ser consideravelmente mais elevado apenas nos
pacientes idosos e naqueles onde a doença compromete
gravemente outros órgãos, sobretudo os rins.
Hipertensão arterial pulmonar - A associação de hipertensão arterial pulmonar com doenças do tecido conectivo tem sido mais freqüentemente descrita na doença mista
do tecido conectivo e esclerodermia, nesta última particularmente na modalidade CREST (calcinose, fenômeno de
Raynaud, esclerodactilia, acometimento esofágico e telangiectasias) 32. Nos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, embora a hipertensão arterial pulmonar grave continue
sendo considerada uma manifestação rara, demonstrou-se
que casos subclínicos e de leve intensidade são comuns,
observando-se na atualidade um amplo reconhecimento da
hipertensão arterial pulmonar como complicação do lúpus
eritematoso sistêmico 21,33.
O estabelecimento da verdadeira prevalência e magnitude de hipertensão arterial pulmonar no lúpus eritematoso
sistêmico foi durante muitos anos dificultado pelo fato de
que o único método de considerável sensibilidade para a
aferição das pressões pulmonares e confirmação da existência de hipertensão arterial pulmonar era o cateterismo de
câmaras direitas com aferição direta das pressões pulmonares 34, método invasivo que traz naturais relutâncias para o
seu emprego antes que apareçam sintomas e sinais de doença avançada. De fato, observa-se em relatos menos recentes uma tendência para o estudo de pacientes com lúpus
eritematoso sistêmico com manifestações clínicas bem definidas de hipertensão arterial pulmonar 35-38, as quais costumam se associar à existência de elevados níveis de pressões
na artéria pulmonar. Assim, o estudo da hipertensão arterial
pulmonar no lúpus eritematoso sistêmico foi durante certo
tempo limitado aos pacientes sintomáticos, os quais comumente se apresentam com formas avançadas de hipertensão
arterial pulmonar - situação onde os dados obtidos pelo
cateterismo de câmaras cardíacas direitas costumam ser
menos úteis ao diagnóstico que ao prognóstico, visto que a
existência de hipertensão arterial pulmonar via de regra se
denuncia pelos achados clínicos, eletrocardiográficos e
radiográficos convencionais.
O advento do ecocardiograma bidimensional associado ao Doppler, método considerado de sensibilidade similar
ao cateterismo de câmaras direitas para a aferição das pressões pulmonares, permitiu o estudo de maior número de
pacientes, sintomáticos ou não. Simonson e cols. 34, por intermédio da Dopplerecocardiografia, encontraram uma freqüência de hipertensão arterial pulmonar (definida como
uma pressão arterial sistólica >30mmHg) de 14% em 36 pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, detectando-se
nesses pacientes elevações discretas das pressões pulmo-
Falcão e cols.
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nares, sugerindo que a hipertensão arterial pulmonar no
lúpus eritematoso sistêmico é comum, embora de leve intensidade. Um caráter gradualmente progressivo da hipertensão pulmonar no lúpus foi demonstrado por Winslow e
cols. 39, ao reavaliar este mesmo grupo de pacientes cinco
anos depois e constatar que a prevalência de hipertensão
arterial pulmonar aumentara de 14% para 43%.
Embora vários mecanismos sejam apontados como
envolvidos na sua patogênese, as reais causas da hipertensão arterial pulmonar no lúpus eritematoso sistêmico são
ainda desconhecidas. São consideradas as hipóteses de
vasculite pulmonar, com deposição de imunocomplexos e
complemento nas paredes das artérias pulmonares, alterações oclusivas tromboembólicas nos vasos pulmonares,
possivelmente relacionadas a anticorpos antifosfolípide, e
vasoespasmo, sugerido por uma maior freqüência de fenômeno de Raynaud nestes pacientes 21,33,34,40.
No lúpus, as raras formas graves de hipertensão arterial pulmonar trazem sintomas que costumam se desenvolver insidiosamente e progredir gradualmente. Tosse seca,
dor torácica e dispnéia são citados como dos primeiros sintomas, os quais podem não chamar a atenção devido ao
fato de que o exame físico e a radiografia do tórax são freqüentemente normais, na fase inicial. Posteriormente, a segunda bulha no foco pulmonar se acentua, a radiografia do
tórax passa a mostrar aumento dos vasos pulmonares, e o
eletrocardiograma demonstra sobrecarga de câmaras direitas. Neste estágio, a avaliação ecocardiográfica com
Doppler ou o cateterismo de câmaras direitas facilmente revela a existência de hipertensão arterial pulmonar 33,41.
O prognóstico das formas graves é sombrio, mais que
50% dos pacientes falecendo no período de dois anos. A
maior parte dos pacientes relatados tem sido tratada com
vasodilatadores, anticoagulantes, corticosteróides e agentes citotóxicos, e apesar de diversos relatos de melhora dos
sintomas, a resposta hemodinâmica é em geral insatisfatória. Terapêutica suportiva, com suplementação de oxigênio, diuréticos e anticoagulação, está indicada para aqueles
com insuficiência cardíaca. O transplante conjunto coraçãopulmão ou pulmonar isolado tem sido realizado com sucesso em alguns pacientes 33,41.
Doença coronariana e infarto miocárdico - Dois mecanismos principais estariam implicados na patogênese da
doença coronariana em pacientes com lúpus: a aterosclerose, que seria o processo patológico mais comum, via de
regra acelerado pelo uso continuado de corticosteróides, e
a vasculite coronariana, mais rara 8. De modo similar ao que
ocorre na população geral, neste grupo de pacientes a hipertensão, o tabagismo, os níveis de colesterol acima de
200mg/dl e a obesidade têm igualmente desempenhado um
importante papel epidemiológico, como fatores de risco para
a doença coronariana 10,16,21,23. Excepcionalmente, a obstrução coronariana aguda pode ser devida a embolismo proveniente de endocardite de Libman-Sacks, a trombose intracoronariana in situ ou a vasoespasmo 10,12.
59
Falcão e cols.
Cardite lúpica
Embora na época anterior ao uso de corticosteróides a
doença coronariana tenha sido considerada ocorrência rara
no lúpus, a incidência de coronariopatia nesta doença tem
nitidamente se elevado nos últimos anos 8,12,16,21. A aterosclerose coronariana se mostra acelerada em pacientes com
lúpus eritematoso sistêmico que recebem corticosteróides
por longos períodos, tendo Bulkley e Roberts 6 observado
estreitamentos coronarianos maiores que 50% numa freqüência de 42%, em necropsias de pacientes lúpicos que
utilizaram corticosteróides por mais que l2 meses, não sendo encontrados estreitamentos coronarianos maiores que
50% nos pacientes que receberam corticosteróides por um
período inferior a l2 meses.
Embora tradicionalmente considerado um evento de incidência relativamente baixa no lúpus (em torno de 2 a 8%,
conforme Asherson e Cervera 42), o infarto do miocárdio vem
sendo progressivamente enfatizado como causa comum de
morte em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico,
notadamente das mortes ocorridas após 10 a 30 anos de evolução da doença 22. Morte súbita, no entanto, é considerado
um evento incomum no lúpus eritematoso sistêmico 23.
Farhey e Hess 43 comentam que os valores percentuais
entre 6,1% e 8,9%, observados em diversos estudos para
indicar a prevalência de angina ou infarto do miocárdio no
lúpus eritematoso sistêmico, provavelmente subestimam a
verdadeira prevalência de doença coronariana nesta condição, visto que testes cintilográficos de perfusão com tálio
demonstram anormalidades em 38,5% dos pacientes e relatos de necropsias evidenciam uma freqüência de doença
coronariana de 22 a 55%.
Imunoglobulinas e componentes do complemento têm
sido identificados nas paredes das artérias coronárias extramurais de pacientes lúpicos com vasculite coronariana,
sendo sugerido que a lesão vascular mediada imunologicamente, também seja responsável pelo desenvolvimento
de aterosclerose a posteriori 8. Tal idéia pode ser reforçada
por uma maior freqüência de acometimento pericárdico e
valvar encontrada em pacientes lúpicos com graves lesões
ateroscleróticas, o que mais uma vez sugere uma possível
contribuição de fatores imunológicos para o surgimento de
doença coronariana nestes pacientes 8,16,21.
A apresentação do acometimento coronário no lúpus
eritematoso sistêmico costuma ser inespecífica, compreendendo fundamentalmente os clássicos quadros de angina
de esforço, angina instável e infarto miocárdico transmural
ou não-transmural, eventualmente sendo detectada a insuficiência cardíaca secundária à disfunção ventricular esquerda de origem isquêmica. Os clássicos testes utilizados
para a avaliação da doença coronariana, tais como o eletrocardiograma em repouso, o teste de esforço (com ou sem
estudo cintilográfico de perfusão miocárdica), o ecocardiograma e a cinecoronariografia, podem ser regularmente
empregados em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico,
observando-se um valor diagnóstico bastante similar ao da
população geral 10. O uso de contrastes iônicos pode complicar a evolução da nefropatia lúpica, desencadeando insuficiência renal aguda, o que deve ser considerado quando
60
Arq Bras Cardiol
volume 74, (nº 1), 2000
da necessidade de investigação diagnóstica com cineangiocoronariografia.
Embora a arterite coronariana seja bem menos freqüente que a aterosclerose como causa de doença coronariana
nos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, somente
uns poucos casos tendo sido adequadamente documentados, seria importante a distinção clínica entre os dois processos, visto que altas doses de corticosteróides podem
estar absolutamente indicadas em pacientes com vasculite
coronariana - e serem potencialmente deletérias, ao menos a
longo prazo, em pacientes com aterosclerose 21. Nenhuma
das técnicas diagnósticas, no entanto, incluindo a coronariografia, tem se mostrado capaz de diferenciar claramente
a arterite da aterosclerose coronariana 10, embora os achados coronariográficos de lesões focais planas, dilataç es
aneurismáticas, e abrupta passagem de fluxo normal para
grave obstrução, possam sugerir a presença de arterite 8.
De todo modo, se a arterite coronariana é suspeitada,
corticosteróides em altas doses (prednisona, lmg/kg/dia ou
mais) deverão ser utilizados por um período ainda não claramente definido, ressaltando-se que persiste controverso o
emprego de corticoterapia nos casos de infarto miocárdico
recente em pacientes com lúpus, devido a um possível maior
risco de ruptura miocárdica 10.
Exceto pelo uso de corticosteróides em casos de arterite, a abordagem terapêutica da doença coronariana no lúpus
eritematoso sistêmico é em tudo similar aos pacientes da população geral, aqui devendo ser lembrada a necessidade de
esforços redobrados nos pacientes lúpicos para prevenção
secundária ou mesmo primária de coronariopatia, utilizandose medidas dietéticas, agentes hipolipemiantes, programas
para abandono do tabagismo, tratamento agressivo da hipertensão arterial, e tentativas para a redução da dose de
corticosteróides 43. Embora alguns tenham dado preferência
ao uso de nifedipina em pacientes com lúpus, devido à possibilidade de associação da coronariopatia com fenômeno de
Raynaud e vasoespasmo 22, outros vasodilatadores coronarianos podem ser normalmente utilizados. O uso de inibidores da enzima de conversão da angiotensina poderá estar
inviabilizado em alguns pacientes, devido à presença de insuficiência renal 22. A angioplastia e a cirurgia de revascularização miocárdica têm sido empregadas 10,12,16, com diversos relatos de resultados satisfatórios.
Os anticorpos antifosfolípide e o coração no lúpus - Os
anticorpos antifosfolípide (aPLs, antiphospholipid antibodies), os quais são mais comumente identificados na atualidade por intermédio de provas de coagulação, utilizadas
para a pesquisa do anticoagulante lúpico, e/ou por testes
imunológicos de fase sólida, para a pesquisa direta dos
anticorpos anticardiolipina, têm sido associados a manifestações trombóticas, plaquetopenia e abortamentos de repetição, tanto em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico
como num variado número de situações, tais como afecç es
diversas do tecido conectivo, pacientes com neoplasias,
síndrome de imunodeficiência adquirida, uso de determinadas drogas (fenitoína, interferon, quinidina, cocaína), ou
mesmo sem qualquer doença identificável 44,45.
Arq Bras Cardiol
volume 74, (nº 1), 2000
Pode-se considerar que os aPLs foram descobertos em
1952, quando Conley e Hartman detectaram a existência de
um inibidor da coagulação em pacientes com lúpus, em seguida denominado anticoagulante lúpico (LA, lupus anticoagulant) 46. Constatou-se posteriormente que a inibição
da coagulação observada decorria de imunoglobulinas IgG
e/ou IgM dirigidas contra fosfolípides naturais da cascata da
coagulação, e também que os distúrbios hemorrágicos não
eram freqüentes, na realidade ocorrendo uma paradoxal elevação da freqüência de tromboses nos pacientes portadores
do LA - por mecanismos ainda não bem explicados, mas que
podem incluir a lesão do endotélio pelos aPLs 47,48. Por outro
lado, também se verificou que o LA estava freqüentemente
associado à presença de testes sorológicos falso-positivos
para sífilis, os quais também ocorrem comumente em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico 46.
Esta observação contribuiu para que a cardiopina um fosfolípide originalmente extraído do coração bovino e
utilizado para diversos testes sorológicos para sífilis - também fosse introduzida como antígeno em testes imunológicos de fase sólida, tais como o radioimunoensaio e o
enzimaimunoensaio (ELISA, enzyme-linked immunosorbent assay) 46. O ELISA é atualmente o método mais
comumente utilizado para a pesquisa dos aPLs, a partir da
detecção de anticorpos anticardiolipina (aCL) do tipo IgM,
IgG e/ou IgA.
Nos últimos anos, um amplo espectro de acometimento cardíaco tem sido relatado em várias séries de portadores
de aPLs (tab. II), o que sugere a possibilidade dos aPLs
também serem responsáveis pelos eventos imunológicos
básicos relacionados com o surgimento de cardiopatia, e de
que certas manifestações cardíacas possam na realidade
fazer parte das formas primária ou secundária da assim chamada síndrome do anticorpo antifosfolípide (síndrome
aPL), que seria definida como o conjunto de manifestações
clínicas associadas à presença destes anticorpos 42.
Embora alguns autores não tenham encontrado qualquer associação entre manifestações cardíacas no lúpus e a
presença de aPLs 27,49,50, há outros estudos demonstrando
freqüências significativas de aPLs em pacientes lúpicos
portadores de variadas formas de cardiopatia. Dentre as
manifestações cardíacas no lúpus eritematoso sistêmico, a
Tabela II - Manifestações cardiovasculares possivelmente
associadas aos aPLs *
Doença arterial coronariana
Infarto agudo do miocárdio
Oclusão de enxerto aortocoronariano
Doença valvular
Vegetações
Disfunção valvar
Espessamento valvar
Endocardite de Libman-Sacks
Endocardite pseudo-infecciosa
Miocardiopatia
Hipertensão pulmonar
Trombos intracardíacos
* aPLS= anticorpos antifosfolípide
Falcão e cols.
Cardite l pica
endocardite de Libman-Sacks e, particularmente as disfunções e espessamentos valvares são as mais freqüentemente relatadas como associadas aos aPLs 18,19,20,51,52, achados
estes que têm sido reforçados pelo fato de que les es valvares semelhantes às encontradas no lúpus têm sido encontradas em pacientes com síndrome aPL primária 42.
Se os aPLs seriam a causa das les es valvares, ou simples epifenômenos acompanhando distúrbios imunológicos
outros, é desconhecido. Deve-se ressaltar, no entanto, os
achados de depósitos seletivos de imunoglobulinas e complemento ao longo das vegetações em pacientes com endocardite de Libman-Sacks, sugerindo um papel para os
complexos imunes no surgimento e crescimento destas lesões 42, e os mais recentes e sugestivos achados de depósitos de anticorpos anticardiolipina na camada subendotelial
das valvas de pacientes com síndrome aPL 53.
Por sua vez, vários casos de infarto do miocárdio têm
sido documentados em pacientes com a síndrome aPL primária ou associada ao lúpus 53. Os anticorpos antifosfolípide poderiam assim se constituir em fatores de risco
adicionais para a doença coronariana em pacientes com
lúpus eritematoso sistêmico, além da arterite e da aterosclerose precoce clássicas 42. A observação de que anticorpos
contra lipoproteínas de baixa densidade (LDL) oxidadas os quais também são considerados anticorpos antifosfolípide, devido à presença de fosfolípides e apolipoproteína B na molécula das LDL - poderiam se encontrar mais
claramente associados a fenômenos ateroscleróticos que
aos fenômenos trombóticos em si, sugere a interessante
possibilidade dos aPLs serem responsáveis diretamente
pelo desenvolvimento de aterosclerose em pacientes com
lúpus eritematoso sistêmico 54.
Algumas evidências da possível relação entre os aPLs
e o infarto do miocárdio, também são oriundas de estudos
em pacientes não portadores de lúpus eritematoso sistêmico
ou de síndrome aPL. Hamsten e cols. 55 avaliaram 62 sobreviventes do primeiro infarto do miocárdio com menos de 45
anos, e encontraram níveis elevados de anticardiolipina
(aCL) em 13 (21%), sendo que 8 dos 13 pacientes com níveis
de aCL persistentemente elevados apresentaram eventos
cardiovasculares adicionais num seguimento de 36-64 meses, o que sugere que os aCL devam ser interpretados como
fatores de risco para eventos cardiovasculares recorrentes,
após o primeiro infarto do miocárdio. Por sua vez, Morton e
cols. 56 observaram a evolução ao longo de l2 meses de 83
pacientes submetidos a enxerto aortocoronariano, e constataram que níveis elevados de aCL estavam relacionados com
significativa incidência de oclusão tardia do enxerto.
Mais recentemente, Zuckerman e cols. 57 avaliaram 124
pacientes não-lúpicos sobreviventes do infarto agudo do
miocárdio com menos de 65 anos, e de modo similar verificaram que a incidência de eventos tromboembólicos e reinfarto
do miocárdio, ao longo de um seguimento que variou de 12 a
27 meses, foi significativamente mais elevada naqueles pacientes positivos para anticorpos anticardiolipina.
A hipertensão arterial pulmonar no lúpus eritematoso
sistêmico também tem sido eventualmente associada pre61
Arq Bras Cardiol
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Falcão e cols.
Cardite lúpica
sença de aPLs. Asherson e cols. 58 encontraram uma freqüência de aPLs de 68% em 24 pacientes com hipertensão arterial
pulmonar, sendo 22 destes portadores de lúpus eritematoso
sistêmico, um portador de síndrome aPL primária e um portador de síndrome de sobreposição lúpus eritematoso sistêmico/esclerodermia. Miyata e cols. 59 estudaram a correlação
entre títulos de aCL e o grau de hipertensão arterial pulmonar
num grupo de 22 pacientes que apresentavam doença mista
do tecido conectivo ou lúpus eritematoso sistêmico, encontrando uma correlação significativa entre os níveis de aCL e a
pressão arterial pulmonar média dos pacientes com doença
mista do tecido conectivo.
A disfunção miocárdica se mostrou significativamente
associada à presença de aPLs em pelo menos um estudo.
Leung e cols. 19 avaliaram 75 pacientes portadores de lúpus
eritematoso sistêmico por intermédio de Dopplerecocardiografia, ELISA para aCL e vários testes para a pesquisa do
LA, e constataram que de cinco pacientes apresentando
disfunção miocárdica global ou segmentar do ventrículo
esquerdo, quatro (80%) eram positivos para aPLs (p<0,05).
Oclusões trombóticas da microcirculação miocárdica, na
ausência de vasculite (microvasculopatia cardíaca), seriam
uma possível explicação para este tipo de anormalidade em
pacientes com aPLs 42,53.
Outras manifestações cardíacas no lúpus, como a
endocardite pseudoinfecciosa - que seria uma espécie de
forma aguda trombótica da endocardite de Libman-Sacks,
relacionada a períodos de exacerbação(atividade) do lúpus
eritematoso sistêmico, com achados clínicos bastante se-
melhantes aos da endocardite bacteriana - e os trombos
intracavitários, também têm sido associados com a presença de aPLs 42,53, o que pode se correlacionar à maior freqüência de eventos isquêmicos cerebrais encontrada em pacientes portadores de aPLs.
Conclusão
A habitual concomitância de múltiplos problemas clínicos nos pacientes lúpicos, os quais costumam apresentar
simultaneamente envolvimento visceral múltiplo e infecções diversas, pode dificultar a detecção do acometimento
cardíaco no lúpus eritematoso sistêmico, o qual nem sempre
é de fácil identificação à avaliação clínica. De todo modo, a
elevada freqüência de distúrbios cardíacos no lúpus eritematoso sistêmico - os quais também podem ser observados
independentemente da presença de marcadores de atividade lúpica 50,60 - justifica um elevado grau de suspeição para a
existência de cardiopatia na rotina de avaliação de todos os
pacientes com a doença.
Os anticorpos antifosfolípide, sabidamente envolvidos
em diversas manifestações clínicas do lúpus sistêmico 61,62,
podem também estar associados a várias modalidades de
acometimento cardíaco desta condição. A continuidade na
realização dos estudos que têm como objetivo avaliar a existência desta associação, poderá contribuir de modo consistente para a elaboração de novos modelos patogenéticos relacionados à doença cardiovascular e a outras importantes
afecções do lúpus eritematoso sistêmico.
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