A CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS SEGUNDO - HCTE

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A CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS SEGUNDO HENRI LEFEBVRE
Agamenon R. E. Oliveira
Escola Politécnica da UFRJ
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RESUMO
Neste trabalho a proposta de classificação das ciências de Henri Lefebvre (1901-1991)
é apresentada em contraposição ao sistema classificatório de Augusto Comte
(1798-1837). Nosso objetivo é contribuir com o debate sobre novos aportes teóricos que
são necessários à epistemologia das ciências em um contexto de acelerado
desenvolvimento das neurociências e das novas tecnologias, principalmente as
nanociências e as nanotecnologias, entendendo que o pensamento de Lefebvre traz
importantes contribuições neste campo (LEFEBVRE, 2002).
INTRODUÇÃO
O primeiro sistema de classificação das ciências foi proposto por Aristóteles (384 a
C-322 a C). Ele as divide em três tipos diferentes: ciências produtivas, que visam a
algum tipo de fabricação, ciências práticas, que utilizam o saber para uma ação ou
alguma finalidade ou utilidade e ciências teóricas, que buscam o saber pelo saber,
independente de alguma finalidade ou utilidade. Esta classificação permaneceu até o
século
XVII,
quando a
Revolução Científica
provocou uma separação dos
conhecimentos entre conhecimentos filosóficos, científicos e técnicos (COHEN, 1985).
A partir dai as principais classificações científicas que surgiram foram de origens
francesas ou alemãs, durante o século XIX com base em três critérios: o tipo de objeto
estudado, o tipo de método empregado e o tipo de resultado obtido. Desse processo
resultou a classificação que é adotada atualmente:
●
Ciências matemáticas ou lógico-matemáticas: aritmética, geometria, álgebra,
trigonometria, lógica, física pura, etc.
●
Ciências naturais: física, química, biologia, geologia, astronomia, etc.
●
Ciências humanas ou sociais: psicologia, sociologia, antropologia, economia,
linguística, história, etc.
●
Ciências aplicadas: ciências da engenharia, medicina, arquitetura, informática,
etc.
O processo de classificação das ciências deve ser feito de acordo com o próprio
desenvolvimento das ciências contemplando toda sua complexidade e dinâmica
evolutiva. É neste sentido que as ideias desenvolvidas por Henri Lefebvre em seu livro
Metodologia das Ciências, embora escrito nos anos 1945-1946, traz importante
contribuição a uma reflexão profunda sobre o modo de produção do conhecimento
científico
apreendendo
seu
processo
dinâmico
em
suas
especificidades
e
características fundamentais.
NOTA BIOGRÁFICA SOBRE LEFEBVRE
Henri Lefebvre nasceu nos Pirineus em 1901. Aos vinte anos ele chega a Paris
onde encontra George Politzer (1903-1942) e Georges Friedman (1902-1977), com os
quais funda um
​ grupo de trabalho que vai publicar a revista ​Philosophies. Este pequeno
grupo se forma e evolui em competição com o grupo dos Surrealistas. O que eles têm
em comum é a recusa a ideologia dominante (bergsonianismo) na Sorbonne e a filosofia
intelectualista de Léon Brunschvicg (1869-1944) e de Alain-Émile Chartier (1868-1951).
Dessa forma eles procuram uma via de desenvolvimento autônoma.
Em 1928 Lefebvre se filia ao Partido Comunista como uma consequência de sua
identificação com os trabalhos de Hegel (1770-1831) e Marx (1818-1883). É importante
acrescentar que nessa época a Universidade francesa não se interessa pelo
pensamento desses autores. Sua afinidade com o pensamento marxista o conduz á
filosofia e aos estudos teóricos. É pelo lado da filosofia que ele aborda o marxismo e
neste contexto entra em confronto com Stálin (1878-1953) e o stalinismo, de forma
muito especial com a teoria do desaparecimento do estado.
O livro ​Metodologia das Ciências foi mal recebido dentro do movimento comunista
oficial, principalmente na União Soviética que se recusou a imprimi-lo. George Politzer
escreveu um artigo violento contra Lefebvre. Isto se devia ao fato de que o livro de
Lefebvre colocar questões políticas ignoradas pelo partido. Á época (1936) os partidos
comunistas não viam na onda de nazismo senão um episódio momentâneo e, portanto
secundário.
No final da década de 30 e na seguinte, Lefebvre completa uma série de textos de
divulgação do pensamento marxista. Dessa forma, surgem: ​O Materialismo Dialético
(1939), ​Lógica Formal e Lógica Dialética (1945/46), Marx e a Liberdade (1947), ​O
Marxismo (1948) e ​Para Conhecer o Pensamento de Marx (1948). Seu trabalho sobre
lógica era muito mais ambicioso no qual este sobre a lógica formal e a lógica dialética
seria o primeiro volume. O projeto consistia em oito volumes. Os anos 1947-1955, ele
escreve uma série de trabalhos consagrados aos grandes escritores franceses como
Descartes (1596-1650), Diderot (1713-1784), Pascal (1623-1662), Rabelais (1494-1553)
e outros. Seu objetivo era construir um movimento do pensamento de libertação do
homem mostrando que ele não pode recusar esses autores como burgueses e que eles
são importantes para entendermos como as ideias se formam.
Henri Lefebvre morreu na mesma cidade que nasceu, Hagetmau, logo após
completar 90 anos, em junho de 1991.
A CLASSIFICAÇÃO POSITIVISTA
Os elementos os quais se baseiam a classificação de Augusto Comte podem ser
resumidos como se segue:
●
A lei dos três estados.
●
A afirmação de que somente são acessíveis a nosso conhecimento o “como” dos
fenômenos, a relação constante e regular ou “lei”. O “porque” das coisas entre as quais
existe esta “relação”, as causas, nos escapam em definitivo. Diante do espírito humano
se encontra um oceano de incognoscibilidade.
●
Uma fronteira absoluta se ergue entre a ciência propriamente dita e as aplicações
técnicas, a técnica não sendo senão uma simples aplicação da ciência “pura”.
●
As ciências “puras”, as ciências fundamentais podem, segundo Comte, se
localizar em uma hierarquia que exprime uma ordem histórica de aparecimento e uma
ordem de subordinação teórica. O espírito humano começa pelo conhecimento das
relações mais simples indo para as mais gerais entre os fenômenos.
O positivismo de Augusto Comte pretendia, segundo Lefebvre, compor um quadro
definitivo. O que de fato ele faz é somente abstrair certas características da ciência de
seu tempo e apresentar uma metafísica dessa ciência; sob a égide do positivismo
absoluto, com tudo que comporta a metafísica: uma teoria do espírito e de suas leis
internas (a lei dos três estados), uma teoria da verdade absoluta escapando de nossa
percepção (incognoscibilidade), uma separação rígida entre a teoria e a prática, entre a
ciência e suas aplicações, entre o conhecido e o desconhecido, entre os diferentes
domínios das ciências.
CLASSIFICAÇÃO DE LEFEBVRE VERSUS CLASSIFICAÇÃO POSITIVISTA
A primeira diferença entre a classificação de Lefebvre e a dos positivistas é o
destaque colocado na matemática que se constitui em uma instância separada e
denominada primeira ciência da natureza e ciência puramente abstrata. Com relação as
ciências da natureza um lugar deve ser encontrado para suas disciplinas intermediárias
e que contemple suas relações. Essas disciplinas são, por exemplo: biologia
matemática, bioquímica, física-matemática, físico-química, etc.
Entre as ciências humanas e as ciências da natureza se intercalam a geografia
humana, a pré-história, a antropologia. É interessante observar que geografia humana
nos dias de hoje poderia muito bem incorporar a ecologia ou disciplinas correlatas, o
que se constitui ainda hoje em uma dificuldade para sua classificação dada a posição
intermediária que ocupa entre as ciências da natureza e ciências humanas. As relações
entre esses dois campos científicos são relações práticas: a técnica, a organização do
trabalho e a estrutura econômica da sociedade.
Voltando ao campo das ciências humanas, o termo geral ​sociologia científica
convém ao conjunto das ciências sociais ou ​ciências do homem. Contudo, o termo mais
preciso, é história, que designa o estudo das atividades humanas, dos grupos humanos
e das instituições. Já os positivistas tentaram transformar a sociologia em uma física
social com o intuito dela retirar todos os julgamentos e juízos de valor além de impor
como método o mesmo determinismo newtoniano da física.
Com relação ao estudo da individualidade, a psicologia não deve somente ater-se a
ela isolada do contexto social, além de estudar o que ele chama de fato metafísico, ou
seja, a alma. Sendo assim, tanto do ponto de vista teórico como prático, a psicologia
vem em último lugar ainda incerto com ramos mais sólidos e melhor determinados, já
existentes, como a pedagogia, a psicotécnica ou psicologia do trabalho.
A POSIÇÃO DA MATEMÁTICA NO SISTEMA DE LEFEBVRE
Para entendermos melhor os pontos de vista de Lefebvre com relação á
matemática, é necessário uma breve discussão sobre a abstração em geral e as
características da abstração matemática. Podemos dizer que ela, de uma maneira geral,
através de uma forma simbólica exprime o conhecimento, em particular o conhecimento
científico, sendo o caminho encontrado pelo conhecimento, inclusive o científico, para
realizar uma apropriação do real. Dessa forma Lefebvre observa que o progresso das
matemáticas é efetuado no sentido de uma abstração crescente, mas com uma
correção: a abstração não é senão um meio de penetrar no conteúdo que ela parece
desprezar.
Não se trata de uma abstração metafísica que esquece, omite ou destrói o que ela
abstraiu. Trata-se de uma abstração dialética que precisamente ao abstrair, manifesta o
conteúdo, se torna capaz de obter e de elucidar, ao menos sob um de seus aspectos e
uma de suas propriedades. Jamais a matemática se separa de seu conteúdo.
A um certo grau de desenvolvimento, as leis “abstratas” do mundo real parecem se
descolarem dela, se colocarem fora de seu alcance, como leis vindas de fora que o
mundo não teria mais nada que fazer senão adotá-las. Contudo, as verdades
matemáticas têm passado ao largo dos metafísicos como ideias “puras” (Platão), ou
como “verdades eternas”, puramente racionais, “inatas” (Descartes) ou ainda “a priori”
(Kant). Mas não é senão uma aparência, proveniente do fato de se separar o
pensamento matemático de sua história, de suas aplicações e do contato com o
conteúdo real que continua incessantemente a lhe fecundar. Fourier escreveu: “O
estudo aprofundado da natureza é a fonte mais fecunda das descobertas matemáticas”.
AS CIÊNCIAS EXPERIMENTAIS
Com relação ás ciências experimentais, Lefebvre afirma que os fenômenos físicos
ou químicos, ou de outras ciências empíricas, que são representados por funções ou
por curvas, que são sua forma de expressão gráfica, a partir de um certo número de
experiências, o físico ou o químico enunciam a fórmula representativa do fenômeno
estudado. Ela lhe permite prever os valores assumidos pelas diferentes variáveis, como
tempo, espaço, pressão, temperatura, etc. Isto é obtido por interpolação ou
extrapolação dos valores medidos.
Se compararmos a física com a química veremos que esta última reintroduz
grandezas específicas reduzidas ou negligenciadas momentaneamente pelos físicos
como proporções definidas segundo as quais se combinam os elementos químicos.
Desde que as leis físicas sejam do tipo cartesiano ou newtoniano como funções
contínuas (cálculo diferencial) um abismo parece as separar das leis químicas fundadas
sobre a descontinuidade: separação de corpos simples, proporções numéricas e suas
combinações, isto é o aparecimento sempre presente do número inteiro e simples nas
leis químicas: peso específico, valência, etc.
AS CIÊNCIAS HUMANAS
Ao analisar as ciências humanas, Lefebvre explica de forma muito nítida que a
separação metafísica entre as ciências do homem e as ciências da natureza não
repousa mesmo que de forma aparente em nenhuma legitimidade, a não ser na época
onde o conhecimento da natureza parecia requerer um determinismo mecanicista rígido;
os metafísicos pareciam ainda os salvadores da liberdade da consciência; para isto eles
situavam o homem fora da natureza. Para que o homem fosse livre, neste sentido
metafísico, seria necessário que a realidade humana escapasse da ciência. O
“problema” do conhecimento “e a ação” se colocava ainda em termos que o tornaria
insolúvel. Esta separação hoje perdeu qualquer legitimidade.
A ciência do homem, em sua unidade, de método e de conteúdo, pode ser chamada
de “sociologia científica”, para melhor distinguir da sociologia metafísica de Comte, de
Durkheim, etc.
Qual será então, indaga Lefebvre, a relação desta sociologia com a história? A
história estudará os “fatos históricos” enquanto que a sociologia se preocupa com as
leis. Mas então a história não descobrirá leis históricas? Ela se contentará com uma
montanha de fatos, de anedotas, de detalhes! É claro que a história descobre leis, que
são sociológicas e reciprocamente. Também a sociologia não se confunde com os
estudos sociais abstratos como a economia política clássica. Ela não parte como a
economia política de princípios abstratos de concepções ideais como a do “homo
oeconomicus”. Mas uma economia política que parta do “homo oeconomicus” no lugar
de estudar historicamente as “relações sociais” é ela mesma uma metafísica da
economia política que parte de uma entidade abstrata.
Tentando uma unificação mais geral, Lefebvre defende a ideia que as leis da
natureza, as leis do pensamento e as leis da sociedade (do desenvolvimento social) são
as mesmas. São leis universais da dialética (ENGELS, 1966). Dentro do domínio
humano e social uma dessas leis passa para o primeiro plano, a da ultrapassagem. No
domínio das ciências da natureza, esta lei não tem senão uma entrada mais restrita.
Podemos dizer também que a vida engloba e ultrapassa a realidade mecânica, física,
química. Em outras palavras, Lefebvre aqui estabelece uma hierarquia entre essas
ciências com a biologia ocupando o topo da classificação.
CONCLUSÕES
Conforme deixamos claro na introdução, nosso objetivo neste artigo é trazer para o
debate no campo da epistemologia tanto das ciências naturais quanto das ciências
humanas, o pensamento de Henri Lefebvre sobre muitas das questões abordadas por
ambos os campos do conhecimento.
A discussão trazida por Lefebvre em seu livro ​Metodologia das Ciências embora
escrito no final da segunda guerra mundial é de grande atualidade. Ela se faz como uma
forte oposição ao positivismo de Augusto Comte e ao sistema de classificação das
ciências por ele proposto, denominado por Lefebvre de estático e metafísico.
REFERÊNCIAS
COHEN
H.,
Revolution
in
Science,
Harvard
University
Press,
Massachusetts, 1985.
ENGELS F., Dialectics of Nature, Progress Publishers, Moscow, 1966.
LEFEBVRE H., Méthodologie des Sciences, Ed. Economica, Paris, 2002.
Cambridge,
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