Cidades, Patrimônio e Populações: O pulsar de uma cidade. Janaína Gonçalves Rios Barros “... Pense nos esplêndidos quadros de Ensor, nos quais uma grande fantasmagoria enche as ruas das metrópoles: pequeno-burgueses com fantasias carnavalescas, máscaras disformes brancas de farinhas, coroas de folhas de estanho, rodopiam imprevisivelmente ao longo das ruas. Esses quadros são talvez a cópia da Renascença terrível e caótica na qual tanto depositam suas esperanças. Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?...” (Walter Benjamin, 1994, p. 115) Meu olhar sobre Évora.... Dado a complexidade do conceito de patrimônio e a patrimonialização exacerbada na atualidade, encontramos as cidades como organismos vivos, carregados de monumentos, construções simbólicas e culturais capazes de provocar olhares e práticas diversas, levando muitas vezes, a apropriação da cidade como patrimônio. Numa definição simplista do conceito de cidades podemos dizer que ela “se caracteriza pelo encontro e reunião de tudo o que constitui uma sociedade, produtos e obras. E nesse sentido a cidade foi e segue sendo a obra suprema, a obra das obras” (LEFEBVRE, 2006: 261) e como tal “contém uma utopia; é um lugar e um não lugar” (ibidem: 251), lugar onde o “passado, o presente e o possível não se separam” (LEFEBVRE B, 1991: 105). O Patrimônio deve ser entendido não como o espaço em si, ou o monumento, mas o significado que estes trazem às populações a sua volta. É o olhar que o morador do entorno possui sobre este bem, ou ainda, o sentimento despertado ao turista, que darão significado a um bem material ou imaterial. Portanto, o patrimônio só faz sentido se este produz um sentimento de pertencimento, um valor identitário, um significado, quando ele serve de ponto de encontro com a história, não apenas, por sua existência, mas, acima de tudo, pela existência das pessoas a sua volta. Cada patrimônio possui um valor simbólico, carrega evidências da razão de sua própria existência, tanto ao tempo, quanto a resistência às mudanças estruturais comumente vistas nas cidades. É, portanto, o envolvimento das populações na salvaguarda patrimonial, discussão e meios de intervenção, ferramenta indispensável, deixando de lado meros caprichos importados, pensando no patrimônio como agente capaz de promover a cultura popular e revitalizar a cidade. Partindo desta perspectiva, inicio um olhar sobre a cidade de Évora na região do Alentejo e percebo o quanto ela está carregada de signos e símbolos que caracterizam sua história e a de seus moradores. Entretanto, entre os muitos olhares possíveis sobre esta cidade, é preciso contemplar a vida cotidiana entre os muros da cidade. Num local aparentemente, solitário, é significativo observar as relações entre turistas, moradores, religiosos, estudantes... Observo um encontro de senhores ao amanhecer, estabelecendo relações comerciais, pequenos comerciantes cantando seus produtos, estudantes a se divertirem com instrumentos musicais na Praça do Giraldo, ou ainda, o cair da tarde solitária, mas vibrante, ao som de doces badaladas. Mas, diante deste cenário, é a imagem de algumas pessoas sentadas sob a luz dos últimos raios solares daquela tarde, que me prendem a atenção e elevam os meus pensamentos, deixando-os pairarem no ar, desejosos de uma espécie de onisciência, buscando saber as histórias circunscritas naquele recorte, ouvindo em meio ao silêncio, o pulsar de uma cidade, que lentamente adormece. Évora! Ruas ermas sob os Céus cor de violetas roxas ... Ruas frades pedindo em triste penitencia a Deus que nos perdoe as miseras vaidades! Tenho corrido em vão tantas cidades! e só aqui recordo os beijos teus, e só aqui eu sinto que são meus os sonhos que sonhei noutras idades! Évora! ... o teu olhar ... o teu perfil ... tua boca sinuosa, um mês de Abril que o Coração no peito me alvoroça! ... em cada viela o vulto dum fantasma ... e a minha Alma soturna escuta e pasma ... e sente-se passar menina-e-moça ... Florbela Espanca