universidade federal fluminense centro de

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE CIÊNCIAS MÉDICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
RESULTADOS DA CIRURGIA RECONSTRUTORA DA VALVA MITRAL EM
PACIENTES COM FEBRE REUMÁTICA
ANDRÉA ROCHA E SILVA
NITERÓI, novembro/2007
ANDRÉA ROCHA E SILVA
II
RESULTADOS DA CIRURGIA RECONSTRUTORA DA VALVA MITRAL EM
PACIENTES COM FEBRE REUMÁTICA
Dissertação apresentada no Curso de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do
Adolescente da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção
do Grau de Mestre. Área de Concentração: Pediatria.
Orientadores: Profa Dra Gesmar Volga Haddad Herdy
Prof Dr Alan Araújo Vieira
NITERÓI
Novembro/2007
III
A Andriele de Santana Gama Pena
Aos portadores de Febre Reumática
IV
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela minha existência.
A meus pais, Armando e Conceição, por tudo que me proporcionaram, pelo estudo que
me deram.
À minha irmã Márcia e meu irmão Alex por todo apoio e dedicação.
A meu eterno companheiro Marco Antônio por tudo que faz por mim desde o dia que nos
conhecemos. Pelas horas de sua vida dedicada a meu crescimento profissional.
À minha amada filha Giulia pelas horas ausentes e por sua compreensão nos momentos
de trabalho e estudo.
A Dra Gesmar e Dr Alan, meus orientadores, por tudo que fizeram por mim e por tanto
que me ajudaram.
Ao Dr Luis Carlos, para sempre “meu chefe” e amigo, por tudo que aprendi e pela
profissional que hoje sou.
Ao Dr Francisco Lino, pelas preciosas informações.
V
SUMÁRIO
Página
I
Epígrafe
II
Apresentação
III
Dedicatória
IV
Agradecimentos
01
Lista de abreviaturas
02
Resumo
03
Abstract
04
Capítulo 1: Introdução
05
Capítulo 2: Fundamentos Teóricos
05
2.1 Definição
05
2.2 Histórico
07
2.3 Etiologia
08
2.4 Epidemiologia
08
2.5 Patogênese
10
2.6 Manifestações Clínicas
12
2.7 Diagnóstico
12
2.8 Evidências
13
2.9 Achados Laboratoriais
14
2.10 Diagnóstico Diferencial
14
2.11 Complicação
14
2.12 Tratamento
15
2.13 Lesão Valvar
17
2.13.1 Insuficiência Mitral
VI
21
2.14 Consenso Americano de Doença Valvar Cardíaco
23
2.15 Abordagem Cirúrgica
25
2.16 Consenso sobre conduta nos pacientes com valvopatia
25
2.17 Técnicas cirúrgicas de plástica mitral
28
2.18 Complicações da plastia mitral
29
2.19 Contribuição da ecocardiografia para plastia mitral
29
Capítulo 3: Objetivos
30
Capítulo 4: Casuística e Métodos
31
Capítulo 5: Resultados
35
Capítulo 6: Discussão
39
Conclusões
40
Capítulo 7: Referências Bibliográficas
1
LISTA DE ABREVIATURAS
AAS
Ácido Acetil Salicílico
ACC
American College of Cardiology
AH
Anti Hialuronidase Association
AHA
American Heart Association
Anti-DNase B
Antidesoxirribonuclease
ASO
Anti-estreptolisina O
CEC
Circulação Extracorpórea
CF
Classe Funcional
IMAS
Insuficiência Mitral Aguda Grave
INCL
Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras
NYHA
New York Heart Association
OMS
Organização Mundial de Saúde
PCR
Proteína C Reativa
POI
Pós-Operatório Infantil
SOCESP
Sociedade de Cardiologia de São Paulo
UT
Unidade Todd
VHS
Velocidade de Hemossedimentação
2
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi descrever os resultados da plastia mitral nos
pacientes com febre reumática e levantar os fatores que podem interferir na evolução
clínica e a necessidade de reoperação. Nós descrevemos retrospectivamente 40
pacientes operados no Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras, no Rio de Janeiro,
submetidos a plastia mitral, entre janeiro de 1998 a janeiro de 2003. As variáveis
estudadas foram: sexo, idade, classe funcional, drogas no pós-operatório, tempo de
circulação extracorpórea, número de técnicas usadas pelo cirurgião, tempo de anóxia,
necessidade de aminas no pós-operatório, necessidade de troca valvar e óbito. A idade
dos pacientes no surto da febre reumática variou de 3 a 14 anos, com média de 7,5 ±
2,8 anos (mediana 8 anos) e a idade no momento da cirurgia variou de 4 a 17 anos
(mediana 14 anos). A mortalidade imediata ocorreu em três pacientes (7,5%). O grau
de insuficiência mitral pela ecocardiografia no pré-operatório era grave em 32 pacientes
(80%) e moderada em 8 (20%), três meses após apresentaram regurgitação mitral leve
ou nenhuma, e em 2 (5,4%) era grave (p<0,001). A classe funcional (NYHA) no préoperatório era III e IV em 33 (82,5%) e II em sete (17,5%); no pós-operatório era I e II
em todos os 37 (100 %) - (p<0,01). A reoperação (troca valvar) foi necessária em 7 dos
37 restantes (19%) , antes de 4 anos por recorrência da doença. Os outros dados
analisados não foram estatisticamente significativos para a necessidade de troca antes
de quatro anos. Concluiu-se que a plastia da mitral foi realizada com sucesso em
94,5% dos casos após três meses e 19% necessitou reoperação (troca da válvula)
antes de quatro anos.
Palavras-chave: Febre Reumática, reconstrução, valva mitral.
3
ABSTRACT
The objetive of this study was to describe the results of mitral valve repair in
patients with rheumatic fever four years after surgery and find out facts which could
interfere in the follow up and the need of reoperation. We analysed retrospectively 40
cases operated in Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras, in Rio de Janeiro, from
January, 1998 to January 2003. The variables analysed were: gender, age, functional
class, drugs needed after surgery, duration of cardiopulmonary bypass, number of
surgical techniques, duration of anoxia, necessity of amines after surgery, need of
reopeartion and rate of death. The age of first rheumatic attack ranged from 3 to 14
years (median 8) and the age of surgery ranged from 4 to 17 years (median 14). The
early postoperative mortality was 3 (7.5%). The echocardiographic classification of
mitral regurgitation was severe in 32 cases (80%) and moderate in 8 (20%); after three
months, 35 cases (94.5%) had none or mild regurgitation, and in 2 patients was severe
(p<0.001). The functional class (NYHA) before surgery was III and IV in 33 (80.5%) and
II in 7 patients (19.5%). After surgery returned to I and II in 37, 100% (p<0.001).
Reoperation (valve replacement) was performed in seven cases before four years of
follow up in seven (amon the 37 patients alive) (19%), because of recurrence of the
rheumatic activity. The other facts analysed were not significant to determine the need
of reoperation before fours years of follow up. In conclusion, the mitral valve repair in
this group was successful in 94.5% after three months of surgery and the rate of
reoperation (replacement) was 19.% before four years of mitral repair.
Key words: rheumatic fever, mitral valve repair.
4
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO
De acordo com a OMS, são realizadas cerca de 18.000 cirurgias valvares por
ano (valvuloplastias e implante de próteses valvares) em consequência das sequelas
da febre reumática1.
O grande número de cirurgias realizadas no Brasil e a enorme relevância do
assunto foram subsídios mais do que suficientes para a realização de um levantamento
mais aprofundado em 2000 e concluiu um número estimado de 332.000 óbitos em
consequência da febre reumática2. Um outro dado a ser considerado são os gastos
realizados com o tratamento da doença. Atualmente, são gastos cerca de 6,6 milhões
de reais anuais com o tratamento.
A partir da importância destinada e dos números alarmantes, ocorreu um
detalhamento maior sobre a evolução da doença, inclusive no Brasil.
Com base nos dados levantados pela DATASUS no Brasil, em 2003 houve 30.000
novos casos de febre reumática. Destes, 50% apresentaram cardite como quadro
inicial2. Com este levantamento, foi possível verificar a enorme diferença nos custos
dos tratamentos gastos no Brasil. A conclusão é que a diferença é abissal. Gasta-se no
Brasil cerca de 10 vezes mais do que os custos levantados pela OMS com o
tratamento da doença. Ou seja, são gastos em média cerca de 60 milhões de reais por
ano. Além disso, segundo a DATASUS, 26 anos de vida são perdidos por paciente2.
Vale ressaltar o ano de 2000 no Brasil, quando, segundo a DATASUS, ocorreram
13.709 internações, resultando 755 óbitos, gerando uma taxa de mortalidade em torno
de 5,5%2.
Ilustrando o cenário atual, podemos citar que o Ministério da Saúde gasta só com
internações cerca de 161 milhões de reais por ano na realização de 11.000 cirurgias
para troca valvar. A consequência social da doença é o aproveitamento escolar baixo,
que ocasiona reprovações e inúmeros dias perdidos de aula. A consequência a longo
prazo é a dificuldade de inclusão no mercado de trabalho. Nas crianças, adolescentes
e em pacientes com nível sócio-econômico baixo, a troca da válvula é problemática,
devido ao uso de anticoagulantes com controle periódico da coagulação, idas
frequentes ao laboratório, coletas de sangue e cuidados com quedas, principalmente
em crianças pequenas. Em crianças, há a necessidade de outras trocas valvares com o
crescimento. Por estes motivos, a plastia valvar mitral torna-se ideal sempre que
possível3-5.
5
Foi realizado um estudo do perfil social dos pacientes com febre reumática do
Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras, em 2003. Como resultado, foi visto que
11,5% dos pacientes não têm remuneração, 61,5% ganham até um salário mínimo e
que 27% ganham de 2 a 3 salários mínimos; casa de alvenaria em 62% dos pacientes,
36% de alvenaria inacabada, 1% morava em barraco e 1% em cortiço. Trinta e cinco
por cento eram de até 4 cômodos, e com mais de 5 cômodos em 65%. Moravam até 3
pessoas em 43,6% e mais de 4 pessoas em 56,4%. Havia saneamento básico em
72,5% das casas, 13,75% parcial e 13,75% não havia. Dezesseis por cento dos pais
eram analfabetos, e 44% tinham apenas o primário6.
Em virtude dos fatos apresentados, decidimos levantar a evolução dos casos em
que a plastia valvar mitral foi realizada.
CAPÍTULO 2: FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 DEFINIÇÃO
A febre reumática é uma doença inflamatória, multissistêmica, que se manifesta
como complicação tardia de uma infecção bacteriana da orofaringe causada pelo
estreptococo beta hemolítico do grupo A de Lancefield. Caracteriza-se pelo
acometimento do coração, articulações, sistema nervoso central, tecido celular
subcutâneo e pele 7,8.
2.2 HISTÓRICO
Vesalius, originalmente, sugeriu o termo mitral dada sua semelhança com a mitra
papal, e Vieussens, em 1775, produziu a primeira e mais lúcida descrição dos sintomas
e do processo patológico da estenose mitral por calcificação através de uma necrópsia.
(citado por Prates) 9.
Em 1538, Baillou fez pela primeira vez distinção entre a artrite aguda e gota. Em
1624, Sydenham descreveu a coréia, porém não fez associação entre ela e a febre
reumática aguda. Em 1788, David Pitcairn fez uma associação ocasionalmente entre
6
reumatismo agudo e cardite, e Charles Weles descreveu pela primeira vez os nódulos
subcutâneos (citado por Prates)9.
Em 1819, foi inventado o estetoscópio. Pela primeira vez, Richard Bugert
associou febre reumática e coréia, e Jean Baptista Bouillaud demonstrou íntima ligação
entre reumatismo e cardite. Logo após, houve associação entre a faringite e a febre
reumática9.
Durante o século XIX e início do século XX, muitos médicos acreditavam ser os
sintomas da doença valvar mitral secundário a miocardite reumática ou insuficiência
miocárdica e as lesões valvares de importância secundária. A despeito dessa atitude,
Sir Lauder Brunton, em 1902, sugeriu o alargamento cirúrgico do orifício mitral
estenótico, o que foi imediatamente considerado muito controvertido (citado por
Prates)9.
O primeiro caso de intervenção cirúrgica no coração é atribuído a Ludwing Rehn,
que em setembro de 1896, suturou com sucesso um ferimento cardíaco, e em 1923,
Elliot Cutler et al, realizou a primeira cirurgia intracardíaca, com sucesso, em humanos.
Em junho de 1948, Dr. Charles Bailey, após quatro tentativas fracassadas e uma
determinação heróica, realizou a primeira comissurotomia mitral transatrial com lâmina
falciforme presa no dedo indicador com sucesso, iniciando a era da cirurgia
intracardíaca7 e em 1956, Bailey já havia realizado mais de 1000 comissurotomias, com
uma mortalidade de 7,9%, diferentemente de 80% em seus primeiros 4 casos (citado
por Prates9).
Em 1931, Coburn e Collins fizeram relação entre estreptococcia e febre
reumática, e 10 anos após foi introduzido o uso de antibiótico para o tratamento da
febre reumática - profilaxia secundária com sulfonamidas. Em 1944, surgiu pela
7
2.3 ETIOLOGIA
O estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield é o agente causador da
febre reumática. Porém, uma simples colonização da faringe pelo estreptococo do
grupo A não é capaz de, mesmo em indivíduos susceptíveis, desencadear surto de
febre reumática. Para que isto ocorra, é necessária a infecção da orofaringe, e não
apenas a colonização superficial. Para desenvolver um surto de febre reumática, a
infecção deve ocorrer na faringe. As estreptococcias da pele (piodermite ou impetigo),
ainda que desenvolvam glomerulonefrite, não são capazes de desencadear surto de
febre reumática 10,11.
Como uma infecção é definida pelo desencadeamento de resposta imunológica a
um antígeno estreptocócico, pode-se comprovar que a faringite teve etiologia
estreptocócica pela comparação dos títulos de um anticorpo antiestreptocócico antes e
durante o processo infeccioso 11.
Admite-se que, para causar infecção, o estreptococo deva aderir às células
epiteliais da faringe, o que é feito através das fímbrias, que são um tipo de flagelo que
cobre o germe. A perda das fímbrias torna o germe não virulento e incapaz de infectar.
Da mesma forma, as diferentes proteínas M, que fazem parte da camada externa da
parede do estreptococo e que também são encontradas nas fímbrias, têm grande
importância na virulência e imunogenicidade do organismo11.
A capacidade de ser “reumatogênico”, ou seja, de poder desencadear surto de
febre reumática em susceptíveis, é uma característica presente somente em alguns
tipos de cepas faríngeas do estreptococo do grupo A.
Acredita-se que a perda da “reumatogenicidade” do estreptococo possa ter um
papel importante no declínio da febre reumática12. Questiona-se se a perda da
“reumatogenicidade” seria uma consequência natural de mutação genética ou
consequência da intervenção médica, que, ao interromper a cadeia de contágios pela
antibioticoterapia, pode diminuir o número de infecções e alterar a natureza do germe,
com perda de sua virulência e “reumatogenicidade”. Aceita-se que algumas cepas
sejam fortemente encapsuladas, multirresistentes à fagocitose e com elevado grau de
imunogenicidade, particularmente na produção de anticorpos antiproteína M e que
contenham epítopos comuns ao tecido cardíaco humano, o que tem reforçado a teoria
da imunopatogenicidade da febre reumática11. Os sorotipos M1, M3, M5, M6, M18, M24
são isolados com maior frequência nos pacientes com febre reumática aguda do que
os outros sorotipos10,11.
8
2.4 EPIDEMIOLOGIA
A epidemiologia da febre reumática aguda é igual à epidemiologia da infecção do
trato respiratório superior por estreptococos do grupo A. A febre reumática é mais
frequente na faixa etária mais suscetível às infecções estreptocócicas do grupo A,
crianças de 5 a 15 anos, sendo o pico com 8 anos. As faringoamigdalites bacterianas
atingem crianças e adultos. Também ocorrem números aumentados de casos em
grupos social e economicamente desfavoráveis. Isto foi atribuído à aglomeração de
pessoas, que é mais comum nesse segmento da população. Além disso, a maior
incidência de infecções estreptocócicas do grupo A do trato respiratório superior é no
outono, inverno e início da primavera e está associada ao maior número de casos de
febre reumática aguda nos mesmos períodos do ano. Em idade escolar, tem-se de 1 a
2 amigdalites/ano. As faringoamigdalites bacterianas ocorrem em 20% de crianças e
entre 5-10% em adultos. Destes, de 2 a 3% evoluem para febre reumática. Aparecem
cerca de 30.000 novos casos de febre reumática por ano, e destes, 50% evoluem para
cardite. Esta é a maior causa de cardiopatia adquirida em crianças e adultos jovens em
todo o mundo1,10,11.
2.5 PATOGÊNESE
Apesar dos avanços notáveis do nosso conhecimento da biologia do estreptococo
do grupo A e do hospedeiro humano, e das observações importantes sobre a
associação epidemiológica entre os dois, o mecanismo patogênico responsável pela
febre reumática aguda permanece obscuro. Criaram-se três grupos básicos de teorias
tentando explicar o desenvolvimento dessa sequela da infecção do trato respiratório
superior por estreptococos do grupo A. São elas:
1. uma infecção direta do coração e valvas por estreptococos do grupo A;
2. um efeito tóxico produzido por uma toxina extracelular dos estreptococos do grupo
A sobre órgãos-alvos, como miocárdio, valvas cardíacas, sinóvia e cérebro;
3. uma resposta imune anormal pelo hospedeiro humano.
As hipóteses atuais mais populares são as que propõem uma resposta imune
anormal pelo hospedeiro humano a algum componente, ainda indefinido, do
estreptococo do grupo A. Os anticorpos resultantes poderiam causar uma lesão
imunológica, levando às manifestações clínicas. O período latente, geralmente 1-3
9
semanas entre o início da infecção estreptocócica do grupo A e o início dos sintomas,
fortalece a hipótese de um mecanismo imune da lesão tecidual. Embora o antígeno ou
antígenos específicos responsáveis pelo desencadeamento dessa resposta imune
ainda não tenham sido identificados, existem várias possibilidades. O estreptococo do
grupo A é um microrganismo muito complexo, produz grande número de antígenos
somáticos e extracelulares que provocam respostas imunes enérgicas e, portanto,
podem precipitar o início da resposta imunológica que resulta na febre reumática10,11.
Embora possa haver diferenças genéticas na susceptibilidade reumática entre os
indivíduos, o mecanismo exato não foi elucidado. É improvável que os recentes surtos
da doença nos Estados Unidos decorram de uma população cada vez mais suscetível
baseada apenas na genética. É mais provável que o mecanismo patogênico da febre
reumática após uma infecção do trato respiratório superior por estreptococos βhemolítico do grupo A envolva uma combinação de características do microrganismo e
uma
predisposição
genética
no
hospedeiro
humano
ainda
definida10,11,13.
Estreptococos grupo A
→
hospedeiro suscetível
↓
Cepas reumatogênicas
↓
antígenos HLA DR 4,2,1,3,7
sorotipo M1,M3,M5,M6,M18 e M24
mucóide – encapsulados
↓
Reação imunológica
↓
atinge órgãos e tecidos
↓
febre reumática
aloantígeno cél. B específico
anticorpo mononucleal
incompletamente
10
2.6 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Há vários achados clínicos seletivos (Critérios de Jones) que tornam o diagnóstico
altamente provável e obrigam a uma consideração conjunta das manifestações clínicas
e o diagnóstico. Os Critérios de Jones, descritos pela primeira vez em 1944 e revisados
em 1992 permaneceram basicamente estáveis e são o método aceito para confirmação
do diagnóstico.
Os cinco critérios maiores são considerados os achados mais específicos,
portanto, têm um peso maior no diagnóstico 10,11,13,14. São eles:
CARDITE
Este achado importante na febre reumática aguda é uma pancardite que envolve
o pericárdio, epicárdio, miocárdio e endocárdio. É o único resíduo da doença que
resulta em alterações crônicas e a única que na fase aguda pode levar ao óbito. As
manifestações comuns incluem evidências de insuficiência valvar, sobretudo a valva
mitral, mais frequentemente, seguida pela aórtica, tricúspide e pulmonar. O
envolvimento isolado da valva aórtica é raro. Muitas vezes, há uma combinação de
insuficiência e estenose. Quarenta a 80% dos pacientes apresentam cardite.
Outras manifestações de cardite são: pericardite, derrame pericárdico e arritmias
(em geral bloqueio atrioventricular de 1º grau, mas pode ocorrer bloqueio de 3º grau ou
total). A cardite da febre reumática pode ser leve, moderada ou grave, levando a
insuficiência cardíaca intratável. Poucas são as indicações de cirurgia durante o surto
agudo. A gravidade da lesão crônica depende da gravidade do 1º surto e número de
recorrências 5,10,11,13,15.
POLIARTRITE
Este é o mais confuso dos critérios maiores. A artrite da febre reumátia aguda é
extremamente dolorosa. Não é raro que as crianças com esta forma de artrite não
permitam sequer que lençóis ou roupas cubram uma articulação afetada. As
articulações se apresentam ruborizadas, quentes e tumefadas. A artrite é migratória e
atinge várias articulações diferentes, a saber, os cotovelos, joelhos, tornozelos e
pulsos. Não precisa ser simétrica, pode haver derrames. A duração é de 1 a 5 dias em
11
cada articulação e, no total, 2 a 3 semanas. Ocorre de 2 a 3 semanas após
faringoamigdalite 5,6,10,11,14.
A artrite não produz doença articular crônica. Uma vez instituída a terapia
antiinflamatória, a artrite pode desaparecer de 12-24 horas 5,10,11.
CORÉIA
A coréia de Sydenham, um componente peculiar da síndrome da febre reumática,
ocorre bem depois das outras manifestações. É um processo inflamatório nos gânglios
da base e núcleo caudado. Os movimentos coreoatetóides podem começar muito
sutilmente. O período latente após a faringite estreptocócica pode estender-se por
vários meses (mais ou menos três meses), podendo chegar até 9 meses após.
Frequentemente é muito difícil detectar os movimentos no início. Um dos melhores
sinais em crianças escolares é deterioração acentuada da sua caligrafia. Labilidade
emocional é um achado frequente. Dura 1 ou 2 semanas. Pode afetar os quatros
membros ou ser unilateral. Ocorre em mais ou menos 10% dos pacientes. Às vezes é o
único sintoma da doença10,11,16.
ERITEMA MARGINATO
O exantema singular encontrado nos pacientes com febre reumática é outra das
principais manifestações de diagnóstico difícil. Ocorre muito raramente (5% dos casos).
No início da doença pode se manifestar como máculas róseas inespecíficas no tronco,
depois na sua forma plena há empalidecimento no meio das lesões, às vezes com
fusão das bordas, produzindo uma lesão de aparência serpinginosa. Não é pruriginoso,
atinge mais tronco e extremidades proximais e poupa a face10.
NÓDULOS SUBCUTÂNEOS
São pouco frequentes (3% dos casos) e observados mais comumente em
pacientes com cardite intensa. Essas lesões pequenas, do tamanho de ervilhas (0,5 2,0 cm), são firmes e indolores e não há inflamação. Localizam-se sobre as faces
extensoras das articulações, como os joelhos e cotovelos, região occipital do couro
cabeludo e também sobre a coluna vertebral10.
12
Os critérios menores são bem menos específicos, mas necessários para
confirmar o diagnóstico de febre reumática. Incluem artralgia e uma história de febre
reumática prévia documentada. Detecta-se artralgia quando o paciente sente
desconforto na articulação na ausência de achados objetivos (dor, rubor, calor). A febre
geralmente não ultrapassa 38,5 a 39,0 oC 5,10,11.
Dentre os critérios menores estão vários exames laboratoriais. Os reagentes da
fase aguda, como a VHS (velocidade de hemossedimentação) ou PCR (proteína C
reativa), podem estar elevados. Um intervalo P-R prolongado no eletrocardiograma
também é incluído 14.
Critérios maiores
Critérios menores
- cardite
-artralgia
- poliartrite
- febre
- coréia
- VHS elevado
- eritema marginato
- PCR +
- nódulos subcutâneos
- PR prolongado
2.7 DIAGNÓSTICO
- dois critérios maiores ou
- um critério maior e dois menores ou
- evidência de infecção estreptocócica do grupo A ou
- coréia ou
- cardite10-15
2.8 EVIDÊNCIAS
A evidência de infecção estreptocócica do grupo A é um dos aspectos mais
importantes dos Critérios de Jones. Deve haver evidências documentadas por cultura
da orofaringe positiva para o estreptococo beta-hemolítico do grupo A, história de
escarlatina ou elevação dos anticorpos anti-estreptococos como a anti-estreptolisina O
(ASO), anti-desoxirribonuclease B (anti-DNase B) ou anti-hialuronidase (AH)10.
13
2.9 ACHADOS LABORATORIAIS
Nenhum exame laboratorial pode confirmar o diagnóstico de febre reumática. A
cultura da secreção de orofaringe em Agar - sangue continua a ser padrão-ouro para
confirmar a presença de estreptococos do grupo A e tem sensibilidade de 90-95%.
Porém, na época do diagnóstico de febre reumática, as culturas são geralmente
negativas, e a taxa de positividade fica em torno de 20 a 30 % 10,17.
Testes rápidos de detecção de antígenos também podem ser utilizados para
diagnóstico de infecções estreptocócicas de orofaringe, porém têm custo elevado e,
assim como a cultura, não diferenciam doentes, de portadores assintomáticos.
Por estes motivos, os índices de anticorpos antiestreptocócicos são as únicas
provas confiáveis para detectar uma infecção estreptocócica precedente, não estando
elevados na situação de portador são. Os anticorpos tituláveis mais utilizados e
comercializados são a antiestreptolisina O (ASO) e antidesoxirribonuclease (antiDNAse), contudo a ASO é o mais amplamente utilizado, pela facilidade de obtenção e
homogenicidade dos resultados.
Os títulos de ASO atingem seu pico três a seis semanas após infecção aguda,
começam a declinar após dois ou três meses e voltam ao normal em quatro a seis
meses. A permanência de títulos elevados não indica persistência da atividade da
doença 17.
Para detectar aumentos de ASO no soro, deve-se realizar o exame quando o
paciente é inicialmente avaliado, e repetir após duas semanas, para comparação.
Aumentos na titulagem de ASO colaboram, mas não são específicos para o diagnóstico
de febre reumática, assim como não medem a intensidade da atividade reumática 17.
A anti-DNAse permanece mais tempo circulando no organismo e pode ser a única
indicação de infecção estreptocócica prévia, em pacientes com coréia.
As principais provas utilizadas são: a velocidade de hemossedimentação (VHS), a
proteína C reativa (PCR), mucoproteínas e eletroforese de proteínas.
Alterações na VHS geralmente ocorrem de forma acentuada, com desvios
precoces no início da doença. A VHS não constitui um instrumento específico para o
acompanhamento e a evolução no tratamento da febre reumática e pode ser alterada
pelo uso de antiinflamatórios. Os valores podem persistir elevados, mesmo com a
evolução favorável do quadro clínico, o que pode confundir o médico e sugerir de
maneira imprópria a continuidade da terapêutica.
14
A PCR eleva-se no início do processo reumático e, antes do final da segunda
semana de evolução, está aumentada em quase 100% dos casos. Seus níveis podem
diminuir durante o curso ativo da doença, portanto, no acompanhamento do paciente
reumático, o reaparecimento da PCR no soro, obriga a pesquisa de reativação do
processo inflamatório 17,18.
A mucoproteína encontra-se elevada em cerca de 95% dos pacientes, mantendose alterada enquanto durar a fase aguda. A normatização de seus níveis indica o final
da fase ativa da doença. Porém, as técnicas utilizadas para sua realização são
trabalhosas, e com possibilidade de erros, muitos centros têm substituído seu uso pela
alfa-1-glicoproteína ácida, de mais fácil dosagem 17.
Na análise da eletroforese de proteínas, as elevações de alfa-2-globulina são
constantes e tendem a se manter assim durante toda a atividade reumática, sendo um
indicador de permanência da doença17,18.
2.10 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial pode ser feito com várias entidades por ser uma doença
multissistêmica. São elas: artrite séptica, doenças do colágeno, tumores cerebrais 10.
2.11 COMPLICAÇÃO
A principal complicação da febre reumática aguda é a cardiopatia valvar
reumática. Nenhuma das demais manifestações da febre reumática causa doença
crônica. As válvulas mais comprometidas são: a mitral, válvula aórtica isolada ou mitroaórtica, e lesão mitro-aórtica-tricúspide. Quando a lesão mitral é significativa, pode
levar a hipertensão pulmonar pela importante regurgitação valvar, levando ao aumento
do átrio esquerdo e em consequência aumento da pressão venosa pulmonar 10.
2.12 TRATAMENTO
O tratamento da febre reumática aguda divide-se em três abordagens: tratamento
da infecção estreptocócica do grupo A que levou à doença, uso de antiinflamatórios
15
para controlar as manifestações clínicas da doença e tratamento de apoio, incluindo o
da insuficiência cardíaca congestiva, se tiver ocorrido
11,19
. Todos os pacientes que se
apresentam com febre reumática aguda devem ser tratados para uma infecção por
estreptococos do grupo A no momento em que o diagnóstico é feito, não importando se
o microorganismo foi isolado no paciente 11,12,19.
A profilaxia primária é feita com penicilina G benzatina dose única 1.200.000 UI
ou antibiótico oral (penicilina V oral, cefalosporinas, macrolídeos, clindamicina também
podem ser usados). Se houver alergia a penicilina, usar eritromicina (1ª escolha). O
tratamento de escolha para a profilaxia secundária é feita com penicilina G benzatina
14/14 dias nos primeiros 2 anos, e de 21/21 dias após 2 anos. A profilaxia deverá ser,
se tiver cardite com sequela valvar, por toda a vida; cardite sem sequela valvar, até 25
anos ou após 10 anos do último surto
20-22
. Forma articular ou coréia pura até 21 anos
ou 5 anos após o último surto.
O tratamento da artrite na fase aguda é repouso e ácido acetil salicílico (AAS) 100
mg/Kg/dia de 6/6 horas por 2 semanas e reduzir gradualmente de 2 a 5 semanas
10,11
.
Na fase aguda da coréia, o tratamento é repouso, evitar agitação, fenobarbital e
haloperidol 16.
Na cardite leve, ficar em repouso, usar AAS 100mg/Kg/dia de 6/6 horas por 4 a 8
semanas e ir diminuindo gradualmente em 4 a 6 semanas. Na cardite moderada e
grave, o repouso deve ser absoluto, usar prednisona 1 a 2 mg/Kg/dia uma vez pela
manhã por 4 semanas reduzir gradualmente 5 a 10 mg por semana. Não esquecer
PPD (história de tuberculose) e estrongiloidíase. A insuficiência cardíaca congestiva
ocorre em 5% dos casos, devido a miocardite grave e/ou insuficiência valvar grave,
geralmente em crianças menores. No exame físico há taquicardia, cardiomegalia,
hepatomegalia evoluindo para edema agudo de pulmão14.
2.13 LESÃO VALVAR
Cerca de 50% dos pacientes com febre reumática desenvolvem cardite na fase
aguda, e o processo de resolução resulta em variados graus de fibrose e dano valvar,
com consequente estabelecimento de cardiopatia crônica.
A doença reumática é a causa mais importante de regurgitação mitral, e nesta
população os resultados tardios podem ser prejudicados pelo aparecimento de novos
surtos da doença
20,22
. A doença reumática pode apresentar restrição, espessamento
de folhetos e anormalidades acentuadas da região subvalvar. Estudos têm
16
demonstrado a superioridade da plastia mitral (cirurgia conservadora) sobre a troca
valvar (implante de prótese) quando da necessidade de tratamento cirúrgico3,4,23. As
valvas cardíacas têm a função de orientar o sentido do fluxo de sangue nas vias de
entrada e de saída das câmaras ventriculares. Compete à valva mitral impedir o refluxo
de sangue ao átrio esquerdo durante a sístole ventricular e, na diástole, permitir a
passagem do sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo.
O aparelho mitral é composto por seis elementos:
1. parede posterior do átrio esquerdo, que apresenta uma continuidade anatômica
com o folheto posterior;
2. anel valvar, que serve de base para a inserção dos folhetos, além de ter ação
esfincteriana, contraindo-se por ocasião do fechamento valvar;
3. folhetos ou cúspides, em número de duas: a anterior e a posterior, que realizam
o bloqueio ao refluxo de sangue;
4. cordas tendíneas, que são mais ou menos em número de 25, partindo dos
músculos papilares, formando um entrelaçamento de cordas abaixo do orifício
valvar que resulta num segundo orifício possível de ser comprometido quando
ocorre fibrose e espessamento dessas cordas;
5. músculos papilares, que são dois: o anterior (antero-lateral) e o posterior
(póstero-medial), fundamentalmente subendocárdicos. São irrigados durante a
diástole e, ocorrendo isquemia, pode resultar em insuficiência mitral típica;
6. parede posterior do ventrículo esquerdo, que junto com os músculos papilares
formam o componente muscular do aparelho valvar mitral. Sua abertura é de 4 a
6 cm2 24.
O fluxo pela valvar mitral desenvolve-se em 5 etapas:
1. durante a diástole ventricular ocorre a abertura dos folhetos mitrais, iniciando-se
a passagem de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo;
2. com o enchimento do ventrículo esquerdo os folhetos mitrais deslocam-se para
a posição semifechada ocorrendo discreto fluxo retrógrado;
3. durante a sístole atrial os folhetos são abertos até a posição máxima, ocorrendo
o fluxo rápido;
4. durante a contração isovolumétrica, a pressão no ventrículo esquerdo aumenta,
iniciando-se o fechamento dos folhetos valvares;
17
5. durante a sístole, a valva mitral se fecha totalmente. Esse movimento da valva
mitral pode ser visualizado como uma forma de letra M, através do estudo
ecocardiográfico25.
2.13.1 INSUFICIÊNCIA MITRAL
A insuficiência mitral é o resultado da coaptação imperfeita dos folhetos mitrais
durante a fase de ejeção. As alterações hemodinâmicas consequentes dependem da
etiologia, grau e duração da insuficiência mitral. Existem quatro etiologias prováveis
para a insuficiência mitral: prolapso da valva mitral, coronariopatias, endocardite
infecciosa e febre reumática 26.
Sob o ponto de vista anatômico, a insuficiência mitral é o resultado de alterações
dos músculos papilares, cordas tendíneas, folhetos valvares e comissuras.
O diâmetro do anel mitral não se modifica de forma significativa na insuficiência
mitral, salvo no prolapso da valva mitral e na síndrome de Marfan.
A insuficiência mitral pode ser classificada, conforme sua instalação, em aguda ou
crônica. Na insuficiência mitral aguda, inicialmente não ocorre adaptação do músculo
cardíaco, e o aumento súbito de volume causa elevação da pressão no ventrículo e, ao
contrário da insuficiência mitral crônica, pode levar à morte em poucos dias. Na
insuficiência mitral crônica o aumento progressivo do volume diastólico final leva a
sobrecarga excêntrica, não permitindo aumentar a pressão diastólica final e,
consequentemente, só tardiamente ocorre hipertensão capilar pulmonar. Isto ocorre
devido à adaptação das fibras musculares do ventrículo esquerdo 26.
Alterações Hemodinâmicas
Fase de compensação
A passagem de sangue para o átrio esquerdo serve como válvula de escape,
aliviando a tensão no ventrículo esquerdo e contribuindo para a manutenção da função
ventricular. Porém, o próprio aumento do átrio esquerdo, ao deslocar o folheto
posterior, pode acentuar o grau de insuficiência.
O aumento da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo estimula a síntese
de sarcômeros em série, produzindo a hipertrofia excêntrica deste ventrículo que é o
aumento da espessura da parede associado ao aumento do diâmetro interno.
18
Esse mecanismo supre as exigências normais de contração ventricular esquerda,
por longo período, ao mesmo tempo em que o próprio aumento da câmara, aumenta a
área de regurgitação.
A resistência periférica nas fases iniciais da insuficiência mitral está diminuída.
Talvez
entrem
em
ação,
nesse
mecanismo
reflexo,
os
mecano-receptores
ventriculares, ativados pelo aumento da contratilidade que observamos nessa fase.
Quando há comprometimento miocárdico, a resistência aumenta, piorando ainda mais
a fração de regurgitação. No paciente com hipertensão arterial sistêmica e, portanto,
com resistência aórtica elevada, a regurgitação torna-se mais acentuada 26.
Fase de Descompensação
A insuficiência mitral aguda apresenta átrio esquerdo com pressão elevada, e a
insuficiência mitral crônica um grande átrio esquerdo com pressões baixas.
No paciente com insuficiência mitral aguda, o átrio esquerdo é pequeno, e a
pressão alta transmite-se para os vasos pulmonares e o ventrículo direito. O indicador
desse evento é a hipertrofia que ocorre na parede atrial esquerda, ventricular direita, a
proliferação da íntima e a hipertrofia da média dos vasos pulmonares. Quando a
insuficiência mitral é crônica, o átrio esquerdo é imenso, capaz de “absorver” o fluxo
regurgitante, sem elevar muito a pressão nos vasos pulmonares, e sem haver
hipertrofia do ventrículo direito26. Quando há esgotamento dos substratos bioquímicos
estruturais do miocárdio, ou instalação súbita da insuficiência mitral, há aumento das
pressões de enchimento, levando à hipertensão pulmonar, insuficiência ventricular
direita, hipertensão venocapilar sistêmica com diminuição do débito cardíaco e morte.
Para definirmos a conduta adequada ao paciente com valvulopatia, avaliamos:
−
o diagnóstico da valvulopatia.
−
a apresentação clínica
−
a gravidade das lesões valvulares
−
o prognóstico da lesão e da intervenção
−
as condições associadas
19
O Diagnóstico Clínico
A acurácia do diagnóstico clínico das valvulopatias, que inclui o ecocardiograma
unidimensional, é de 87%; com a ecocardiografia com doppler passa a 100%, sendo
que a conduta clínica é correta em 97% dos casos 25.
Portando, uma avaliação clínica com uma base de conhecimento adequada e
com a complementação do ecocardiograma com doppler permitirá o diagnóstico das
valvulopatias e a conduta correta, na grande maioria dos casos, o eletrocardiograma e
a radiografia de tórax são exames complementares de rotina. O teste de esforço, o
estudo hemodinâmico, o ecocardiograma transesofágico e de estresse e a
ventriculografia radioisotópica devem ser usados em situações específicas25.
Apresentação Clínica
O surgimento do sintoma praticamente determina o momento da intervenção.
Mais difícil é a decisão de cirurgia no paciente assintomático, mesmo com dados
objetivos de gravidade da lesão valvular.
As valvulopatias apresentam-se clinicamente por dispnéia progresssiva aos
esforços (Classificação de insuficiência cardíaca da New York Heart Association Classes I, II, III, IV), angina de peito, síncope, fadiga (diminuição do débito cardíaco),
palpitações ou eventos, como embolia periférica ou endocardite infecciosa 26.
A Gravidade da Lesão
A ecocardiografia é o método não invasivo de escolha para o diagnóstico e a
avaliação da gravidade das lesões valvulares, pois quantifica as estenoses e
insuficiências valvulares e suas consequências sobre as cavidades cardíacas, e a
avaliação da função ventricular, diretamente relacionada ao prognóstico. Calcula dados
hemodinâmicos com precisão, dispensando o estudo hemodinâmico 25.
A ecocardiografia com Doppler é mais precisa para definir a gravidade das
estenoses do que das regurgitações valvulares, porém esta também é uma limitação
dos outros métodos A determinação da gravidade da lesão valvular tem sua
importância porque sua correlação com a mortalidade e morbidade da valvulopatia
define uma conduta mais precisa. É classificada de acordo com o jato regurgitante em
leve, moderada ou grave.
20
Prognóstico
O ecocardiograma e a hemodinâmica (quando necessária) relacionados com os
sintomas e identificando preditores da evolução clínica auxiliam na conduta e permitem
uma abordagem mais conservadora no paciente assintomático. O prognóstico das
válvulas biológicas e comissurotomias são limitados, pois as próteses mecânicas
introduzem o risco do uso de anticoagulante (hemorragia e trombose valvular). Dessa
forma, até que se estabeleça o prognóstico (menor mortalidade e morbidade), não se
utiliza a intervenção cirúrgica de rotina ou por balão em pacientes assintomáticos de
maneira preventiva, isto é, para prevenir complicações. A disfunção miocárdica é fator
preponderante do prognóstico e pode ser independente dos sintomas, mas não há um
indicador preciso do grau da disfunção miocárdica; daí a busca de parâmetros
quantitativos que identifiquem o momento mais adequado para a intervenção,
propiciando maior sobrevivência e qualidade de vida 26,27.
Condições associadas
Algumas situações decorrentes da própria valvulopatia são consideradas como
motivo de intervenção precoce, mesmo em pacientes não muito sintomáticos. Deve ser
levado em consideração o surgimento de hipertensão arterial pulmonar, fibrilação atrial
e insuficiência tricúspide, pelo potencial de complicações que acarretam, mesmo após
a correção do problema.
Situações clínicas como obesidade, hipertireoidismo, hipotireoidismo e fibrilação
atrial aguda interferem na evolução das valvulopatias, tornando-as sintomáticas.
Entretanto, se forem diagnosticadas e tratadas, pode-se restabelecer o estado
funcional prévio, evitando-se, desnecessariamente, o uso dos procedimentos invasivos.
A insuficiência mitral tem como característica fisiopatológica a sobrecarga de
volume sem aumento da pós-carga. A regurgitação se dá para uma câmara de baixa
pressão com aumento da pré-carga, aumentando a fração de ejeção, quando a função
ventricular for normal. Quando a fração de ejeção cai abaixo de 60%, já é indicativo de
mau prognóstico, embora o paciente possa estar ainda assintomático.
Por isso, os parâmetros de indicação cirúrgica na insuficiência mitral são mais
rigorosos, pois o aparecimento dos sintomas pode significar comprometimento
miocárdico irreversível. Assim, a função ventricular esquerda pré-operatória tem
importância na evolução pós-operatória 28. A classificação de gravidade na insuficiência
mitral tem que ser muito precisa, por isto devemos considerar na avaliação o quadro
clínico e os parâmetros da repercussão da lesão sobre o ventrículo esquerdo.
21
Na insuficiência mitral assintomática (classe I da NYHA), seja leve, moderada ou
grave, se não houver comprometimento dos parâmetros ecocardiográficos indicativos
de intervenção: diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo > 45 mm, diâmetro diastólico
do ventrículo esquerdo > 65 mm, fração de ejeção < 60% ou volume sistólico final <
50ml/m2, o paciente ficará em acompanhamento clínico. Se houver progressão desses
parâmetros, revisar em 3 meses e, se confirmados os achados, deve-se avaliar a
indicação de estudo hemodinâmico e seguir o protocolo com troca valvar ou plastia
cirúrgica.
Nos sintomáticos (classe III e IV da NYHA), a indicação cirúrgica é imediata. Nos
que se apresentam pouco sintomáticos (classe II da NYHA), faz-se a intervenção se os
parâmetros ecocardiográficos estiverem dentro da indicação.
As indicações de intervenção da valva mitral descritas a seguir correspondem às
dos Consensos de Doença Valvar do American College of Cardiology / American Heart
Association (ACC/AHA) 27.
2.14 Consenso Americano de Doença Valvar Cardíaca
O Consenso Americano de Doença Valvar Cardíaca foi publicado em novembro
de 1998, com a pretensão de ser um guia prático do American College of Cardiology/
American Heart Association (ACC/AHA)26,.27.
O ACC/AHA classifica as indicações para procedimentos diagnósticos e
terapêuticos como se segue:
- Classe I: condição na qual há evidência e/ou aceitação geral de que esse
procedimento ou tratamento útil é efetivo.
- Classe II: condição na qual há conflitos nas evidências e/ou divergência de
opinião sobre a utilidade/eficácia de um procedimento ou tratamento.
Classe II a - peso da evidência /opinião a favor da utilidade/eficácia.
Classe II b - utilidade /eficácia menos estabelecida pela evidência/opinião.
- Classe III: condição na qual há evidência e/ou aceitação geral de que esse
procedimento ou tratamento não é útil, e que, em algumas ocasiões, poderia ser
iatrogênico) 26,27.
Insuficiência Mitral Aguda
Na insuficiência mitral aguda severa (IMAS), a sobrecarga aguda de volume
aumenta a pré-carga do ventrículo esquerdo, originando aumento moderado do volume
23
É indispensável obter detalhada história clínica e estabelecer a tolerância de base
ao exercício, para que se compare com a apresentação de sintomas nas próximas
avaliações.
No exame físico, devemos avaliar a localização do impulso apical do ventrículo
esquerdo fora do normal devido a alargamento cardíaco. A ausculta da terceira bulha,
usualmente presente, não indica, necessariamente, falha cardíaca.
A realização de ecocardiograma inicial, incluindo doppler da valva mitral, é
indispensável no manejo da insuficiência mitral, já que ele estima o volume no
ventrículo e no átrio esquerdos, a fração de ejeção do ventrículo esquerdo e a
gravidade da insuficiência mitral. Essas medições são usadas como base para
estabelecer o momento da cirurgia valvar. Igualmente, pode ajudar no diagnóstico da
causa anatômica da insuficiência 25.
Pacientes assintomáticos e com insufici
24
Em muitos casos, a plástica mitral é a operação de eleição quando a valva é
passível de plastia e quando existe experiência cirúrgica suficiente.
A preservação do aparelho valvar mitral determina melhor função ventricular
esquerda pós-operatória e também melhor sobrevida, comparativamente aos pacientes
no qual o aparelho mitral foi removido. Entretanto, a plástica mitral é tecnicamente mais
difícil de realizar do que a troca valvar mitral; requer maior tempo de circulação
extracorpórea e, ocasionalmente, pode falhar29-31. Muitos fatores são úteis na predição
pré-operatória do sucesso na plástica mitral. Essa predição está baseada na
experiência e na técnica cirúrgica empregada pelo cirurgião, dependendo da
localização e do tipo de doença valvar mitral que ocasionou a insuficiência mitral. Não
há consenso sobre qual é a melhor técnica utilizada, mas sabe-se que quanto menor o
número de técnicas utilizadas, melhores são os resultados cirúrgicos.
O aumento progressivo dos diâmetros e o rebaixamento da função ventricular
esquerda devem alertar para necessidade de acompanhamento clínico mais frequente,
enquanto o paciente estiver oligossintomático.
Se houver alguma tendência de os valores se aproximarem dos preditivos de pior
prognóstico cirúrgico, deve ser realizada a correção cirúrgica da insuficiência mitral
crônica, para evitar a deterioração da função ventricular e sua irreversibilidade no pósoperatório, ou seja, antes que se instale disfunção ventricular esquerda.
Quando se pressupõe alta possibilidade de plástica mitral, têm sido propostos
índices ainda mais restritos no ecocardiograma, ou seja, fração de ejeção menor que
0,6 e diâmetro sistólico final maior que 45 mm para indicação do tratamento cirúrgico 23.
Os pacientes que se tornam sintomáticos, sem alcançar ainda classe funcional III/IV, e
que apresentam índices favoráveis de função ventricular, podem ser tratados com
digitálicos e diuréticos. Se apresentarem resolução dos sintomas, seria recomendável
aguardar sua recrudescência ou tendência à deterioração da função ventricular
esquerda para indicar cirurgia, sendo o desencadeamento de franca insuficiência
cardíaca indicação de tratamento cirúrgico. O uso do ecocardiograma intra-operatório
melhora os resultados a longo prazo e a eficiência das cirurgias de plástica mitral 3.
25
2.16 CONSENSO SOBRE CONDUTA NOS PACIENTES COM VALVOPATIA
Esse consenso, realizado e publicado pela Sociedade de Cardiologia do estado
de São Paulo - SOCESP30 em 18 de maio de 1996, teve como objetivo tentar dar
homogeneidade à conduta para o portador de valvopatia e servir como guia prático e
de reflexão para os cirurgiões, mantendo sempre presente que esse assunto deve ser
constantemente discutido e aperfeiçoado.
Pacientes que apresentam valvopatia passam por uma série de modificações e
situações que transformam uma necessidade clínica, que precisa de terapêutica
farmacológica, em necessidade ci1C2r63gido.
26
Entre 1968 e 1978, Dr. Carpentier observou que existiam muitas doenças e
lesões complexas que afetavam a valva mitral, o que dificultava sua análise e a
indicação de plástica valvar
34,35
. A partir desse momento, sugeriu a abordagem
funcional do problema, cujo objetivo seria restaurar a função, deixando de lado as
preocupações em restaurar a anatomia. Segundo este conceito, não bastaria salvar
vidas, mas perceber o contexto no qual se insere o paciente, resgatando-o e
devolvendo-lhe qualidade de vida e, ainda, avaliar o impacto socioeconômico das
ações cirúrgicas. Na abordagem funcional, segundo Carpentier, o cirurgião procura, ao
realizar plástica valvar, mais a restauração da função valvar que a restauração da
anatomia valvar normal. Essa abordagem nos permite simplificar a doença valvar mitral
em duas anomalias funcionais básicas:
−
Anomalia nas quais os movimentos de abertura e fechamento dos folhetos estão
aumentados, como no prolapso de folheto.
−
Anomalia nas quais os movimentos de abertura e fechamento dos folhetos estão
diminuídos, como nos folhetos com movimentação restrita.
A análise é simplificada na abordagem funcional, e classifica o movimento dos
folhetos em:
−
Tipo I: movimento normal dos folhetos.
−
Tipo II: folheto prolapsado.
−
Tipo III: folheto com restrição
ANULOPLASTIA COM ANEL PROTÉTICO
Essa técnica é necessária em quase todas as cirurgias de plastia mitral. Está
baseada na medição precisa do aparelho valvar para restabelecer um orifício com área
e forma adequada.
A seleção do anel está baseada na medição da área do folheto anterior com
medidores específicos.
A implantação do anel é feita com sutura de Ethibond 2-0 passada pelo anel a 1
ou 2 mm, por fora da junção do folheto com o átrio e, depois, pelo anel protético. As
27
suturas são passadas no anel protético, este é abaixado até sua posição, e a valva é
testada, antes de ser suturada, com solução fisiológica injetada dentro da cavidade
ventricular, pela valva, por uma seringa, simulando a contribuição atrial para o
enchimento ventricular4.
RESSECÇÃO QUADRANGULAR
Associa-se à plicatura do anel na área correspondente ao prolapso e sutura
subsequente das bordas livres dos folhetos.
A sutura definitiva é passada ao redor da corda normal adjacente à porção
prolapsada do folheto. Este é, então, incisado perpendicularmente até a borda livre do
anel, para remover uma porção quadrangular de tecido. A continuidade do folheto é
restabelecida por plicatura do anel e sutura 5-0 do folheto, fazendo com que os nós
fiquem na face ventricular31.
ENCURTAMENTO DE CORDAS TENDÍNEAS
É utilizado na maioria das vezes quando temos alongamento das cordas
tendíneas. Esta técnica consiste na invaginação do excesso de comprimento da corda
numa abertura realizada no músculo papilar. A abertura é feita na metade anterior do
topo do músculo papilar. Uma sutura 5-0 é passada pela metade da abertura, depois
ao redor da corda a ser encurtada e, posteriormente, pela outra metade da abertura.
São puxadas as pontas da sutura e, assim, o comprimento adicional da corda fica
dentro do músculo papilar36,37.
TRANSPOSIÇÃO DE CORDAS TENDÍNEAS
Nesta técnica, uma corda forte do folheto mural ou posterior, oposta à porção
prolapsada do folheto anterior, é retirada do folheto mural, usando-se ressecção
triangular na porção do folheto mural. O músculo papilar que dá suporte à corda é
mobilizado e a corda é suturada ao folheto anterior com sutura 5-0
35
.
28
COMISSUROTOMIA
Esta técnica consiste na realização da plastia mitral através da abordagem das
comissuras. Retira-se o excesso de tecido valvar através das bordas (comissura
anterior e posterior) 29.
2.18 COMPLICAÇÕES DA PLASTIA MITRAL
Foram necessárias cerca de três décadas para que se pudesse fazer uma análise
retrospectiva dos resultados da plastia mitral. Isto devido ao avanço da ecocardiografia.
Estes avanços permitiram a observação de duas condições que podem ser
consideradas complicações da plastia mitral. A obstrução dinâmica da via de saída do
ventrículo esquerdo, descrita com o auxílio da ecocardiografia transtorácica pósoperatória em pacientes que não apresentavam cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva.
A segunda complicação é a anemia hemolítica surgida após reparo valvar mitral,
atribuída á fragmentação traumática de eritrócitos que colidem contra materiais
protéticos ou consequentes ao surgimento de jatos paravalvares 32,38,39.
Na obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, há um deslocamento ou
uma movimentação anterior do folheto mitral anterior em relação ou em direção ao
septo interventricular durante a sístole, determinando obstrução na via de saída do
ventrículo esquerdo e possivelmente insuficiência mitral em valvas reparadas33.
A anemia hemolítica é entidade bastante reconhecida quando secundária à
colocação de próteses; entretanto, é relativamente incomum e pouco conhecida
quando secundária ao reparo mitral40. A natureza hemolítica da anemia foi estabelecida
pela persistente anemia grave, ou seja, hemoglobina < 9g/dL, reticulocitose,
desidrogenase lática duas vezes maior que valores normais, haptoglobina < 10 mg/dL
e presença de hemossiderina na urina 41.
A hemólise realizada após a plastia mitral está relacionada com distintos padrões
de distúrbios de fluxo, observados pela ecocardiografia colorida com doppler, mas
independe do grau da regurgitação. Relata ainda que a causa mais frequente de
hemólise é a colisão direta do jato regurgitante
contra superfícies protéticas,
geralmente um anel de anuloplastia. É importante ressaltar que vários padrões de
distúrbio de fluxo foram verificados no doppler colorido em pacientes com hemólise
após plastia, e que em 92% deles não se observaram tais padrões de fluxo, presentes
29
no intra-operatório com ecocardiografia transesofágica pós-circulação extracorpórea,
portanto desenvolvidos precocemente no pós-operatório 42.
2.19 CONTRIBUIÇÃO DA ECOCARDIOGRAFIA PARA PLASTIA MITRAL
A ecocardiografia, além do diagnóstico pré-operatório, permitiu monitorar os
resultados das plastias no transoperatório e fazer o seguimento no pós-operatório. A
disfunção ventricular esquerda ainda é a maior causa de morbidade e mortalidade após
plastia mitral por regurgitação mitral, procedimento este que conserva a integridade
funcional do aparelho valvar mitral. A função ventricular piora após troca valvar
convencional nos casos de pura regurgitação mitral. O estudo ecocardiográfico
demonstrou queda significativa da fração de ejeção e novas anormalidades contráteis
regionais no ventrículo esquerdo imediatamente após troca valvar, mas não observou
tais alterações logo após plastia mitral. A plastia preserva a função ventricular esquerda
global e a regional quando comparada à troca valvar mitral 37.
Fatores clínicos como idade e classe funcional da NYHA permanecem como os
maiores preditores de sobrevida após plastia valvar mitral. A ecocardiografia permitiu
também que se pudesse analisar qual o melhor momento para indicar a plastia mitral
por regurgitação mitral. A correção cirúrgica de pacientes assintomáticos ou
moderadamente sintomáticos permanece controversa 44-46.
CAPÍTULO 3: OBJETIVOS
Objetivo Geral
Analisar os casos de crianças e adolescentes com febre reumática submetidos a
plastia mitral
Objetivos específicos
1- Avaliar os resultados da cirurgia e a evolução dos pacientes
2- Determinar os fatores que poderiam influenciar na necessidade da troca da valva
antes de quatro anos.
30
CAPÍTULO 4: CASUÍSTICA E MÉTODOS
Desenho do estudo
Foi realizado um estudo descritivo, retrospectivo, longitudinal dos pacientes
operados com a técnica de plastia mitral somente de origem reumática no Instituto
Nacional de Cardiologia Laranjeiras, no período de janeiro de 1998 a janeiro de 2003.
Os exames ecocardiográficos para análise da insuficiência mitral foram realizados no
aparelho SONUS e classificada em leve, moderada e grave, de acordo com o jato
regurgitante. As principais técnicas cirúrgicas utilizadas para plastia mitral foram:
colocação de anel mitral, ressecção quadrangular do folheto posterior, encurtamento
das cordoalhas tendíneas, transposição das cordoalhas e comissurotomia. O tempo
mínimo de evolução dos pacientes foi de 4 anos após a plastia mitral.
População
Foram analisados os prontuários de 72 pacientes no período de janeiro de 1998 a
janeiro de 2003. Dentre estes, foram excluídos do estudo outros casos de lesão mitral
que não de origem reumática e os que necessitaram de reparo em outra válvula
associado ao reparo mitral. O total de excluídos foi de 32 pacientes, tendo permanecido
no estudo 40 pacientes com insuficiência mitral de origem reumática que realizaram
somente valvuloplastia mitral.
Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada através de um protocolo preenchido com revisão
de prontuários. (Anexo 1).
Variáveis Estudadas
As variáveis estudadas foram:
−
Gênero;
−
Idade do paciente no momento do surto de febre reumática;
−
Idade do paciente no dia da cirurgia;
31
−
Tempo entre o surto e a cirurgia
−
Quantidade de medicamento utilizado;
−
Tipo de lesão valvar (leve, moderada ou grave).
−
Técnica cirúrgica utilizada;
−
Classe Funcional pré-operatória e pós-operatória segundo o NYHA (New York
Heart Association);
−
Realização de ecocardiograma transesofágico durante o ato cirúrgico;
−
Necessidade de aminas vasoativas no pós-operatório imediato;
−
Necessidade de transfusão de hemoderivados no pós-operatório imediato;
−
Tempo em minutos de Circulação Extra-Corpórea (CEC);
−
Tempo em minutos de anóxia;
−
Tempo de internação hospitalar;
−
Tempo de internação na unidade de pós-operatório infantil (POI);
−
Tempo decorrido entre a cirurgia de plastia mitral e a troca valvar;
−
Óbito.
Análise dos Dados
Os dados foram analisados pelo programa estatístico SPSS 10.0 com descrição
da média com desvio padrão, mediana, valor máximo e valor mínimo.
Questões Éticas
Este trabalho foi previamente aprovado pelo comitê de ética e pesquisa do
Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras, catalogado sob o número 0181/26-2007.
CAPÍTULO 5: RESULTADOS
Vinte e um pacientes (52,5%) eram do sexo feminino e 19 (47,5%) do sexo
masculino. A idade do paciente no surto da febre reumática variou de 3 a 14 anos, com
média de 7,5 anos ± 2,8 anos (mediana de 8 anos). A idade dos pacientes no momento
32
do ato cirúrgico variou de 4 a 17 anos, com média de 11,5 ± 3,8 anos (mediana de 14).
A diferença entre a idade do primeiro surto e a idade da cirurgia variou de 0 a 10 anos,
com média de 4 ± 3 anos (mediana de 3).
Tabela 1 - Características clínicas dos pacientes submetidos a plastia mitral (n=40).
Variáveis
Idade no surto
Idade na cirurgia
Tempo entre surto e cirurgia
Média ± DV
Valor mínimo Valor máximo Mediana
7,5 ± 2,8 anos
3
14
8
11,5 ± 3,8 anos
4
17
14
4 ± 3 anos
0
10
3
Na primeira consulta antes da cirurgia, 30% dos pacientes (n=12) não faziam uso
de qualquer medicamento; 5% (n=2) faziam uso de um medicamento; 5% (n=2) faziam
uso de dois medicamentos; 20% (n=8) faziam uso de três medicamentos e 40% (n=16)
faziam uso de quatro ou mais medicamentos. Entre os medicamentos mais utilizados
estavam furosemida (68,3%), espirolactona (63,4%), captopril (48,8%), hidralazina
(7,3%) e penicilina benzatina (53,7%)
O grau de insuficiência mitral foi analisado através de exame ecocardiográfico no
pré-operatório e classificado como leve, moderado ou grave de acordo com a
regurgitação. A insuficiência mitral era grave em 32 pacientes (80%) e moderada em 8
(20%). Houve análise ecocardiográfica em todos os pacientes também no pósoperatório imediato (antes de 24 h de pós-operatório), exceto em dois, devido ao óbito
no centro cirúrgico e com 24 horas de pós-operatório. No pós-operatório imediato, 20
pacientes (50%) apresentavam regurgitação valvar leve ou não apresentavam lesão
regurgitante, e os outros regurgitação moderada. Houve três óbitos no pós-operatório
imediato, sendo um no centro cirúrgico, outro com 30 horas e outro três dias de pósoperatório.
No exame realizado 24 horas após a cirurgia em 38 pacientes, 18 (47,4%)
apresentavam regurgitação leve, outro tanto, moderada e dois grave. No exame
ecocardiográfico realizado em 37 pacientes com 3 meses de pós-operatório, 19
(51,3%) apresentavam regurgitação valvar leve ou não apresentavam regurgitação e
16 pacientes (43,3%) regurgitação moderada e 2 pacientes (5,4%) com regurgitação
grave. Estes dois pacientes apresentaram novo surto de febre reumática. Comparando
os dados ecocardiográficos no pré-operatório e três meses após, observamos que dos
33
32 (80%) que apresentavam regurgitação grave, apenas dois estavam nesta categoria,
enquanto que 35 (94,6%) ficaram com leve a moderada.
Os dados foram descritos em frequências relativas (percentual), média, mediana,
valor mínimo e máximo, e os grupos foram comparados com o uso do teste quiquadrado, utilizando-se a correção de Fisher quando necessário. Os possíveis fatores
de risco para troca da válvula antes de quatro anos de evolução clínica foram
analisados por regressão logística simples. A significância estatística foi considerada
95%.
Tabela 2 - Comparação de análise ecocardiográfica pré-operatória, pós-operatória imediata e com 3
meses de pós-operatório.
Pré-operatório(n=40)
Pós-operatório(n=38)
3meses pós-operatório(n=37)
Insuficiência leve
0
18 (47,4%)
19 (51,2%)
Insuficiência moderada
8 (20%)
18 (47,4%)
16 (43,4%)
32 (80 %)
2 ( 5,2%)
2 (5,4%)
Insuficiência grave
*Método de Cockran e correção de Fisher
O tempo de internação variou de 4 a 103 dias (mediana de 12) e o tempo médio
de internação no POI foi de 6 ± 9 dias, variando de 1 a 60 dias (mediana de 4). O
tempo de CEC variou de 50 a 220 minutos com média de 120 ± 36 minutos (mediana
de 120) e anóxia de 35 a 170 minutos com média de 93 ± 32 minutos (mediana de 97).
Tabela 3 - Tempo de internação e tempo de cirurgia
Mediana
Valor mínimo
Dias de internação
12
4
103
Dias de POI
4
1
60
120
50
220
97
35
170
Tempo de CEC
Tempo de anóxia
Valor máximo
As principais técnicas cirúrgicas utilizadas foram: colocação de anel mitral (n=28),
ressecção quadrangular do folheto posterior (n=17), encurtamento das cordoalhas
tendíneas (n=23), transposição das cordoalhas (n=5) e comissurotomia (n=11). Onze
pacientes (27,5%) realizaram a cirurgia necessitando de apenas uma técnica cirúrgica,
e 29 pacientes (72,5%) necessitaram duas ou mais técnicas.
34
Tabela 4 - Técnicas cirúrgicas mais utilizadas (n=40).
Técnica
n
Colocação de anel mitral
28
Encurtamento das cordoalhas
23
Ressecção quadrangular
18
Comissurotomia
11
Transposição das cordoalhas
6
Encurtamento das cordoalhas
3
* Em vários pacientes foram usadas mais de uma técnica.
A classe funcional pré-operatória variou (segundo classificação da NYHA - New
York Heart Association) de II a IV. Estavam na classe funcional II 7 pacientes (17,5%)
classe funcional III 17 (42,5%) e classe funcional IV 16 (40%). No acompanhamento no
ambulatório de cardiopediatria após 3 meses de pós-operatório, trinta e sete pacientes
(100%) foram reavaliados e classificados de acordo com a classe funcional, e todos
estes pacientes passaram para CF I (n=28) e II (n=9). Portanto, no pré-operatório, 7
(17,5%) estavam na classe funcional II e 33 (82,5%) na classe III e IV, e três meses
após a cirurgia, os 37 casos (100%) estavam nas classes I e II. Aplicando o método
estatístico de Cockran correção de Fisher a diferença foi significativa (p<0001). Tabela
5.
Tabela 5 – Variação da classe funcional pré (n=40) e pós-operatória (n=37) de acordo com NYHA
Avaliação da Classe
funcional
Classe funcional 1 e II
Classe funcional III e IV
Pré-operatório
Pós-operatório
N =40
N=37
37 (100%)
0
7 (17,5%)
33 (82,5 %)
X2
*
54,340
P valor
P<0,001
* Método de Cockran correção de Fisher
Vinte e oito pacientes (70%) realizaram ecocardiograma transesofágico durante a
cirurgia, e 12 (30%) não realizaram. O uso de hemoderivados foi utilizado em 50%
(n=20). As aminas vasoativas foram necessárias em 26 (65%), troca valvar foi
necessária em 8 pacientes dos 37 sobreviventes (21,6%) sendo que em 7 (18,9%)
menos de 4 anos de plastia mitral. O acompanhamento foi analisado através de dados
da última consulta do paciente e 34 (92%) tinham ido à consulta há menos de um ano e
três há mais de dois anos.
35
Tabela 6 - Possíveis fatores de risco para cirurgia de troca valvar antes de 4 anos de plastia mitral (n=7).
Variável analisada
OR*
IC 95%
p
Classe funcional**
2,61
0,25 – 24,38
0,397
Drogas***
1,08
0,25 – 4,63
0,914
Perfusão∞
1,16
0,20 – 6,80
0,864
Cirurgia▪
2,44
0,56 – 10,55
0,231
Anóxia∞
2,18
0,47 – 10,05
0,314
Aminas◊
1,47
0,32 – 6,83
0,620
OR, odds-ratios; IC95%, intervalo de confiança 95%.
* Odds-ratios ajustados para gênero, idade, classe funcional, drogas, tempo de perfusão, cirurgia, tempo
de anóxia, uso de aminas vasoativas
** Classe funcional de insuficiência cardíaca de acordo com a New York Heart Association
*** Quantidade de drogas utilizadas por paciente no momento da cirurgia
∞ Tempo em minutos
▪ Quantidade de técnicas cirúrgicas utilizadas pelo cirurgião
◊ Quantidade de pacientes que utilizavam aminas vasoativas
Foram analisados quais os possíveis fatores poderiam ter interferência nos
pacientes que realizaram a troca valvar mitral após a plastia e os fatores que poderiam
ter interferido na troca antes dos 4 anos de evolução da plastia mitral. Foi avaliada a
classe funcional pré-operatória, quantidade de drogas utilizadas por paciente no
momento da cirurgia, tempo de perfusão e anóxia, número de técnica cirúrgica utilizada
e a necessidade de aminas vasoativas no pós-operatório imediato. Em todos os itens
analisados, nenhum deles houve significância estatística.
CAPÍLULO 6: DISCUSSÃO
A plástica da valva mitral está universalmente aceita como técnica superior à
substituição valvar, especialmente em crianças nas quais substituição valvar é seguida
de grande número de reoperações e principalmente para se evitar o uso de anticoagulante, controle laboratorial frequente e retroca valvar pelo crescimento do
paciente. A superioridade da plástica sobre a substituição valvar também é evidenciada
na morbi-mortalidade, com sobrevida maior e melhor desempenho da função
ventricular e menor número de reoperações
47.48.49.50
. Há evidências de que a
reconstrução valvar, ainda que não totalmente perfeita, seja melhor que a substituição
36
valvar47. Na febre reumática, a reconstrução valvar é tecnicamente mais difícil, e os
resultados a médio e longo prazo podem ter interferência de novos surtos de febre
reumática
48,49,50,51
. Além disto, os resultados da eficácia da plastia mitral também
dependem do estado da valva no momento da reconstrução, ou seja, quanto maior for
o seu acometimento, maior o número de técnicas utilizadas, piores serão os resultados.
Desde os estudos iniciais de Lillehei
33
até outros mais recentes, sabemos que as
paredes do ventrículo esquerdo, os músculos papilares, as cordas tendíneas, os
folhetos e o anel mitral desempenham papel importante na fisiologia da contração
ventricular esquerda, e que há um prejuízo significativo da função ventricular, quando
da retirada de partes desses elementos, como ocorre nas substituições valvares 29,35 .
O tempo de circulação extracorpórea e de anóxia são maiores nas cirurgias de
plastia valvar mitral do que nas cirurgias de troca valvar. Apesar do maior tempo
cirúrgico, a mortalidade é bem menor nas cirurgias de plastia mitral23.
Uma das maiores experiências pessoais em procedimentos conservadores na
valva mitral é de Carpentier, que relatou 1421 pacientes com insuficiência mitral. As
técnicas utilizadas nessa série foram ressecções parciais, encurtamento ou
transposição de cordoalhas, reinserção de papilares e anuloplastia com anel rígido
34
.
Em nossos casos, foram utilizados: colocação do anel mitral, ressecção quadrangular,
encurtamento das cordoalhas, comissurotomia e transposição das cordoalhas.
Os trabalhos iniciais apresentavam técnicas que tinham como objetivo apenas o
tratamento do anel valvar
1969
34
35
. A partir das técnicas propostas por Carpentier et al em
, e com uma melhor compreensão da importância de todo o aparelho valvar na
função ventricular, vários procedimentos foram apresentados para atuação tanto no
anel mitral como nos outros componentes da valva 50-54. Em nossos casos, em todas as
técnicas utilizadas, foi preservado todo o aparelho valvar mitral, como propõe
Carpentier, para obter melhores resultados.
Na regurgitação valvar mitral, o tratamento cirúrgico tem sido prorrogado até o
surgimento de algum grau de disfunção ventricular ou desenvolvimento de sintomas
significantes. Grande parte da literatura defende que a plastia mitral deve ser indicada
precocemente com base na gravidade da regurgitação e grau de comprometimento
valvar que possibilite o tratamento conservador, apesar da escassez ou ausência de
sintomas. Destes casos, 32 (80%) dos pacientes foram operados numa fase avançada
de comprometimento valvar, daí o grande número de doentes em classe funcional IV.
Este fato é devido à dificuldade do acompanhamento clínico dos pacientes em nosso
meio, uma vez que muitos já possuem importante grau de disfunção valvar no
37
momento do diagnóstico. Houve melhora da regurgitação em praticamente metade dos
pacientes.
A reconstrução valvar exige do cirurgião um perfeito conhecimento da anatomia e
da multiplicidade de técnicas existentes. Além disso, é importante a excelente
visibilização da valva, especialmente do plano subvalvar, na tentativa de se conseguir
uma boa avaliação das cordas tendíneas e musculatura papilar. Caso necessário,
procede-se ao encurtamento destas estruturas, na tentativa de uma boa coaptação das
cúspides. Em crianças, é preferível realizar o encurtamento do músculo papilar através
da ressecção em cunha transversal, possibilitando um encurtamento mais homogêneo
das cordas tendíneas. Além desta técnica, utilizou-se a colocação do anel mitral, a
ressecção quadrangular, a comissurotomia e a transposição das cordoalhas. Em nossa
amostra, houve melhora da regurgitação em praticamente metade dos casos.
O cirurgião sabe que durante o ato cirúrgico ele pode necessitar usar outras
técnicas além daquelas programadas. Frequentemente há necessidade de usar mais
de uma técnica em um mesmo paciente. A anuloplastia foi realizada em todos os
pacientes dessa série, porém somente em alguns deles foi utilizada como
procedimento único, mostrando que na grande maioria dos casos (80%) foi necessária
a associação com outras técnicas. Como relata Murad et al, foi necessário a utilização
de mais de duas técnicas em 59,3% das cirurgias realizadas em seu serviço 48.
A dilatação do anel mitral ocorre em quase todos os pacientes com insuficiência
mitral. O implante do anel oferece maior estabilidade na valvuloplastia mitral, impedindo
futuras dilatações da cúspide posterior como sugere Carpentier 34, é importante sempre
tentar remodelar a válvula com a plastia valvar mitral pelos melhores resultados a longo
prazo. Deloche et al
4
demonstrou excelente durabilidade da valvuloplastia mitral
usando a técnica de Carpentier, com somente 6,2% dos pacientes necessitando de
troca valvar mitral. Na amostra do presente trabalho, 20% necessitaram realizar a troca
valvar mitral precocemente, número considerado elevado comparando com a maioria
dos autores55-62. A regurgitação mitral pode ser secundária a múltiplas lesões nas
comissuras, nos folhetos e no aparelho subvalvar, observando-se em todos os
pacientes dilatação do anel mitral. Isso se deve ao afastamento da sua porção
posterior, já que a porção anterior está limitada pelos trígonos fibrosos direito e
esquerdo do coração.
Segundo mostra a literatura
56,58
a plástica é considerada uma boa opção, devido
à possibilidade de preservar as cúspides nativas da valva e o aparelho subvalvar,
38
mantendo a geometria ventricular esquerda e evitando o implante de próteses e suas
complicações, como foi realizado pela equipe cirúrgica neste presente trabalho.
A troca valvar mitral não é a melhor opção para as crianças, pois a mortalidade é
bem maior quando comparada com o adulto.
Como neste trabalho a faixa etária cirúrgica variou de 4 a 17 anos, foi realizado
como primeira escolha a plastia valvar mitral. Os problemas a longo prazo com
anticoagulante, tromboembolismo, sangramento, rápida degeneração da prótese na
população jovem, o maior risco de endocardite e a menor preservação da função
ventricular, fazem com que a plastia valvar mitral seja significativamente superior à
troca da valva mitral 58.
A mortalidade hospitalar no presente trabalho foi de 7,5% e, segundo mostra a
literatura médica revisada, oscila entre 2 e 17%
60,63
. Carpentier et al relataram
experiência com plastia após 10 anos, mostrando mortalidade hospitalar de 4,2% em
adultos e crianças
34
. Os três pacientes que faleceram neste estudo se encontravam
em Classe Funcional IV, e dois destes se encontravam em fase aguda da doença.
Conforme mostra a literatura
62-64
, a mortalidade cirúrgica é maior na fase aguda
da febre reumática, sendo a operação indicada nos pacientes com severa disfunção
valvar cujo tratamento clínico torna-se ineficaz. Mesmo nestes pacientes, a plástica
apresenta melhores resultados do que a substituição valvar, pois preserva todo o
aparelho subvalvar, o que deve resultar em melhor função ventricular no pósoperatório. Dos casos de óbito, dois pacientes por choque cardiogênico (um no centro
cirúrgico e outro com três dias de pós-operatório) e um caso por distúrbio da
coagulação com 24 horas de pós-operatório.
As maiores causas de falência da valvuloplastia mitral reumática são indicações
errôneas, o emprego de técnica inadequada e a progressão da doença valvar
reumática
63
. Pacientes com doença valvar reumática têm tido alta incidência de
reoperação, como demonstra Deloche et al 4.
O índice de reoperação com indicação para troca valvar (20%) foi de acordo com
o que mostra a literatura 62,63.
Parâmetros como fração de ejeção, diâmetro atrial esquerdo, disfunção
ventricular e presença de fibrilação atrial não puderam ser avaliados neste estudo
devido à falta de dados no prontuário dos pacientes estudados.
O uso de ecocardiograma transesofágico está estabelecido como método mais
adequado para avaliar os resultados imediatos da plastia, auxiliando até para
necessidade de troca valvar nos casos de falha da plastia mitral ou de elevada
39
insuficiência residual60. Na presente amostra, a maioria dos pacientes (68,3%)
utilizaram durante o procedimento cirúrgico o ecocardiograma transesofágico, tendo
grande importância na evolução destes.
Murad et al
48
, relatou o uso de ecocardiograma transesofágico na sua amostra
em apenas 4% de suas cirurgias, significativamente inferior aos realizados em nossa
amostra.
Uma importante vantagem da plastia mitral é a baixa trombogenicidade da valva
reparada, que elimina a necessidade de terapia com anticoagulante. O relato de
ausência de tromboembolismo depois de plástica mitral varia de 87 a 99% depois de
cinco anos36.
As manifestações embólicas são em sua maioria eventos cérebro-vasculares. A
preservação do aparelho subvalvar, do anel mitral, de partes dos folhetos e músculos
papilares, determinam a melhor preservação da função ventricular.
A plastia mitral eficaz caracteriza-se por durabilidade de longo prazo, com baixas
taxas de reoperações e de troca valvar.
Conclusões
Concluímos que 33 pacientes (82,5%) encontravam-se em classe funcional III ou
IV no pré-operatório, e que todos os pacientes no pós-operatório passaram para classe
funcional I ou II (p<00,1). Quando comparamos o grau de regurgitação mitral pelo
ecocardiograma no pré-operatório e após três meses, em 35 (94,6%) não havia mais
regurgitação valvar ou era leve, em apenas dois pacientes (5,4%) era grave (p<0,01). A
maioria dos casos teve evolução favorável e não necessitaram de cirurgia de troca
durante a evolução. Apenas 7 pacientes (19%) necessitaram troca valvar antes dos 4
anos de evolução.
De todos os possíveis fatores analisados que poderiam ter interferência no tempo
de troca valvar após a plastia valvar mitral, em nenhum deles foi encontrado
significância estatística.
40
CAPÍTULO 7: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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