a pena de morte e a redução da maioridade penal

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A PENA DE MORTE E A REDUÇÃO
DA MAIORIDADE PENAL
1
MARCO FALCÃO CRITSINELIS
Juiz Federal Titular do 3º Juizado Especial
Federal/RJ. Professor. Especialista em Políticas
Públicas e de Governo pela Escola de Políticas
Públicas/ UFRJ. Especialista em Integração
Econômica da União Européia e Mercosul, pela
Escola de Magistratura Federal – EMARF,
UNIVERSO e Faculdade de Coimbra, Portugal.
Diplomado pela Lewis & Clarck College – USA, em
Direito Ambiental. Diplomado pela Academia de
Polícia do Estado de Nova York – USA, em Justiça
Criminal. Diplomado pelo National Center for State
Courts – USA, em Sistema Judicial Americano.
A PENA DE MORTE E A REDUÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL
Rio de Janeiro
2009
2
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em particular, à AJUFERSES que se dispôs a publicar
este estudo em sua página na internet(www.ajuferjes.org.br), na
pessoa de seu Execelentíssimo Presidente, o Juiz Federal Fabrício
Fernandes de Castro.
3
NOTA DO AUTOR
A origem deste estudo teve como meta concorrer para os
debates sobre os temas da pena de morte e a redução da
maioridade penal e oferecer à sociedade, parlamentares, cientistas
políticos e juristas, modesta contribuição no intuito de mitigar o
problema da segurança pública.
As idéias esposadas neste estudo resumem, com as
atualizações e adaptações que se tornaram necessárias, nossa
opinião sobre o sistema punitivo nacional e as penas alternativas
lançadas no livro “O Poder Judiciário Municipal e a Aplicação
Social da Pena”, em co-autoria com o Desembargador Federal
aposentado, Ney Moreira da Fonseca, lançado pela Forense, em
meados de 1997.
O tema retorna às páginas dos jornais, junto com outros
temas de relevância nacional que estão sendo discutidos na
sociedade, principalmente após dois crimes bárbaros envolvendo
crianças(no interior de São Paulo, bandidos atearam fogo em um
carro e, no Rio de Janeiro, após um roubo a um carro, um menino
foi arrastado por quilômetros preso, do lado de fora da porta, ao
cinto de segurança).
Diante disso, não poderíamos deixar de tecer algumas
posições acerca de situações que circundam o combate à violência
e à criminalidade, com a reabertura de debates sobre PECs –
projetos de Emenda Constitucional, em especial, aqueles que
tratam da redução da imputabilidade penal.
No estudo passamos, como consequência, a abordar as
correntes políticas e doutrinárias que vêm acompanhando esse
processo de discussão sobre a pena de morte e a redução da
maioridade penal, a cada vez que crimes de relevância nacional
ocorrem. Não é a primeira vez que esses assuntos provocam
4
polêmica. O que devemos estar atentos é em relação à urgência
com que são votados pelo Legislativo, açodadamente, como se o
Estado fizesse, por sua autoridade própria, a vingança de cada
ocorrência policial, em nome de uma soberania popular.
Não nos parece caminho mais aconselhável o
movimento anticriminalidade, capitaneado pela corrente que
imprime batalha na adoção, pelo conjunto sistêmico penal, da
redução da imputabilidade penal para os dezesseis anos, e até
menos, ao revés dos dezoito anos hoje predominante, ou mesmo a
idéia lançada pelo atual governador do Estado do Rio de Janeiro,
acerca da emaencipação judicial penal do infrator menor de idade,
pois o sistema prisional dos adultos, onde o menor emancipado
será albergado, não comporta fisicamente esse criminoso e o
sistema putinitivo não atende aos requisitos para a sua filosofia
político-penal de ressocializar.
Por isso, o Brasil será mais uma vez criticado por
violações a direitos humanos dos adultos e, também, dos menores
infratores. Essa é a idéia do político mencionado, sob a rubrica
“RESPOSTA À BARBÁRIE”( Jornal “O Globo”, 13 de fevereiro de
2007, página 11).
5
6
Acreditamos que reformas setoriais e de urgência,
açodadas, por eventos sociais graves, não sejam potencialmente
hábeis a dar cabo da insatisfação da cidadania brasileira com o
problema punitivo, pois, em meio à discussão sobre repressão
maior, quer aumentando penas, quer reduzindo a idade da
responsabilidade penal, quer adotando-se a pena de morte, o país
não tem estrutura prisional para abrigar presos maiores ou internar
menores infratores.
A proporção de criminosos, adultos ou menores
segundo a legislação penal, está se equiparando. Se a situação
prisional dos adultos já é caótica há muito tempo, uma das piores
do mundo, por óbvio que o ingresso de novos membros no
sistema, por força da redução da maioridade penal, incentivará o
Judiciário a proferir mais decisões contrárias ao movimento de
recrudescimento, pois, de outra forma, o sistema explodirá em
termos populacionais.
Para tanto, trazemos à colação os seguintes dados
sobre os infratores menores:
7
8
No quadro abaixo, como já tivemos oportunidade de
salientar por diversas vezes, o deficit de vagas nas unidades já é
grande e evidente tende a crescer. Vamos aos dados.
9
10
Várias
propostas,
nesta
ocasião,
tramitam
no
Congresso Nacional. A maioria delas setoriais e dirigidas ao
procedimento processual penal, com exceção da redução da idade
para a responsabilidade penal, que é constitucional, como se
verifica do informativo abaixo:
11
Caminho democrático perigoso está sendo trilhado pelo
nosso país. Ao lado das discussões sobre os pacotes de segurança
pública, corre a idéia da realização de plebiscito para que a
sociedade brasileira decida sobre a redução da maioridade penal.
É claro que o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de
leis são instrumentos consolidados para que o povo exerça seu
próprio
governo,
uniformizando
condutas
sociais
para
a
convivência pacífica. A divina vontade da maioria.
Entretanto, nem todas as matérias devem ser decididas pelo
povo. Existem situações sociais em que somente o Estado, como
instituto criado pela humanidade, deve deliberar. O Estado se
justifica por isso, evitando que os governados venham a tomar
decisões influenciados por inúmeros fatores e, também, pelo
desconhecimento de tantos outros. Aliás, sobre esses assuntos
monopolizados pelo Estado, nem os governantes têm o poder
decisório que eles imaginam ter.
O Estado tem a ciência de que as decisões dos governantes
são provisórias, porque transitório o poder que eles exercem. As
errôneas decisões, apesar dos estragos que normalmente fazem, são
passíveis de correção pelo tempo. Mas o Estado também sabe que
uma decisão, fruto da deliberação popular, tem outro peso e maior
dificuldade de reversão, por mais grotesca que seja, com malefícios
duradouros e profundos.
Por isso, governantes e governados colocam sob a proteção
do Estado as denominadas cláusulas pétreas, aquelas normas de
viver imunes ao poder dos homens de um dado tempo, de uma
sociedade específica e de um determinado local.
Quando os governantes tentam empurrar para a sociedade a
decisão sobre a redução da maioridade penal para a punição dos
menores dois alertas soam: o primeiro, se livram da culpa dos
insucessos da nova regra, pois sabem, de antemão, que o sistema
carcerário esgotou suas potencialidades de punir e de ressocializar
12
tanto adultos, como também os menores deliquentes; segundo,
porque a ideologia da punição de menores confere mais poder de
dominação aos governantes, como instrumentos de salvação social,
apagando todas as lembranças nefastas dos nossos escândalos
diários
de
pequenas
falsidades
às
grandes
improbidades
administrativas.
É o medo social que se transforma em mito, que se
transforma em ideologia de salvação, que se transforma em poder,
em um processo natural e legítimo, sem assustar, nem oprimir,
como se fosse uma crença de que o serviço prestado pelos
dominadores fosse resultado de uma troca em que os benefícios são
distribuídos equanimemente entre todos.
Esse é o processo de manipular o poder.
Diante das inúmeras omissões do Estado, conceder ao povo o
poder de participar da decisão que acaba supostamente com o
crime, favorece o mito de que os dominados experimentam um
alento inconsciente contra a exclusão a que estão submetidos,
imaginando tomar parte no combate dos poderosos à violência e
aos violentos e partilhando, como os governantes e dominantes, da
crença na necessidade de um castigo exemplar, difundindo a
adesão à ideologia social de que sem o exemplo da punição não
existirá respeito e obediência às leis, às regras, aos costumes. A
aprovação é certa, dizem os sociólogos.
Essa é a prova dos nove que garante o resultado para uma
governabilidade perene e vitalícia, pois ninguém abre mão do poder
político, exceto para obter mais poder, mesmo que seja, apenas,
para ser reconhecido como o autor da emenda constitucional que se
propõe a reduzir a maioridade penal.
Resumidamente, sem prescindir de nossas posições,
apresentamos, para conhecimento, vários entendimentos de
aderência às propostas de reforma penal e, também, contrários a
ela, na forma em que está sendo veiculada pela mídia. Na verdade,
13
para se discutir a punição é necessário passar pela análise de vários
outros problemas umbilicalmente a ela ligados, como a segurança
pública, violência, desemprego, sistema prisional, competências
federativas, bem como, as formas alternativas de punição.
Esperamos contribuir, por interesse social e por interesse
próprio, pois, como cidadão carioca, quero paz e meu direito civil
de ir e vir.
M.F.C.
14
I - NOTAS PRELIMINARES
SUMÁRIO DOS TEMAS ABORDADOS NESTE CAPÍTULO.
1 Considerações sobre a pena. 2 As doutrinas de sua
justificação. 3 A natureza da pena. 4 A pena moral e a pena
criminal. 5 As penas e as medidas de segurança. 6 A falência
do sistema punitivo.
O sistema punitivo estatal tem como cerne três fatores
indissociáveis para a explicação do fundamento da pena como
delegação social ao Estado para atuar como instrumento de
proteção de relevantes bens e interesses: a retribuição, a prevenção
e a ressocialização.
Dos
compêndios
criminais
que
analisam
cientificamente a evolução histórica do instituto da pena, podemos
fazer remissão às doutrinas absoluta, relativas e unitárias, que
testificam precedentemente a tônica do confinamento prisional
incidente sobre o escarmento.
A pena, para a absoluta, que tinha como seguidores
Kant e Hegel, é a conseqüente exigência de justiça e como
imperativo categórico do malefício perpetrado à sociedade como
retribuição eqüitativa. Em suma, tem como fulcro a pena de talião
“olho por olho, dente por dente”1, na milenar codificação de
Hammurabi (Código de Hammurabi, nº. 40, § 196 “Se um awilum
destruiu o olho de um (outro) awilum: destruirão o seu olho.”; e
nº. 70, § 200: “Se um awilum arrancou o dente de um awilum
igual a ele: arrancarão o seu dente.”2
1
2
cf. Tb. Êx. 21, 23 e 25; LEV 24, 19-20; DT 19, 21.
E. Bouzon, na obra de referência bibliográfica, 1ª ed., RJ: Editora Vozes, 1976, p. 87.
15
O crime, sendo a negação do direito posto, deve ser
anulado pela pena para a própria negação do crime e, per viam
consequentiae, o restabelecimento da ordem jurídica violada.
Kant, em sua obra “Metaphysila der Sitten”,
radicalizava que quantos cometeram um assassinato, ou o
mandaram, ou com eles cooperaram, todos devem ser punidos
com a morte; assim o exige a justiça como idéia que regula o
poder judiciário segundo as leis universais a priori.
Essa corrente doutrinária extremista, teve como
precursora a filosofia aristotélica, que admitia o talião, entretanto,
pela proporcionalidade e não pela igualdade para validar, como
fator referencial, a punição: “O que mantém unidos os homens é o
Talião, baseado, não na igualdade, senão na proporção do
castigo à falta.” 1
A doutrina relativa, entende que a pena, como
necessidade inafastável de controle social, não é um fim em si
mesma, sendo possuidora de caráter preventivo, tanto no aspecto
geral - a intimação de possíveis infratores, e também no aspecto
especial circunscrito ao mundo individual do transgressor: a
inocuização, nos dizeres do saudoso professor Heleno Cláudio
Fragoso.
A teoria unitária pugna, por outro lado, pela soma das
diretrizes defendidas nas duas anteriores doutrinas, tendo a
punição caracteres retributivos e preventivos.
Durkhein e Foucault lançaram a tese da “função do
1
Ética a Nicômaco e Magna Ética.
16
crime e do criminoso na manutenção da ordem social”. Para o
primeiro, “o crime deve deixar de ser concebido como um mal que
nunca é demais limitar; pelo contrário, em vez de felicitarmos
quando desce demasiado em relação ao nível habitual, podemos
estar certos de que este progresso aparente é ao mesmo tempo
enunciador e corolário de qualquer perturbação social.
Classificar crime como um fenômeno da sociologia normal... é
afirmar que é um fator de saúde pública, que é parte integrante de
qualquer sociedade sã.”1
Nesse mesmo texto, ele afirma que odeia o crime
enquanto tal, mas que é preciso renunciar ao hábito que consiste
em avaliar uma instituição, uma prática, uma máxima social ou
moral, como se fossem boas ou más por natureza e em si próprias,
indistintamente para todos os tipos sociais.
As ponderações começam a constituir-se plenamente
de sentido quando o autor define o crime como sendo um ato que
ofende sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma
clareza particulares. Não é o crime, é a cólera pública, despertada
por este, que reforça a vivacidade de sentimentos coletivos,
mantendo intacta a coesão social. O crime, desta forma, desperta a
noção de coletividade, de unanimidade. Desta forma a utilidade do
crime somente se completa na relação crime - pena.
Qual seria, então, para o filósofo a função da pena?
“Ela não serve, ou serve muito secundariamente para corrigir o
culpado ou para intimidar os seus imitadores possíveis(...)A sua
verdadeira função está em manter intacta a coesão social,
mantendo toda sua vitalidade à consciência comum(...) Pode-se,
1
Emile-David Durkhein, em “As Regras do Método Sociológico”, série “Os Pensadores”, São Paulo:
1983, ed. Civita, p. 122.
17
portanto, dizer sem paradoxo, que o castigo está sobretudo
destinado a atuar sobre as pessoas honestas.” 1
Foucault, coincidindo com o diagnóstico de Durkhein,
finaliza que “Deveríamos então supor que a prisão, e de uma
forma geral, sem dúvida, os castigos, não se destinam a suprimir
as infrações; mas antes a distingui-las, a distribuí-las, a utilizálas; que visam não tanto tornar dóceis os que estão prontos a
transgredir as leis, mas que tendem a organizar a transgressão às
leis numa tática geral das sujeições.”2
Assim, a utilidade do crime completa-se na relação
crime/pena. Também neste caso vemos que a pena dirige-se
principalmente aos homens honestos(não aos que estão prontos
para transgredir as leis), visando uma tática geral das sujeições,
que, em definitiva, garantiria a coesão social.3
Hodiernamente, resulta de um exame aprofundado das
legislações penais, dos estudos filosóficos e da realidade
penitenciária que a pena é retribuição, cuja justiça ou injustiça fica
subjetivamente ligada ao momento político da edição e
manutenção da norma sancionadora. “Com efeito, toda pena, pela
sua própria natureza, seja qual for a sua espécie (privativa de
liberdade, flagelação, morte, multa, suspensão ou restrição de
direitos, prestação de serviços à comunidade) encerra um
conteúdo, que se constitui, fundamentalmente, dum substrato
constituído de vários elementos, conforme o caso, a saber:
1
Durkhein, ob. cit. na referência bibliográfica, p. 128/129.
2
Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”, 9ª ed., Petrópolis: 1984, ed, Vozes, p. 240.
3
Flávia Inês Scilling, mestre da faculdade de Educação Unicamp/SP e doutoranda do Depto.
Sociologia/FFLCH/USP, trazido no articulado “Sobre Homens e Crimes: Construindo um Diálogo tenso entre
Marx, Durkhein e Foucault”, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 13, pp. 278/285.
18
retribuição,
castigo,
corretivo,
expiação,
intimidação,
reeducação, prevenção, reprovação.”1
Com feito, necessariamente para o condenado, a pena
é sempre injusta e para a sociedade pode variar em razão de
classes sociais, culturais, raciais etc. A sua justeza, porém, cede à
inconcusa tese de sua necessidade inqüestionável.
A propósito, “o direito repressivo é injusto na sua
raiz. Descabe, mesmo imaginar que as medidas tendentes a
diminuir o encarceramento das pessoas represente uma atitute
humanitária e piedosa por parte da sociedade: os verdadeiros
motivos que os leva a adotá-los são egoístas e interesseiros, ainda
que apresentados através de racionalizações generosas.”2
A prevenção da pena é ínsita a sua própria existência e
à realidade humana, já que encarnada na coexistência entre os
homens desde priscas eras - Homo Homini Inpus.
Com a violação de algum bem ou interesse natural de
um homem ou de uma instituição, haverá a possibilidade latente
de ela sofrer repulsa. Este sentimento sempre será geral e, também,
individualizado.
Esta resistência é a relação de causa e efeito oriunda
do ato agressivo violador de um bem natural ou jurídico do
homem. De efeito, a agressão tem como pena in natura a
resistência. “A resistência se opõe como um contraponto, uma
reação, à violência empregada. Tanto o é que os antigos já
1
Manzini, apud Orlando Soares, in “Fundamentos da Pena de Morte”, publicado na Revista Forense,
volume nº 333/106.
2
Andrew T. Exull, “Decarcertions Prentice”. Hail Inc., New Jersey, 1977.
19
anotavam: ‘Violentia non dicitur ubi non intervenit resistentia’
(não há violência onde não esteja presente a resistência). A
violência provoca, devido à coerção que exerce, um estado de
incapacidade de querer, não se podendo em regra, falar-se em
capacidade para resistir. Nesse estado de coerção se constata a
ausência de consciência.”1
Em arremate, continuou o escritor e jurista, “a
agressão segundo René Spitz, é o desenvolvimento do indivíduo e
de seu mecanismo psíquico, bem como a demonstração de que sua
capacidade seria impossível sem a agressão. A agressão se
apresenta sob as mais variadas formulações: por medo,
depredadora, por rivalidades, por inveja e vaidade, por ciúme,
instrumental. Tem-se, destarte, que agressividade se é um meio de
conservação da espécie, principalmente quando representa uma
reação a uma agressão sofrida, por outro lado, a agressividade
não tem só uma composição de origem biológica. A agressividade
é, muitas vezes, um procedimento hostil contra alguém ou alguma
coisa. Mas, mesmo assim, a agressividade tem origem em causas
biológicas e sócio-culturais, pois é uma componente do modo de
agir do ser humano.”2
Assim, a pena não é uma criação jurídica. A pena
criminal o é. Por isso, punição não tem a sua existência restrita ao
momento de sua regulação pelo Estado, razão pela qual não pode
ser revista por estudos centralizados somente no aspecto jurígeno
da penalogia.
A pena retrata um anseio social delegado ao Estado
1
Valdir Sznick, CD ROOM - Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, ano 1996: Editora
Juridi Vellenich Ltda., SP, 1ª ed.
2
Idem, ibidem.
20
para que, ante o seu poder intervencionista, seja aplicada. A pena é
a subjugação do homem ao homem, cônscio de sua natureza. É,
como dispõe, cum laude, a Exposição de Motivos do Projeto
Alternativo Alemão, de 1966, a amarga necessidade de uma
sociedade de seres imperfeitos.
Dessa forma, a pena, tal qual outros sentimentos
experimentados pelo homem, como o amor, a solidariedade, a
felicidade, a democracia, desenvolve-se naturalmente na espécie
humana com o sentido retributivo e preventivo, pois como se
anotou linhas atrás, ela é um consectário do estado patológico
inato do homem: a agressividade. “As razões de agressividade são
tão antigas, entrelaçadas, que se assemelham à própria história
da humanidade, que, em muitas passagens, mais se assemelha a
um elenco onde estão presentes a guerra, ódio, e lutas internas.
Criminologia. O homem - no dizer de Voltaire- assume a violência
quando assume a vida. O que isto significa ? Simplesmente que a
violência é uma característica inata ao ser humano. A violência e
a criminalidade têm correlação direta entre si a ponto de, em uma
imagem, poder ser consideradas frutos de uma mesma árvore: a
luta pela vida, pela sobrevivência, pelo pão nosso de cada dia. A
violência é tão antiga como o próprio homem. Não é preciso ir
muito longe, pois a Bíblia, em seu primeiro livro ‘O Gêneses’ nos
apresenta várias passagens onde está presente a violência. Assim,
tomando a Bíblia como referência, para encontrarmos exemplos.
Fiquemos, para não alongar, com dois deles, bastante
significativos: a figura do Anjo, com a espada na mão ( a imagem
que os pintores nos legaram), que após o pecado de Adão e Eva não se sabe bem qual foi, mas é certo que a soberba fazia parte expulsa os nossos pais do Paraíso. Não é isso um gesto de
violência ? Verdade que pode ser considerada como uma
violência justa: uma reação a uma ação, no caso uma ofensa a
21
Deus. E o outro também nos causa assombro: o fratricídio de
Abel, vitimado por Caim, logo nos primeiros albores da História
da Humanidade, não denota, com clareza, a violência e a
agressividade com que é dotado o ser humano, por si só, sem
necessidade de contacto com outras pessoas, sem influência de
terceiros.”1
Por seu turno, para a atual ordem jurídico-social
implantada pelo sistema punitivo estatal, um novo sentido foi
acoplada às facetas da retribuição e da prevenção, justificando a
existência de um outro anseio social: a necessidade de
ressocializar um par, possibilitando-lhe o retorno ao convívio do
seio da sociedade, porque ela simplesmente também dele
necessita, pelos mesmos motivos que justificaram o contrato social
que substitui o estágio do homem em beligerância da selvageria
pré-histórica.
A
recuperação,
regeneração,
readaptação
ou
a
reeducação, não importa a denominação, é meta a ser praticada
pela pena concomitantemente com o seu caráter puntivo e
preventico para tornar um criminoso em não-criminoso. Assim,
punição e tratamento devem ser vistos como extremos de uma
série contínua, com variações intermediárias, as diversas partes a
se imbricarem harmoniosamente, sem fraturas.2
De efeito, há aqui um divisor de águas. A pena como
punição vista pela norma ética e moral da sociedade e a pena
tratada pela ordem jurídica, como “sanção prevista em todos os
ramos do Direito, para quem infringe os seus mandamentos ou
1
Valdir Sznick, obra citada na referência bibliográfica.
2
David Dressler, “Readines in Criminology and Penology”, Columbia un. Press, 2ª ed., p. 55 - apud
Augusto Thompson, obra cit. na referência bibliográfica, p. 4.
22
proibições, sob as mais diversas formas - prisão, multa etc.”1
A
importância
desta
separação
consiste,
primordialmente, no fato de que o movimento social que reprime
as condutas agressivas ao consenso moral determinará os bens e
interesses que serão tutelados pelo Direito Penal. Uma é
antecedente e justificadora da outra.
Assim, o fundamento da pena, em primeiro estágio, é a
seleção
procedida
pelo
legislador
para
os
critérios
de
criminalização, amparado pelas condutas refutadas pela sociedade,
com atenção, entretanto, ao princípio da intervenção mínima, já
que a punição penal é a ultima ratio do sistema.
A realização da conduta delituosa, ou seja, a prática
pelo transgressor de conduta (ação ou omissão) típica, antijurídica
e culpável, não é, em si, o fundamento da pena, mas o fato gerador
do ius persequendi in iudicio. É a conduta avaliada diante da
definição legal que, se positivada, fará incidir a norma abstrata
gerando o atributo da tipicidade, etapa necessária para a aferição
da antijuridicidade e culpabilidade. E, se não houver causas
excludentes, perfazendo-se por completo, por ocasião da sentença,
os pressupostos da imposição da regra jurídica, a pena será
imposta - poena praesuponit culpam.
É bem verdade que o caráter ressocializador da
punição fica mais evidente, pelo menos nas regras codificadas, no
momento de sua execução, onde preceitos e diretrizes de política
criminal determinam o escopo do sistema penitenciário.
A escritora Jesús-María Silva Sánchez1 nos traz
1
LeiB Soibelman, in “Dicionário Jurídico”, 3ª ed., RJ: Editora Rio, 1981, p. 269.
23
excelente e valioso estudo sobre os modelos denominados de
discernimento e da necessidade de pena, como informadores dos
atuais sistemas jurídico-penais, na parte que tratam da pena como
objeto de aplicação estatal. Senão vejamos, verbis: “El nuevo
punto de vista determinará que el único criterio de legitimidad de
la pena sea sua necesidad, entendida, desde la perspectiva del
cumplimiento de los fines del derecho penal, como necesidad de
pena para cumplir las exigencias de prevención general(negativa
o positiva) o como necesidad de pena en términos de prevención
especial. La pena se revela necesaria desde un punto de vista de
prevención general negativa cuando haya que recurrir a ella para
obtener una intimidación suficiente en el colectivo de autores
potenciales del delito. Por lo que se refiere al punto de vista de la
prevención general positiva, la pena aparece necesaria cuando
haya que recurrir a ella para reforzar la confianza de la
población en el ordenamiento jurídico, para reforzar la vigencia
de las normas. Finalmente, la pena se hace necesaria desde un
punto de vista de prevención especial sólo cuando la reinserción
social del sujeto haga necesaria esa pena. Ahora bien, si la pena
se justifica únicamente por su necesidad preventiva, subdividade
en los aspectos mencionados, y no por la realización de una
justicia absoluta, la conclusión es que la pena se ha de imponer
únicamente cuando exista una auténtica necesidad, en términos
preventivos, de recurrir a ella y, por contra, no cabe en absoluto
imponerla si tal necesidad no existe. A todo se añade algo que
aquí es de importancia: dicha necesidad puede decidirse de módo
más general y no en virtud de juicios individuales de
discernimiento...” (os grifos são nossos, pela importância das
conclusões).
Ao lado das penas, apesar de inexistir diferença
1
Doutrina internacional, Revista Brasileira de Ciências Criminais, Vol. 13, pp. 38/41.
24
ontológica, surgiram as medidas de segurança que, ante a
insuficiência
do
sistema
penal
punitivo
clássico
e
o
aprofundamento da exegese científica na esfera jurídica, médica e
social, acorreram para o afastamento do agente periculoso do meio
social como meio de prevenção da criminalidade, com natureza
assistencial, medicinal e pedagógica, com o fim precípuo de
recuperação e rompimento da progressão da personalidade
potencialmente criminosa.
No Brasil, em especial, as medidas de segurança
seguindo a mesma sorte das penas, sucumbiram e com elas o
sistema composto do duplo binário, já que o nomen iuris
diferentes não espelhavam a realidade aflitiva dessa modalidade
correcional, com assentamento na doutrina da verdadeira burla de
etiquetas (Kohlrausch), como anota Fragoso.
Em que pese a evolução doutrinária e legislativa do
sistema punitivo, em particular no Brasil, a verdade é que a
politização das instituições governamentais transformaram a pena
e os sistemas penitenciários no mais distorcido dilema social e
jurídico - causa cognoscitur ab effectus.
A pena e a prisão jamais respeitaram o fundamento de
sua existência, ou seja, isolar o transgressor, possibilitando sua
recuperação. Assim, mantém-se o cárcere praticado na época de
Ulpiano - carcer, enim, ad continendos homines non ad puniendos
haberi debet. A face bestial do homem criou, desenvolveu e
cultiva uma realidade prisional incompatível com a condição
humana.
Aviva-se, dia a dia, entretanto, em sentido contrário a
todas as teorias da criminologia com relação à punição
25
criminológica, o efeito devastador do confinamento do homem
sem respeito às suas necessidades básicas e sem qualquer proteção
do Estado.
Em nosso país, os direitos à integridade física e moral
ínsitos aos seres humanos são sistematicamente violados, apesar
de serem dogmas constitucionais1 e dos diversos programas
defensores dos direitos humanos, o que no deixa, infelizmente,
mais longe do Estado de Direito há tanto perseguido. Não nos
esqueçamos que, segundo um grande filósofo italiano, a razão e a
função do direito é salvaguardar o valor do homem.2
O sistema carcerário, como é atualmente, reduzindo os
encarcerados, a qualquer título, a condições deploráveis,
prescindindo das mais peculiares e básicas necessidades,
condenando-os ao jugo (ou subjugo) de uma sociedade prisional
regida por valores outros que não aos do homem-cidadão, do
homem-natural, é, enfim, um sistema violentador do próprio
direito à vida de onde brotam todos os demais direitos, dever do
Estado de velar pela garantia indeclinável de sua incolumidade reo res sacra est. Norbertto Bobbio já colocara que sem direitos
do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia.
Ademais, o fenômeno da assimilação dos padrões
vigorantes na penitenciária, estabelecidos pelos internos mais
endurecidos, mais persistentes e menos tendentes à recuperação,
mormente na atitude sintomática de aquilatar as maestrias do
1
Constituição do Brasil, art. 5º - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) III - ninguém será submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos
distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; (...) XLIX - é assegurado aos presos
o respeito à integridade fisica e moral.”
2
Carnelutti, ob. cit. na referência bibliográfica, p. 22.
26
criminoso habitual, desenvolvendo o perfil delinqüente e os
denominados fatores universais da prisionização, impingem a
situação paradoxal da ressocialização por intermédio da reclusão
carcerária. “Reformar criminoso pela prisão traduz uma falácia e
o aumento de recursos, destinados ao sistema prisional, seja
razoável, médio, grande ou imenso, não vai modificar a verdade
da assertiva.”1
A ilusão de que a pena de prisão pode ser reformativa,
mostra-se altamente perniciosa, pois, enquanto se permanece
gravitando em torno a essa falácia, a doutrina se abstém de
examinar seriamente outras viáveis soluções para o problema
penal. Essa é a opinião de Rupert Cross2, pois se a penitenciária
tem que atender às exigências de segurança e disciplina, deve ser
encarada como uma instituição custodial e não como uma
instituição reformativa, como registra Augusto Thompson.3
Heleno Fragoso4, traz à colação a elaboração da idéia
de Erwin Golfman5, que define os métodos correcionais punitivos:
a instituição total, como sendo aquela que domina e controla a
vida dos internos, em todos os momentos de sua existência,
transformando a prisão em subcultura de massa. Donald Clemmer
a denominou de prisonização6, com cúpula e códigos próprios (leis
1
Gresham M. Sykes, citado por Augusto Thompson, idem obra na referência bibliográfica, p. 17.
2
In “Punishment, Prison and the Public” , Stenens & Sons, 1971, p. 47.
3
idem, p. 93.
4
“Direitos dos Presos”, RJ: Forense, 1980; e “Alternativas da Pena Privativa da Liberdade”, RDP nº.
29/1980
5
in “Asylums”, N.Y. Doubleday, 1961.
6
“Entretanto, a experiência carcerária, via de regra, é fonte geradora de aspectos regressivos na
conduta do preso, compromete sua saúde mental, tomando-se aqui saúde mental em seu sentido amplo,
enquanto condição de bem-estar pessoal. Ao dizer isto, tenho plena consciência de que estou dizendo o óbvio,
mas devo repetí-lo, para os propósitos desta explanação. O Relatório ‘Arquitetura e Prisões’, do Ministério da
Justiça da França(1987), fala da constatação do grave problema desse processo regressivo a que está sujeita a
27
da massa), desafiando, por vezes, a própria soberania do Estado
mantenedor do sistema prisional.
Confira-se para tanto os dizeres de Bernard Shaw 1:
“Para punir um homem retributivamente é preciso injuriá-lo.
Para reformá-lo, é preciso melhorá-lo. E os homens não são
melhores através de injúrias.”
O efeito paraestatal do mundo carcerário, aliás, foi
objeto de minudente estudo realizado por. Augusto Thompson,2
onde se utilizou dos grandes ensinamentos de Gresham M. Sykes,
lançado no opúsculo “The Society of Captives” 3 que qualificou o
sistema social da prisão, em todo o globo, como sistema de poder
de regime totalitário.
O teor sociológico das palavras do aludido estudioso
por si só refletem com clareza a sua assertiva. Confira-se: “O uso
generalizado da privação da liberdade humana, como forma
precípua da sanção criminal, deu lugar ao estabelecimento de
grande número de comunidades nas quais convivem de dezenas a
milhares de pessoas. Essa coexistência grupal, como é óbvio, teria
de dar origem a um sistema social. Não se subordinaria este,
porém, à ordem decretada pelas autoridades criadoras, mas,
personalidade do preso. Segundo Simone Buffard, citada pelo referido Relatório, entre os efeitos da
prisionização, podemos situar o comprometimento da identificação sexual, da imagem viril, graças à privação
sexual, e , graças à privação sensorial, ocorre um favorecimento da vida imaginativa ou mesmo alucinatória,
em detrimento da atividade voluntária. Aliás, num trabalho que tive a oportunidade de apresentar em 1987 no
II ENARPE - Encontro Nacional de Arquitetura Penal - intitulado ‘Arquitetura Carcerária e Tratamento
Penal’, abordo o problema da influência negativa que o próprio espaço arquitetônico tem sobre a saúde do
preso.”(Alvino Augusto de Sá, “A Recuperação dos Sentenciados e a Questão do Exame Criminológico versus
Parecer das Comissões Técnicas de Classificação”, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol.
13, pp. 203 e segs.).
1
apud Rupert Cross, “Punishment, Prison and the Public”, Steven & Sons, 1971, p. 47
2
in “A Questão Penitenciária”, 2ª ed., RJ: Forense, 1980, p. 19
3
Princeton Un. Press, New Jersey, 1972
28
como é comum, desenvolveria um regime interno próprio,
informal, resultante da interação concreta dos homens, diante dos
problemas postos pelo ambiente particular em que se viram
envolvidos. Compreendendo esse fato, fica fácil entendermos,
também, que o significado da vida carcerária não se resume a
mera questão de muros e grades, de celas e trancas: ele deve ser
buscado através da consideração de que a penitenciária é uma
sociedade dentro de uma sociedade, uma vez que nela foram
alteradas, drasticamente, numerosas feições da comunidade
livre.”
Do ponto de vista da psicologia, o isolamento e a
segregação humana produzem efeitos maléficos sobre a mente e o
comportamento, levando indivíduo à degeneração física e moral, à
degenerescência mental, daí porque a visão reservada que a
referida ciência tem do sistema prisional.
29
II - AS PENAS E OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
SUMÁRIO DOS TEMAS ABORDADOS NESTE CAPÍTULO.
1 A pena: conceito e justificação. 2 A pena: retribuição,
prevenção e ressocialização. 3 As penas históricas.
Inicialmente, para a elaboração de opinião a respeito
de determinado instituto jurídico, necessário se faz a apresentação
de um cotejo de conceitos doutrinários.
A pena é, nos dizeres de Heleno Fragoso1 a perda de
bens jurídicos, a vida, a liberdade e o patrimônio, imposta pelo
órgão da justiça a quem comete crime, atendendo-se aos princípios
da legalidade, personalidade e da inderrogabilidade, que são
erigidos à categoria de garantia individual da anterioridade da
imputação do fato em lei, formal e materialmente válida, da não
extensão da punição além da pessoa do delinqüente e da
indispensabilidade de sua aplicação.
Para o festejado Damásio E. de Jesus é “sanção
aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal ao acusado de
uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito,
consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar
novos delitos.”2
Soler,3 assevera que “pena es un mal amanazado
primeiro, y luego impuesto al violador de um precepto legal, como
retribuición, consistente en la disminución de un bien jurídico, y
cuyo fin es evitar los delitos.”
1
2
3
“Lições de Direito Penal”, parte geral, 10ª ed., RJ: Forense, 1986, p. 292.
“Direito Penal”, vol. I, 11ª ed., SP: Saraiva, 1986, p. 455.
“Derecho Penal Argentino”, TEA, 1970, v. 2, p. 342, ed. 1978.
30
Carrara fez uma famosa construção das forças do
delito e da pena. O crime como ato humano resulta de duas forças:
a força moral ou interna e a força física externa, cada uma tendo
um aspecto objetivo e subjetivo, o mesmo acontecendo com a
pena. A força física objetiva da pena é o sofrimento que ela causa
ao delinqüente. Força física subjetiva são os atos de cumprimento
da pena. Força moral objetiva da pena é a intimidação exemplar
que ela provoca. As forças da pena contrapõem-se às forças do
delito no restabelecimento do equilíbrio rompido pelo crime. 1
A pena, como já se anotou, de origem remota, sempre
teve o caráter expiativo, sendo denominada pena-castigo ou penaexpiação ou, ainda, pena-vindicativa, considerada como um mal
que o autor do crime deve sofrer, para pagar ou purgar o mal que
fez. 2
Aliás, o homem sempre atribuiu à punição o caráter de
imposição
divina
para
glorificá-la
de
imperiosidade,
indiscutibilidade e de submissão, sendo ele mero longa manus da
autoridade celestial e, de outro lado, obter do punido a redenção
necessária para a aceitação espontânea do sacrifício do bem
individual, objeto da expiação.
Nesse diapasão, indissociável da pena o caráter de
retribuição e de medida exemplar para uma sociedade sob o jugo
de um julgador maior - punitur quia peccatum est (pune-se porque
pecou) - punitur ut ne peccetur (pune-se para que não peque).
Só mais tarde, com os estudos científicos da
1
Francesco Carrara, “ Programa do Curso de Direito Criminal”, vol. I, SP: Saraiva, 1956, parte geral.
2
Leib Soibelman, ob. cit., 3ª ed., RJ: Editora Rio, 1981, p. 270.
31
sociologia, da filosofia do direito criminal1 , surgiu a idéia da
ressocialização como escopo da pena e justificativa de sua própria
razão, partindo do foco central dos efeitos da punição - a
prisonização.2
Até então, o homem já se rendeu às mais variadas
formas de reprimenda, como nos informam os sentinelas da
história, a saber, dentre outras: penas infamante, vil, mutilante,
perpétua, de trabalhos forçados e, ainda: Pena aflitiva - Pena que
causa um mal ao condenado: prisão, morte, castigo corporal.
Opõe-se à pena infamante, que atinge o moral do réu. As penas
podem, todavia, ser aflitivas e infamantes ao mesmo tempo 3
Penas canônicas - Aquelas do direito canônico, ex: pena
espiritual; pena eclesiástica; pena eterna; pena latae sententia;
pena medicinal -4 Pena de Marca - consistia em marcar o
delinqüente mediante ferro em brasa, como forma de identificação;
Pena preservativa - Pena para inspirar terror a fim de prevenir
novos crimes; Pena de Knut - Chicote de fios de couro e bolas de
metal, usado para castigo de condenados na antiga Rússia, até
1845. 5Pena aberrante - No Oriente clássico (hebreus, egípcios,
babilônios, hititas etc) admitia o princípio de que pelo crime dos
pais fossem punidos os filhos e descendentes por várias gerações;
Pena capital - Para os romanos era capital não só a pena de morte
natural como a pena que privava o cidadão da liberbade, e, em
conseqüência, de todos os direitos civis, como ainda a pena que
privava alguém dos direitos civis mesmo sem perda da liberdade.
1
Penalística, estudo da teoria das penas, ou da aplicação da pena.
2
Encarceramento e a deformação da personalidade do preso pelos vícios do sistema penitenciário.
3
4
5
Georges Vidas, “Cours de Droit Criminel”; ed. Arthur Rousseau, Paris, 1906.
LeiB Soibelman, ob. cit. na referência bibliográfica, p. 269.
LeiB Soibelman - ob. cit. na referência bibliográfica, pp. 476/477/478.
32
Para eles ‘capital’ (caput) não se referia apenas à cabeça ou o
corpo, mas significava pena gravíssima -
1
Pena de fogo - Morte
pelo fogo. Queimar o réu até morrer; Pena honesta - é a que não é
vil, que não produz infâmia.
1
Ferdinand Walter , “ Histoire du Droit Criminel Chez les Romanis”, ed. Durand, Paris.
33
III - A PENA DE MORTE.
SUMÁRIO DOS TEMAS ABORDADOS NESTE CAPÍTULO.
1 Considerações. 2 Motivações. 3 A pena de morte e sua visão
constitucional. 4 A expiação capital na história brasileira. 5 A
nossa opinião.
Inauguramos esse tópico com os fundamentos da pena
de morte, considerando-se a análise do conjunto de valores
relacionados ao conhecimento insertos nessa área, levando-se em
consideração os fatores e valores históricos, culturais, econômicos,
políticos, religiosos.
Por escolha aleatória, optamos pela angulação
epistemológica, a saber, a análise de aspectos de natureza
biológica, política, jurídica, filosófica, sob o ponto de vista crítico
de seus princípios, hipóteses e consequências que permeam a
punição capital.
Nessa linha de raciocínio, como apontou Orlando
Soares1, Sigmund Freud lançou mão dos mais variados elementos
psicológicos para o embasamento de suas teorias acerca da
Psicanálise, dentro, entretanto, de um contexto econômico de
influência marcante em suas opiniões
que refletem o caráter
sócio-político-econômico, inclusive, no tocante à problemática da
morte.
Como pólos distintos, o psicanalista arrumou, de um
lado, como fonte de inspiração, o princípio do personagem da
mitologia grega - Eros, Deus do amor, para expressar a energia da
libido e, de outro lado, o também mitológico Tanatos, Deus da
1
in "Filosofia geral e Filosofia do Direito".
34
morte, para exprimir o impulso da morte e da destruição.1
Já na esfera da Psicologia Criminal, o homicídio, por
exemplo, desperta na humanidade o interesse no fato de o matar
ou de ser morto ferir suas fibras mais íntimas, com a situação
paradoxal de repulsa e atração que não se definem de maneira
completa, como capazes de diagnosticar a morbidez ou a
insanidade.2
De outra banda, pelo cotejo das lições religiosas,
constatou-se que a pena de morte era admitida e aceita em larga
escala pelas organizações tribais primitivas, como forma de
exclusão do malfeitor de ofensas divinas ou de comportamento
anti-social, ou ainda, como forma de elevação espiritual,
por
intermédio de sacrifícios, para aplacar a cólera dos deuses por
ações humanas condenáveis.3
Com o cristianismo e as suas ramificações, o
maometismo e o protestanismo, foi endossada a pena de morte,
com catequese contrária, entretanto, para o suicídio e a eutanásia,
por força da crença da ressurreição, por concepção de Platão
(427?-347? a. C.), com arrimo na dualidade do corpo e da alma,
como entidades distintas, crença estranha, porém, para os judeus,
como lembra Orlando Soares.4
Tecendo comentários sobre o magistério da Igreja
Católica e dos teólogos acerca da pena de morte, sustenta Padre
1
2
Daí a expressão TRILOGIA TANÁTICA, o homicídio, o suicídio e a eutanásia.
Hans von Hentig, em “Estudios de la Psicologia Criminal”, vol. II, ps. 9 e segs.
3
Charles Hainchelin, em “As Origens das Religiões”,[ S.L.: s.n.], p. 85; Diakov e S. Kovaley, em
“História da Antiguidade”, [S.L.:s.n.],p. 68.
4
“Filosofia Geral e Filosofia do Direito”, ps. 75 e segs.
35
Emílio Silva Castro, no artigo “Pena de Morte Já”, que dentre
outros autores cristãos, na Antiguidade, segundo o testemunho de
Ermecke, “não se encontra um só que haja negado formalmente a
eticidade da pena capital.”1
Como observara Beccaria,2 se percorremos a História
iremos constatar que as leis, que deveriam constituir convenções
estabelecidas livremente entre os homens livres, quase sempre,
não formam mais do que o instrumento de minorias, ou fruto do
acaso e do momento, e jamais a obra de um prudente observador
da natureza humana, que tenha sabido orientar todas as ações da
sociedade com esta finalidade única: todo o bem-estar possível
para a maioria.
A instalação em uma determinada sociedade de um
ordenamento jurídico é fruto desses momentos mesquinhos e
tôrpes, sempre na deturpação do cerne do problema social, sem
que se tente encontrar resolução com aquela exatidão geométrica
que vence sobre a destreza dos sofismas, as dúvidas e as seduções
da eloquência.
Por isso, o imortal Conde de Bonesana já questionava:
qual a origem das penas e do direito de punir? A pena de morte
será, realmente útil, necessária, imprescindível para a segurança e
estabilidade social?
O poder-dever do Estado de decretar e executar as
penas, em especial a de morte, é consectário da antecedente cessão
de parcelas da liberdade social e da necessária limitação do
1
2
apud Orlando Soares, in Revista Forense, vol. 333, p. 105.
“Dos Delitos e das Penas”, ed. Hemus, trad. Torrieri Guimarães,[19--], p. 11.
36
depósito da liberdade sacrificada em favor do Estado, por força da
característica despótica do poder que traz consigo a irresistível
tendência à usurpação.
O direito de punir ofertado ao Estado tem uma base
concreta e delineada: a segurança da sociedade e todo o exercício
do poder que deste fundamento se afaste, constitui abuso e não
justiça, já que se trata de um poder de fato e não de direito,
passível, pois, de usurpação. No tocante à pena de morte, assim
escreveu Beccaria: “A pena de morte, pois, não se apoia em
nenhum direito. É a guerra que se declara a um cidadão pelo
país, que considera útil e necessária a eliminação desse
cidadão.”1
A pena de morte só se justifica em determinados
momentos, ou seja, com o caráter provisório latente, em que a
nação está na dependência de recuperar ou perder sua soberania,
períodos em que a confusão produz a substituição das leis
desordem,
onde os
atributos
pela
do Poder Soberano ficam
estremecidos tanto na ordem externa como na interna. “A
experiência”, como profetiza Beccaria, “de todos os séculos
demonstra que a pena de morte jamais deteve celerados com a
firme determinação de praticar o mal. Essa verdade está assente
no exemplo dos romanos e nos vinte anos em que reinou a
Imperatriz da Rússia, a benfeitora Isabel, que forneceu aos chefes
dos povos uma lição mais ilustre do que todas as mais brilhantes
conquistas que a nação apenas alcança ao preço do sangue de
seus filhos.O rigor do castigo faz menor efeito sobre o espírito do
homem do que a duração da pena, pois a nossa sensibilidade é
mais frágil e com mais constância atingida por uma impressão
ligeira, porém frequente, do que por abalo violento, porém
1
Idem na referência bibliográfica, p. 45.
37
passageiro. Todo ser que tenha sensibilidade está dominado pelo
império do hábito; e, como é este que ensina o homem a falar, a
andar, a satisfazer as suas necessidades, também é ele quem
inscreve no coração humano as idéias morais através de
impressões reiteradas. O espetáculo atroz, porém momentâneo, da
morte de um criminoso, é um freio menos poderoso para o crime,
do que o exemplo de um homem a quem se tira a sua liberdade,
que fica até certo ponto como uma besta de carga e que paga com
trabalhos penosos o prejuízo que causou à sociedade. Essa íntima
reflexão do espectador: ‘Se eu praticasse um delito, estaria toda a
minha existência condenado a essa miserável condição’ - essa
idéia tétrica causaria mais assombro aos espíritos do que o temor
da morte, que se entreve apenas um momento numa obscura
distância que diminui o seu horror.”1
Kant, entretanto, aparteava Beccaria, que, a seu ver,
analisava a pena de morte de forma sofisticada e com o
sentimentalismo e humanitarismo afetados.
Mas, sopesando o racional e o sentimental, não temos
dúvida, com o apoio de Victor Hugo2 de que, em algum ponto
futuro, se hoje preferirmos a racionalidade para pautar nossa
conduta, o juiz dessa nossa ação será o sentimento e, de certo,
seremos condenados.
Como de conhecimento, os juristas de outrora tinham
uma visão totalmente diferente daqueles afetas aos estudiosos do
direito da atualidade.
1
idem, ibidem, p. 46.
2
“Razões sentimentais, como dizem alguns desdenhosos que só aceitam a lógica das suas mentes ao
nosso ver, são as melhores. Muitas vezes, preferimos as razões do sentimento às razão da razão. Aliás, as duas
séries estão sempre ligadas, não nos esqueçamos...” ( ob. cit. na referência bibliográfica, p. 30)
38
Eram poetas, com profundo senso de justiça e de
sociologia, apimentado com dose considerável de filosofia. Por
isso, o grande mérito de seus dizeres encontra-se no fato de
detectarem as causas nefastas de uma instituição jurídica e social e
de fornecerem soluções apropriadas, aplicáveis às bases dos
princípios jurígenos.
Essa é a melhor diretriz para se seguir na análise e na
perseguição das soluções do problema punitivo, pelo que se
espera, rogando pela filosofia dos grandes mestres da história, que
os Poderes Públicos absorvam a necessidade imperiosa de
investirem nos princípios regentes do sistema punitivo.
O legislador deve ainda, fazendo uso das palavras de
Beccaria, consequentemente, estabelecer fronteiras ao rigor das
penalidades que, para ser justa, precisa apenas ter o grau de rigor
suficiente para afastar os homens da senda do crime, propiciandolhe o retorno de sua intelectualidade criminosa para os ditames
morais e legítimos daqueles que vivem na redoma da moral ética e
jurídica da soberania de um Estado.1
No caso da pena capital pende em seu desfavor a sua
desproporcionalidade, pois que não há crime que se cometa capaz
de conceder ao Estado o direito de vida sobre um co-cidadão.
O direito de punir não pode ser a mola propulsora
capaz de transformar o Estado em cometedor de ação cuja ética e
1
“Este homem, este culpado que tem família, sequestrem-no. Na prisão ainda poderá trabalhar para
os seus. Mas como poderá sustentá-los do fundo do túmulo? Podem imaginar sem sentir arrepios o que será
daqueles garotinhos, daquelas menininhas de que estão tirando o pai, isto é o pão? Será que estão contando
com eles para abastecer daqui a 15 anos, eles os cárceres, elas os bordéis? Oh! pobres inocentes!” ( Victor
Hugo, ob. cit. na referência bibliográfica, p. 29).
39
a moral reprovam e repudiam os cidadãos. Ademais, apesar da
natureza representativa da Casa Congressual, o Estado não pode
impor indiscriminada e genericamente a todos os cidadãos o ônus
de conviverem com o carma de serem o carrasco que executa a
morte de um homem. A democracia1 de representação tem limites
sociais.
A pena de morte, por isso, é prejudicial à sociedade,
pelas demonstrações de crueldade que apresenta aos demais
homens que nela convivem. “Qual é o sentimento da maioria
sobre a pena de morte? Está definido em caracteres indeléveis nos
movimentos de indignação e de desprezo que nos causa a visão do
carrasco, que não é senão o executor inocente da vontade do
povo, um cidadão honesto que contribui para o bem geral e
defende a segurança do Estado no interior, do mesmo modo que o
soldado cuida da sua defesa no exterior. Qual é, portanto, a
origem de tal contradição? E por que esse sentimento de horror
afronta todos os esforços da razão? É porque, em uma parte
abscôndita de nossa alma, onde os princípios naturais não
sofreram ainda alteração, achamos um sentimento que nos diz que
um homem não possui qualquer legítimo direito sobre a existência
de outro, e que apenas a necessidade, que por todos os recantos
estende seu cetro de ferro, pode dispor de nossa vida.” 2
De efeito, no Brasil, o sentimento da maioria é,
inegavelmente de repúdio ostensivo à pena de morte. Em eleição
presidencial passada, já sob a égide da Constituição vigente,
portanto não muito remota, o maior expoente da política nacional
em questão de pena capital como plataforma eletiva, foi o ex1
Lembramos aqui as palavras de Churchill: “A democracia é a pior de todas as formas imagináveis de
governo, com exceção de todas as demais que já se experimentaram.”
2
Beccaria, ob. cit. na referência bibliográfica, p. 50.
40
jornalista e Deputado Federal Amaral Neto que, entretanto, não
logrou êxito no sufrágio, derrota que amargou para os defensores
desta modalidade de pena o prêmio de assunto proibido,
confirmado pelo novo Texto Constitucional após a revisão de
1993.
Entretanto, se na política não mais se ouviu propostas
tendentes à implantação do sistema punitivo capital, na roda
jurídica, com argumentos muito mais subsistentes do que os
próprios e apelativos dos sufrágios, o foco de seguidores ainda
resiste.
Frise-se, por oportuno, que nessa época, parte
considerável da comunidade jurídica e de outros meios científicos
lotou os espaços de doutrina especializada, objeto de coletânea de
artigos sobre a pena de morte, publicada pela seccional da Ordem
dos Advogados do Brasil de São Paulo.
Trazemos à colação, exempli gratia, a opinião do
organizador da coletânea suso mencionada, João Roberto Egydio
Piza Fontes, lançada no artigo intitulado “Reflexões Sobre a Pena
de Morte”1, acerca da alteração da cláusula pétrea constitucional
que garante a não adoção da pena de morte2, que, àquela época,
1
OAB/SP, 1993.
2
CF/88, art. 5º, inciso XLVI – “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras as
seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa.
e) suspensão ou interdição de direitos;
CF/88, 5º, inciso XLVII - Não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalho forçados;
d) de banimento;
e) cruéis.”
41
em meados de 1993, estava sob o alvo da Reforma: “... o poder
constituinte originário afastou qualquer possibilidade da medida
legislativa que suprima direitos e garantias individuais, dentre os
quais o fundamental direito à vida. Os defensores das trevas,
todavia, não se constragem na tentativa de se igualar ao Criador,
único juiz da vida e da morte, magistrado supremo dos destinos
da humanidade.”
Em comunhão da opinião contrária à aplicação da pena
capital, também se manifestou o especialista em Direito Criminal,
o saudoso Evandro Lins e Silva, no sentido da impossibilidade de
tramitar Emenda Constitucional tendente a alterar a cláusula
garantidora em comento, por força do art. 60, parágrafo 4º1, da
nossa Constituição Federal, assim expressando sua ideologia2: “A
emenda estende a pena capital aos crimes de roubo, sequestro e
estrupo seguidos de morte, e usa de um sofisma, melhor diremos,
de uma esperteza, para evitar a proibição constitucional:-oferece
o que o velho Evaristo de Moraes chamava de um ‘bombonzinho
envenenado’, para situações semelhantes. Fingindo escrúpulos
hipócritas, a Emenda manda submeter o tema ao eleitorado,
através de plebiscito. Não vemos como se possa realizar uma
Emenda Constitucional mediante consulta popular...Há certas
matérias que não podem ser objeto de plebiscito, porque são
conquistas da humanidade e da civilização. Ninguém indagará se
o povo quer ou não quer
determinado tipo de vacina, cuja
aplicação a ciência demonstrou ser a maneira de prevenir
doenças e epidemias. Nem é possível admitir a pergunta sob a
eliminação dos doentes terminais, portadores de moléstias con1
CF/88, art. 60 – “A constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.”
2
Artigo de publicação da Secretaria de Estado de Justiça e da Cidadania do Paraná, com o título “ A
MORTE NÃO VALE A PENA”, agosto de 1991, ps. 11-13.
42
tagiosas, dos loucos incuráveis, dos deficientes inúteis e
irrecuperáveis, e assim por diante. A sociedade tem de conviver
com as suas desgraças, as suas chagas, as suas enfermidades, as
suas mazelas, entre as quais a criminalidade, que ela deve
combater e sobretudo prevenir, dando a todos condições de uma
vida digna e feliz.”.
Endossava essa repúdia também o insigne Nélson
Hungria ao sustentar que “não é necessária, nem mais exemplar
ou mais intimidativa que a longa privação da liberdade e que
ainda não se pode comprovar que a pena de morte seja mais
eficiente que a pena de encarceramento”, não deixando, porém, ao
comentar as disposições do art. 141, par. 31, da Carta Magna de
1946, que possuia texto equivalente ao que dispõe o art. 5º ,inciso
XLVII, letra “a” , da atual Carta, de advertir: “A pena de morte
pode, excepcionalmente, apresentar-se tão necessária quanto o
homicídio no campo de batalha. Não propriamente como castigo
ou
como pena, mas como um meio premente de defesa social,
tornando-se, como tal, inquestionavelmente legítima. O caso que
considero excepcional é o crime organizado, que, em certo
momento, ferozmente militante, numa reiteração espantosa de
dramas de sangue, ponha em perigo efetivo a segurança coletiva.
Impõe-se, portanto, o extermínio do grupo fora da lei, do bando
de desenganados inimigos do gênero humano. Não como medida
de escarmento, mas como um gesto idêntico aos do que se
defendem de uma alcatéia de lobos esfaimados e furiosos. Quando
se tem em vista casos dessa ordem, embora de caráter
excepcionalíssimo, ou francamente anormal, é que se poderia
criticar tenha sido, no Brasil, erigido em preceito constitucional a
inaplicabilidade da pena de morte. Para emergências como a que
teve de enfrentar o país dos ianques é que a pena de morte
43
poderia ser como uma espingarda atrás da porta.”1
Como evidente, essas posições sofreram acirradas
investidas dos defensores da pena de morte, principalmente, com
base nas exceções arguidas por Hungria que, se vivo ao tempo de
hoje, reinado de criminosos poderosos, de certo, a apoiaria.
Também invocam as palavras proferidas por Ruy Barbosa
proferidas no Discurso no Colégio Anchieta: “tudo no Direito é
mudar constante”, como meio necessário de proteção das relações
sociais e do equilíbiro Estatal para favorecer o bem estar social.
Alegam ainda que as denominadas cláusulas pétreas
não possuem a força que se pretende dar, a ponto de impedir a
alteração dos critérios acerca dos tipos de pena mais convenientes,
em função das circunstâncias sociais, políticas e econômicas de
cada momento histórico, já que essas situações são dinâmicas por
natureza e, portanto, suscetíveis de constante revisão, sob pena de
estratificação do direito2.
Nessa linha, Orlando Gomes, fervoroso defensor da
pena máxima, ofereceu ao Instituto dos Advogados Brasileiros a
Indicação nº 20/89, onde constam proposições acerca daquela
punição para certos crimes, com os fundamentos de que a pena de
morte extralegal já é utilizada em larga escala no Brasil pelos
denominados grupos de extermínio e esquadrões da morte, como
testificado por Emílio Silva.3
Aduz, ainda, que
1
2
3
o crescimento progressivo da
“Comentários ao Código Penal”, vol.I, tomo 2, ps. 454-462.
Orlando Soares, “Fundamentos da Pena de Morte”, Revista Forense, vol. 333, p. 112.
em “Extinção das Prisões e dos Hospitais Psiquiátricos”, pp. 79 e segs.
44
criminalidade patrimonial violenta é fruto da opressão políticoeconômica, da concentração da renda, do elitismo, da miséria e da
fome, circunstâncias que afligem a população brasileira, sobretudo
a partir de 1964, e que, somente uma nova ordem interna e
internacional, justa e fraterna, sem privilégios poderá reverter os
fatores criminógenos presentes na atualidade.1
Podemos extrair em resumo de suas idéias de que a
lembrança dolorosa e cruel do patíbulo (estrado da forca,
cadafalso), com toda a sua simbologia fúnebre, pois os martírios
dos condenados, tais como Jesus, Sócrates, Savonarola, Wyclíffe,
Huss, Giordano Bruno, Tiradentes e outros, defensores de ideais
políticos e filosóficos de relevante valor para a civilização, não
podem ser comparados com a morte de facínoras e criminosos,
cujo único ânimo é a torpeza.2
Injustificável também para o autor a argumentação,
aparentemente piedosa e complacente, de que é preferível a prisão
pérpetua do que a morte, eis que aquela é muito mais torturosa e
degradante ao ser humano, pois verdadeira casa de horrores, onde
os detentos estão sujeito a todo o tipo de violência física e sexual,
torturas, castigos, e ao final do cumprimento da expiação, são
1
Nesse sentido, o referido articulista já apresentou diversos trabalhos, dentre eles: “Causas de
Criminalidade e Fatores Criminógenos”, Rio, 1978; “Prevenção e Repreensão da Criminalidade”, Rio, 1988;
“Relatório sobre a Criminalidade Patrimonial Violenta”, Rio, 1984; “Pena de Morte”, in Revista Forense,
306/117.
2
Entretanto, disse Victor Hugo (ob. cit. na referência bibliográfica, p.28): “Ou o homem que estão
castigando não tem família, parentes, nem agregados neste mundo e, neste caso, não recebeu nem educação,
nem instrução, nem cuidados para a mente, nem cuidados para o coração; e então com que direito estão
matando este órfão infeliz? Estão punindo-o porque sua infância rastejou no chão sem talo e nem tutor (o tutor
aqui pode ser entendido como o Estado-nossa observação) estão acusando-o do crime de isolamento no qual o
deixaram! da sua infelicidade fazem um crime! ninguém o ensinou a saber o que ele estava fazendo. Este
homem ignora. A culpa é de seu destino, não dele. Estão castigando um inocente.” Lembre-se ainda que o
articulistas Orlando Soares asseverou que o criminoso é fruto da opressão político-econômica. Há algo de
incoerente em suas palavras...!
45
estigmatizados e execrados pela sociedade.1
No cumprimento da pena de morte, alega o autor, os
métodos atuais de execução, como, por exemplo, a injeção letal,
não produz qualquer alarde e sofrimento ao executado, com
manutenção, inclusive, da dignidade compatível com sua condição
de humano, não podendo a sociedade avocar como regra os casos
de execuções públicas, como ocorrem na China, onde o condenado
recebe um tiro na nuca. Nesse país, as execuções fazem parte de
uma grande campanha de repressão ao crime lançada pelo governo
chinês. Desde então, cerca de 2 mil pesssoas já foram executadas,
causando fortes críticas da opinião pública internacional, em
especial das organizações humanitárias e de juristas nacionais.2
Aliás, desde a década de 1960, cerca de 117 países
integrantes das Organizações das Nações unidas adotam a pena de
morte, dentre eles, com exceção de Hong Kong, além da China,
todos os demais Estados asiáticos e, também, os do Oriente Médio
- Egito, Irã, Iraque, Jordânia, Síria, Iêmen e a Arábia Saudita, onde
é seguida a Sharia, lei islâmica. São punidos com a pena capital,
entre outros crimes, o estupro, o homicídio e o tráfico de drogas.
Na Europa Ocidental, ao contrário, maciçamente abolicionista, não
há a adoção dela nos respectivos ordenamentos jurídicos dos
países que a compõe, como anota Antonio Beristain.3
1
“Os que julgam e condenam dizem a pena de morte necessária. Em primeiro lugar, porque é
importante eliminar da comunidade social um membro que já a prejudicou e que poderia prejudicá-la outra
vez. Se se trata-se apenas disso, a prisão perpétua seria suficiente. Para que a morte? retrucam que se pode
escapar de uma prisão? Melhorem as rondas? Se não têm confiança na solidez das grades, como ousam manter
feras em cativeiros? Nada de carrasco onde basta o carcereiro.” (Victor Hugo, ob. cit. na referência
bibliográfica, p. 25). Além do mais, se as celas são cenários de horror, a condenação à morte de alguns
criminosos não apagará o sofrimento de outros, de menores delitos que foram condenados à pena
privativa de liberdade. Simples! Matem todos! é óbvio, a pena capital é, então, um prêmio.
2
Reportagens do “Jornal do Brasil”, dos dias 25.11.93 e 10.08.96.
3
“Hacia el Abolicionismo de La Sanción Capital en España”, em Revista de Informação Legislativa,
Brasília, n. 98, ps. 169 e segs.
46
Para alicerçar sua posição doutrinária, apesar de
discordarmos pelas razões que vêm sendo lançadas no bojo deste
escrito, Orlando Soares traz à colação o magistério da igreja
católica que alinha argumentos favoráveis à pena de morte,
citando para tanto o padre Emílio Silva Castro (“Pena de Morte
Já”), que elenca os seguintes tópicos: “a) consentimento universal
em relação à mesma, desde a Antigüidade;b) a pena capital é
admitida tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo
Testamento;c) a Igreja Católica Apostólica Romana também
acolheu a pena de morte, se bem que algumas personalidades
eclesiásticas se manifestaram contra a participação dos cristãos
nas execuções, como Atenágoras, Orígenes e Lactâncio;d) no
Antigo Testamento (Êxodo), por exemplo, se lê: ‘Quem ferir um
homem, querendo matá-lo, será castigado com a morte’, o que é
u'a manisfestação do princípio do talião, em que se funda a pena
capital;e) da mesma forma no Levítico: ‘Quem ferir e matar um
homem, seja morto irremissivelmente’; f) por sua vez, o Novo
Testamento fala diversas vezes na pena de morte, sendo que Jesus,
no Sermão da Montanha, previne a multidão sobre a missão dele:
‘Não penseis que vim para ab-rogá-la, senão para aperfeiçoála...’;g) disse Jesus a Pedro: ‘Embainha tua espada; porque todos
os que usarem a espada, pela espada morrerão.’”
Traz também a filosofia do monge medieval Tomás de
Aquino(1225-1274) lançada na obra “Suma Teológica”, para quem
a pena de morte é necessária à saúde do corpo social, como
exemplo, cabendo aplicá-la, assim como “é missão do médico
amputar o membro gangrenado para salvar o resto do
organismo”, corroborada pelo Sermão de São Paulo: “um pouco
de levedura corrompe toda a massa.”1
1
“Tem que haver exemplos! tem que apavorar pelo espetáculo da morte, reservada aos criminosos,
47
Em epílogo de sua exposição, o articulista e escritor
avoca o magistério do penalista Vicenzo Manzini que entende ser
a pena de morte compatível com qualquer sistema político,
mormente pelo fato de que, sendo ela força máxima para
intimidação do delito, as demais e menos implacáveis punições
estariam cumprindo sua função como consequência lógica, pois se
é possível estabelecer, em números, a quantidade de condenados à
morte, impossível saber-se quantos refutaram ao crime por sua
causa.
Manzini suporta suas experiências no exemplo dos
E.U.A., onde criminosos homicidas imigram para estados
federados onde não é adotada a pena capital. Cultua o princípio de
que “quem não serve para servir, não serve para viver”, ou seja,
quem não está disposto a espiritualizar-se para gozar da
convivência fraterna e solidária, não merece a existência.1
aqueles que poderiam cair na tentação de imitá-los! esta é quase textualmente a eterna frase cujas variações
mais ou menos sonora ouvimos em todos os requisitórios dos quinhentos tribunais da França. Pois bem!
primeiro, negamos que haja exemplo. Negamos que o espetáculos dos suplícios produza o efeito esperado.
Longe de edificar o povo, desmoraliza-o e arruina dele qualquer sensibilidade, portanto qualquer virtude.”
(Victor Hugo ob. cit. na referência bibliográfica, p. 26).
1
“Se, apesar da experiência, fazem questão da teoria rotineira do exemplo, que nos devolvam então o
século dezesseis, sejam verdadeiramente formidáveis, que nos devolvam a variedade dos suplícios,
FARINACCI-JUIZ ROMANO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVI, FAMOSO PELA SUA
DESUMANIDADE-,que nos devolvam os atormentadores jurados, que nos devolvam a forca, a roda, a
fogueira, a estrapada, o desorelhamento, o esquartejamento, a fossa de sepultar vivos, a cuba de escaldar
vivos; devolvam-nos em cada esquina de Paris, como uma boutique a mais entre as outras, a hedionda banca
do carrasco, sempre repleta de carne fresca. Que nos devolvam MontFaucom-localidade situada fora dos
muros de Paris, entre La Villette e as Buttes-Chaumont onde era erguido um famoso cadafalso remanente do
século XIII - e junto com os 16 mastros de pedra, os toscos fundamentos, os ossários subterrâneos, as travas, os
ferros, as correntes, as fileiras de esqueletos, o relêvo de gesso pontilhado de corvos, as forcas anexas, e o
cheiro de cadáver que o vento de noroeste espalha em generosas lufadas sobre todo o Faubourg Dutempler.
Sim devolva-nos na sua permanência e sua potência esse gigantesco alpendre do carrasco de Paris. Agora sim!
isto é que é exemplo! isto é que é pena de morte bem entendida. Eis um sisitema de suplícios de proporções
respeitáveis. Isto sim é horrível, mas aterrorizante. Ou então façam como na Inglaterra. Na Inglaterra, país de
comércio, pegam um contrabandista na costa de Douvres, pegam-no para o exemplo, para o exemplo deixamno pendurado na forca; porém já que as intempéries do ar poderiam deteriorar o cadáver, ele é
cuidadosamente embrulhado numa lona coberta de alcatrão, para ele não ter que ser trocado tão amiúde. oh!
terra econômica! passam alcatrão nos enforcados! no entanto, não é desprovido de lógica. É a maneira mais
humana de entender a teoria do exemplo.” (ob. cit. na referência bibliográfica, p. 26, Victor Hugo).
48
De efeito, a Constituição Federal da República
Federativa do Brasil dispõe no artigo 5., inciso XLVII, letras “a” e
“e”, a respeito de penas não praticadas e inadmissíveis no Brasil,
aí incluídas a pena de morte, com ressalvas dos casos previstos na
legislação militar e em tempo de guerra (CF, art. 84, XIX),
dispositivos mantidos pela Revisão Constitucional de 1993.
Mas nem sempre foi assim. Historiadores nacionais
nos asseveram que a pena de morte vigorou no país em diversos
momentos, desde a época colonial, durante o Império e, também,
após a instalação da República, como modalidade de punição a
diferentes crimes, sem as excludentes atuais da legislação militar e
do tempo de beligerância.1
Nos idos da Constituição de 1824, ainda sob a
influência do liberalismo das Revoluções Americana e Francesa,
estava estabelecido, no seu art. 179, item 19 que “Desde já ficam
abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as
demais penas cruéis”. Em leitura perfunctória, engana-se o leitor
ao achar que a pena de morte havia sido expressamente abolida.
Ela continuava a existir na legislação ordinária e sua aplicação, é
verdade, era refreada ao extremo como corolário de sua fonte
inspiradora.2
Ainda sob o Império, depois de ocorrido um célebre
erro judiciário, ocorrido em 1855, que levou à forca o fazendeiro
fluminense Manuel Mota Coqueiro, Pedro II passou a comutar,
sistematicamente, a pena de morte na de galés - trabalhos forçados
e perpétuos, salvo nos casos de assassinato, praticado pelos
1
“Direito Penal”, Orlando Soares, pp. 152 e segs.
2
“Pena de Morte e Constituição”, Dirceia Moreira, Revista de Ciência Política, vol.13, pp. 72/73.
49
escravos
contra
seus
senhores,
em
atitude
classista
e
preconceituosa reinante e justificadora da própria escravidão,
conforme veredito dos historiadores.
O malsinado julgamento teve como origem a chacina
de um colono, Francisco Benedito e toda a sua família, que teriam
sido
vítimas
de
vingança
passional,
sendo
certo
que,
posteriormente à execução, veio a descobrir-se que a verdadeira
autora do delito fora a mulher do condenado.1
Com efeito, em seus Comentários à Constituição
Brasileira, Carlos Maximiliano registra o fato da grande simpatia
popular a Pedro II, por certas práticas magnânime, carreadas por
decretos condenatórios benevolentes, com exceção de sua posição
firme e inflexível de eximir os escravos assassinos do benefício da
comutação da pena capital.
Na Carta Republicana de 1891 a pena de morte foi
abolida do cenário jurídico penal, restrita que ficou sua aplicação
na legislação militar e em tempo de guerra, tendo sido mantido a
abolição na Constituição de 1934, que sofreu alteração em 1935,
por força da intentona comunista, por três emendas aprovadas pelo
Decreto Legislativo nº 6, estendendo as exceções mencionadas
também para os casos de comoção interna grave, com finalidade
de subverter as instituições políticas e sociais.
A Constituição de 1937, no seu art. 122, § 13º,
rompendo com a tradição republicana, tornou aplicável a pena de
morte, fora da situação de guerra extrena ou interna; a crimes
contra a soberania da Nação; contra a unidade da federação; contra
1
“O Ocaso de Um Mito”, René Ariel Dotti, in a Morte não Vale a Pena, publicação da Secretaria de
Estado da Justiça e da Cidadania do Paraná, 1991.
50
a ordem social e política; de homicídio por motivo fútil ou
praticado com excesso de perversidade. Não houve nenhuma
execução.1
A tradição republicana foi restabelecida por ocasião da
promulgação da Constituição de 1946, com a inaplicabilidade da
pena de morte, exceto em situações extraordinárias.
Sob o regime militar, vigorante pós-1964, foi prevista
a pena de morte pelo Decreto-lei nº 898, de 29.09.69, para os casos
de crimes classificados como delitos contra a segurança nacional,
dentre outros, sabotagem; propoganda e ações consideradas
subversivas; espionagem; violência contra chefe de governo
estrangeiro, insurreição armada; guerra revolucionária; assalto a
banco com resultado morte.
Na verdade, diga-se em adendo, os termos “segurança
nacional” e “ações consideradas subversivas”
eram conceitos
jurídicos inderterminados ou indetermináveis pelos cidadãos,
sujeitos à aferição e à determinação por órgãos políticos e não
jurídicos, o que trazia como consequência nefasta o fato de poder
ser aplicada a qualquer situação de conduta jurídica aceitável e
prevista, porém, recriminada por ser, para o Governo, anti-social.
Enfim, a pena de morte implantada no Brasil àquela
época ditatorial visava reprimir as ações daqueles que se opunham
ao arbítrio e à violência governamental, id est, eram considerados
agentes desses crimes os intelectuais progressistas, os religiosos
ligados aos movimentos populares, estudantes, operários e
políticos democratas ou de outras ideologias político-partidárias
contrárias àquelas desenvolvidas pelo Estado Ditatorial.
1
“Pena de Morte e Constituição”, Dirceia Moreira, idem na referência bibliográfica.
51
Orlando Soares, no artigo “Fundamentos da Pena de
Morte”1 assim narrou a pena de morte no regime militar brasileiro
e a sua respectiva herança macabra para os dias atuais. Vejamos:
“O fato é que o regime militar representou, simbolicamente, uma
espécie de ventre maldito, estimulando ao máximo, pelos meios de
comunicação social, a erotização desenfreada e deletéria(como a
compensação emocional à opressão política e à alienação
cultural que provocou), mas gerando também a reação e a revolta
incontrolável por parte das forças progressivas do país.Quer
dizer, as ações acima indicadas, consideradas criminosas e
punidas com a pena de morte, na forma estabelecida pela
famigerada Lei de Segurança Nacional, representava na verdade
uma autêntica reação contra a natureza elitista, opressiva,
espoliativa, tendente à concentração de renda e contrária aos
interesses nacionais, segundo o modelo de desenvolvimento
econômico imposto pelo regime militar, como braço armado do
imperialismo
norte-americano,
que
havia
contribuído,
decisivamente, para a deposição do presidente João Goulart...A
propósito, convém lembrar que, na época da elaboração da Carta
Política de 1988, o País estava se libertando do regime militar,
implantado pós-1964, regime esse que vigorou cerca de 20 anos,
durante os quais foram postas em prática as mais execráveis
medidas, de natureza política, penal, sindical, estudantil, salarial,
de concentração de renda, de opressão intelectual, a ponto de se
considerar como inimigos internos aqueles que simplesmente
protestavam contra as arbitrariedades do regime vigorante, e
como tais punidos drasticamente, pelas nefandas leis de
segurança nacional, ocasião em que foi prevista, inclusive, a pena
de morte, autorizada pelo Ato Institucional nº 14, de 05.09.69, e
estabelecida no DL n. 898, de 29.09.69(define os crimes contra
1
Publicado na Revista Forense, volume 333, pp. 109 e segs.
52
a Segurança Nacional).Por sua vez, a denominada Emenda
Constitucional nº 1, de 17.10.69, outorgada pela Junta Militar que
então governava o País, também previu a pena de morte, para as
hipóteses
de
‘guerra
externa,
psicológica
adversa,
ou
revolucionária ou subversiva, nos termos que a lei determinar’
(art. 153, parágrafo 11).”
Eis um breve relato da passagem da pena de morte no
Brasil.
De efeito, apesar de pouco tempo passado da negação,
pela sociedade brasileira, para a implantação da pena de morte em
nosso país, como se viu alhures, a população, principalmente nos
grandes centros urbanos, clama por segurança, força do
crescimento indiscriminado da guerrilha urbana.
Essa insegurança, levada que está a extremo, fez com
que alguns autores contrário à pena de morte, como Franck, citado
por Maurício Levy Junior,1 começassem a vê-la com os mesmos
princípios da legítima defesa, como se infere das palavras a seguir:
“Só
existe a inviolabilidade nos limites de nossos direitos; cessa
desde que deste saiamos para atacarmos os de outrem. A
liberdade quando se torna instrumento de agressão, pode ser
suspensa; a vida do delinquente, quando vem a ser um perigo
para a do inocente, pode ser sacrificada.”
Nessa esteira, apesar de ser um direito fundamental,
asseveram os apoiadores que o direito à vida também sofre
limitações. Tem uma reserva direta quando a Constituição ressalva
a possibilidade de aplicação da pena de morte nos casos de guerra
declarada. Aparece, em seara ordinária penal, outra limitação,
1
“Comentários a propósito da pena de morte”, Revista dos Tribunais, SP, n. 26, dez/87,
53
p. 141.
como, por exemplo, a legítima defesa e o estado de necessidade,
que permite o sacrifício do direito à vida, nos moldes
especificados nas respectivas normas.
O ponto fundamental,. Nessa visão, cinge-se aos
denominados limites imanentes que o direito à vida está
submetido. É certo que da vida tudo advém e que, prima facie,
nenhuma restrição poderia então sofrer. Porém, a vida é mais uma
peça no jogo constitucional, ainda que a mais importante, não
podendo furtar-se às regras como as demais.
Por isso, também Dirceia Moreira,1 apesar de olhar
com reservas à pena capital, como se depreende do intróito de seu
artigo, conclue que “a constitucionalidade se sustenta na
existência de limites ao direito à vida, explícitos e implícitos,
portanto, a previsão de pena de morte se justificaria pela
explicitação de limitação já existente ao direito à vida decorrente
da necessidade de realização de outros direitos fundamentais,
como o da segurança.”
Outro exemplo é a opinião de Manoel G. Ferreira
2
Filho, in verbis: “Eu quero dizer, em primeiro lugar que eu não
sou favorável à pena de morte e, em segundo lugar, eu não acho
que o plebiscito seja inconstitucional. A Constituição prevê o
direito à vida, mas nem por isso ela proíbe a legítima defesa.
Consequentemente, eu não vejo nenhuma inconstitucionalidade
em um plebiscito hoje sobre pena de morte, nem vejo
inconstitucionalidade na instauração da pena de morte no Brasil,
o que não significa, repito, que seja favorável à pena de morte. Eu
1
Revista de Ciências Políticas, vol. 13, p. 78.
2
Revisão Constitucional, Cadernos Liberais, Instituto Tancredo Neves, Brasília, vol. III/XCI, 1991, p.
29.
54
estou examinando a questão do ângulo constitucional, não do
ângulo da aderênca.”
Toda essa questão mencionada pelos autores suso
citados tem arrimo na doutrina kelsiana do “ser” e do “dever-ser”,
da tensão existente entre o direito natural e o direito positivo. É a
idolatria da Constituição como ser supremo capaz de instituir um
direito fundamental e, como consectário, limitá-lo e restringí-lo.
Nesse diapasão limitativo, temos como representante o insigne JJ.
Gomes Canotilho,1 que assevera: “o direito garantido por uma
norma constitucional como direito, liberdade ou garantia
insuscetível de restrições é mesmo, prima facie, um direito sem
reserva de restrições. Todavia, a posteriori, através do jogo de
‘argumento e contra-argumento’, de ponderação de princípios
jurídico-constitucionais, pode chegar-se à necessidade de uma
optimização racional (que só é possível porque os princípios
transportam
dimensões
objetivas
possibilitadora
de
uma
ponderação de bens jurídico-constitucionais efetuadas a partir da
própria Constituição), controlada, adequada e contextual, de
várias constelações de princípios jurídico-constitucionais.”
E arremata o ilustre e expoente constitucionalista: “...
as regras de direito constitucional de conflitos têm de construir-se
com base na harmonização de direitos, e, no caso de isso ser
necessário, na prevalência (ou na relação de prevalência) de um
direito ou bem em relação a outro, que só em face das
circunstâncias concretas se poderá elaborar, pois só nestas
condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que o
outro; ou seja, um direito prefere ao outro em face das
circunstâncias do caso.”2
1
“Direito Constitucional”, Coimbra, Almedina, 1991, p. 620.
2
idem, ibidem, na referência bibliográfica p. 660.
55
Canotilho1 traz a importância do texto da Carta Maior
para a existência própria dos direitos fundamentais pelas palavras
de Cruz Villalon, que assim traduz o que, para nós, se trata da
“coisificação” dos direitos naturais, in litteris: “Onde não existir
Constituição não haverá direitos fundamentais. Existirão outras
coisas,
seguramente
mais
importantes,
direitos
humanos,
dignidade da pessoa, existirão coisas parecidas, igualmente
importante, como as liberdades públicas francesas, os direitos
subjetivos dos alemães; haverá enfim, coisas distintas como foros
e privilégios.”
Talvez, quem sabe, foro natural e privilégio de viver!
“La vida consiste en la compresencia, en la coexistencia del yo
con un mundo de un mundo conmigo, como elementos
inseparables, inescindibles, correlativos.”2
Sem maiores ilações acerca do aspecto constitucional,
certo é que, em nossa opinião, constitucionalizar direitos
fundamentais para justificar, em primeiro plano, a democracia e,
em segundo, o direito legalizado da sociedade em acolher a pena
de morte como se sua sobrevivência disso dependesse é, no
mínimo, antijurídico em essência e ilógico.
De efeito, as sociedades primitivas não estavam
tuteladas por ente estatal legitimado e com poder de império capaz
de defender o corpo social do criminoso, colocando, frente à
frente, a defesa do interesse público - a segurança, em confronto
com o malefício do delinquente, a justificar que a sociedade,
1
idem, na referência bibliográfica p. 507.
2
Ortega y Casset, apud José Afonso da Silva, “Curso de Direito Constitucional Positivo”
Malheiros,SP: 1992, p. 181.
56
através
de
um
de
seus
membros,
executasse
uma
lei
consuetudinária e sua decorrente sentença, com a morte. Esta
situação não é confundível com a realidade incorporada pela
criação do Estado e nem com as excludentes de crime(legítima
defesa, aborto, estado de necessidade etc.).
No Brasil, por exemplo, em momento nenhum é
permitido a violação ao direito à vida. Este direito fundamental
não é limitado pela Constituição, sendo cláusula pétrea intocável,
por ser direito natural do homem e não uma conquista social,
somente. O fato de se permitir as excludentes mencionadas em
seara ordinária, não resulta na afirmação de que o povo, encontrase sob o jugo direto do malfeitor e na batalha de viver ou morrer,
como o era no estado selvagem dos primórdios da sociedade, para
autorizá-la a determinar a morte de um homem.
Atualmente, poderoso o Estado para legalizar as
condutas típicas afrontosas e subjugar o delinquente ao seu
proclamo político-judicial de privação da liberdade, por questão de
simples silogismo, data respecta, torna inexistente aquele cenário
confrontador de sobrevivência social, a redundar a aclamação da
segurança pública como bem público a ser sopesado com o crime
para se chegar à excludente da execução da vida do condenado,
pela legítima defesa ou estado de necessidade. Ausente, assim, os
requisitos objetivos dos permissivos: a capacidade de defesa da
sociedade ameaçada e a potencialidade da ameaça do crime e do
criminoso.
O Estado, é certo, em termos de amparar o cidadão
com o seu direito constitucional à segurança e a outros direitos
individuais e sociais, está à beira da bancarrota, totalmente falido
financeira e ideologicamente, não fornecendo o atual sistema
57
punitivo o amparo capaz de suportarem-se as mazelas comuns da
criminalidade.
O
“estado
de
criminalidade”,
como
agora
conceituamos, não é algo à margem da lei e da moral. É, na
verdade, uma instituição nacional. Porém, mesmo assim, não é
justificativa para a expiação capital.
Não
falamos
aqui,
evidentemente,
sobre
a
criminalidade violenta somente. A corrupção nos órgãos públicos,
corroendo as estruturas basilares da administração pública no seu
próprio seio e na sua relação Estado versus Cidadão; a
impraticabilidade das garantias legais; a situação impotente a que
estão submetidos os pagadores de tributos de conviver, contínua e
diariamente, com escândalos apocalípticos nas mais altas cúpulas
governamentais , colocam o Brasil no front , na trincheira daquela
guerrilha comandada, patrocinada e estrelada pelo submundo
marginal.
Se necessário, esclarecemos. Na medida em que o
Estado paternal, provedor, protetor foi criado, exigindo-se para
tanto cessões de parcelas da liberdade, para primeiramente se
agruparem em pequenos projetos, módulos de sociedades com o
fito de resistirem aos estado de beligerância natural e, mais à
frente, para ususfruirem de proteção daquelas ainda inevitáveis
ameaças naturais e também dos outros módulos sociais já
existentes e mais poderosos pela força do grupo, o que sempre
permeou esse desenvolvimento social, além do seu próprio
florescer, foi a SEGURANÇA.
Assim, a segurança sempre foi o marco divisor entre a
sociedade e a guerra. Ao Estado, portanto, sempre foi imposta a
58
obrigação maior de que manter a ordem, dentre outras atribuições
de igual relevância.
Atualmente, vive-se em sociedade e, apesar dos
milênios decorridos, a necessidade premente continua a ser vital
para o homem. À toda evidência, as características geográficas, a
fauna, a flora e os fatores globais não são semelhantes àqueles de
priscas eras, porém, a ameaça, o temor, a insegurança são
sentimentos
indeléveis
no
homem,
não
sendo
seu
desenvolvimento intelectual até a atualidade, suficiente para
deixarmos de afirmar que a segurança de sua integridade física
continua a
figurar como a mais importante necessidade do
homem.
Ruinoso o Estado-Protetor, que separa e protege o
homem da realidade violenta e da ameaça externa, seja em que
época for, redunda na consciência de fragilidade do homem , que
não passa de um reles vertebrado, mortal como um pequeno e
indefeso inseto. Todo o problema reside nesta consciência.
Lembramos aqui de oportuna crítica de Freud:1 “No decurso do
desenvolvimento da civilização, o homem adquiriu uma posição
de predomínio sobre as criaturas companheiras do reino animal;
mas, não contente com tal supremacia, pôs-se a cavar um abismo
entre a sua natureza e a dos animais. Negou-lhes a posse e a
razão, atribuiu a si mesmo uma alma imortal e pretendeu arrogarse afoitamente uma origem divina; isto lhe permitiu romper o elo
de comunhão entre si e o reino animal... Todos sabem muito bem
que faz pouco mais de meio século as pesquisas de Charles
Darwin e dos seus colaboradores e precursores puseram fim a
esta presunção do homem. O homem não é um ser diferente dos
animais ou superior a eles; ele próprio descende dos animais e
1
Apud Orlando Soares, idem retro, na referência bibliográfica, p. 106.
59
possui uma afinidade mais estreita a alguma espécie e menos a
outra. Os progressos que o homem realizou não conseguiram
anular as provas da sua afinidade com essas espécies, tanto do
ponto de vista da estrutura física com também das disposições
psíquicas. Isto representa um golpe ulterior desferido contra o seu
narcisismo, o golpe biológico.”
Cônscio e acurralado, o ser humano, pelos seus dotes
de domínio da máquina e do poder, não reage simplesmente em
atos de fuga, de mera preservação da espécie.
Navegando pelos institutos sociais por ele criado, é
possível , se isso o ameaçar, exterminar tantos outros semelhantes
quanto suficientes para liberar-se daquele medo que o consome de
forma imediatista, fruto do temor mitológico de seus ancentrais.
O homem globalizado se vê nessa situação de
beligerância. A batalha travada, entretanto, não se resume a resistir
às ameaças de outros pares, mas à falência das instituições sociais.
Quando os Governos proclamam a adoção da pena de
morte, por exemplo, não se pretender eliminar um homem
marginal. Disse-nos antes sobre o nosso respeito a sentimentos
naturais de altruísmo, de solidariedade, de fraternidade e,
principalmente, do sentimento de culpa.
O sentimento de culpa é, por sua vez, antecedente e
preponderante sobre todos os demais, posto que é individualista,
egoísta. O sentir da culpa reage negativamente, de forma
centrípeta, enquanto os outros de forma centrífuga, porque
interage com o exterior. A culpa não. Ou seja, o sentimento de
culpa tende a irradiar efeitos para o interior do homem, enquanto
60
que os demais meios de sentir (fraternidade, solidariedade) tendem
a aparentar demonstrações para o exterior, com relação causal com
terceiros.
Na verdade, a pena capital exsurge como uma vávula
de escape dos Governos e também de seus cidadãos em libertar-se
desse temor que corroem as suas vísceras: A INSEGURANÇA. A
pena máxima, tal qual a fé, não passa de uma forma de exorcizar
os medos e a impotência humana, pois o Estado é diretamente
incompetente para garantir a inexistência do crime ou banir do
seio social os criminosos virtuais. Os cidadãos, por sua vez,
indiretamente carregam a consciência desse fardo. A sociedade
não pode esperar a eliminação do crime, questionando sob a voz
social: quando ficaremos livres dos criminosos? O crime deve ser
repensado de maneira a com ele conviver-se, cientes de que é
inevitável, como o é o progresso.
O que se deve aspirar é revolver uma instituição
ineficiente para atender e satisfazer a necessidade humana, no
caso, um sistema punitivo que promova eficazmente a prevenção,
a retribuição e, se possível, a ressocialização do meliante.
Porém, o engodo do recrudescimento da punição é
latente. Essa solução é imediatista, porquanto é fruto da resistência
enfraquecida da sociedade em
digladiar contra o terror da
insegurança, cujo fôlego já se expirou, gerando anseio de não
admitir postergações e remédios de solução a médio ou longo
prazo.
A revolução1 não deve ser voltada para a instituição
1
Revolução é a ação ou efeito de revolucionar. Revolucionar é resolver, mexer de baixo para cima,
instigar à revolta, causar uma notável mudança. A revolução, nominalmente considerada, pode ser pacífica ou
violenta, dependendo de seu processo e da sua natureza. Paulo Bonavides, in “Ciência Política”, Forense, RJ:
61
punitiva, mas empenhada em dirigir-se ao obrigado à segurança,
ou seja, àquele que se atribuiu o ônus de divisor entre a sociedade
do bem e os seus filhos maléficos: O Estado. A ele cabe efetivar os
institutos sociais, jurídicos e políticos capazes de, pelo menos,
mitigar os efeitos deletérios ínsitos às sociedades humanas,
decorrentes das distorções existentes entre os homens e as classes
econômicas do capital e do trabalho.
Aliás, como apontou o então Deputado Federal pelo
PT de São Paulo, José Genoíno, ao se manifestar no dia da
comemoração dos Direitos Humanos, a ineficiência e a
morosidade da Justiça são as grandes fontes de violação dos
direitos humanos, pois sem justiça que funcione e garanta
o
princípio de igualdade perante a lei, não há o ingresso no sistema
democrático. No Brasil, a violação dos direitos de cidadania, a
exclusão social, a existência de um aparato estatal e policial que
está a serviço dos mais ricos e que se volta contra os mais pobres
são fatores que representam uma situação de fato que anula o
Estado de direito formal e que a grande revolução que o Brasil
precisa fazer é diminuir a distância entre o Estado de direito
formal e os direitos reais dos cidadãos e, sem a consecução desse
movimento, que implica na realização de tarefas enormes e na
superação de desafios imensos, as portas do século XXI não se
abrirão para o nosso país pela entrada da civilização.1
1986, p. 627), selecionou três conceitos básicos: o histórico-cultural; o jurídico e o político. O primeiro aplica-se
às grandes mudanças nas artes, ciências, técnicas, filosofia, praxis social, que representaram um novo período
cultural, um novo desenvolvimento histórico. O segundo, aplica-se à quebra do princípio da legalidade vigente.
A substituição de um ordenamento jurídico por outro, com o advento de novas instituições, pelo exercício
originário do poder constituinte. O terceiro e último, aplica-se à substituição violenta de governos, de pessoal,
de programas, de classes dominantes. Revolução, portanto, é toda mudança violenta nas instituições políticas de
uma nação.
1
Artigo publicado no jornal “O Globo”, do dia 10.12.96.
62
Em interessante resenha1, Sérgio Salomão Shecaira
trouxe os apontamentos científicos do trabalho de autoria de
Alípio de Sousa Filho, docente do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
intitulado “Medos, Mitos e Castigos: notas sobre a pena de morte”2, cujo teor, de alta relevância, não pode ser suprimido em
trabalho comprometido em anotar considerações sobre a pena
capital.
No opúsculo, o problema não é cuidado sob à
perspectiva jurídica, mas sob o enfoque humanitário, tão
necessário nestes tempos de dogmatismos supostamente neutros.
Na realidade, como asseverado na resenha, cuida-se de um estudo
antropológico e sociológico, para que se entenda o fantasma que se
esgueira por detrás da cortina de fumaça representada pela pena de
morte, com realce para o medo e seu papel de influência nas
sociedades, como mecanismo de controle social, intimamente
ligado ao poder. “O poder humano e social, ou não-humano e
sobrenatural, cria a idéia ao homem de que este deve obediência e
respeito únicos ao seu propagador. Todavia, pensar que o medo é
comportamento do homem arcaico é acreditar que o homem
moderno está totalmente liberado desta emoção, pela idéia de
que este pode contar com explicações lógicas cada vez que se
depara com fenômenos que desconhece. Dado interessante que se
articula com a idéia do medo é representado pela ideologia. Esta
se constitui em um meio de explicar como os indivíduos e os
grupos dominados podem ‘consentir espontanemente’ na sua
dominação. É preciso que esta dominação lhes pareça como algo
natural e legítimo, como se o serviço prestado pelos dominadores
fosse resultado de uma troca em que os benefícios são distribuídos
1
Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4, nº 13, 1996, São Paulo, p. 406.
2
Coleção “Questões de Nossa Época”, Cortez Editora.
63
equanimemente entre todos. Para Marilena Chauí, a ideologia
seria, principalmente, o trabalho de idéias com vistas a ocultar a
existência do Estado como órgão de poder destacado da
sociedade e órgão de dominação da classe econômica e
politicamente dominante. Assim, a ideologia permite criar a
ilusão de um direito e uma sociedade indivisiva, sendo prova
dessa coesão a própria existência de um único Estado. Se é
verdade que a sociedade hoje utiliza prioritariamente a ideologia
para atenuar o caminho da dominação, não é menos verdade que
esse caminho era trilhado no passado pelos mitos. A história de
todos os povos atesta a existência dos mitos como parte integrante
da vida social e como fundamental na função de legitimar a
realidade social existente. O mito pode ser entendido, em termos
gerais, como a narrativa de um acontecimento extraordinário, o
relato de um fato fabuloso, que se acredita verdadeiro e se supõe
acontecido num tempo muito afastado e impreciso. A narrativa
mitológica é sempre contada como história verdadeira, cercada
de mistérios e segredos, transmitida por meio de narrações
complexas ou de ritos caracterizados pela sacralidade e pela
magia. Os homens vêem-se perseguidos pelo sentimento de que
transgrediram a Ordem Natural das coisas: forma-se assim, podese dizer, o arquétipo do temor à transgressão. A existência de
mitos sobre castigos em todas as culturas, atesta que as
sociedades humanas - mesmo as sociedades modernas - precisam
da adesão dos seus membros a uma crença: a crença de que sem o
exemplo da punição não existirá respeito e obediência às leis, às
regras, aos costumes etc. Nas sociedades cristãs são muitos os
mitos do castigo: o medo do dilúvio, de destruição igual à de
Sodoma e Gomorra, do Anticristo, das pestes dizimadoras etc.Os
homens passam, dentro desse contexto, a serem condicionados a
acreditar na necessidade de castigos, principalmente pelos meios
de comunicação de massas que manipulam fatos e imagens com
64
esse objetivo. Os indivíduos acabam se tornando veiculadores da
opinião favorável à instituição de medidas repressivas fortes:
modo pelo qual se cria o mito da opinião pública. Este é um dos
mitos
que
mais
serve
à
dominação
nas
sociedades
contemporâneas, pois é nele que o poder se apóia para dar maior
legitimidade às suas ações. Evidentemente, aos que interessam a
instituição da pena de morte, muito serve o mito da opinião
pública, uma vez que os próprios indivíduos chamados a se
manifestar respondem em favor da implantação da medida, e isto
não há como negar. Por essa via, o pensamento conservador e o
poder encontram a maneira de se afirmarem como corretos,
justos, democráticos e com juízo fundado na opinião da maioria.A
retirar pelas experiências recentes da vida nacional, é possível
concluir que as massas, caso viesse a ser realizado o plebiscito
proposto no Congresso Nacional, votariam a favor da pena de
morte. Não porque estejam ultrajadas, maltratadas, desesperadas,
mas porque partilham como os governadores e dominantes, da
crença na necessidade de um castigo exemplar. Trata-se de um
mito de muito força simbólica que levaria o povo a participar da
decisão que acaba (supostamente) com o crime. Os dominados
intentam uma desforra: num misto de alucinação e recusa
inconsciente da exclusão a que estão submetidos, imaginam tomar
parte no combate dos poderosos à violência e aos violentos, caso
contribuam para a tomada da decisão de condenação dos
culpados e participem nos rituais da execução dos réus.É o medo
que, permeado pela ideologia e pelos mitos, na sociedade de
excluídos, dominada firmemente por uma casta dominante, poderá
nos levar à aprovação da pena mais exemplar: a pena de morte.”
Ademais, entendemos que a crescente criminalidade,
que progride já acima dos tetos aceitáveis de qualquer sociedade,
não será contida pela adoção da pena capital, porque os
65
movimentos políticos pretendem sua adoção como meio de
combater efeitos, e efeitos são sempre geradores de soluções
imediatistas. E então, mesmo embarcando no ataque aos efeitos,
preocupa-nos a indagação: e se, apesar da pena de morte os crimes
violentos aumentarem e a incidência de crimes não hediondos
generalizar-se? Nem se diga ser isso impossível ou possuir
pequena probabilidade, pois os criminosos de crimes bárbaros,
como o sequestro seguido de morte, nem teriam mais o direito ao
arrependimento, mas apenas o incentivo de sua folha de
antecedentes criminais elencando-o como integrante do grupo a
frequentar o corredor da morte. “Enquadro-me nos propensos
condenados à morte, quer por reincidências, quer por maus
antecedentes. Já serei condenado pelo que fiz, por que então não
continuar a arriscar e ir em frente?”, questionará o delinquente.
No tocante aos criminosos comuns, a tendência será
contrária à intimidação, pois inerente será o desprezo à cadeia ou
às penas alternativas, força do paradigma da pena de morte, ou
seja, a pena capital para os crimes hediondos ofuscará o caráter
retributivo das demais penas, incentivando os pequenos, mas já
numerosos pequenos delitos, pois “pelo menos não serei morto e
não estarei nunca dentro dos requisitos da reincidência que levam
à pena de morte”.(Devemos lembrar da regra geral: em todo crime
que, por sua natureza, deve com frequência ficar sem punição, o
castigo é um incentivo a mais. Ver Beccaria, ob. cit. , p. 82).
E então, não será a pena de morte suficiente! E então,
outro movimento político se levantará: a pena de morte ao
condenado hediondo e também extensiva a seus filhos, e depois a
seus ascendentes e assim por diante.
É só alterar a cláusula pétrea que garante aos cidadãos
66
que nenhuma pena passará da pessoa do condenado! E a cadeia
condenatória, os ciclos de punição serão infindáveis no sentido
contrário às conquistas públicas, sociais e individuais.
67
IV - O SISTEMA PUNITIVO NACIONAL
SUMÁRIO DOS TEMAS ABORDADOS NESTE CAPÍTULO.
1 As penas: classificações. 2 As espécies de pena no sistema
brasileiro. 3 As modalidades das penas. 4 Os regimes. 5
Características das penas nacionais. 6 O sistema punitivo: uma
visão. 7 Os sistemas penitenciários.
As penas são classificadas em sede doutrinária,
conforme elenco de Damásio de Jesus,1 da seguinte forma:
corporais; punitivas de liberdade; restritivas de
liberdade;
pecuniárias e privativas e restritiva de direitos.
O
atual
sistema
punitivo
nacional
recebeu
modificações profundas implantadas na parte geral do Código
Penal e nas execuções penais.
Para se ter a noção exata do teor da transição que se
operou entre a política criminal que vigorava a época do Código
Penal anterior e a adotada pelas atuais legislações, mister se faz
trazer ao bojo do presente capítulo os tópicos numerados e
realçados, constantes na Exposição de Motivos da Nova Parte
Geral do Código Penal2, que também alcançam as diretrizes da Lei
de Execuções Penais, dando ao leitor visão ampla da novel
estrutura do sistema punitivo brasileiro.
Elencam três categorias de punição, todas principais,
ad literam: as privativas de liberdade, subdivididas em reclusão e
detenção; as penas substitutivas da liberdade e restritivas de
direitos e a pena de multa.
1
obra citada na referência bibliográfica, p. 456.
2
E.M.0211, de 09/05/83.
68
No que pertine às penas privativas de liberdade, apesar
de existirem duas modalidades - reclusão e detenção, cujo escopo
é repercutir na forma do regime penal a ser cumprido, a saber
fechado, aberto ou semi-aberto, na realidade, não possui aplicação
prática, já que dentro do complexo prisional indistinta é a massa
deletéria do cárcere.
Porém, verbis legis, o regime fechado é o executado
em penitenciária, em estabelecimento carcerário de segurança
máxima ou média. O regime semi-aberto, por sua vez, se executa
em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. O
regime aberto, por fim, tem como característica a execução da
expiação em casa própria de albergado ou outro estabelecimento
equivalente.
O codex penal estipula os critérios para o sentenciante
estabelecer o regime inicial executório pela aferição valorativa das
circunstâncias do desenvolver criminoso, a personalidade do
agente, a periculosidade, reincidência, respeitando, entretanto, o
critério objetivo do resultado da apenação, pois a pena superior a
08 (oito) anos impõe (vinculado) o regime fechado, enquanto na
imposição de pena igual a 04 (quatro) anos e não superior a 08
(oito) anos, o regime será semi-aberto e, abaixo daquele numeral,
o regime poderá ser o aberto (discricionários).
Para a execução das penas nos susos aludidos regimes,
a lei determina as providências específicas, peculiaridades e regras
de cada um, com relevo às garantias das custodiadas (sexo
feminino), inerentes às suas condições pessoais, bem como os
direitos previdenciários e garantias trabalhistas, além de os outros
não atingidos pela privação da liberdade e ínsitos ao ser humano.
69
Com efeito, as penas restritivas de direitos, prestação
pecuniária, perda de bens e valores, impositivas de prestação de
serviços à comunidade ou a entidades públicas, ou interdição
temporária de direitos ou, ainda, limitação de fim de semana,
apesar de autônomas, têm caráter substitutivo às privativas de
liberdade, atendidas condições simultaneamente aferidas, sob pena
de conversão na punição substituída.
Prevê a lei penal, além das anteriores, a pena de multa
que será aplicada de forma alternativa ou cumulativa, ou
isoladamente, com a adoção do sistema escandinavo dos diasmulta, que leva em consideração os rendimentos auferidos mensal
ou anualmente pelo condenado.
As medidas de segurança, como as penas, são formas
de
sanção
penal,
porém
diferenciadas
pela
natureza
eminentemente preventiva daquelas e, seu foco de ação objetiva, é
a correção da periculosidade real ou presumida do sujeito e irão
subexistir ou cessar diante do juízo de periculosidade que é, no
dizer de Soler “a potência, a capacidade, a aptidão ou a
idoneidade que um homem tem para converter-se em causa de
ações danosas.”1
No Brasil, de juri constituto, as medidas de segurança
cingem-se
sua aplicação aos inimputáveis (salvos o de
menoridade penal) e aos semi-imputáveis, nas espécies detentiva e
restritiva, com internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico ou similar, ou submissão a tratamento ambulatorial,
com liberação sempre condicional.
1
Soler, “Exposición y Crítica del Estado Peligioso” , 2ª ed., Buenos Aires, p. 21.
70
Na medida de segurança foi adotado o sistema
vicariante na reforma penal, operada em 1984, em abandono ao
anterior sistema do duplo binário, não existindo a aplicação delas
para os imputáveis, em cumulação e/ou em sucessão à pena
privativa, como o previa a codificação de 1940.
O nosso conjunto normativo penal adotou as regras da
progressão e da remição, tanto por ocasião da prolação do decreto
condenatório, como já na fase executória, para impingir ao agente
a conscientização do valor da liberdade e, pelo processo de
reflexão, seu arrependimento, fazendo-o lutar por dias futuros
mais amenos, alçando por intermédio de seu mérito, regimes mais
brandos até o atingimento da soltura.
No direito das execuções existem três sistemas
penitenciários clássicos, o da Filadélfia; o de Auburn e o sistema
irlandês ou progressivo, advindo do sistema prisional da Irlanda
onde foi implantado por Walter Crofton, em adoção ao sistema
sugerido por Alexandre Maconoche na obra de 1838, intitulada
“Thoughts on Convict Management”, que tem como espinha
dorsal a idéia de relação causal entre a melhora gradativa da
situação prisional até a liberdade, avaliados pelo mérito e
comportamento do condenado.
Para alguns eminentes juristas, o sistema progressivo
acima e por último mencionado é denominado sistema inglês e não
irlandês, apesar de sua origem. “Há três sistemas principais: o de
Filadélfia, o de Auburn e o inglês ou progressivo. O primeiro foi
adotado na Pensilvânia e na Bélgica, motivo pelo qual é também
chamado sistema belga. Pelo Sistema Auburn, o condenado
trabalha em silêncio durante todo o dia juntamente com outros e
fica isolado à noite. Pelo sistema inglês, há um período inicial de
71
isolamento celular, depois passa a trabalhar em comum,
posteriormente em colônia agrícola e depois é liberado
condicionalmente. Foi adotado inicialmente na Irlanda por
Crofton. É também chamado Sistema Irlandês ou de Crofton.”1
O instituto da suspensão condicional da pena foi
mantido em sua essência, somente sendo transposto para o novo
sistema com as alterações decorrentes das novas diretrizes
veiculadas para as penas e sua consequente aplicação.
A par disso, novos sistemas penitenciários estão se
desenvolvendo, com o aperfeiçoamento do sistema progressivo,
difundido e acatado pelas legislações modernas, tendo, inclusive, o
Brasil, adotado um sistema próprio de feições eminentemente
progressivas, posto que não atrelado unicamente ao mérito e bom
comportamento do condenado, mas também o seu atingimento
gradual ao desiderato da ressocialização. É preciso que a pena não
se protraia para além do tempo de condenação2, escopo máximo da
reeducação do penitente.
Informamos, com extrema atualidade, que o Conselho
Nacional de Justiça lançou, em 19 de março de 2007, banco de
dados nacional sobre a radiografia do sistema prisional – O
SISTEMA INTEGRADO DE POPULAÇÃO CARCERÁRIA(ver
www.stf.gov.br/noticias/ultimas/ler), oportunidade em que foi
firmado convênio com a FIESP para a ressocialização de presos.
1
Roberto Lyra, “Comentários ao C. Penal”, II, RJ: Forense, 1942.
2
“Condenado, o acusado é recolhido ao cárcere, para cumprimento da pena que lhe foi imposta pela
justiça. Ao aproximar-se do fim do perído prisional, aguarda o sentenciado, com alegria, a liberdade. Ao
sentir-se livre das grades, contudo, sente o seu drama: não consegue emprego, em virtude de seus maus
antecedentes. Nem o Estado e nem o particular lhe facilitam uma colocação. A pena, portanto, não termina
para o sentenciado”, Carnelutti, ob. cit. na referência bibliográfica, p. 8.
72
De acordo com a ministra Ellen Gracie, sob e quando
no exercício da presidência do STF e do CNJ, o Sistema Integrado
é uma intervenção incisiva no ciclo de violência, pois todas as
informações são on-line, com a individuialização dos presos de
todo o sistema carcerário.
73
V – A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E OUTRAS
TENDÊNCIAS SOBRE O SISTEMA PUNITIVO
SUMÁRIO DOS TEMAS ABORDADOS NESTE CAPÍTULO.
1 Intróito. 2 A Segurança Pública. 3 A Rigidez do Sistema. 4 A
Redução da Idade Penal. 5 As tendências para a adoção de
Penas Alternativas. 6 O Custo Prisional. 7 As opiniões dos
Juristas e da Sociedade Civil.
A reforma do sistema punitivo brasileiro é matéria em
voga nos mais diversos seguimentos sociais, ensejando um
crescente movimento, em especial nas raias dos meios jurídicos,
aonde ministros, juízes, professores vêm lançando opiniões das
mais variadas linhas, com o intuito primordial de sensibilizar o
Constituinte Reformador do fito de conceder tratamento prioritário
a esse problema, já agora de repercussões grandiosas.
É
bem
verdade
que
a
questão
penitenciária,
atualmente, teve como motivo mais relevante para a deflagração
da preocupação das autoridades governamentais, o episódio
ocorrido na penitenciária de Gôiania, onde Leonardo Pareja (morto
em 1996) foi protagonista de revolução prisional que trouxe à tona
o descalabro do sistema penitenciário no país, com transformação
pela mídia do aludido bandido em herói nacional.
Sem dúvida que o referido episódio trouxe à baila
facetas deploráveis: que a cadeia é um submundo à parte,
corrompido da direção ao faxineiro; a demonstração da falência da
instituição prisional, com homens vivendo à margem da sociedade,
pondo por terra qualquer pretensão de ressocialização; a aparição
do sentimento de descrédito do cidadão nas autoridades; a
necessidade, a carência e o anseio por parte da sociedade na
74
aparição de mitos que sejam capazes de romper as barreiras da
hipocrisia instalada; a realidade apodrecida das instituições sociais
mantidas pelo Estado.
Com efeito, a punição do criminoso, entendido neste
vocábulo as fases que englobam a apresentação de projetos de lei e
sua edição ao final do trâmite legislativo, passando pela etapa da
condenação no processo penal e, por fim, como decorrência do
decreto condenatório, a submissão do condenado à execução da
expiação em estabelecimentos prisionais, tem a interferência direta
dos Poderes da República - Legislativo - Judiciário - Executivo,
que se contentam em manter o statu quo mesmo cônscios da
impraticabilidade filosófica e empírica do sistema.
O Legislativo não estuda a causa de falência do
sistema punitivo, com vista a eliminar problemas conjunturais e
estruturais, satisfazendo-se com soluções paliativas que, no fundo,
transformam mais impraticável o escopo da ressocialização.
É o caso, por exemplo, da lei de crimes hediondos que
vem, tão-só, atender a reclamos setoriais da sociedade, com o fito
de lhe dar uma satisfação imediata, com persistência do modelo
político-criminal de tendência “paleorepressiva”, cujas notas
marcantes são endurecimento das penas, a supressão dos direitos e
garantias individuais, tipificações novas e o agravamento da
execução penal.1
A mencionada legislação penal, todavia, é desprovida
de qualquer efetividade e segurança jurídica à coletividade, já que
editada em contexto social onde os seqüestros nos grandes centros
1
Vide Damásio E. de Jesus, Boletim IBCCrim 33, p. 3.
75
tomaram proporções inimagináveis, fixando penas pesadas e
obstando diversas prerrogativas processuais, inclusive violando a
Constituição Federal.1
A perspectiva é cruel, na medida em que se agrava o
modelo sócio-econômico, gerando acirrada demanda de políticas
criminais duras como correspondência do Poder Político na edição
de leis.
Agrava-se, também, o problema das organizações da
segurança em geral. Os organismos policiais federais, estaduais e
municipais deveriam existir, como pensa Miguel Reale2, como
corporações eminentemente policiais, atuando nas ruas, com
preparação de ensino técnico-qualificado e sem o “ranço”
militarista, com muitos de seus integrantes exercendo funções de
vigilante de repartições públicas.
Estruturalmente, na esteira do jurista citado, mister se
faz a revisão da filosofia das corporações policiais militares como
força auxiliar e reserva do exército, conforme hoje vem regulado
pelo art. 144, parágrafo 6º, da Constituição Federal, com reflexo,
inclusive, na competência exclusiva da União para legislar,
genericamente, sobre efetivos, convocação e mobilização das
polícias militares3, como também a competência residual
conferidas aos Municípios para, tão-só, constituirem guardas
municipais destinados à proteção de seus bens, serviços e
instalações, conforme disposição legal do art. 144, parágrafo 8º,
1
A insuscetibilidade da liberdade provisória prevista no art. 2º, inciso II, da Lei numerada em 8.072,
de 25/07/90, afronta o artigo quinto, inciso XLIII, CF/88.
2
“O Estado de São Paulo”, dia 24.08.96.
3
Álvaro Lazzarini não entende assim: “A polícia militar não representa poder militar, como querem
alguns, mesmo porque ela é subordinada aos governadores dos Estados e do Distrito Federal” - Suplemento
Justiça do “O Estado de S. Paulo”, pp. 5 e 6, de 01.02.91.
76
CF.1
O problema do Município, como ente federativo,
provido de autonomia financeira, administrativa e judicial foi
objeto de outro livro de autoria deste autor em parceria com o
então Desembargador Federal Ney Moreira da Fonseca, intitulado
“O PODER JUDICIAL MUNICIPAL E A APLICAÇÃO SOCIAL
DA PENA”, lançado pela Forense, ano 1997, como uma das
grandes armas a ser utilizada na reformulação da realidade atual,
para a criação de um sistema punitivo novo e comprometido com
as novas diretrizes sociais do nosso Estado Democrático, onde será
previsto o surgimento e o raio de ação das polícias militar e civil,
no âmbito da comuna, como órgãos fundamentais, junto,
evidentemente, com o Ministério Público e o Judiciário, na
prevenção e repreensão do crime e, ainda, para o fim de, nos
dizeres de Pimenta Bueno2 “rastrear e descobrir criminosos que
não puderam ser prevenidos, colher e transmitir às autoridades
competentes os índicios e a prova do crime, indagar quais sejam
os autores e co-agentes e, finalmente, concorrer com eficácia para
que sejam levados ao Tribunal.”
De efeito, como anotam Antonio Carlos de Castro
Machado e Carlos Alberto Marchi de Queiroz3 são as seguintes
facetas da nova organização policial, quando fazem alusão às
polícias da cidade de São Paulo: “O atual quadro político estadual
tem, como meta prioritária, o fortalecimento do binômio Polícia
1
CF/88, art. 144 – “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:(...) § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de
seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”
2
“Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro”, [S.L.:s.n.], pp. 3/4, 2. ed. 1857.
3
“ Polícia e Direito”, Revista Brasileira de Ciências Criminais,vol. 13, pp. 239/240.
77
Militar-Polícia Civil num sistema altamente competente de
prevenção do crime e à desordem, otimizando o policiamento
ostensivo da Polícia Militar em igualdade de condições com a
atuação especializada dos setores reestruturados da Polícia Civil,
sem se descuidar, por um só momento, do combate cerrado ao
crime organizado... Para tanto, além da indispensável ação
cívico-social de ambas Corporações co-irmãs, devemos adotar
mecanismos adequados de seleção e de capacitação de nossos
quadros, uma vez que em andamento a recuperação salarial e dos
meios de ação postos à disposição de policiais civis e
militares(...)Efetivamente, estudos de Polícia Comparada revelam
que, na Europa, corporações semelhantes às Polícias Militares
brasileiras, como a Gendarmerie Nationale, na França, a
Guardia di Pubblica Sicurezza e os Carabinieri, na Itália, a
Guarda Civil, na Espanha e a Guarda Nacional Republicana, em
Portugal, têm situações legais perfeitamente definidas em lei
ordinária, já que, em época de paz, operam no âmbito dos
respectivos Ministérios do Interior, instituições equivalentes a
nossas
Secretarias
de
Segurança
Pública.
O
quadro
constitucional brasileiro está muito próximo da realidade
européia, uma vez que o ideal de uma polícia unificada não
implica, necessariamente, na fusão dos organismos atualmente
existentes. Basta, tão-somente, vontade política do legislador para
solucionar de vez com inteira propriedade, a questão. A nova
Polícia surgirá, no Brasil, quando cumprido o espírito do
parágrafo 7º do artigo 144 da Constituição Federal que
preceitua: ‘A lei disciplinará a organização e o funcionamento
dos órgãos responsáveis pela segurança pública de maneira a
garantir a eficácia de suas atividades.’”
Aliás, urge necessária mudança na atuação da polícia,
pois, em pesquisa promovida pelo Instituto de Estudos
78
Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo( IDESP), apurou-se
que 71% dos entrevistados entendem que o aludido órgão tem
maior grau de responsabilidade pelo mau funcionamento da
Justiça e, levando-se em consideração aquele percentual, 91%
acham que os obstáculos para uma melhor atuação está afeta à
falta de aparelhamento, e 88%, por mau desempenho de suas
funções1.
A manutenção desse statu quo resulta em que,
resumindo, a criminalidade não diminui, os crimes não são
apurados na sua totalidade (a autoria e a materialidade) e não se
aprisionam os culpados, e, se tal fato ocorresse, o sistema não
mudaria, pois se lançaria mais um condenado em um sistema de
irrecuperáveis, onde ele seria, por sua vez, o corruptor de outros
condenados praticantes de ilícitos de ínfima potencialidade, prática
comum nos seios carcerários.
A proporção calamitosa da ineficácia penal está
retratada nos dados trazidos pelo repórter Orlando Nóbrega2: 275
mil condenados, em nosso país, estando aprisionados, apenas, 126
mil, ou seja, menos da metade, segundo o censo penitenciário
federal. Lembrou, ironicamente, na reportagem, as palavras do
Des. Hellis Filgueiras lançadas por ocasião da inauguração da
primeira penitenciária no Brasil: “O imperador, surpreso ante o
inexpressivo grupo de presos perfilados em sua homenagem,
indagou a um deles o motivo, obtendo a seguinte resposta: Exa.,
nós só somos meros recrutas. Os batalhões de verdade estão lá
fora.”
Sob o título “Seis mil foragidos só no Rio”, o jornal
“O Globo”, edição de 19 de março de 2007, página 03, traçou um
1
2
“Jornal do Brasil”, 27.09.96.
“Jornal do Commércio”, seção Direito e Justiça, dia 28.07.96.
79
perfil dos presos do estado do Rio de Janeiro, por aplicação do
Sistema Integrado de População Carcerária e como parâmetro para
as devidas políticas públicas, conforme tabelas que se seguem:
80
81
82
83
Há, entretanto, juristas que endossam, como solução,
o recrudescimento e maior rigidez das penas, inclusive pregando
pela eliminação de institutos penais, tais quais o indulto, a anistia
e a graça, entendendo “incompatíveis com o fascínio brasileiro
pelas soluções simplistas.”
É o caso de Waldyr de Abreu1, professor de Direito
Penal que assevera:
“Se as decisões dos juízes togados são
passíveis de reparos, o que se poderá esperar de procedimentos
políticos, fazendo pretensa justiça por atacado, em repetidos
indultos, na melhor das hipóteses para confessadamente abrir
vagas à crescente onda de condenados à solta? É algo no mínimo
surrealista. Armando Falcão logrou reduzir drasticamente o
caráter punitivo do nosso Código Penal ora ainda vigente, com
profusa adoção das chamadas penas alternativas. Neste ensejo da
reforma constitucional, boa emenda seria eliminar todos estes
agraciamentos. Espera-se prevaleça o bom senso e o indulto não
se confirme, quando estamos acuados por criminalidade sem
precedentes e das mais impressionantes do mundo. Em
circunstâncias menos grave, em França, o novo Código Penal
timbra pelo acentuado rigor e prevê prisão perpétua para mais de
50 crimes. Nos EUA, lei federal ameaça também com prisão
perpétua todos os acusados já com duas condenações anteriores,
mesmo em infrações não hediondas. Noticia-se que em 1995 com
isso lograram uma queda de 15% na criminalidade em geral.”
Infelizmente, data respecta, a importação de soluções
1
Exposição veiculada no “Jornal do Commércio”, do dia 13/02/96.
84
alienígenas não nos parece bom caminho.
Incomparável a situação de outros países com o Brasil,
em especial pela grandiosidade de seu território e de suas culturas
regionais, onde uma lei federal, tal qual a de crimes hediondos,
tem aplicação restrita a determinada região, porém com validade
sobre toda extensão de soberania no país, bem como as
particularidades da política nacional e as deficiências das
instituições estatais que chegam a estremecer o próprio poder de
império representado pelos Poderes Republicanos.
Por isso, nasce em discussão um novo pacto
federativo, com a reavaliação das competências constitucionais
sobre determinadas matérias, mormente aquelas que venham a
refletir na segurança pública. Como exemplo, temos a matéria do
Jornal “O Globo”, de 13 de fevereiro de 2007, na página 11,
atribuindo ao governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio
Cabral, a defesa da redução da maioridade penal, pois o estado
fluminense tem que ter penas mais severas e, como antecedente,
uma legislação penal própria, inclusive, com amparo nas sugestões
do juiz Carlos Borges, titular da vara de Execuções Penais, que
propõe que os menores possam ser declarados pela justiça
emancipados, tornando-se, assim, para efeitos penais, maiores,
dependendo do tipo de crime que tiverem cometido. O governador
também reafirmou naquela oportunidade que o pacto federativo
precisa ser revisto, para que os estados tenham maior autonomia,
já que o Brasil conta com 27 Estados, com realidades díspares.
Além do mais, a opinião do ilustre articulista tem
discutível veracidade. Essa assertiva encontra-se aventada em
réplica de Julita Lemgruber, socióloga e, na época, assessora
técnica da Secretaria de Justiça, que nos prestigiou com dados
85
totalmente contrários àqueles mencionados por Waldir de Abreu.
Entendemos de alta relevância o teor do articulado por
escrito, principalmente pela autoridade de ser estudiosa, há mais
de vinte anos, do sistema de justiça criminal, além do exercício da
função de ex-diretora do Sistema Penitenciário do Estado do Rio
de Janeiro, responsável pelas unidades prisionais fluminenses.
Confira-se1: “... estou convencida de que a prisão, por seu alto
custo e ineficácia, deve ser reservada para quem comete crimes de
gravidade e violência e se constitui, de fato, em ameaça concreta
ao convívio social. Todos os outros infratores devem ser punidos
com penas alternativas à pena de prisão. Nossa legislação já
contempla as penas alternativas: para crimes punidos com até um
ano1 de prisão o juiz pode substituir a privação de liberdade por
uma pena alternativa, como a prestação de serviços à
comunidade. Na verdade, esta legislação precisa ser mais
utilizada e, até mesmo, ampliada para que o contribuinte não seja
punido. Trata-se, aqui, de discutir a relação de custo-benefício da
pena privativa de liberdade. Se a questão for analisada desse
ponto de vista, o contribuinte perceberá que o dinheiro dos seus
impostos está sendo muito mal gasto. Ao contrário do que o autor
do referido parece acreditar, a utilização ilimitada da pena
privativa de liberdade não influi no controle da criminalidade.
Inúmeros estudos científicos, em diversos países, já demonstraram
que o recrudescimento da legislação penal e a elevação do
contigente de presos e prisões não contribuem para a redução dos
índices de criminalidade. O melhor exemplo desses estudos é
aquele divulgado pelo National Council on Crime and
Delinquency relativo aos estados americanos de Wisconsin e
Minnesota, muito semelhantes sob o ponto de vista sócio-
1
Jornal “O Globo”, de 24.07.96.
86
econômico e geográfico. Durante os anos 80 Wisconsin
deliberadamente investiu no recrudescimento de sua legislação
penal, o que provocou a duplicação do número de presos.
Minnesota manteve, no mesmo período, leis menos rígidas, pouco
aumentando seu efetivo carcerário. Após dez anos, o primeiro teve
um aumento de 59% em sua taxa de criminalidade violenta e
Minnesota viu seus índices subirem apenas 8%. Ou seja, os contribuintes de Wisconsin sairam perdendo: passaram a gastar o
dobro com seus presos e não ganharam nada em termos de
segurança pública. As penas alternativas, tão duramente
criticadas, não são mais dispendiosas como afirma o articulista e
seus resultados são amplamente compensadores. Na Inglaterra,
por exemplo, um preso custa, no mínimo, 400 libras por semana e
um infrator submentido a pena alternativa, com controle
absolutamente rígido e eficaz, custa, no máximo, 150 libras por
igual período. Nos Estados Unidos, o custo médio anual de um
preso é de US$ 25 mil, enquanto que o infrator mantido em sua
comunidade e submetido a uma pena alternativa, custa, em média,
US$ 2 mil ao ano. Ademais, como revelam experiências em
diferentes países, os infratores punidos com penas alternativas,
como, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade,
reincidem menos. Nunca é demais lembrar que na Inglaterra os
infratores submetidos a penas alternativas reincidem menos 15%,
se comparados àqueles condenados à pena de prisão e, em alguns
países, estes números são ainda mais significativos. Em
levantamento por mim realizado em 1995, constatei que 24,3%
dos presos do estado do Rio de Janeiro haviam cometidos crimes
menos graves e sem violência. No entanto, dos 11.647
condenados, em dezembro do mesmo ano, havia apenas 192
indivíduos prestando serviços à comunidade. Em 1994 havia 50
mil presos na Inglaterra e 54 mil infratores submetidos a penas
1 Atualmente, 4(quatro) anos, sem prejuízo dos crimes de menor potencial ofensivo sob a competência dos
Juizados Especiais estadual e federal.
87
alternativas. Nos Estados Unidos 68% dos condenados receberam
penas alternativas no mesmo ano. Em alguns países europeus
esses números são ainda mais altos. Na Alemanha, por exemplo,
80% dos infratores receberam penas de multa... Melhor
investirmos nossos recursos em saúde, educação, moradia
popular e saneamento básico. Assim, talvez muito dos 16 milhões
de miseráveis deste país ficarão mais distantes do fascínio do
dinheiro fácil que vem do crime.”
Não fosse isso suficiente para ver com certa reserva a
opinião de Waldir Abreu, sem qualquer conotação pessoal,
a
verdade relativa ao benefício do indulto e da graça deve ser vista,
não como um favor político fomentador de crimes, mas como um
duplo julgamento, força de sua seletividade por vezes alcançada
sem um processo coerente e paritário para sua concessão.
Nesse diapasão, indultos editados pelo Presidente da
República, de caráter condicional, visando o atingimento de
relevante parcela carcerária, na verdade, retratam benefícios
ineficazes para minimizar os malefícios da prisionalização, com
efeitos positivos sobre a estrutura mental e psicológica dos
encarcerados.
Assim, sustenta-se que o condenado já foi alvo do
juízo de reprovação erigido pela sentença procedente da ação
penal, não podendo sê-lo novamente por ocasião do decreto anual
de indulto, pelo que deveria ser extensiva a todo o universo
carcerário, atendidos os requisitos objetivos para a aferição de seu
merecimento.
Ademais, a distinção na aplicação das penas impostas
a cada corpo de condenado existente nos complexos prisionais, por
88
comportamentos desiguais e dessemelhantes, não poderia ser
repetida na aplicação dos benefícios excludentes, sob pena de
representarem duplo julgamento do réu.
Dessa forma, concluímos que, muitas das agruras da
prisão seriam suportadas em decorrência da perspectiva de
reconstrução do ser humano, pelos pequenos momentos de
liberdade.1
No tocante a questão do custo prisional e o encargo
pelo qual o preso onera a população, em especial a brasileira, cujo
índice salarial é um dos mais baixos do mundo, se não for a menor
renda per capita, levam notórios juristas e administradores a
realçar, sobremaneira, a adoção de penas alternativas como ao
longo se mostrará.2
O Censo Penitenciário Nacional, realizado em 1993,
apurou que, naquela data, haviam 126.152 presos no país, com
51.638 vagas em estabelecimentos prisionais, com a média
nacional de 2,5 presos/vaga, gerando um déficit de 74.533 vagas,
necessitando-se para suprir o vazio um custo orçamentário de US$
40.000, por vaga, para a construção de 130 complexos
penitenciários, com capacidade para 500 presos, a um orçamento
de 15 milhões de dólares, para absorver do Estado, após
instalados, um valor médio para a manutenção de cada preso no
1
A opinião retro lançada é de autoria do dr. Nélio Roberto Seidl Machado, advogado criminalista e
presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro.
2
Confira-se, de início, a Exposição de Motivos do Código Penal , parte geral, de 1984: "27. As críticas
que em todos os países se têm feito às penas privativas da liberdade fundamentam-se em fatos de crescente
importância social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre
pernicioso, a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinquentes habituais e
multireincidentes, os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as
consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena
significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o
trabalho.”
89
equivalente a 3,5 salários mínimos.
O ônus do crime é enorme, tanto no resultado, como
na mobilização do dinheiro público. É a IRRACIONALIDADE
DE CUSTO SOCIAL, QUE PARTES SUBSTANCIAIS DA
POPULAÇÃO NÃO CONSEGUEM ENTENDER.
A conclusão foi extraída de reportagem veiculada no
“The Economist” e alusivas aos Estados Unidos, perfeitamente
aplicável ao Brasil, já que o problema carcerário quanto ao seu
custo/benefício é questão de preocupação mundial, como dado
fenomênico da atualidade dos povos, dando, em suma, total razão
à socióloga Lemgruber.
Somos informados de tais acontecimentos pelo
escritor, na condição de articulista do jornal “Folha de São
Paulo”, Walter Ceneviva1, onde também assevera que uma
tentativa de compreensão se percebe que o esforço de enfrentar a
criminalidade não é o mesmo que combater a violência. Para
aquela, as soluções tentadas são muitas, no mundo. O aumento da
pena mínima, a prisão pérpetua para o criminoso triplicamente
reincidente no mesmo delito em Estados americanos, nem sempre
com resultado justo. Todavia, com o aumento das penas de prisão,
o sistema penitenciário faliu, esmagado pela superlotação, pois
não tem condição de acolher tantos presos. Lá, como cá . Outras
ciências são invocadas para explicar a violência. Políticos insistem
no argumento de que, quanto mais um criminoso seja mantido na
prisão, tanto mais seguros estarão os homens livres. Estatísticas
americanas demonstram que, em estados de sistemas penais
diferentes, os índices de aprisionamento não são proporcionais aos
de criminalidade. A estatística deixa evidente que mais prisões não
1
Matéria publicada no dia 06.07.96.
90
diminuem nem criminalidade nem violência. Dos sistemas
existentes para lidar com criminosos, a prisão é o mais caro, e seu
preço recai sobre o povo. Além de tudo, é injusto em si mesmo.
Pune os pobres, mais que os ricos; os negros mais que os brancos.
Adota dosagens de pena que variam sem critério científico, mas
mudam frequentemente ao sabor de fatos isolados.
Os números do Censo Nacional já anteriormente
mencionado, trazem dados sobre o grau de instrução dos
penitentes, sendo que 74,55% são analfabetos ou possuem o
primeiro grau incompleto; 12,67% possuem o primeiro grau
completo; para 5,42% que possuem o 2º grau incompleto e 5,98%
completo, com apenas 1,38% na faixa do 3º grau, com a população
total de 95% de pobres. Coincidência mundial...?
Aliás, a injustiça das penas já foi alvo de advertência
pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro
Sepúlveda Pertence ao declarar à imprensa que o país pune com
rigor crimes violentos, mas deixam impunes crimes típicos das
classes mais altas e que a impunidade está nos crimes das classes
privilegiadas, pois, apesar de não serem violentos, afrontam tanto
quanto aqueloutros, pela utilização da astúcia, fraudes e outros
mecanismos tão deletérios e tão prejudicias à vida social.1
De pólo a outro, nem nos parece caminho mais
aconselhável o movimento anticriminalidade, capitaneado pela
corrente que imprime batalha na adoção, pelo conjunto sistêmico
penal, da redução da imputabilidade penal para os dezesseis anos,
e até menos, ao revés dos dezoito anos hoje predominante.
Importante evento social promovido pelo jornal
1
“Folha de São Paulo”, de 20.08.96.
91
“Folha de São Paulo”, especialmente pelo fato de exprimir a
vontade popular, em manifestação de democracia pura1, trazido a
público em reportagem publicada no dia 16 de setembro de 1996,
foi debatido a “VIOLÊNCIA EM SÃO PAULO”, cujo tópico
principal foi a diminuição da idade de responsabilidade penal,
como uma das medidas para a diminuição da violência urbana.
Como exemplo de algumas opiniões a respeito
prolatadas por participantes, podemos mencionar a do Coronel
Luiz Gonzaga de Oliveira, na época, Coordenador da Guarda Civil
Metropolitana, e Albertina Café e Alves, naquele estágio, uma das
coordenadoras do movimento antiviolência “REAGE SÃO PAULO”, que apresentaram posições favoráveis à diminuição. Maria
Ignês Bierrenbach, então Presidente do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa, e o Coronel José Vicente da Silva Filho, então
Coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria de
Segurança Pública de São Paulo, se mostraram contrários,
alegando que sempre que ocorre algum tipo de comoção social, o
assunto volta à tona e que o Estatuto da Criança e do Adolescente
não é omisso em relação à punição do menor infrator.Segundo ela,
o estatuto prevê que o adolescente que comete um crime violento
deve ficar privado de liberdade e ser colocado em uma instituição
para reeducação.
Em outra interessante reportagem do mesmo periódico
acima apontado2, é informado que os advogados criminalistas de
São Paulo, vêm lançando apoio público à idéia da redução da
imputabilidade penal. Confira-se que a Acrimesp (Associação dos
Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo) encaminhou ao
1
Tal qual a Grécia antiga, onde os oradores do povo expressavam e decidiam as questões políticas da
plataforma do Ágora.
2
Matéria veiculada no dia 10.09.96.
92
Ministério da Justiça e ao Congresso Nacional projeto de lei de
redução da idade de responsabilidade penal.
A proposta prevê a redução da responsabilidade
criminal de 18 anos para 16 anos, acreditando que, segundo o seu
presidente,Ademar Gomes, a certeza da impunidade está levando
menores à condição de chefes de quadrilha.
O argumento de Gomes é que o Estado já reconheceu a
“maioridade” de jovens de 16 anos conferindo-lhes o direito de
votar. A Acrimesp recomendou também a adoção de incentivos
fiscais para empresas que investirem em crianças e adolescentes
carentes, sugerindo ainda a criação de incentivos para famílias que
queiram adotar uma criança. Essas famílias, segundo a proposta,
receberiam dois salários mínimos para cada criança adotada, já
que o Estado gasta mais que isso com a internação de menores
infratores. Uma criança internada na Febem custa três salários
mínimos por mês.
No entanto, a redução da idade criminal não exime o
Estado de sua obrigação de investir na assistência de crianças
carentes, segundo o entendimento do Presidente da Associação.
Para o advogado, na condição de conselheiro da
OAB/SP, Luiz Antonio Sampaio Gouveia, a redução da
responsabilidade para os menores é uma hipocrisia social, pois
uma sociedade que não dá escola vai dar cadeias para as crianças.
Segundo ele, é um contra-senso. Há, na verdade, uma omissão do
Estado no tratamento do menor e na aplicação do ECA (Estatuto
da Criança e do Adolescente).
Outra importante manifestação popular foi levado a
93
público 1 acerca da manifestação de entidade civil sobre a redução
da responsabilidade penal, por intermédio de “abaixo-assinado”
com 25 mil assinaturas, segundo o coordenador do grupo
“VALÉRIA FROTA”, de Goiânia, que foi enviado ao Congresso
pleiteando a diminuição da idade de imputabilidade de menores
infratores que, pela Constituição e pelo Código Penal, são
inimputáveis.
O
projeto quer reduzir, genericamente,
a idade
mínima para 16 anos e, para crimes hediondos, a idade mínima
passaria a ser 14 anos.
Autoridades
de
direitos
humanos,
entretanto,
discordam da mudança. Paulo Vitor Sapienza, coordenador do
SOS Criança de São Paulo, afirma que um levantamento da
instituição constatou que 52% das crianças de rua têm até 12 anos,
o que ensejaria diminuir a maioridade penal para 6 anos, para que
se alcançasse a intenção da tese dos militantes da redução.
Sapienza defende outras mudanças, como a alteração
do Estatuto da Criança e do Adolescente, com teto maior de
permanência do menor infrator na Febem até completar 18 anos,
quando responderia por seu crime na justiça comum.
Na capital paulista, maior centro populacional do país,
a proposta redutória é alvo de cerrado debate, como testificam os
informes populares. A Seccional da Ordem do Advogados do
Brasil de São Paulo foi totalmente contrária à proposta, com
incessantes
1
manifestações
de
sua
Comissão
Publicada no mesmo periódico, em reportagem local do dia 29.08.96.
94
de
Direitos
Humanos1,com críticas a quem veja na redução da idade penal
uma medida poderosa para o fim da violência urbana, pois se o
Código Penal, válido para os maiores de idade, impedisse crimes,
ninguém iria cometê-los depois do 18º aniversário, segundo
argumenta o então presidente da Comissão, Jairo Fonseca,
advogado criminalísta.
Fonseca aponta outro problema: muitas gangues usam
menores apostando na impunidade. Com a redução da idade penal,
os criminosos passariam a recrutar crianças mais jovens. Também,
segundo ele, já virou senso comum a falsa premissa de que o
Estatuto da Criança e do Adolescente é omisso quanto à punição.
Neste ensejo, cabe um adendo com relação a formação
de gangues de menores e de adolescentes, uma das grandes causas
de violência urbana, sem discriminação da faixa social de seus
integrantes. O elemento propulsor de crimes por elas praticados
tem como cerne elemento sociológico: a disfunção moral e jurídica
da MASSA.
Nos Estados Unidos foi adotado o “TOQUE DE
RECOLHER” como medida governamental para coibir as gangues
de adolescentes, com o incondicional apoio do então Presidente
Bill Clinton e do candidato Republicano à Casa Branca Bob Dole,
que, através do Ministério da Justiça, divulgou relatório
recomendando a adoção de política nacional do toque de recolher,
nos moldes mais conservadores possíveis, já que estabelece o
horário de 20 horas, não aplicáveis, todavia, aos adolescentes
casados, acompanhados pelos pais ou que estejam retornando da
escola, do trabalho, de atividades religiosas, de emergência médica
ou de viagem.
1
Veja-se notícia do “Jornal do Commércio”, dia 07.09.96.
95
Isso vencido, em continuação ao desenvolvimento das
discussões acerca da redução da responsabilidade penal, O
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA),
com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), travou relevante luta para obter apoio, por intermédio de
mobilização nacional,
com o fim de pressionar o Congresso
Nacional a não aprovar projetos de lei que intentam alterar o
Estatuto da Criança e do Adolescente, reduzindo a idade penal de
18 para os 16 anos.
Em conclusão do encontro nacional promovido pelo
mencionado Conselho, certificou-se que nos estados-membros,
fora raríssimas exceções, como Roraima, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul,
pouco se fez para a adoção de medidas de
recuperação de menores, conforme prevê o E.C.A. Neste encontro,
todos os participantes repudiaram a proposta de redução da
responsabilidade criminal de autoria dos então Deputados Jair
Bolsonaro (PPB-RJ) e Pedro Abrão (PTB-GO), por meio de
Emenda Constitucional.
Em esboço de concordância com as pretensões do
Conselho, o Ministério da Justiça, presentado por seu então
secretário-executivo, Milton Seligman, aduziu que o governo, em
princípio, entende que o cumprimento dos ideais e diretrizes do
E.C.A., por si só, tem o condão de
alcançar os objetivos
perseguidos pelas propostas de emenda à Constituição.
Aliás, essa orientação só vem expressar a opinião do
ex-ministro Nelson Jobim,1 ao afirmar que inexiste a possibilidade
de modificação do Estatuto da Criança para a redução da
1
Apresentada no “Jornal do Commércio”, dia 22.08.96.
96
responsabilidade criminal, mas sim uma ação do governo para a
instalação de Conselhos Tutelares nos Estados.
Por isso, empenhado em dar condições aos governos
estaduais para o cumprimento do referido diploma legal, haverá
sempre a previsão de liberação de verbas de monte considerável,
principalmente para a implantação dos programas sócioeducativos de liberdade assistida de menores infratores.
Um dos projetos é a construção de Centros de
Atendimento à Criança ( CAIs ), principalmente no Estado do Rio
de Janeiro, conforme anunciado em encontro realizado em
Brasília, onde encontravam-se presentes representantes dos
governos federal e estadual, além do Ministério Público, como
medida a curto prazo para minimizar a mescla ocorrente naquele
estado-membro de menores infratores de faixa etárias diferentes e
infrações
diferenciadas,
aglomerados
em
único
complexo
prisional, por vezes na mesma cela, com previsão de mais verbas
para a ampliação do projeto.
A boa ação, entretanto, sofre de imediato empecilho.
Citamos como exemplo que boa parte das verbas liberadas pelo
Governo Federal àquele estado já tinham destino diverso: o
pagamento dos salários de 421 funcionários, que trabalham em 16
CRIAMs, que estão com seus vencimentos atrasados há dois
meses.1
De efeito, com razão aqueles que comungam contra a
redução da responsabilidade penal2, a começar com sua
“O Globo”, dia 24.08.96 - reportagem: “Verba federal para menor infrator será usada para
pagamento de pessoal.”
1
2
Acresça-se acerca da incosntitucionalidade da proposta de redução: “O aumento da violência e da
criminalidade gera o medo, o pânico, a desconfiança e a instabilidade. Tomadas pela emoção, as primeiras
97
frontalização com a Lei Maior.
A atual Parte Geral do Código Penal Brasileiro, ainda
quando Projeto, teve como justificativa a manutenção de outrora
da inimputabilidade penal ao menor de dezoito anos, o
desenvolvimento biológico e social incompleto desses agentes,
como opção de política criminal. Confira-se a Exposição de
Motivos: “23. Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de
18(dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal.
Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade
crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a
circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, e naturalmente anti-social
na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo
de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De
resto, com a legislação de menores recentemente editada1, dispõe o Estado dos
instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de
18(dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao
tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária.”
Assevera os “considerandos” da exposição de motivos
do Código Penal, com toda a obviosidade da razão,
que as
possíveis deformações de caráter do menor infrator, contrárias ao
normal
desenvolvimento
do
púbere
só
poderão
sofrer
reajustamento pela educação e não pela pena criminal.
Como se depreende da interpretação histórica, a
reações buscam uma resposta imediata, que seja pronta, rápida e eficaz. É nesse cenário que hoje se propõe,
como medida de combate à criminalidade, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Contudo, esta
proposta peca, de início, pela sua inconstitucionalidade.(...) A ordem jurídica brasileira, em consonância com o
Direito Internacional, em especial com a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança(ratificada pelo
Brasil em 24 de setembro de 1990), consagra o direito a ser criança e o direito a ser adolescente como direitos
fundamentais, que merecem plena e total observância, não podendo sofrer qualquer restrição. A esses direitos
fundamentais se contrapõe a proposta de redução da maioridade penal que, em sua gênese, traz o vício
insuperável da inconstitucionalidade.” ( Artigo de autoria dos Procuradores de Estado Flávia Piovesan, Maria
Helena Marques Braceiro, Flávio Frasseto e Cyro Saadeh, publicado em 08.11.96, no jornal “O Estado de S.
Paulo”.
1
Na época vigorava o Código de Menores( Lei nº 6.697, de 10.10.79), hoje substituído pelo Estatuto
da Criança.
98
vontade legislativa quando da edição da lei penal era atacar a
causa de deformação do menor infrator. E isso se faz claro e
evidente, pois “el fundamento de la presunción de inimputabilidad
para los niños es que éstos no son definidos como iguales y, por
tanto, no son competentes para desmentir la vigencia de la
norma.”1
Um questionamento se impõe: qual a modificação da
política criminal que se pretende atualmente, através da redução da
idade para a responsabilidade penal? Uma política que vise
deflagrar um processo de eliminação do crime? Isso seria absurdo
porque a instituição do crime, assim como outras que interagem
com o ser humano, tem vida própria e autônoma, em nada
podendo influir, comandar e determinar o homem, o poder ou a
sociedade, acerca de seu nascimento, desenvolvimento e destino.
Ou a pergunta correta, para se chegar a uma resposta
também correta,
seria ditada no sentido de que as mesmas
circunstâncias que existiam e que arrimaram a manutenção da
idade de dezoito anos para a imputabilidade penal na reforma do
extinto Código Penal de 1940, em sua parte geral, subsistem
hodiernamente, nada tendo sido feito pelos órgãos estatais
responsável pela aplicação e execução da política criminal
determinada pelo atual codex?
Isso redunda em duas proposições com caminhos
totalmente opostos. No primeiro caso, ou seja, em razão da
resposta
dada à pergunta inicial, o único meio de tentativa de
reparação e reorientação do crime, é a edição de leis cada vez mais
severas, reparadoras daquelas revogadas, com a criação de
1
Jakobs, Strafrecht AT, 2a. ed., Berlin 1991, p. 521, Rdn 1.
99
arcabouço1 infindável para a impossível missão legiferante de
prever todas as relações criminosas entre o delinquente
e a
sociedade, bem como as carcerárias consideradas entre si.
Vivemos assim em um sistema inflatório de regras do dever-ser.
Para
o
segundo
questionamento,
as
diretrizes
governamentais devem perseguir a socialização e a educação do
menor infrator, como reflexo de uma reestruturação moral, ética e
jurídica da própria sociedade, com dignificação, principalmente,
dos valores naturais e básicos do homem.
Como em outros casos, em especial na criminalidade
dos adultos, a simples modificação legislativa, com imposição
rigorosa de penas, não é suficiente para o atendimento das
proposições axiológicas do instituto da punição.
Nem mesmo a criação de estabelecimentos prisionais e
de internato, com nomes variados, resolverá, porque não haverá
verba federal, estadual ou municipal capaz de atender ao povoado
de infratores, enquanto não se enveredar esforços para uma
1
“Num sistema jurídico repleto de ‘leis de circunstâncias’ e ‘regulamentos de necessidade’
condicionado por conjunturas específicas e transitórias e por contextos heterogêneos, a generalidade da lei
deixa de corresponder a uma equivalência das situações factuais a serem reguladas e a velocidade na
produção normativa leva o Legislativo, Executivo e o Judiciário a perder a dimensão exata da importância
jurídica das regras que ditam, dos comportamentos que regulam e dos casos que julgam, respectivamente.
Condicionado por princípios conflitantes, os da legalidade e do primado da lei (típicos do Estado Liberal) e o
da eficiência das políticas públicas nos campos social e econômico (típico do Estado-Providência), o Executivo
passa a agir de modo paradoxal gerando, em nome da estabilização monetária e do combate à inflação
econômica, uma corrosiva ‘inflação jurídica’. Esse tipo de inflação se traduz pelo crescimento desenfreado do
número de normas, códigos e leis, de tal modo que a excessiva acumulação desses textos legais torna
praticamente impossível sua aplicação de modo logicamente coerente e sistematicamente congruente,
ocasionando, por consequência, a ‘desvalorização’ progressiva do direito positivo e o impedindo de exercer
satisfatoriamente suas funções controladoras e reguladoras. Tal processo, em outras palavras, leva à própria
anulação do sistema jurídico, uma vez que, quando os direitos se multiplicam, multiplicam-se na mesma
proporção as obrigações; e estas, ao multiplicarem os créditos, multiplicam igualmente os devedores, num
círculo vicioso cuja continuidade culminaria na absurda situação de existirem apenas devedores - todos,
evidentemente, sem direito algum. ‘No limite da extensão do direito’, como afirma um arguto observador desse
fenômeno, anuncia-se um regime de deveres legais sem que haja qualquer lugar para um direito(...); a inflação
do direito traz em si a sua própria morte.” (José Eduardo Faria, “O Poder Judiciário no Brasil: Paradoxos,
Desafios e Alternativas”, Brasília: C.E.J., 1995, p. 35).
100
política nacional de redução de miséria, pobreza e de uma
aceitável distribuição de rendas.1
Iniciar-se uma diretriz pelos efeitos, desconsiderando a
causa, é condenar todas as edificações jurídicas, construções
jurisprudenciais e legislações em letras mortas ao longo do tempo,
colocando-as sob uma redoma intangível pelo aplicador do direito.
Leis eficientes são editadas, mas não são cumpridas,
pois esbarram no empecilho político de liberação de verbas, nos
interesses dos governantes locais em fomentar outras realizações
públicas mais aparentes e em outros infinitos fatores que
extrapolam a consciência comum daqueles que estão do outro lado
do poder.
O internato do menor, assim como o cárcere do
criminoso adulto, como se viu e se verá no transcorrer do trabalho,
como medida eficiente e vital para a redução da criminalidade e
da impunidade, é premissa falsa.
Entendemos por bem trazer à colação artigo crítico à
política criminal adotada pelo Código Penal Espanhol, de autoria
de Jesús-María Silva Sanchez2, onde está lançado valioso estudo
sobre os modelos provenientes do Direito Romano e da “Common
Law”, bem como relevante análise sobre a imputabilidade penal de
menores, aí abrangidas diversas idades, com estudos científicos
acerca da pena e suas finalidades sociais e políticas, com dados
comparativos de uma cultura européia, onde já se adota a punição
de púberes.
1
Não usamos a palavra “justa”, primeiro por que justiça é conceito subjetivo; segundo, não há qualquer
conotação política, pelo menos conscientemente; terceiro, porque o vocábulo “aceitável” é entendível por todas
as acepções sociais, políticas, governamentais como um fato inexorável.
2
Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 13, pp. 38/53.
101
Confira-se, a seguir, o artigo cujo aproveitamento
doutrinário para os estudiosos do direito penal e penitenciário é de
extremo proveito, como o é para o trabalho agora colocado a
público, verbis: “La discusión relativa a cuál debe ser la respuesta
jurídico-penal frente alos hechos antijurídicos cometidos por
sujetos menores de edad, pese a su permanente vigencia, parece
gozar en los últimos tiempos de renovada actualidad. Sin
embargo, es obvio que dicha discusión, para conducir a algún
resultado, debe enmarcarse, como cualquier otra propria del
Derecho penal, en los principios político-criminales que
legitimam el si y el cómo de la intervención de éste en la sociedad.
En efecto, como ha puesto de relieve Mir Puig(Derecho Penal PG,
3a. ed., Barcelona: 1990, p. 636), ‘la exención incondicionada de
pena hasta los dieciséis años se base en algo más que en la
presunción de inimputabilidad, a saber: en la moderna convicción
político-criminal de que los menores no deben ser castigados
como los mayores, ni ir a la cárcel como ellos...’. En definitiva, la
imposición de un pena a los sujetos de edad inferior a dieciséis
años carece de legitimidad, tanto desde el punto de vista de la
prevención especial, como de la prevención general negativa,
como, finalmente, de la prevención general positiva. Es cierto que
la ausencia de pena respecto al menor podría suponer una
disminución de la intimidación sobre el colectivo del menores
delincuentes potenciales, es decir, sobre aquellos menores de
dieciséis años que pudieran ser autores potenciales de delitos. Sin
duda, este aspecto es problemático. En efecto, la eficacia
intimidatoria del Derecho penal sobre el colectivo general de
autores potenciales de delitos, no sufre menoscabo relevante
porque la edad de dieciocho años constituye un punto esencial en
la valorización del sujeto como igual o diferente del sujeto adulto
102
ordinario1. Asi, parece evidente que, frente a esta situación de
libertad de facto, la imposición de medidas de seguridad no
supone un minus, sino que supone un plus de interveción y, por lo
tanto, permite augurar una mayor eficacia preventiva en
general..Efectuadas estas consideraciones generales, se plantea la
cuestión de que configuración debe darse al sistema de reacciones
penales contra hechos antijurídicos cometidos por menores de
dieciocho años para satisfacer, por un lado, las necesidades de
resocialización; por otro lado, las de intimidación de los autores
potenciales,
en
general,
y
de
los
autores
potenciales
pertenecientes a esa franja de edad, en particular; en tercer lugar,
las necesidades de confianza de la sociedad en el normal
funcionamiento del sistema jurídico; y en fin, las exigencias de
salvaguarda de los derechos individuales y las garantías del
sujeto.”
Por derradeiro, a ilustre autora arremata sua tese com
as razões e objetivos de uma reforma jurídico-penal cingida ao
sistema punitivo juvenil, perfilando os diversos fundamentos das
doutrinas por ela mencionadas, tanto do modelo de discernimento,
tanto daquele que tem como bandeira a necessidade da pena, cujos
conceitos encontram-se na introdução deste trabalho, mesclando
aspectos afetos à culpabilidade, para propôr um sistema de
configuração mixta, com prioridade às medidas educativas e
terapêuticas para o fim de ressocialização.
Acaso, apesar das medidas acima apontadas, o jovem
insista no caminho da delinquência, fazendo imprescindir a
punição privativa de sua liberdade, esta não poderá ser aquela
mesma aplicável aos adultos, com autenticidade própria. A esse
sistema proposto a autora denominou de sistema vicarial
1
Os grifos são nossos, força da relevância da assertiva da doutora.
103
obrigatório para regular o sistema de menores entre os dezesseis e
dezoito anos, que tem como justificação a idoneidade das
instituições educativas, existindo sempre depois a possibilidade de
revogar a medida e executar unicamente a pena, acaso frustrada a
tentativa educacional
Estas são suas eloquentes palavras, verbis: “Expresado
en términos clásicos, hay buenas razones para situar en los
dieciocho años la frontera de la culpabilidad, como categoría
sistemática
del
Derecho
penal,
o
mejor
dicho,
de
la
responsabilidad penal a los efectos de la imposición de una pena
convencional de adultos. Ahora bien, situar en lo dieciocho años
la frontera de la responsabilidade penal plena, tiene obviamente
una serie de condiciones. En pimer lugar, que las medidas
aplicables a los sujetos de edad inferior a los dieciocho años, y en
particular aa los entre dieciséis y dieciocho años, han de ser unas
medidas adecuadas y adaptadasa las peculiaridades psicológicas
y criminológicas de esta franja.En segundo lugar, la prevención
general positiva, así como las garantías individuales, exigen que,
ante el fracaso de las medidas, ya sea por rechazo de las mismas,
ya sea por imposibilidad de conseguie las metas a las que las
mismas estaban dirigidas, se pueda imponer una pena diferente:
pena juvenil que, en los términos antes delineados, sería una pena
necesaria en términos preventivos y, por tanto, legítima. En tercer
lugar, la viabilidad de este sistema, basado en las nociones de
prevención y de garantías, determina que sea necesario adoptar
una postura contraria a las propuestas que desde alguns años
están de moda, orientadas a promover una desjudicialización y
una desformalización de la intervención sobre los sujetos de
edades inferiores a los dieciocho años. Las opciones en favor de
la desjudicialización y de desformalización, inspiradas en la
humana pretensión de desdramatizar la intervención sobre los
104
sujetos autores de hechos antijurídicos em edades juveniles,
supone por el contrario, una importante disminución de garantías,
así como una significativa pérdida de los efectos de prevención
general positiva y negativa, que son fundamentales para la
vertebración del sistema.”
Não há dúvida de que o estudo científico proposto se
aparelha, em muito, com os ditames do Estatuto da Criança e do
Adolescente, a demonstrar, o que jamais negamos, a evolução
jurídica no tratamento da questão
do menor infrator pela
legislação brasileira, que prevê em minúcias circunstanciais a
divisão dos fatos tidos como anti-sociais, bem como as medidas
sócio-educativas aplicáveis aos casos perfilados no Estatuto.
Os movimentos setoriais que valorizam a redução da
imputabilidade penal, bem como aqueles que pugnam por penas
mais rigorosa e maior criminalização de condutas antijurídicas,
cerram, entretanto, os olhos das autoridades e da sociedade para a
essência do problema e transformam a premissa falsa, ao final do
processo de silogismo, em verdade falsa.
O Conde de Beccaria, na sua obra célebre, advertira
acerca das falsas idéias de utilidade. Estas são suas verdadeiras
palavras: “As falsas idéias feita pelos legisladores a respeito da
utilidade são uma das fontes mais abundantes de erros e de
injustiças. Ter idéias falsas de utilidade é sacrificar mil vantagens
verdadeiras ao receio de uma desvantagem suposta ou pouco
importante.”1
Na avaliação das causas, citemos Miguel Reale2. O
1
2
ob. cit. na referência bibliográfica, p. 85.
Artigo do Jornal “O Estado de São Paulo”, 24.08.96.
105
insigne jurista atesta em suas eternas lições que uma das causas da
delinquência juvenil, se não a maior, principalmente dos crimes
hediondos, é representada pelas drogas, “a qual constitui uma das
pragas das sociedades contemporâneas, envolvendo crianças,
adolescentes e adultos, sob o jugo de organizações rivais na
conquista do tenebroso mercado.”
A droga, bem como a bebida alcóolica, conforme
relatos científicos da medicina, têm como agravante o fato de não
despertarem a violência em círculos sociais restritos, por não
serem ingeridas por etárias de idade específicas ou por classes
sociais
determinadas,
sendo
elementos
conclusivos
e
preponderante na geração da agressividade, pelo simples motivo
da convivência das sociedades modernas, com problemas
globalizados, não restritos, tão-somente, a seu aspecto regional,
fruto das ditaduras políticas sociais impostas, por vezes, pelos
governos
e
pelos
fatotes
de sobrevivência no
mercado
profissionalizante, tudo atrelado ao progresso galopante cujo
desenvolver vai deixando milhões de vítimas mentais de seu rolo
compressor. “Acresce notar que, mesmo pessoas calmas e tímidas
podem cometer atos de violência: a insegurança, como é sabido,
produz o medo e este, ampliado para outros indivíduos, acaba por
ocasionar o pânico, cuja reação é sempre representada por atos
violentos. Dentro da chamada subcultura, surge a subcultura
conflitiva (ou conflituosa): é a subcultura isolada, a do isolamento
que leva o indivíduo a se afastar dos demais, e se isolar, e esses
‘isolados’, agrupando-se, procuram estímulos na droga, nos
entorpecentes (cf. Valdir Sznick, Comentários à Lei de
Entorpecentes, Forense, 1991). A subcultura formada por
drogados acaba gerando a violência: quer pela procura de
drogas, quer pelos efeitos da substância entorpecente, - violência
que se apresenta de modo generalizada ou, em particular, nas
106
‘quadrilhas’ e suas lutas.”1
O ilustre jurista e filósofo também coloca como causa,
com reservas entretanto, a funcionalidade entre o pauperismo e a
criminalidade, pois a crise social exacerba, com achatamento das
classes sociais, faz gerar o fenômeno criminal, obrigando o
desempregado ou subemprego a delinquir como forma de
sobrevivência.
Entende que a imputabilidade penal dos adolescentes
abaixo dos 18 anos tem os transformados em criminosos
perigosíssimos e gerado a utilização dos menores como meio de
manobras de astutos criminosos, motivo capaz de determinar a
redução da responsabilidade penal, à igualdade da capacidade
política, como meio, inclusive, para frear o comércio das drogas.
De efeito, em excelente trabalho de pesquisa popular, 2
o
Centro
de
Coleta
e
Armazenamento
de
Dados
(INFORMESTADO) certificou que, das 217 pessoas escolhidas
aleatoriamente, todos moradores da cidade de São Paulo,
consultadas por telefone no dia 28.08.96, 93,1 % concordam,
também, com a redução da idade penal do Brasil.
Dos entrevistados, 46% sugerem que a maioridade
penal seja fixada aos 14 anos e não aos 18 anos; 41,1% querem
que seja aos 16 anos, e 12,9, aos 10 anos.
Para 98,2% dos entrevistados, os menores estão
cometendo mais crimes. As drogas, como anotado por Miguel
Reale linhas atrás, foram apontadas como causa do aumento da
1
Valdir Sznick, obra citada na referência bibliográfica.
2
Comunicado ao público no “Jornal da Tarde” do dia 04.09.96.
107
criminalidade entre os menores por 23% das pessoas ouvidas. A
desagregação familiar foi citada por 16,9% e a impunidade, por
16%. Outros 15% culparam o desemprego; 13% a miséria; 7%, a
evasão escolar; 3%, a educação dada pelos pais e 2,3% o descaso
do Governo.1
Além das vozes populares, cruciais também as
manifestações de membros do Poder Judiciário responsáveis pelos
juizados de menores, mais especificamente pelo forum da criança
e da juventude, como profundos conhecedores da criminalidade
púbere e de suas causas e efeitos.
O então Juiz-Corregedor da Fundação Estadual do
Menor, Luiz
Fernando Salles Rossi, acredita que criar a
expectativa na sociedade de que a redução penal diminuirá a
criminalidade é uma ilusão. Lembra o juiz que, de acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente, o menor pode ficar
internado durante 3 anos, caso pratique, por exemplo o crime de
roubo. Pela lei comum ele seria condenado à pena de 5 anos e 4
meses e, sendo primário, cumpriria um sexto da expiação, ou onze
meses, e poderia, além disso, ser beneficiado com regime semiaberto ou aberto, o que transforma o aludido estatuto em diploma
preventivo e repressivo bastante eficaz.
Nesse diapasão, o então juiz da Vara da Infância e da
Juventude do Rio de Janeiro, Siro Darlan, criticou fortemente a
proposta de redução da idade para a responsabilização penal: a
uma, porque não há instituições, oficiais ou privadas, suficientes
para atender aos menores infratores; a duas, vez que o custo
dispendido pelas instituições de custódia de menores, infratores ou
1
Como se os outros fatores atinentes aos percentuais mencionados, não fossem decorrentes do descaso e
da omissão constitucional do governo.
108
não, gira em torno de três a quatro salários mínimos, a três, pelo
fato de a prisão ou internação suprimir do menor o convívio
familiar. Apesar da desagregação ter
parcela de culpa na
marginalização, já que os pais têm o aval da miséria, o problema
deveria merecer atenção especial como raiz da pulverização
familiar.
O
magistrado
lança
interessante
proposta,
aproveitando a experiência realizada pelo governo de Brasília,
atualmente implantado pelo Governo Federal, o conhecido BolsaFamília, consubstanciada na criação de um auxílio, no valor de um
salário mínimo, para as famílias de baixa renda. Elas se
comprometem a manter os filhos na escola, evitando o ócio do
menor. Concedendo o aludido incentivo às famílias, propiciam os
programas sociais mantê-las mais pacientes, reduzindo, assim, a
violência familiar.
Também para o advogado Técio Lins e Silva, exSecretário de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a crise no
sistema penal e na segurança pública é forte motivo para não se
reduzir a idade penal, pois o Estado não pode pensar em aumentar
a população carcerária, se não consegue sequer cumprir a
Constituição Federal que garante o direito à saúde, educação, lazer
e habitação para todos, pobres e adolescentes, inclusive. Deve, isso
sim, melhorar as suas instituições atuais e não criar outras que, em
pouco
tempo,
alcancem
o
descalabro
generalizado
das
organizações públicas já existentes.
De outro lado, entretanto, no entender de um juiz de
Menores da 1ª Vara Especial da Infância e da Juventude da
Comarca de São Paulo, David da Costa Ferreira, que apoiava,
quando opinou de seu cargo, a redução aos 16 anos, a ousadia e a
109
periculosidade, nessa idade, já é fato notório, capacitando o agente
a responder criminalmente, por seus fatos antijurídicos.
Comungam dessa opinião ilustres representantes do
parquet paulista, como se depreende da opinião de um promotor
de justiça em ofício na Vara da Infância e Juventude, Osvaldo
Monteiro da Silva Neto. Ao seu ver, o atual Código Penal, com
seus 56 anos, não atende aos reclamos da evolução da sociedade e
que, ciente o menor de sua impunidade, como é atualmente, pende
em seu favor a proteção legal. Se houvesse previsão legal de sua
punição, entende, o infante pensaria duas vezes na hora de violar a
lei.
Para o também promotor Carlos Fartoni Júnior, pelo
menos na época, o marco de 15 anos para a redução penal viria a
atender a realidade da criminalidade da juventude.1
No Estado do Rio de Janeiro, a Promotoria de Justiça
Pública especializada nas varas da Infância e da Juventude,
passando ao largo das discussões sobre o E.C.A. e as propostas de
redução da imputabilidade penal, deflagram movimento contra o
governo estadual e, por vezes, contra juízes em exercício no
Juizado de menores, preocupados que estão com o despautério das
instituições atinentes à apuração dos fatos anti-sociais cometidos
pelos menores, bem assim com as técnicas de reprimenda dos
infratores utilizadas em estabelecimentos especializados e, ainda, a
ausência de programas de ressocialização e reeducação do menor,
como determina o Estatuto.
1
Os dados e as opiniões acima coletadas foram fruto de reportagens realizadas pelo jornal “O Estado
de São Paulo”, em variadas seções de seu caderno, no periódico do dia 05.09.96, de autoria da repórter Rosa
Bastos.
110
Em manifesto publicado 1 sob o título “O BERÇO DA
CRIMINALIDADE”, de autoria dos promotores de justiça Astério
Pereira dos Santos e Márcio Mothé Fernandes, está demonstrada a
gravidade do problema infato-juvenil no Estado do Rio de Janeiro.
“... As pessoas não mais suportam ser vítimas da galopante
delinquência juvenil e também já estão cansadas de ouvir
discussões inúteis ou assistir à propositada divulgação pela mídia
de projetos pessoais dissociados da realidade fática e, portanto,
estéreis. Como é sabido, a ausência de uma política social voltada
verdadeiramente para a criança dessasistida e a consequência
desta, o adolescente infrator, hoje, sem sombra de dúvidas, a
mão-de-obra indispensável à nefasta ação dos traficantes de
entorpecentes, representa o principal incremento à criminalidade
que atormenta os nossos lares. Para se ter uma idéia da
caoticidade do quadro e do alcance do limite insuportável do
problema, vale a pena citar alguns números, Em 1995, foram
vítimas de homicídio no Rio de Janeiro 596 adolescentes...Ainda
em 1995, dos 506 adolescentes internados na Escola João Luiz
Alves, 319 fugiram e retornaram para as ruas...Concomitante a
este quadro alarmante, na Comarca da Capital, as internações
provisórias previstas na lei, em até quarenta e cinco dias, não
duram mais que vinte dias e as internações definitvas que podem
chegar a três anos, quando aplicadas, geralmente não
ultrapassam três meses. Tais aspectos estimulam a impunidade e
corroboram para a desmoralização e falência total do sistema,
com reflexos negativos no combate à criminalidade... A estrema
gravidade alcançada pelo problema do adolescente infrator não
permite a adoção de soluções paliativas, nem muito menos da já
rotineira cultura do repasse, sintetizada na transferência de
responsabilidades. Já tarda a hora desses jovens assumirem
compromissos inerentes a uma cidadania responsável, iden1
Dia 22.08.96, no “Jornal do Brasil”.
111
tificando a origem do problema, sem repassá-los. A sociedade
carioca não mais se conforma com a atual política liberal,
acobertada por eufemismos, advindos do Poder Público, que
detém a responsabilidade direta pela correta reeducação daqueles
que praticam atos infracionais e que, não obstante, preferem fazer
do Estatuto da Criança e do Adolescente uma ponte de acesso às
ambições pessoais, políticas e profissionais.”
Como se vê o Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro não esboça concordância com a situação atual do menor,
tanto pela atuação do Judiciário local, como também com a desídia
do governo estadual a respeito do problema.
No dia 23 de agosto de 1996, o então procurador-geral
de Justiça daquele Estado recebeu requerimentos expressos de
diversos representantes do parquet , no sentido de operalizar-se
correição extraordinária no Juizado da Infância e da Juventude.
A medida extrema teve como causa, ao ver dos
promotores, o tratamento, ao arrepio da lei, deferido aos menores
infratores, contribuindo, por decorrência, para a sensação de
impunidade e no estímulo da criminalidade, bem como o
estatisticamente comprovado aumento de índices de reincidência.
Dentre as irregularidades apontadas, está o pequeno
número de decretos de internação de menores que cometem atos
infracionais (primeiro semestre de 1996, foram 3.337 menores
infratores atendidos, para um total de 157 internados). Também
ocorrentes a realização de audiência judicial com os infratores,
sem a presença de representantes do Ministério Público. Aduzem
no manifesto que a aparente celeridade processual tem como alvo
os dados estatísticos da instituição para fins outros e o
112
esvaziamento das unidades de internação, devolvendo às ruas
menores não qualificados para o processo de ressocialização.
Não fosse só o problema institucional, aludem a
instalação da selvageria nos próprios prédios de custódia, com
agressões a menores, a precariedade das celas de permanência e
internação provisória no interior do Juizado, onde diversos casos
de atentado violento ao pudor, fazem rotina nas ocorrências,
mazelas que levaram a uma ressureição da promotoria pública.1
É bom que se diga, acerca do episódio, que se no
Estado carioca, centro cultural de maior relevância do país, motivo
de atenção dos governos estrangeiros e de associações
internacionais compromissadas com o menor, o grau de dirupção é
decorrente da desídia estatal, apesar de incessante fiscalização dos
promotores públicos, de grupos não oficiais de proteção à vida e
de direitos humanos, nem ousamos imaginar qual o tratamento à
recuperação, reeducação e correção de menores em outros estados
federados de menor expressão.
Para tanto, trazemos à colação os seguintes dados
sobre os infratores menores:
1
“O Globo”, dia 24.08.96, reportagem de Angelina Nunes.
113
No quadro abaixo, o deficit de vagas nas unidades já é
grande e evidente tende a crescer. Vamos aos dados.
114
115
Toda as respostas aos anseios populares, tanto na
questão do menor quanto na análise do universo carcerário, ficam
cingidas ao aspecto político. Pior, politicagem.
Sabe-se , porque notório, que nas casas de custódia de
menores, nas ruas, nas delegacias especializadas, há um consenso
mudo e institucional de que o menor infrator, o menor
abandonado, o menor de rua, enfim, toda a criminalidade infantil
e adulta, em igualdade com as demais instituições brasileiras, é
fato consumado a caoticidade e a desesperança.
Governos e agentes, até os próprios cidadãos(inclusive
o autor), olham com um sentimento gélido para o desenvolvimento
dos fatos terríveis que circundam a sociedade. Sabe-se que o
mundo da criminalidade é composto de sociedades parciais
distintas, cuja distância é paradoxalmente curta, na medida em que
se convive diurnamente com ela, mas, de outro modo, longínqua,
força da ditadura social implantada por nossas instituições
políticas e pelo capitalismo selvagem regente da economia. É
preferível, ou melhor, cômodo permitir se fazer despercebido às
mortes, agressões, violações morais e as demais degenerações da
personalidade humana ocorrentes nos estabelecimentos. Algo
como, mutatis mutandi, equilíbrio ecológico (ou criminológico),
dentro da teoria darwiniana da luta das espécies.
Como se pretende, questionamos, impor maior
radicalismo na legislação do menor e do adolescente se a atual, o
ECA, sequer foi aplicada no plano da realidade para que se possa
assegurar o seu fracasso. Isso denota um fato comum no Brasil: o
poder legiferante e a realidade estão divorciados. As causas que
fazem exsurgir uma legislação revogadora não pode ter como
arrimo a mera e simplória alegação de que a criminalidade,
116
estatisticamente, evoluiu.
Isso, id est, o positivismo dos dados da estatística,
pode até ser verdadeiro, mas não é suficiente para determinar-se a
revisão açodada da legislação. É necessária uma pesquisa mais
profunda, com os préstimos de fundações especializadas, de
juristas, advogados, juízes etc., principalmente, de pareceres de
especialistas em sociologia.1
Em excelente trabalho técnico de crítica, a Dra. Tânia
da Silva Pereira, advogada e professora universitária, lança
balizada opinião sobre a criminalização infantil, discordando
acerca do recrudescimento legislativo como fato impeditivo do
crescimento da criminalidade e como solução capaz de minimizar
o statu quo, de certa forma consectária às investidas lançadas por
nós, inclusive no tocante à omissão dos Poderes Políticos e à
forma perfunctória que cuidam do problema.2
1
“A sociedade não poderia existir sem que houvesse em seus membros certa homogeneidade: a
educação a perpetua e a reforça fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais
reclamadas pela vida coletiva(...) Por outro lado, a educação assegura a persistência dessa diversidade
necessária diferenciando-se, ela própria, e permitindo especializações(...) O aspecto final do espírito e do
caráter depende desta infinidade de pequenos fatos insensíveis ocorrentes a cada instante sem que lhes demos
atenção(Durkhein). Se a sociologia ajudará a educação a traçar os seus fins, ‘posto que tanto mais
conheçamos a sociedade, tanto melhor chegaremos a perceber o que se passa nesse microcosmo social que é a
escola’(idem), a psicologia servirá de base para descobrir o método que permitirá chegar à alma da criança.
Torna-se necessário constituir um saber sobre essa criança, um saber científico, estatístico, que permitirá
reconhecer as regularidades e as exceções, os desvios e as normalidades. Vejamos o comentário foucaultiano a
respeito: ‘num sistema de disciplina, a criança é mais individualizada que o adulto, o doente o é antes do
homem são, o louco e o delinquente mais que o normal e o não delinquente... e quando se quer individualizar o
adulto são, normal e legalista, agora é sempre perguntando-lhe o que ainda há nele de criança, que loucura
secreta o habita, que crime fundamental ele quis cometer’.(Foucault).” ( Artigo da dra. Flávia Inês Schilling,
“Sobre Homens e Crimes: Construindo Um Diálogo tenso Entre Marx, Durkhein e Foucault”, publicado na
Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 13, p. 281).
2
“Este é um dos maiores problemas hoje enfrentados pelo Judiciário: para que sejam plenamente
eficazes, muitas de suas sentenças (e, por conseguinte, as normas e as leis em que elas se fundamentam) passam
a depender tanto do empenho quanto da eficiência com que o Executivo cumpre suas obrigações, em matéria
de políticas públicas; e na medida em que esse poder, em suas instâncias municipais, estaduais, federal, revelase incapaz de formulá-las e implementá-las, ou, então, as executa com propósitos meramente eleitoreiros,
populistas e demagógicos, o Judiciário acaba sendo reduzido a uma posição secundária - como se fosse uma
instituição subordinada, e não soberana, autônoma e independente. Não são poucos os casos em que a Justiça,
nas suas diferentes instâncias, mostra-se absolutamente impotente diante de normas e leis que, apesar de
inovadoras em seus objetivos e modernas em suas concepções, como os já mencionados Estatuto da Criança e
do Adolescente e Lei de Execuções Penais, não conseguem ser plenamente concretizadas por causa da omissão
117
Aduz que nosso País retrata uma visível contradição
no que concerne à Lei de Execução Penal e ao Estatuto da Criança
e do Adolescente. Apesar dos aludidos textos legais merecerem, na
ordem internacional, referência como leis modernas e modelares ,
no entanto, somos conhecidos como o país onde o sistema
penitenciário é falido e onde, em relação aos direitos da população
infanto-juvenil (mais de setenta milhões de pessoas com menos de
18 anos) somos conhecidos como maiores violadores.
Assevera que, efetivamente, não se altera a sociedade a
toque de leis, apesar destas representarem um instrumento
importante de mudanças sociais. Ao analisar o crescente fenômeno
da violência, sobretudo nas grandes cidades, paralelo a uma crise
econômica incontestável e um êxodo rural indiscutível, questiona
se será possível, mais uma vez, culpar as leis por todos esses
problemas sociais e o que tem sido feito para a implantação dos
mencionados diplomas legais. Afirma que é no Estado do Rio de
Janeiro, o mais atrasado no país na implantação do Estatuto, onde
se encontra um dos maiores índices de criminalidade contra
crianças e jovens, como registrado pela edição “Mapa da Violência
dos Municípios Brasileiros e Mapa da Violência 2006 – Os Jovens
do Brasil”, de Julio Jacobo Waiselfisz, editado pela Organização
dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a
Cultura(OEI), trazido pelo jornal “O Globo”, de 28 de fevereiro de
2007, 2ª edição, no caderno “O PAÍS”.
de um outro poder igualmente autônomo, soberano e independente.”(José Eduardo Faria, “O Poder Judiciário
no Brasil: Paradoxos, Desafios e Alternativas”, Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995,p.78).
118
119
Traz no articulado o alerta do Des. Antônio Fernando
do Amaral e Silva, ilustre jurista da Santa Catarina, como
palestrante, em seminário de Direito Penal realizado no Rio de
Janeiro, onde chamou atenção para os atuais equívocos que
envolvem o tema e mostrou uma nova etapa legislativa, onde a Lei
nº 8.069/90 é marcada pela responsabilidade penal juvenil no
tratamento da delinquência praticada por adolescentes. Segundo
ele, a postura do Estatuto da Criança e do Adolescente deixa claro
120
o caráter penal das medidas sócio-educativas, caracterizadas pela
predominante proposta pedagógica que não esconde a existência
do conflito; do dano; da necessidade de sua reparação; da
imprescindível resposta adequada e justa à delinquência juvenil.
Acentua o Desembargador Amaral Silva que a
responsabilidade penal juvenil, com os consectários da legalidade
(nulla poena sine lege); da proporcionalidade(individualização da
medida); da prévia mediação da vítima, nada afeta aos direitos do
adolescente. Ao contrário, surge como imprescindível ao
reconhecimento da dignidade do jovem, pessoa capaz de assumir
responsabilidades sociais e legais, e que, inclusive, goza do direito
de remissão e transação, incorporada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Atribuem-se, nos dizeres da doutora, geralmente, à Lei
nº 8.069/90, a culpa pela impunidade dos jovens marginais, em
prejuízo das vítimas da violência e que a polícia não se encontra
atrelada na ocorrência de efetuar a prisão porque o Estatuto não
permite.
Esclarece, inicialmente, que o art. 301 do Código de
Processo Penal1 autoriza, inclusive, a prisão de adolescentes.
Estes, todavia por sua condição, deverão ser encaminhados à
DPCA - Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente, onde
são tomadas as providências legais previstas expressamente no
E.C.A. Se os policiais e os cidadãos não o fazem, a culpa não é da
lei, arremata.
Se a finalidade da pena criminal aplicável aos maiores
1
CPP, art. 301 – “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender
quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
121
de 18 anos é recuperar, ressocializar e emendar a conduta, estes
objetivos jamais foram atingidos. Enquanto isso, os menores desta
idade recebem, como pena de caráter punitivo pelos atos
infracionais praticados, as medidas sócio-educativas, desde que
tenham completado 12 anos. Entre estas medidas estão a liberdade
assistida e a prestação de serviços à comunidade(previstas para os
adultos na Lei de Execuções Penais) e a internação, privação de
liberdade aplicável pelo prazo máximo de três anos, atingindo o
adolescente, em determinadas situações, até alcançar 21 anos.
Autoriza o Estatuto, conforme sua explicação, a representação pela
prática do ato infracional do adolescente, independente de prova
pré-constituída da autoria e materialidade (art. 182, § 2º - ECA1),
enquanto para o adulto é necessário a existência de indícios
suficientes de autoria e materialidade.
Entende que é necessária a revisão, com espírito de
cidadania, dos argumentos utilizados pelos defensores da redução
da imputabilidade do adolescente prevista na Constituição Federal
e no art. 27 do Código Penal2.
Sem entrar no mérito da discussão dos fundamentos
destas propostas (precocidade da consciência ilícito, a contradição
entre o direito ao voto e a prática do ato delitual, entre outros) e
diante de nossa lamentável realidade prisional, incluir os
adolescentes infratores, a partir dos 16 anos, na população
carcerária dos adultos imputáveis, não representa solução a curto
ou médio prazo para a delinquência neste país, diz a jurista.
1
E.C.A, art. 182 – “Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não promover o
arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá representação à autoridade judiciária, propondo a
instauração do procedimento para aplicação da medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada. § 2º
- A representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade.”
2
CP, art. 27 – “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legislação especial.”
122
Arremata
ser
imprescindível
o
investimento,
sobretudo, na instrumentalização do Judiciário para aplicação e
acompanhamento das medidas sócio-educativas, ressalvado o seu
caráter punitivo, pois elas devem ser, antes de tudo, pedagógicas,
exigindo preparo técnico dos aplicadores, numa mudança
definitiva na cultura do atendimento.
Urge, no que concordamos com a afirmativa da
articulista,
que a sociedade brasileira renuncie a sua postura de
indiferença e readquira sua capacidade de indignação, exigindo a
implantação de medidas que modifiquem o contraditório cenário
da atualidade. O pior equívoco é dizer que estamos punindo o
efeito pela causa; na realidade não estamos enfrentando nenhum
dos dois. Fala-se dos desvios de conduta dos jovens e se omite a
violência estrutural. Não foi a lei que determinou o maior índice
de assassinatos de crianças e adolescentes nos últimos anos,
destacadamente, nos grandes centros. É sua louvável posição.
O doutor em menores, então juiz e vice-presidente da
Associação Internacional de Juízes de Menores, Alyrio Cavallieri
asseverou que, entre muitas exclamações de entusiasmo dos
autores do Estatuto do menor, eles se opuseram tenazmente a uma
avaliação que visasse torná-lo pelo menos exequível. O eminente
magistrado nos informa que a Associação Brasileira de
Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude,
em Congresso realizado em meados de 1993, em Curitiba, à
unanimidade, deliberou em seus anais que houvesse recomendação
ao governo federal para a promoção da avaliação do E.C.A.,
porém, efetivamente, nada foi providenciado.
Por iniciativa própria, força da inércia daquela
123
agremiação, o ilustre juiz organizou e formulou, com a opinião de
dezenas de autoridades, 395 objeções à aludida lei.
Dentre as opiniões coligidas, temos a de Ib Teixeira,
advogado e economista da Fundação Getúlio Vargas que afirmou
o agravamento da situação do menino de rua, com considerável
acréscimo de assassinatos infantis e, de outro lado, o aumento da
criminalidade praticado por menores.
Entende que a falência do problema do menor no
Brasil não será resolvida pelo rebaixamento da responsabilidade
penal, pois se o Estatuto é ineficiente, o é por culpa do governo
que o desrespeita.
Atrela também àquela investida o fato de os
legisladores inserirem normas naquela lei que retiram atribuições
relevantes do Judiciário e do Executivo, transferindo-as para as
comunidades.
Sugere, por fim, comungando com nossa opinião, que
a cadeia e a diminuição da responsabilidade penal não são as
soluções efetivas do problema da violência, em especial da
juvenil. A melhora do atual Estatuto, já com tempo de vida
suficiente,
deve
sofrer
um
estudo
acurado
ante
sua
impraticabilidade.1
É primordial que os legisladores se esforcem a editar
leis2
1
que atendam
a essência dos problemas sociais.
Jornal “O Globo”, dia 23.08.96.
2
Lei “é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato, que lhe é
outorgado pelo povo.”(Plácido e Silva, em “Vocabulário Jurídico”); Para Iêdo Batista Neves, em “A Norma
Jurídica”, é “a prescrição emanada da autoridade soberana de preceito oriundo do Poder Legislativo. Regra
geral e justa e permanente, que exprime a vontade imperativa do Estado, a que todos estão submetidos.” E
Miguel Reale assim se expressa(in “Lições Preliminares de Direito”): “é enunciativa de uma forma de
124
Manifestações, até compreensíveis, como o do Grupo Valéria
Frota, há alguns anos atrás e da família de João Hélio hoje,
deturpam as necessidades que seriam da sociedade como um todo,
mas retratam apenas um anseio popular setorial de vindita, mágoa,
revolta e outros tantos motivos que não têm legitimidade social,
mas, tão-só, aparência pelo dissabor de mais uma tragédia
nacional. Assim, como cediço e legalmente aceitável para
legitimar os representantes públicos, interesses particulares devem,
inevitavelmente, ceder ao interesse coletivo, como é sabido em
seara publicista do direito. Então, tragédia coletiva, na verdade,
que deve merecer destaque e a posição de se sobrepor às demais
tragédias espalhadas em parciais segmentos sociais, é aquela que
trata do sistema punitivo como instituição governamental e social,
capaz de reprimir, prevenir e recuperar agentes violadores da
ordem pública, incorporadas nas legislações penais.
O ponto nodal da questão é muito mais profundo do
que a mera reflexão sobre a imposição de penas cada vez mais
severas e sua conseqüente repercussão nos dados da estatística
criminal.1
A implantação de penas caracterizadas pelo rigor,
organização ou de conduta, a qual deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.”
1
“Vetor indispensável na avaliação da escalada da violência e também meio de aferição do trabalho
policial, a estatística criminal tem sido usada de forma casuística. Vez por outra, os responsáveis pela área da
segurança fazem inserir na mídia somente a valorização dos índices referentes às ocorrências registradas,
buscando amortecer a repercussão do impacto da criminalidade e também garimpar credibilidade para as
organizações de combate ao crime. São casos não aparentes e portanto não computáveis, que no jargão
estatístico ficam na zona cinzenta, nunca apurados. São números que carecem de exatidão, porque
contaminados pelas condicionantes do medo, de descrença e, às vezes, até de dificuldades impostas na ocasião
do registro. Portanto, conhecidas as condicionantes que afastam incontáveis vítimas de fazer o registro de
ocorrência delituosa e avaliados em conjunto e em extensão os dados estatísticos coletados, verifica-se que o
placar estatístico criminal está aquém da expectativa - fato preocupante, seja visto pelo enfoque preventivo,
seja olhado pela marca repressiva. Não se constrói o aprimoramento da luta contra o crime, nem se consegue
ganhar a necessária confiança, fazendo uso casuístico de índice isolado da conjuntura criminal.” Artigo
“Estatística Criminal”, publicado no “O Globo”, dia 17.12.96, de autoria de Heraldo Gomes, Delegado de
Polícia aposentado e ex-Secretário Estadual de Polícia Civil.
125
atualmente adotada por alguns governos, como alhures dito, tem
como fulcro um suporte baseado na estabilidade da entidade
estatal e da sociedade civil, que propiciam a respeitabilidade das
decisões políticas e a consectária influência efetiva nos dados
criminológicos.
O magistrado Liborni Siqueira, ferrenho lutador das
causas
do
menor,
porquanto
contrário
à
redução
da
responsabilidade que se cogita, aduziu na palestra sobre o tema “O
CRIME E O CRIMINOSO”, proferida por ocasião da reunião do
Conselho Empresarial de Segurança Pública, promovido pela
Associação Comercial do Rio de Janeiro, que atualmente a
sociedade volta suas atenções para o crime e deixa de lado o
criminoso, seguindo uma filosofia de inversão de valores.
Afirmou, com singular maestria: “dentro da relação de
causa e efeito, o país priorizou os efeitos e despreza as causas.”
Alertou sobre a necessidade emergente de mudança no
comportamento da sociedade que desconhece o que sejam direitos
humanos, que muito se fala, mas sem qualquer radiografia exata
do isso significa.
Finalizou sua exposição com a advertência de que
mais do que punir o criminoso, é preciso fazer com que ele se
recupere e se reabilite para o convívio social. Por intermédio do
poder intervencionista do Estado, imbuído de vontade política e de
um novel conceito de moralização pública, através de pesquisas
sociológicas para a investigação da patologia dos criminosos isso
será possível.
Para reforçarmos a opinião do magistrado do Rio de
126
Janeiro, objetivando dar maior ênfase ao entendimento por ele
esposado, em análise da essência da relação marginal em si mesmo
considerada do crime e do criminoso, bem como aquela que é sua
defluente, ou seja, a relação travada entre eles e a sociedade, urge
trazer à colação os argumentos de autoridade de Pierre Cannat1:
“Luego de haber recorrido rapidamente algunos de los problemas
que plantea el tratamiento de los condenados, no hesitamos en
reconecer que métodos, sistemas, construcciones diversas, están
dominados por el aspecto espiritual, es decir, que en el sentido
más exacto del término pertenecen al espíritu.El êxito de uma
reforma penitenciaria exige antes una reforma de mentalidad: en
la cumbre, en todos los grados del personal y en el gran público.
Esto es ciertamente muy dificil de realizar. Los edificios vetustos
se rehacen más pronto que se modifica una manera de pensar.
Pero el propósito es mucho más vasto, porque en materia
penitenciaria el provenir no pertenece a los países que inventen
los mecanismos científicos más perfeccionados. El porvenir será
del país que mejor comprenda el inmenso problema de la pena;
aquel en que el hombre se muestre más comprensivo, más justo
frente a sus semejantes, más social, es decir más abierto a todas
las miserias de los otros y, por este hecho, más inclinado a tender
la mano, más decidido a no rechazar a priori a nadie, más
persuadido de que el ser, aun el más bajo, aun deshonrado,
pervertido, podrido por dentro y por fuera, todavía es una
maravillosa creación de la naturaleza, porque siempre lleva en sí
mismo, sin que se apague jamás, lo esencial de su rescate.”
Aliás, com a autoridade de sua toga, quando Ministro
1
In “Le Reforme Pénitentiaire”, Melún, Libraire du Reweil Sirey: 1949, p. 287. Proveitosa também a
lição de Carnelutti: “Narra uma fabulazinha, que eu aprendi em uma revista na Argentina, que às
queixas dos anjos para a criação deste ser absurdo, meio anjo e meio animal, que é o homem, o
Criador respondeu: ‘el hombre non és cuestion para congresos de filosofia’; e teria acrescentado:’el
hombre es cuestion de fé en el hombre’.” (extraído do livro “Misérias do Processo Penal”, p. 35. ).
127
do STJ, Luiz Vicente Cernicchiaro, teve oportunidade de se
manifestar a respeito: “a mudança de sistema não se faz somente
com a modificação da lei; impõe-se modificar a cultura. Não é
exagero: a prisão está em crise. Não se evidencia útil como
resposta à delinqüência. É notório, os estabelecimentos penais
não conferem condições para a execução alcançar seu objetivo.
Não educa. Não reeduca, ao contrário, deseduca. Em primeiro
lugar, lembre-se, a pena atende ao interesse público. Há, pois,
que extrair-se vantagem para a coletividade. Impõe-se, via
legislação, ensejar ao magistrado formas alternativas adequadas
às características objetivas e subjetivas do caso concreto. Sem
perder as garantias da taxatividade, a sanção precisa conferir ao
julgador espaço para o poder de discricionariedade. Só assim farse-á adequação do delito com a pena, em função do agente. A
prisão pode e deve ser substituída. Por isso, transitoriamente,
talvez fosse útil e oportuno reservar as penas privativas de
liberdade a alguns casos, ou seja, àqueles que afrontam de modo
agressivo e injustificável os valores maiores da sociedade
mantendo-a insegura. Se a natureza não dá saltos, o mesmo
ocorre com a cultura. Politicamente será oportuno manter hoje,
como exceção, o que se deseja eliminar amanhã. Todavia,
enumerando as hipóteses extremas e destinadas unicamente a
quem, com injustificável comportamento, revela ser incapaz de
convivência.”1
De outro lado, uma visão restrita de uma instituição,
1
“Folha de São Paulo”, dia 28/10/95. Aliás, a extrema imprescindibilidade da pena privativa de
liberdade para os casos de reconhecida necessidade sempre foi a política criminal adotada pelas legislações
ocidentais modernas, acatada, inclusive, pelo Brasil por ocasião da reforma penal de 1984. Confira-se a
Exposição de Motivos: “26. Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de
restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a
ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta filosofia importa obviamente na busca de sanções outras
para delinquentes sem periculosidade ou crimes menos graves. Não se trata de combater ou condenar a pena
privativa de liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra
no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de
reconhecida necessidade.”
128
pode fecundar, também nesses casos, uma premissa falsa cujo
desenvolvimento desembocará inevitavelmente em uma solução
deturpada da realidade emergente e das proporções axiológicas do
instituto sócio-jurídico, em especial a pena.
Suporte falso de uma avaliação sócio-jurídica é a
persistência na atualidade falida do sistema punitivo, com apego à
bandeira da impunidade, tal qual comunga, data respecta, o
Desembargador paulista Alberto Marino Junior, tecendo assertivas
consubstanciadas na correta, a seu ver, postura de indiferença do
Judiciário acerca do sistema punitivo, colocando-o na posição
simplista de mero aplicador das leis, sem contestá-las,
sentenciando condenados e jogando-os para a tutela do Executivo,
sendo atribuição dele a solução do problema penitenciário.
Aduz o jurista paulista, para tanto, que não se pode
permitir, a pretexto de esvaziar os presídios, a consagração da
impunidade e de que “filósofos” venham com certas invenções
capazes de gerar a audácia dos maus e o sobressalto da sociedade.1
A
mesma
corrente
linha-dura
encontra-se
na
manifestação do magistrado estadual paulista, Corrêa de Moraes,
que, por ocasião de julgamento criminal realizado pela 7a. Câmara
do Tribunal de Alçada , explicou a base da reação, como testifica o
editorialista Antonio Carlos Pereira2: “Se o aparelho judiciário
não se comover com tão pungente estatística e não souber dar
resposta punitiva adequada ao banditismo violento, será bem
apropriado acoimá-lo de insensível, pusilânime e inútil. Escandaliza e revolta ver como falsos humanistas, espicaçados por
1
Articulado publicado na “Folha de São Paulo”, em 28/10/95.
2
“O Estado de S. Paulo”, 01.10.96, artigo denominado de “A REAÇÃO DOS JUÍZES”.
129
patológicos sentimentos de culpa ou acoroçoados por farisaica e
piegas comiserações por facínoras, se alvoroçam e se mobilizam,
sempre que, diante da crescente ousadia e expansiva analgesta
total dos assaltantes, surgem propostas de reforço de eficácia
intimidativa e dissuasória da pena. Obrando com a mais
desfaçada improbidade intelectual, os falsos humanistas põem nos
defensores de justiça penal austera tacha de reacionários,
retógrados, porque, em sua ótica desonesta, estariam em oposição
às ‘tendências do direito penal moderno’. Ora, isso é cavilação,
blefe.O que esses indivíduos refratários aos sofrimentos da
população ordeira consideram ‘tendência do direito penal
moderno’, não passa de cerebrinas elocubrações de uns poucos
nefelibatas, cientistas de gabinete, prisioneiros de delírios
quiméricos. Na verdade, o ordenamento repressivo no chamado
‘primeiro mundo’ é tendencialmente sempre mais e mais rigoroso.
Nos EUA, onde há três décadas as estatísticas atribuem a
crianças entre 9 e 14 anos a média de 100 assassinatos por ano,
em estados como o Texas, menores podem ser condenados a até
40 anos de cadeia. E a lei federal está apertando. Um pacote do
governo Clinton contra a violência manda julgar como adultos os
adolescentes que se metam em delitos à mão armada. Na
Inglaterra (...), John Venable e Robert Thompson, dois meninos
que mataram um bebê quando tinham dez anos, pegaram quinze
anos de prisão1. Na França, a legislação foi endurecida por causa
de um crime sádico. Em 1993, um estuprador de crianças
reincidente, Patrick Tessier, confessou ter assassinado uma de
suas vítimas, Karine, de 8 anos. O Código Penal foi revisto por
causa dele. Para crimes dessa gravidade, passou a ser prevista
pena mínima de 30 anos, sem reduções. Para a morte de menores
de 15 anos, acompanhada de estupro ou tortura, a pena é prisão
1
Marcos Sá Corrêa, Revista “VEJA”, de 21 de agosto de 1996.
130
perpétua.1 Retógrado é quem, fomentando a debilitação da
atividade punitiva, desmoraliza o civilizado sistema de valores
corporificados na lei. Bárbaro e destituído de senso de civilidade
é aquele que, por qualquer meio levando o sistema repressivo e a
Justiça Penal ao descrédito, incita o emprego de abomináveis
soluções extralegais: linchamento, contratação de grupos de
extermínio (os impropriamente denominados ‘justiceiros’)...”
As palavras do ilustre sentenciador, sem dúvida, têm a
força da cultura, da experiência e de característico desabafo de um
Judiciário firme, cumpridor de seus deveres institucionais, porém
desacreditado pela sociedade. Criminosos são processados e
julgados dia-a-dia, em números de peso. Condenações são
prolatadas na mesma quantidade. Mas, assim como as leis, as
sentenças são desprovidas da imperiosidade necessária, pois falta
conjuntura organizacional administrativa capaz de efetivá-las.
As leis, cada vez mais e mais severas, são fruto da
consciência de repúdio crescente, espelhado pelo legiferante, aos
crimes tôrpes, hediondos por natureza (estuprar e matar uma
criança), pelo que total razão assiste às palavras do juiz suso
citado.
De igual acerto, as condenações dos criminosos à mão
de clava, firmes e justas à sociedade, com a aplicação de pesadas
penas
a
criminosos
contumazes,
reincidentes,
irrecuperáveis.Todavia, o problema não se encontra nessa atitude
endurecida do combate ao crime, cujo apoio é incondicional.
Uma resma de papel, onde estão inseridas leis
rigorosas e sentenças destituídas de qualquer sentimento de
1
“O Estado de S. Paulo”, 21 de agosto de 1996.
131
condescendência com os delinquentes, não passarão de papel. E,
no papel, pode-se colocar o que quiser. Prefere-se que se tenha
pouco, mas se tenha.
O que se discute, advirta-se aos desinformados, não é a
quantificação de pena por crime. O que se propõe é o
recrudescimento punitivo incrementado por política de eficiência
corretiva que filtrem condutas atípicas, cuja potencialidade violem
ou ameacem a segurança pública e que venha, ipso facto, a
reprimenda. Temos como fio de prumo entre o bem e o mal, as
palavras voantes ao século do filósofo Confuccio: “se pagares o
mal com o bem, com o que pagarás o bem.” É a ligação das
idéias que forma a base de todo o edifício da razão humana...Se há
a possibilidade de recuperação, prossiga-se. É dever do Estado.
As leis e as sentenças que possuam efetividade já
terão, por si só, a dureza capaz de gerar a prevenção pelo medo de
sua real aplicação e a retribuição capaz de comprovar à sociedade
que quem comete crimes é encarcerado. “Disse que a rapidez da
penalidade é útil; e é certo que, quanto mais tempo passar entre o
crime e a pena, tanto mais compenetrados ficarão os espíritos da
idéia de que não existe crime sem castigo; tanto mais se acostumarão a julgar o crime como a causa da qual o castigo é o
efeito necessário e inelutável. É a ligação das idéias que forma a
base de todo o edifício da razão humana... Uma penalidade muito
retardada torna muito menos estreita a união dessas duas idéiais:
crime e punição...Como os homens não se entregam, de início, aos
maiores crimes, a grande parte dos que vêem o suplício de um
criminoso,
acusado
de
algum
crime
monstruoso,
não
experimentam qualquer sentimento de terror ao assistirem um
castigo que jamais supõem possam vir a merecer. Em vez disso, a
punição pública dos pequeno crimes mais corriqueiros lhes pro-
132
vocará na alma uma impressão saudável que os afastará de
grandes crimes, antes de tudo desviando-os dos que o são
menores.”1
Acreditamos rídiculo, quimérico e todos os outros
adjetivos bem lançados pelo magistrado, a adoção da postura
legiferante de editar mais e mais leis paleorepressivas, propiciando
sentenças de idêntica ferocidade legal, somente para creditar a si
mesmo o status de exercente da política criminal
firme e
altamente repressora, sem, no entanto, mostrar à sociedade e aos
criminosos que a reprimenda estatal é real.
No caso concreto ocorrido no estrangeiro, trazido
como exemplo pelo articulista, o dois meninos ingleses, em perícia
realizada na instrução do processo foi constatado anomalias em
suas personalidades. É possível generalizar? Não é pelo fato de o
povo americano ter feito que temos de fazê-lo, somente por fazer.
No Brasil, a política do recrudecimento das leis não vem
acertando. É hora de recuar. É hora de, como um estrategista, bater
em aparente retirada para que o inimigo abra o flanco.
O sistema punitivo, para tanto, tem de ser analisado e
considerado como um grande quebra-cabeças onde a inclusão,
alteração ou supressão de qualquer norma positiva de seu
aglomerado, ensejará o harmonioso entrelaçamento de suas
funções específicas, capazes de resultar, pelo menos, algo mais
próximo de seu escopo.
De efeito, não podemos tratar do sistema punitivo com
a visão contida, tão-somente, na questão penitenciária. Ele recebe
1
Beccaria, idem, ibidem, na referência bibliográfica, pp. 55-56.
133
insights de todo o seio social e governamental, estremece todos os
Poderes da República e o Estado Democrático de Direito.
Por isso, como retro dito, acolher de olhos vendados
soluções
específicas
de
outras
culturas
para
aplicá-las
incondicionalmente aos problemas brasileiros não se apresenta
com feições inteligentes. O que se deve e pode fazer é aproveitar
experiências fracassadas ou vitoriosas, acrescida de institutos
sociais, políticos e jurídicos consolidados no extraneus para
adaptá-los à realidade expoente no Brasil.
Dessa forma, verbi gratia, um valioso instrumento
para o desiderato propugnado é a construction dos norteamericanos, onde o jurista reúne e sintetiza o conjunto de normas
e, com a soma de seu espírito e conteúdo, forma um complexo
orgânico de onde extrairá o direito positivo lógico, aplicável à vida
real, pois analisa a norma dentro de seu conjunto e em relação
direta e de interação com a ciência, descobrindo e revelando o
Direito advindo do ius cogens, recompondo-o, compreendendo-o e
construindo-o com arrimo nos elementos extralegal e metalegal, de
natureza política e social, testificados por Cooley e Willougby,
além dos lógico-formais e históricos.
A construction é um processo hermenêutico mais
amplo do que a interpretação propriamente dita. Esta é matéria do
Direito enquanto aquela tem conotações também políticas, já que
autorizada a invocar o auxílio de considerações extrínsecas ao
texto escrito. É o que nos ensina Carlos Maximiliano.1
Por isso, imprescindível para a confecção de articulado
com consistência em sua fundamentação, possibilitando, na parte
1
In “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 10ª ed., RJ, Forense: 1988, p. 40.
134
dispositiva, concluir com posição pessoal capaz de oferecer
efetividade na seara jurídica e também social, trazer coleta de
opinião pública, através de selecionado trabalho jornalístico, onde
o sistema punitivo é alvo de atenção cotidiana, a demonstrar que o
anseio social também é compartilhado por outros segmentos, no
intuito de resolver a quaestio em comento.
Trazemos,
como
condutor
da
nova
safra
de
proposições do sistema punitivo, as declarações do ex-ministro da
justiça, Nelson A. Jobim, intitulada “Penas Alternativas: Pontos
para Reflexão”1, verbis: “Uma das preocupações das sociedades
modernas tem sido a superlotação dos presídios e os conseqüentes
custos de construção de novos estabelecimentos e de conservação
e manutenção dos existentes. Paralelamente, levantam-se as
pertinentes questões: seria a restrição da liberdade a única forma
de punição para infratores? Ou a forma ideal?Pesquisa realizada
nos Estados Unidos, em outubro de 1991 pela The Public Agenda
Foundation, constatou que os habitantes do estado de Delaware,
consultados sobre a aplicação de penas alternativas, a princípio
manifestaram-se contra, preferindo a tradicional prisão para a
punição de delinqüentes.Entretanto, após serem informados sobre
os problemas de segurança, da superlotação carcerária, dos
custos da prisão e da possibilidade de uma série de sanções
intermediárias ou alternativas, repensaram seus pontos de vista e
posicionaram-se francamente a favor da aplicação de penas
alternativas. Interessante observar que essa mudança de atitude
não se deveu, em princípio, ao conhecimento do alto custo
prisional, mas sim à visualização de outras formas de punição,
aliada ao entendimento de que o encarceramento não cumpria seu
papel de reabilitar o criminoso. Concordaram que a prisão se
fazia necessária para os casos de crimes violentos ou
1
Em opinião veiculada no jornal “O Globo”, periódico do dia 03/04/96.
135
considerados hediondos, mas em nada contribuía para melhorar o
comportamento dos condenados por delitos de menor monta.
Preferiram que estes fossem sentenciados a trabalho em prol da
comunidade. Evidentemente, o fator custo também foi importante
para o público, mas tornou-se secundário em vista da
possibilidade de aplicação de programas efetivos que punissem,
reabilitando. Diversos países vêm adotando cada vez mais o
sistema de penas alternativas. Na Inglaterra - como nos Estados
Unidos - aplica-se com freqüência a probation. Os britânicos a
utilizam para punir infratores, colocando-os sob supervisão de um
agente responsável por um período de seis meses a três anos.A
probation tem como objetivos reabilitar o infrator; proteger o
público dos danos causados por ele; evitar reincidência. Sua
eficácia é especialmente comprovada em casos de problemas que
envolvam
alterações
de
comportamento,
motivação,
relacionamento humano, abuso de álcool ou drogas, que possam
ter influenciado o cometimento do crime. O sistema implica na
crença de que o infrator só deve receber uma pena de prisão
quando o mesmo se constitui um risco concreto ao convívio social.
Além de comprovarem a eficácia da probation, os britânicos
também valorizam a grande economia para os cofres públicos que
ela representa. Observa-se lá uma concreta preocupação com a
questão custo/benefício da pena privativa de liberdade. Douglas
Hurd, Ministro da Justiça durante o Governo Thatcher, dizia que
a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores.
Diante das evidentes vantagens do sistema, e lembrando o
resultado da pesquisa realizada em Delaware, poder-se-ia
indagar: como reagiriam os brasileiros se questionados sobre as
punições impostas aos criminosos?Embora fosse desejável
estabelecer nossos próprios parâmetros, não há aqui o costume de
se efetuarem aferições como a que se fez em Delaware, tanto por
seus custos elevados, como até mesmo por falta de tradição de
136
nossa parte. Todavia, pode-se observar que a sociedade em geral
não se mostra particularmente interessada pela questão
carcerária. As pessoas parecem se sensibilizar apenas quando
ocorre rebelião prolongada. Pesquisas de opinião demonstram
que os brasileiros acham que o crime está crescendo,
principalmente por causa das drogas, e que a maior parte dos
infratores, sobretudo os traficantes e criminosos violentos, devem
ficar atrás das grades. Mas concordariam com a construção de
novas prisões, se isso significasse aumento de impostos ou corte
nos serviços ou obras públicas? Como, então, desafogar nossas
prisões, abrindo vagas para outros criminosos mais perigosos que
vagueiam impunemente pelo país? Como punir o pequeno infrator
sem transformá-lo em um peso financeiro para a sociedade?
Como educá-lo, em vez de expô-lo ao risco de contaminação pela
convivência com os verdadeiros bandidos, que cumprem longas
penas e, de dentro das próprias penitenciárias, ainda se articulam
com o submundo do crime lá fora? Como transformar esse
indivíduo em elemento novamente produtivo e útil à sociedade?
Há meios, sim, de puni-lo sem encarcerá-lo. O Código Penal
Brasileiro, em seu artigo 46, prevê penas alternativas à reclusão
do infrator, obrigando-o à prestação de serviços gratuitos junto a
entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros
estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou
estatais. Caberia, aqui, questionar: por que tais sanções são
pouco aplicadas pela Justiça?Deixam os juízes de sentenciá-las
mais amiúde porque não há quem supervisione o seu efetivo
cumprimento - eis a razão. Depara-se a Justiça Criminal com
números cada vez maiores de criminosos para punir e - como em
tantos campos de atividade no Brasil - com recursos cada vez
mais escassos para administrar o problema. Acresça-se a isso
outra questão de igual importância: a da impunidade. Devido
ainda a um ranço reinol e a inegáveis falhas do sistema, a regra
137
geral no país tem sido deixar soltos os poderosos e encarcerar os
desprotegidos. Não obstante nosso esforço para ampliação do
número de vagas no sistema penitenciário, elas não serão
suficientes para abrigar todos os criminosos. Tampouco é
intenção do Governo dotar-se de uma indústria de hotelaria
carcerária, indústria essa que é cara e cuja principal finalidade a da reabilitação dos criminosos - está longe de ser atendida.
Mais do que nunca, nesta quadra histórica, em que o mundo
inteiro se defronta com o crescimento da violência e da
criminalidade e a
conseqüente questão
da superlotação
carcerária, ganham relevo os benefícios da aplicação de penas
alternativas como prática rotineira nos tribunais. Se o crime tem
um preço, combatê-lo também tem seu preço. Se a sociedade quer
mais segurança, mais escolas, mais hospitais - e menos medo temos de atacar o problema com coragem e determinação e esta é
a base da ação do Governo. É preciso implantar políticas que,
desde o início, objetivem manter o indivíduo na sociedade,
procurando corrigí-lo, em vez de excluí-lo, alienando-o do
convívio social. É preciso, sobretudo, aplicar os recursos onde
saibamos que terão retorno para a sociedade. A conclusão a que
se chega consiste na necessidade da evolução rápida da
dogmática penal tradicional brasileira para novas definições
doutrinárias que permitam uma maior atenção a aspectos
criminológicos do problema, identificando as causas do crime e
evitando que o infrator nele reincida, sob pena de prosseguirmos
no curso da história com a triste constatação que hoje nos assola
- no campo penal, o cidadão através do Estado investe cada vez
mais na sua própria insegurança.”
A reformulação do sistema punitivo no Brasil,
conforme opinião das mais altas personalidades do ramo jurídico,
tem como ponto basilar a adoção de penas alternativas, pelo
138
menos como medida a curto prazo capaz de amenizar o problema
carcerário. Também discute-se formas de reavaliação do pacto
federativo, principalmente pela migração do crime para o interior,
deixando de ser um problema localizado dos grandes centros
urbanos.
Pugnando por esta alternativa, o saudoso advogado
criminalista Antônio Evaristo de Moraes Filho1, afirmando que a
criação de penas alternativas é uma boa solução para a
superlotação dos presídios incubadeira de criminosos, como já
advertira Nelson Hungria há mais de 30 anos, assim se manifestou,
in litteris: “O principal objetivo da adoção das penas alternativas
é evitar que condenados cuja permanência em liberdade não
represente grave risco para o corpo social venham a ser
contaminados pelos perniciosos germes do contágio carcerário. A
redução da população prisional é tão-só um excelente subproduto
das penas alternativas, mas não traduz seu alvo básico. Em
verdade, nos últimos decênios os penalistas de todo o mundo, de
forma quase unânime, concluíram ser a pena de prisão um
instrumento que só deve ser utilizado nos casos extremos, quando
o sentenciado representar um efetivo perigo para a comunidade.
O elevado índice de reincidência entre os egressos de
penitenciárias indica que o encarceramento muitas vezes é um
fator contraproducente, a realimentar a criminalidade, acabando
por perverter o recluso primário. Recentemente no Rio de Janeiro
foi promovido pela professora Julita Lemgruber um encontro
entre especialistas norte-americanos, ingleses e brasileiros, tendo
todos eles observado que boa parcela dos infratores que se
encontram no cárcere poderia estar cumprindo suas penas em
liberdade. Exatamente por essa razão no Criminal Justice Act
promulgado em 1991 na Inglaterra, ficou estabelecido uma
1
Ponderações no artigo da “Folha de São Paulo”, periódico de 20/10/95.
139
diretriz para os magistrados no sentido de que ‘ninguém deve ser
enviado para a prisão, a menos que o juiz considere a infração
cometida tão séria que apenas a privação da liberdade seja capaz
de proteger o público do dano que poderia ser causado pelo
infrator’. No Brasil deve-se também alargar o campo de
aplicação das penas alternativas, beneficiando sobretudo os réus
primários que respondem por delitos praticados sem o emprego
de violência real. Com isso não só diminuiria o problema da
superpopulação carcerária como a sociedade ficaria melhor
protegida e não estaria pagando impostos a serem gastos em
prisões, verdadeiras incubadeiras de criminosos...”
Aliás, as penas alternativas são uma tendência mundial
pelo consenso da imprestabilidade do efeito reclusivo da prisão,
como reprimenda aplicável a crimes de qualquer natureza e sem
levar em consideração a sua potencialidade para a sociedade, tendo
os efeitos deletérios do sistema prisional fomentado a reincidência,
inclusive de condenados recuperáveis que são contaminados, por
mais selecionados que sejam dentro do complexo carcerário, pelo
vírus maléfico caracterizadores da “Instituição Total”.
Em estudo científico, com adoção de dados estatísticos
comparativos, a ONU - Organização das Nações Unidas - indica
que a reincidência dos egressos das prisões gira em torno de 80%,
percentual que despenca para 25% nos casos de condenados que
foram agraciados com penas alternativas de qualquer espécie, a
demonstrar que são capazes de promover a recuperação social do
delinqüente e satisfazer a necessidade inafastável da condenação e
prevenção, ou seja, a manutenção do tripé suportador da pena,
retribuição - prevenção - ressocialização.
Por isso, o movimento de reforma do sistema punitivo
140
concentra suas proposições na adoção imediata de penas
alternativas, demonstrando a absorção da sociedade civil da idéia
de que o Estado é mau administrador; não tendo condições
estruturais de solver as mais básicas de suas funções, tais como
segurança pública, educação, saúde. O plano nacional de
privatizações é reflexo direto dessa consciência governamental,
que tem apoio incondicional nos mais nobres seguimentos sociais.
Um exemplo fica constatado na publicação1 do
resultado do debate promovido pela “Folha de São Paulo”, no dia
3 de junho, onde se fizeram presentes o então Diretor do
Departamento Penitenciário Nacional e Presidente do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da
Justiça,
Paulo
Administração
Tonet
Camargo,
Penitenciária,
João
o
então
Benedicto
Secretário
de
da
Azevedo
Marques, o então Vereador Paulo Roberto Faria Lima (PPB) e o
ex-Secretário de Justiça do Estado de São Paulo José Carlos Dias.
Os especialistas consideraram fundamental a adoção
de penas alternativas, porque o sistema penitenciário já se mostrou
ineficaz quanto à ressocialização do preso.
Segundo
o
então
Diretor
do
Departamento
Penitenciário Nacional, o Estado de São Paulo, por ter a maior
população prisional do país e idêntica carência de vagas no
sistema penitenciário, é o local onde as questões são mais agudas e
graves.
Afirma ainda que é necessário retirar os presos das
penas privativas e colocá-los em serviços comunitários, o que
reduziria o custo do sistema. A pena não ajuda o preso a se
1
Em 24/06/96.
141
ressocializar, finaliza.
Para o ex-Secretário da Administração Penitenciária, a
construção de presídios não vai resolver o problema. Segundo ele,
a adoção de penas alternativas reduz a reincidência criminal.
Marques também defendeu conselhos na comunidade para
participar e fiscalizar o processo penal, no que pertine à execução
da reprimenda alternativa imposta.
Para o ex-Secretário José Carlos Dias, a prisão não
serve para transformar o preso em homem bom, adaptado à
sociedade.
O
articulista Fábio Bittecourt da Rosa, então
Corregedor-geral da Justiça Federal da 4a. Região1, traz à colação
um dos importantes efeitos psicológicos para o condenado na
adoção das penas alternativas, em especial a prestação de serviços
comunitários ou similar, i.e., o contato direto do delinqüente com
problemas sociais de profundidade incontestável, os quais farão
desabrochar seu sentimento de utilidade para a sociedade na
qualidade de bem-feitor, sensibilizando-o para os percalços das
vidas de outrem, amenizando a introspecção ao seu mundo
violento e marginalizado, despertando-o para o fato de que se o
problema vivencial de sua vida é nefasto, de certo há piores.
É, não há dúvida, caso de repugnante consolo
utilizarmos como paradigma a desgraça alheia, porém confortador
para a psicologia humana, em especial à da mente criminosa que
traz sobre seus ombros a maldição de ser um enjeitado social.
Assim, vivenciando o despautério da existência de
1
“Jornal do Commércio”, de 14.06.96.
142
pessoas solitárias, carentes, deficientes e de crianças órfãs e
abandonadas ou privadas da convivência familiar por ato abusivo
dos pais, a extensão de sua cosmovisão da realidade alargar-se-á e
inquestionavelmente, a reciprocidade dos laços emocionais entre a
sua pessoa e os seus assistidos farão aflorar sentimentos
adormecidos no seu ser por força de sua realidade delinqüente.
Com efeito, aparecendo como exemplo de viabilidade
e de sucesso, a cadeia pública da cidade de Bragança Paulista, no
Estado de São Paulo, trazido a público pela “Folha de São Paulo”
na matéria desenvolvida pelo repórter Kennedy Alencar, alhures
mencionada, é uma realidade, apesar de inexistir, por enquanto,
permissivo constitucional e legislativa ordinária acerca da relação
conveniada.
Também no Rio de Janeiro, por meio de ação conjunta
encabeçada pela titularidade judiciária da Vara de Execuções
Penais, a cargo, à época, do Juiz José Carlos Maldonado de
Carvalho, da Direção do DESIPE/RJ (Departamento do Sistema
Penitenciário) e outras instituições, os convênios refletem a
tendência microcentralizadora da eficiência das penas alternativas.
Por ocasião de seminário realizado e promovido pela AMAERJ
(Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro), em
outubro de 1996, foi apresentado pela Dra. Edna Del Pomo de
Araújo, da UFF (Universidade Federal Fluminense), os resultados
práticos dessa aliança.
Naquela data estavam em vigor 36 (trinta e seis)
convênios e mais uma dezena em confecção, objetivando colocar
em prática os desideratos do direito-dever de punir estatal, dirigido
aos 11.500 detentos em penitenciárias e aos 1.000 em xadrezes
policiais, já em prática a colocação de 1.500 presos laborando em
143
empresas públicas e privadas, outros 1.000 cursando o supletivo e
outros 74 na condição de vestibulandos, retratando a nova política
implementada na persecução de soluções.
Como projeto pioneiro no Estado, de relevo o trabalho
desenvolvido por Regina Brasil quando à frente da Escola
Alternativa Edgar Costa, com prolação de aulas para detentos,
ministradas por alunos voluntários da UFF, através do “Projeto a
Universidade e a Educação no Sistema Penal”, aprovado em
20/09/93 pelo C.N.P.C.P., propiciando a remição por cursos
realizados (um dia por 12 horas de presença efetiva), dentre outros
benesses,
acompanhados
todavia
de
sanções,
conforme
regulamento do Sistema Penal do Estado Rio de Janeiro, que
normatiza
a
promoção
de
atividade
educacional
e
profissionalizante, nos moldes da Lei de Execuções Penais.
As experiências sub oculis podem reforçar a sugestão
de alguns que seguem a esteira da popular privatização do sistema
carcerário, onde o Estado seria mero fiscalizador, deixando a cargo
de entidades privadas a gestão e a administração dos presídios e
das casas de detenção em geral, com a utilização da mão-de-obra
prisional para auferir um mínimo de numerário capaz de mantê-la,
propiciando o pagamento de contraprestação ao condenado, com
possibilidade de subvenção estatal do saldo remanescente
constante em tabela de custo-benefício, a ser desenvolvido em
processo licitatório.
Privatização não seria o instituto jurídico próprio, pois
ela se dá quando o poder público aliena direito acionário de
empresas vinculadas à administração pública indireta. Correto
seria afirmar que o referido serviço público de administração
penitenciária, na forma do art. 175 da CFRB, poderia ser
144
delegado(delegação) por contrato de concessão ou permissão, já
que o Estado concentra o monopólio dessa atividade, mantendo,
em qualquer caso, a titularidade, permitindo, apenas, que a
execução se faça por particulares.
Isso não quer dizer que o Estado não possa terceirizar
os serviços de administração dos presídios, como algumas
experiências bem sucedidas acontecem no Brasil e no mundo.
Assim, privatizar é alienar, transferir a propriedade, o
crédito, a participação acionária. Delegar é apenas repassar a
particulares a execução de serviços públicos para a coletividade,
sob a fiscalização do poder público. Terceirizar é o contrato
firmado entre o poder público e o particular para prestar serviços
para o próprio Estado.
A idéia privatista, entretanto, traz ares de vindita,
valendo conferir opinião de Nilo Batista, extraído do discurso
proferido por ocasião da abertura do XV Congresso Internacional
de Direito Penal, consubstanciada na assertiva de que a
privatização do processo de execução penal não passa de
emblemático retorno às normas e práticas do direito penal do
escravismo, sendo dever declarar, aos brados, que uma pena que se
afaste demasiadamente do Estado começa a chamar-se de
vingança.1
Podemos acrescer que, em plena entrada do séc. XXI,
1
“Mas, objetam eles,-é preciso que a sociedade se vingue, que a sociedade puna.-Nem uma coisa nem
outra. A vingança cabe ao indivíduo, a punição a Deus. A sociedade está entre os dois. O castigo está acima
dela, a vingança abaixo. Nada tão grande nem tão pequeno lhe convém. Não deve ‘punir para vingar-se;deve
corrigir para melhorar’”.(Victor Hugo, ob. cit., p. 25). Nesse sentido, Cobo/Vives – “Derecho Penal-Parte
Geral”, Tirant lo Blanch, Valencia, 1991,p. 616: “A pena representa, sem dúvida, a inflição de um mal, a
privação de um direito, de um bem jurídico. Este mal, todavia, é inflingido ao autor apenas porque é necessário
para prevenir delitos e não como vindicta, como retribuição de um mal por outro mal.”
145
no Brasil, cidadãos livres e no gozo de seus direitos
constitucionais são mantidos na condição análoga àquela imposta
ao escravo de outrora em diversos latifúndios no interior do país e
não há fiscalização, prevenção ou reprimenda do Poder Estatal,
impotente por suas deficiências que, de certo se repetiriam à
privatização carcerária.
Mesmo assim, nomes de peso a defendem. É o caso do
Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso, professor de Direito Penal, então
Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas
(ABRAC), do Conselho Estadual de Política Criminal e
Penitenciária de são Paulo, da Academia Brasileira de Direito
Criminal (ABDCRIM) e Membro do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça
(CNPC/MJ), que lança sua tese1, cujo peso dos títulos e da
corrolária experiência merece atenção, verbis:
“A prisão
historicamente faliu. Sua história é exatamente a sua crescente
abolição, pois a humanidade aprendeu a conviver com a pena
privativa de liberdade e conheceu sua amarga realidade. Todavia
há enorme esforço mundial, em reduzir sua aplicação,
substituindo-a por alternativas que possam representar a resposta
penal para aquele que delinqüiu, sem contudo remetê-lo ao
cárcere. Nesse contexto é que surge a proposta da chamada
privatização dos presídios, denominação inadequada, pois não se
trata de vender ações do Carandiru em bolsa, mas tão-somente
chamar e admitir a participação da sociedade, da iniciativa
privada, que viria colaborar com o Estado nessa importante e
arriscada função, a de gerir nossas unidades prisionais. Quanto à
constitucionalidade da proposta, partimos da premissa de que a
Lei Maior foi clara e o que ela não proibiu, permitiu. E mais, na
verdade não se está transferindo a função jurisdicional do Estado
1
Artigo constante na “Revista Literária de Direito”, ano II, nº. 8, nov/dez 95.
146
para o empreendedor privado, que cuidará exclusivamente da
função material da execução penal, ou seja, o administrador
particular será responsável pela comida, pela limpeza, pelas
roupas, pela chamada hotelaria, enfim, por serviços que são
indispensáveis
num
presídio.
Já
a
função
jurisdicional,
inalienável, permanece nas mãos do Estado que, por meio o seu
órgão juiz, determinará quando um homem poderá ser preso,
quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá punição e
quando o homem poderá sair da cadeia, numa preservação do
poder de império do Estado, que é o único titular legitimado para
o uso da força, dentro da observância da lei.”
Suas palavras esclarecem que a utilização do termo
“privatização” se presta apenas para dar relevo à idéia, mas sua
tese é de terceirização, como já explicado.
Outro movimento nasceu dessa realidade caótica,
denominado federalização de presídios, quarenta e cinco
entidades da sociedade civil de São Paulo, dentre elas a Comissão
de Justiça e Paz (da Arquidiocese de São Paulo), a Comissão de
Direitos Humanos da O.A.B./S.P., Comissão Teotônio Vilela e a
Associação de Juízes para a Democracia, lançaram documento, no
dia 21 de agosto de 1996, contra a violência, com onze propostas
concretas, entre elas a criação de presídios federais para abrigarem
os condenados praticantes de crimes hediondos, assim definidos
em lei.
Arrimam a proposta com o argumento de que, embora
o governo federal seja o responsável por estabelecer a política
penitenciária, não tem participação efetica em sua execução, ao
contrário do que ocorrem nos Estados Unidos. Naquele país, os
condenados por crimes violentos, como o sequestro, por exemplo,
147
ficam recolhidos em presídios de segurança máxima de
responsabilidade do governo central.
O documento defende a criação de uma Secretaria
Nacional de Segurança Pública, ligada diretamente à Presidência
da República e direcionada por um civil, para a elabor e
supervisionar uma política nacional de segurança pública. As duas
propostas foram acatadas e colacadas, pelo menos parcialmente,
em prática pelo governo do Presidente Lula e pelo Ministro da
Justiça Márcio Thomas Bastos, com a implantação do Fundo
Nacional de Segurança Pública(FNSP) e o Fundo Penitenciário
Nacional(FUNPEN), com a construção de presídios federais nos
estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, sem prejuízo da previsão
de outros, conforme regulamento do Decreto nº 6.049, de 27 de
fevereiro de 2007 e a Resolução nº 502, de 09 de maio de 2006,
revogada pela Resolução nº 557, de 08 de maio de 2007, do
Conselho da Justiça Federal(www.justiçafederal.gov.br).
As entidades coordenadoras são favoráveis à adoção
de penas alternativas para os crimes não-violentos, como forma de
reduzir a superlotação e o número de presídios e de delegacias,
complexos de grande e de pequeno porte que, instalados no meio
do perímetro urbano, são verdadeiros centros de preocupação
diária, pelas rebeliões e fugas.
Em suma, é evidente que todas as propostas vindicadas
têm a valoração pessoal de todos os proponentes, na medida de
suas vastas experiências nos ramos da política jurídica e
penitenciária, razão pela qual merecem créditos e reflexão.
O Brasil não pode ficar na pré-história da ciência
punitiva, sem se integrar no desenvolvimento que se opera no
mundo ocidental.
148
Pior, entendemos que estremecerá o próprio ius
puniendi que fará a sociedade retornar ao estado perigoso da
beligerância recíproca, afastado desde remotas eras pelo consenso
do
contexto
social,
cujas cotas de liberdade individual
integralizadas deram vida à soberania estatal.
A tradição brasileira impinge em afirmar que não há
um esforço preventivo em salvar as instituições, mas já quando
irreversivelmente caóticas, são lançadas medidas paleativas e
emergenciais de consertos pincelados através de leis consertadoras
de outras que precisam de outras subseqüentes para consertá-las.
Acresça-se que, nas referidas situações, as instituições
governamentais interagem de forma hipocritamente entorpecida,
pois, cientes de suas deficiências, recuam, no momento, de investir
nas atividades das demais, deixando o próprio organismo criar
soluções ao arrepio da legalidade.
De efeito, é certo que pretendemos regar sementes
plantadas pelas propostas veiculadas durante todo o desenvolver
do escrito, como mero esboço de uma reformulação institucional
da pena e do processo penal, a ser implantada no país, que
mereceria,
com
certeza,
muito
desenvolvimento
para
a
viabilização jurídica e prática da tentativa de solucionar e vencer a
luta digladiada com esse grande câncer social: a insegurança
pública.
Nem a pena de morte e nem a redução da maioridade
penal são instrumentos hábeis para que a sociedade brasileira
alcance algo próximo à paz social. Criminalidade é diferente de
violência. O Estado adotando as duas penas, ou uma delas, estraá
149
combatendo, em tese, com a violência com a própria violência e
não a criminalidade que deve ser gerenciada pela instituição
segurança pública inteligente, apta, qualificada e mobilizada para
o enfrentamento em várias frentes de programas e por dinâmicas e
complexas políticas públicas interdependentes, como educação,
saúde, plano diretor etc.
Somos contra.
150
FIM
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CONSULTADAS
COMO
FONTES
E
OBRAS
PRIMÁRIAS
E
SECUNDÁRIAS.
1 - Jornal “O Globo”.
2 - Jornal “O Estado de S. Paulo”.
3 - Jornal do Commércio.
4 - Periódico diário “Notícias do Dia”, do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região.
5 – “Hino às pequenas coisas”, Jean-Baptiste de La Salle, in
“Traité sur les obligations des frères des Écoles Chrétiennes”, ed.
1783.
6 - Michel Foucault, “Vigiar e Punir”, 9ª edição, RJ: 1991.
7 - Victor Hugo, quinta edição de “Le Dernier Jour d'un
Condamné”, em março de 1983, reproduzido no livro “O último
dia de um condenando à morte”, Clássicos Econômicos Newton,
Ed. Integral, RJ:1995.
8 - Augusto Thompson, in “Questão Penitenciária”, 2ª ed., RJ:
Forense, 1980.
9 - Francesco Carnelutti, “As Misérias do Processo Penal”, ed.
Conan, SP: 1995.
10 - E. Bouzon, “Código de Hammurabi”, 1ª ed., RJ: Editora
Vozes, 1976.
11 - Emile-David Durkhein, em “As Regras do Método
Sociológico”, série “Os Pensadores”, São Paulo: 1983, ed. Civita.
12 - Flávia Inês Scilling, “Sobre Homens e Crimes: Construindo
um Diálogo tenso entre Marx, Durkhein e Foucault”, publicado na
Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 13.
13 - Orlando Soares, in “Fundamentos da Pena de Morte”,
publicado na Revista Forense, volume nº 333.
151
14 - Antolisei, “Manuel de derecho Penal”, UTEHA, 1956.
15 - Andrew T. Exull, “Decarcertion”, Prentice. Hail Inc., New
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ÍNDICE GERAL
Siglas Utilizadas Nota do Autor Capítulo I - Notas Preliminares Considerações sobre a pena. As doutrinas. A natureza da
pena. A pena moral e a pena criminal. As penas e as
medidas de segurança. A falência do sistema punitivo. Capítulo II - As Penas e os Sistemas Penitenciários A pena: justificação e conceito.
A pena: retribuição,
prevenção e ressocialização. As penas históricas.
Capítulo III - A Pena de Morte Considerações. Motivações. A pena de morte e sua visão
constitucional. A expiação capital na história brasileira.Capítulo IV - O Sistema Punitivo Nacional As penas: classificações. As espécies de penas no sistema
punitivo brasileiro. As modalidades das penas. Os regimes.
Características das penas nacionais. O sistema punitivo:
uma visão. Os sistemas penitenciários. Capítulo V - A Redução da Maioridade Penal e Outras
Tendências Sobre o Sistema Punitivo Intróito. A segurança pública. A rigidez do sistema. A
redução da idade penal. As tendências para a adoção de
penas alternativas. O custo prisional. As opiniões dos
juristas e da sociedade civil. -
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