Vets Cuidados pós-desobstrução Os gatos que necessitam de sonda, geralmente precisam ficar sondados por um a dois dias – até a urina ficar com coloração clara. Alguns gatos produzem quantidades massivas de urina após a desobstrução (diurese pós-obstrutiva). De preferência, a sonda deve ficar conectada a um sistema de coleta fechado, visando a prevenir infecções ascendentes. A administração de antibióticos e corticóides em gatos sondados é contraindicada por existir risco de infecção ascendente e seleção bacteriana. Salvo raras exceções, o uso de antibióticos deve ser evitado. Após a retirada da sonda, o paciente deve ser observado de 24 – 48 horas para verificar a real patência da via urinária. Neste período, também é recomendada a coleta de urina por cistocentese, para teste de cultura bacteriana e sensibilidade antimicrobiana. No geral, a ITU bacteriana iatrogênica após processo de sondagem uretral é um achado frequente. As sondas interferem no mecanismo natural de defesa uretral (impedimento de ascensão bacteriana pelo fluxo urinário) e geram adesão de bactérias entre a interface da sonda e a parede uretral, formando biofilmes compostos por bactérias, proteínas, cristais e glicocálix. No entanto, o uso de antibióticos deve ser evitado, pois este está associado ao aumento dos índices de resistência bacteriana e infecções por múltiplos agentes. O uso de analgésicos deve ser feito com o animal sondado, visando à redução do desconforto. Relaxantes musculares (desde que não haja insuficiência renal instaurada ou suspeita de nova crise obstrutiva) também possuem indicação quando o animal está sondado e pelo período de sete a dez dias após a retirada da sonda (p.e. prazosima 0,5 – 1mg/gato SID a BID); isso pode auxiliar a aliviar o desconforto relacionado à sondagem, reduzir o espasmo associado à cateterização e reduzir a chance de rápida re-obstrução quando o cateter é removido. TODAY N°9 • Agosto/2011 Manejo da obstrução uretral em felinos Diagnóstico O diagnóstico da uretropatia obstrutiva é feito com base no histórico e exame físico (palpação abdominal com presença de vesícula urinária com grande repleção e dor). Se o histórico sugerir obstrução de trato urinário inferior e a vesícula urinária não for palpável, ruptura de trato urinário e uroabdome devem ser considerados. Infelizmente, a abordagem de gatos com obstrução uretral é associada a diversos problemas e erros de conceito e de manejo comuns. Os pontos mais importantes a se considerar, visando a otimizar a taxa de sucesso, são: Insucesso na desobstrução Avaliação eletrocardiográfica Em caso de impossibilidade de sondagem, sugere-se a realização de cistocentese descompressiva de duas a três vezes ao dia, por um período de três dias. Concomitantemente, deve-se realizar o uso de analgésicos opióides e relaxantes musculares como a acepromazina (visando a reduzir o desconforto e espasmo muscular), além de suporte hidroeletrolítico e nutricional. Intervenções cirúrgicas devem ser evitadas a curto prazo, principalmente em animais que nunca haviam sofrido processos obstrutivos. Trabalhos recentes sugerem que a combinação de tratamento farmacológico, cistocentese descompressiva e fluidoterapia, associada com redução de fatores estressores, possui índice de sucesso de até 70% na resolução de quadros de obstrução uretral (desde que todo o tratamento suporte seja adequado, o paciente constantemente avaliado e estável para passar por essa tentativa intervencionista não cirúrgica) (Cooper et al., 2010). No caso de insucesso, a uretrostomia perineal é a alternativa de eleição. No entanto, a uretrostomia somente resolve o problema emergencial obstrutivo, não corrigindo a causa base (CIF, urolitíase, etc.). Também vale ressaltar que a uretrostomia perineal não é isenta de riscos cirúrgicos (p.e., hemorragia local) e complicações a médio e longo prazo (hérnia perineal, estenose uretral, infecções urinárias recorrentes, fístulas). Prof. Msc. Alexandre G. T. Daniel Universidade Metodista de São Paulo H.V. Santa Inês – SP Consultoria Especializada em Medicina Felina e-mail: [email protected] Referências Cooper ES, Owens TJ, Chew DJ, Buffington CA. A protocol for managing urethral obstruction in male cats without urethral catheterization. J Am Vet Med Assoc. Dec 1;237(11), p.1261-6, 2010. Lees GF. Use and misuse of indwelling urethral catheters. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 1996 May;26(3):499-505. Osborne CA, Kruger JM, Lulich JP, Bartges JW, Polzin DJ. Medical management of feline urethral obstruction. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 1996 May;26(3):483-98. Osborne CA, Lulich JP, Polzin DJ. Feline urethral obstruction. In: Bartges J, Polzin DJ: Nephrology and Urology of Small Animals. Wiley Blackwell, West Sussex. p. 367-374, 2011. Walker D. How to... manage feline urethral obstruction. J Small Anim Pract. 2010 Jan;51(1):12-16. Dúvidas, sugestões e informações sobre nossos Informativos Técnicos, por favor entrem em contato pelo e-mail: [email protected] URINARY S/O Urinary S/O Feline é um alimento coadjuvante indicado para gatos, com o objetivo de contribuir para a dissolução de urólitos de estruvita e oferecer um manejo nutricional para cálculos de estruvita e oxalato de cálcio recorrentes usando uma única dieta. www.royalcanin.com.br 0800 703 55 88 4 Introdução A obstrução uretral em gatos pode ser resultante de diversas alterações, incluindo aquelas referentes à uretra (cistite intesrticial felina – CIF [freqüentemente espasmos], tampões uretrais, neoplasias, defeitos anatômicos, estenoses) e/ou à vesícula urinária (CIF, urolitíases, neoplasias, defeitos anatômicos). Estas alterações podem surgir isoladas ou associadas, gerando obstruções com causas intraluminais, intramurais ou extramurais. Os gatos acometidos apresentam manifestações típicas de estrangúria, disúria, polaciúria. O tipo e a duração da obstrução irão determinar a gravidade das manifestações clínicas. Na maioria dos casos, a uretropatia obstrutiva é causada por precipitados intraluminais (tampões uretrais mistos e urólitos). Entretanto, afecções que gerem edema uretral, bem como espasmo uretral, também podem contribuir com dificuldade na eliminação urinária. A obstrução pode levar à azotemia pós renal, azotemia renal, hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia e acidemia. Estas alterações metabólicas e renais associadas podem ter rápida deterioração, sendo fatais. Visto isso, gatos com obstrução de trato urinário necessitam de tratamento imediato, sendo considerados pacientes emergenciais Abordagem imediata e detalhada das principais alterações sistêmicas associadas Mensuração de eletrólitos e do equilíbrio ácido-base Monitorização eletrocardiográfica Estabilização do paciente antes de iniciar a desobstrução Reestabelecimento do fluxo urinário Cateterização uretral mínimo-traumática (quando necessário) Não utilização de valores de azotemia anteriores à desobstrução como indicadores de prognóstico As alterações clássicas da hipercalemia são bradicardia relativa, ausência de ondas P (parada atrial) e, em casos graves, complexos QRS bizarros (ritmo de escape). No entanto, é importante ressaltar que a resposta de cada animal frente à hipercalemia é individual. Enquanto alguns animais com concentração sérica de potássio de 7mmol/L não possuem alterações em exame físico ou eletrocardiográficas, outros podem estar comatosos. O tratamento deve sempre ser feito com base nas condições clínicas do animal e nas alterações eletrocardiográficas, não somente com base nas concentrações séricas de potássio. Abordagem inicial O exame inicial deve ser rápido e eficiente, visando à identificação imediata e precisa das principais alterações que oferecem risco de vida, detectáveis ao exame físico. Os sistemas cardiovascular, respiratório e neurológico devem ser avaliados primeiramente; após isso, a temperatura deve ser aferida e os demais parâmetros do exame físico, avaliados. No sistema cardiovascular, coloração das mucosas, tempo de preenchimento capilar, pulso, freqüência e ritmo cardíacos devem ser avaliados. Visto que a hipercalemia é um achado comum na obstrução uretral, o clínico deve estar atento às principais alterações causadas por este desequilíbrio eletrolítico, como, por exemplo, bradicardia presente mesmo em paciente com quadro de hipoperfusão. Deve-se colher sangue para análise hematológica, bioquímica e eletrolítica. As principais alterações já foram descritas anteriormente. 1 Avaliação diagnóstica inicial e estabilização do paciente Em pacientes hipovolêmicos, deve-se infundir, por via intravenosa, solução cristalóide isotônica em primeira instância, de acordo com o grau de desidratação do paciente e doenças de base conhecidas. Uma dose inicial, em bolus, de 20mL/kg, pode ser utilizada, seguida por taxas de 40 – 60 mL/kg/hora, em um paciente sem histórico prévio que impossibilite tal manobra terapêutica. A obstrução uretral não é um fator que contra-indique a rápida infusão de fluidos! Manejo da hipercalemia Hipercalemia assintomática Fluidoterapia, re-hidratação. Utilizar de preferência fluidos com baixas concentrações ou ausência de potássio. Restaurar o fluxo urinário Vets TODAY Hipercalemia moderada a grave Vets TODAY Correção de obstruções intraluminais (remoção de tampões ou urólitos via eliminação normógrada) Gluconato de cálcio 10% (diluído na proporção de 1:1 com solução salina 0,9%) – infusão lenta em 5 a 10 minutos (se infundido rapidamente, possui potencial arritmogênico) na dose de 0,5 – 1mL/kg. Isto não irá reduzir as concentrações séricas de potássio, mas irá prover proteção miocárdica imediata e por curto período. Deve ser a primeira linha de fármacos utilizada em gatos com obstrução, visto que muitos são hipocalcêmicos. Se a hipocalcemia não é corrigida, propicia e exacerba a instabilidade cardíaca frente a hipercalemia. Foto: arquivo pessoal do autor. Hipercalemia grave FIGURA 1: Eliminação de tampão uretral após massagem. Bicarbonato de sódio – Particularmente útil quando existe acidose concomitante; no entanto, é contra-indicado em paciente hipocalcêmicos (cerca de 1/3 dos gatos obstruídos possuem dosagens séricas de cálcio baixas, e cerca de ¾ dos pacientes possuem concentrações de cálcio ionizado baixas). O uso deve ser controlado e de preferência, com acompanhamento de gasometria. Se não houver possibilidade de acompanhamento de parâmetros ácidobase com o uso de gasometria, o uso deste é desaconselhado. Gluconato de cálcio Glicose (solução 5 – 10% em infusão contínua ou 25 – 50% em bolus). A glicose estimula a liberação endógena de insulina e conseqüente entrada celular de glicose e potássio. ·Glicose combinada com insulina regular. Administrar 0,2UI/kg IV de insulina regular e glicose (2g glicose/UI insulina administrada). A ação é sinérgica, com a insulina carreando glicose e potássio para o meio intracelular. É uma terapia efetiva, com ação em 20 a 30 minutos. No entanto, é importante monitorar os níveis glicêmicos, visto que alguns gatos podem fazer hipoglicemia. Procedimento de desobstrução uretral Todo procedimento deve ser feito após instituição de protocolo analgésico adequado; o protocolo anestésico instituído irá depender primariamente do grau de comprometimento renal, perfusão tecidual e doenças de base existentes. No entanto, o procedimento deve sempre ser feito sob sedação/anestesia suficientes para abolir dor e reflexo uretral, visando a facilitar a manipulação uretral durante o procedimento. Foto: arquivo pessoal do autor. 1. Exteriorize o pênis e massageie delicadamente a uretra, com a intenção de desalojar o tampão da parede uretral. 2. Exerça discreta pressão vesical digital, visando a eliminar o tampão; evite pressão excessiva, pois isto pode resultar em trauma da parede vesical, refluxo de urina para os ureteres, ou ruptura de parede vesical. Se os passos 1 e 2 não forem efetivos no reestabelecimento do fluxo urinário, seguir para o próximo passo (3). 3. Realizar cistocentese descompressiva. Benefícios da cistocentese descompressiva antes de prosseguir no procedimento de reestabelecimento do fluxo urinário: a) Coleta de amostra de urina para análise físico química e cultura bacteriana + antibiograma b) Descompressão e alívio da distensão vesical, melhorando temporariamente os efeitos renais adversos secundários à obstrução c) Redução da dor associada à hiperdistensão 4. Irrigação retrógrada do lúmen uretral Esta manobra pode auxiliar a desalojar o plug/urólito em casos de obstruções intraluminais. No entanto, é importante lembrar que na maioria das vezes, os processos obstrutivos possuem causa mista (p.e., precipitado intraluminal associado à edema de parede uretral e espasmo uretral). a) Selecione sonda adequada, dando sempre preferência a sondas flexíveis; com o pênis exteriorizado, paralelizado em mesmo eixo da coluna vertebral, insira a sonda até o ponto de obstrução b) Conecte uma seringa com solução salina ou Ringer com lactato c) Com o cateter/sonda posicionada, oclua a uretra delicadamente, com o uso dos dedos; utilize gazes para auxiliar a manipulação do pênis e evitar traumas. d) Exerça pressão com a solução fisiológica, visando a dissolver o tampão ou empurrá-lo em direção à vesícula urinária Foto: arquivo pessoal do autor. FIGURA 4: Material removido após lavagem vesical, do mesmo * Todo cateter, sonda rígida ou flexível, utilizado na uretra, deve ser inserido com uso de substância lubrificante, visando a irritar o mínimo possível o epitélio uretral. animal da figura Considerações imediatas pós desobstrução Se a aparência da urina sugere precipitados em excesso, a lavagem vesical é de grande valia. Instilar agentes anti-inflamatórios (esteroidais ou não esteroidais) ou antibióticos diretamente na bexiga não possui eficácia comprovada; a menos que o animal esteja com hipotonia ou atonia vesical, o produto ficará pouco tempo em contato com o órgão para exercer o efeito desejado. Também deve ser lembrado que muitos gatos com quadros obstrutivos possuem o epitélio vesical bastante lesionado/desvitalizado, e algumas substâncias instiladas podem gerar maior irritação do urotélio. FIGURA 2: Tampão eliminado pós massagem. d) Diminuição da pressão intravesical e facilidade em realizar irrigação reversa e retrohidropropulsão do plug/urólito (quando presentes) A e) análise visual/macroscópica da urina pode fornecer, muitas vezes, dicas sobre a natureza do processo obstrutivo (precipitados de matriz orgânica/hematúria e/ou cristalúria excessivas podem sugerir obstruções intra-luminais; urina sem alterações macroscópicas importantes pode estar associada a obstruções uretrais secundárias à espasmos uretrais/estenose uretral). Urina com precipitados ou coágulos visíveis pode indicar um paciente com grande risco de novo processo obstrutivo. Foto: arquivo pessoal do autor. FIGURA 5: Características do urotélio de um felino com CIF e obstrução uretral; eritema e diversos pontos hemorrágicos em urotélio, e parede vesical espessada. Se a obstrução ocorreu por tempo prolongado e/ou houve distensão excessiva de vesícula urinária, existe grande possibilidade de lesão em musculatura detrusora, podendo gerar quadros de hipotonia ou atonia vesical. Nestes casos, é indicado a manutenção de baixos índices pressóricos intravesicais, seja por cistocenteses seriadas, seja através de manutenção de sonda de espera. Corticóides são contra-indicados por poderem agravar a uremia (por induzir catabolismo) e predispor o paciente à infecção do trato urinário. Riscos da cistocentese Extravasamento de urina para a cavidade (em diminutas quantidades não gera maiores problemas, desde que não haja cistite bacteriana associada) Lesão de parede vesical e/ou estruturas associadas; ruptura vesical O importante é salientar que, se a técnica for corretamente aplicada por profissional familiarizado ao procedimento, com sedação e analgesia adequada, os benefícios superam os riscos na grande maioria das vezes. No entanto, cada situação deve ser avaliada individualmente. Deve-se realizar cistocentese descompressiva com uso de instrumento de calibre fino (24G), de maneira sistemática e cuidadosa. A agulha/cateter deve ser inserida uma única vez por cistocentese, ser conectada a um equipo, a uma torneira de três vias e a uma seringa de volume entre 20 e 60 mL. A realização deste tipo de medida visa a manipular/movimentar o mínimo possível o instrumento de coleta dentro da vesícula urinária, minimizando assim a possibilidade de traumas iatrogênicos. Não é recomendado o esvaziamento COMPLETO da vesícula urinária, assim evitando lesão da parede do órgão; é recomendado um volume residual de 10 a 20mL. 2 Foto: arquivo pessoal do autor. FIGURA 3: Característica macroscópica de lavado vesical de felino após desobstrução; nestes casos, onde existem coágulos ou muito material particulado, a lavagem vesical é de grande valia, com o intuito de reduzir a probabilidade de novo processo obstrutivo. 3