a relação pedagógica e a pluraidade de sentidos

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A RELAÇÃO PEDAGÓGICA E A PLURAIDADE DE SENTIDOS
Francisca Romana Giacometti Paris
Professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto/SP
Mestranda em Educação na UFSCar – São Carlos/SP
Joaquim Gonçalves Barbosa
Professor orientador de dissertação
Introdução:
A instituição escolar é construída e pode ser estudada através das perspectivas históricas,
psicológicas, sociológicas e, de modo mais específico, por seus aspectos relacionais, já que a escola
estabelece-se como instituição a partir da existência e da relação concreta de seus protagonistas.
Nesse sentido, compreendendo que professores e alunos instalam-se como as principais
figuras do processo escolar, é a relação efetiva entre eles, matéria-prima sobre a qual é produzido o
objeto institucional, que não existiria, se não fosse configurada a rede de relações das pessoas que o
fazem existir.
Aproximei-me do fenômeno da relação pedagógica, a partir dos estudos de dois pensadores
brasileiros, que ao debruçarem-se sobre o ato educativo, evidenciam como se dá a relação professor
e aluno, dependendo das concepções sob as quais ele se institui. Todavia, ao perceber que a relação
pedagógica não se inscreve na lógica linear de uma ou outra tendência pedagógica, o presente
estudo propõe recolocar a relação pedagógica em outras bases.
Considerando a relação pedagógica na perspectiva de uma ou outra das pessoas envolvidas,
ocorrendo no campo da complexidade das relações humanas, entendida como interação que se
insere no âmbito da intersubjetividade, busquei novos ângulos que me permitissem olhá-la como
relação formativa dos sujeitos nela envolvidos e, conseqüentemente, provocadora de auto e
interconhecimento, onde os sujeitos que dela participam apresentam-se cindidos na mesma
ação/reflexão intercambial.
Em razão disso, penso uma abordagem não simplificadora de tal fenômeno, que se
fundamente em um quadro epistemológico multirreferencial, poderá dar conta do lado sombra, do
não-lógico da relação pedagógica, para podermos apreender sua complexidade, heterogeneidade e
singularidade, características fundantes de qualquer relação humana.
A análise multirreferencial se faz necessária já que tal relação se configura numa atividade
educacional de caráter técnico e científico, em que não se pode ignorar a presença do conflito,
marcada que é pela complexidade de um encontro estabelecido na ordem institucional e que exige,
no campo subjetivo, cumplicidade entre professor e aluno, pois ambos como sujeitos devem
constituir-se em autores do processo educativo.
Tendo em vista esses pressupostos, identifico duas abordagens convenientes para a análise da
relação pedagógica: a abordagem de “conexões sociais de interdependência” de Norbert Elias e a
abordagem “autoria-cidadania” de Joaquim G. Barbosa.
A relação professor e aluno nas teorias pedagógicas.
Mizukami (1986), nos mostra a relação professor e aluno através de seus estudos sobre cinco
concepções de ensino e aprendizagem: tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e
sociocultural.
A abordagem tradicional enfatiza a transmissão de conceitos e a fixação dos modelos
aprendidos. Não há preocupação com o pensamento reflexivo, já que o aluno deve memorizar o
conteúdo verbalizado pelo professor, que lhe é apresentado como um saber pronto e acabado. Nesta
perspectiva a relação pedagógica acontece de forma vertical e o professor ocupa o centro do
processo pedagógico, pois é ele quem comanda todas as ações da sala de aula. Ao aluno cabe a
tarefa de aprender mecanizada, por intermédio da repetição de informações, impossibilitado de
momentos de criação ou questionamentos.
A obtenção de um determinado comportamento a ser aprendido, é o objetivo da abordagem
comportamentalista. Acreditando que os comportamentos esperados dos alunos são instalados e
mantidos por elementos condicionantes e reforçadores, tal abordagem compreende que o ato de
ensinar consiste num planejamento de ações externas que levam à aprendizagem. Nesta direção a
aprendizagem é garantida pelo programa estabelecido pelo professor, que deve maximizar o
desempenho dos educandos. Se ao aluno cabe o controle do processo, ao professor cabe a
responsabilidade de assegurar a aprendizagem , já que ele é considerado um planejador que arranja
os elementos reforçadores de modo a propiciar a ocorrência de um comportamento a ser aprendido.
Assim, de acordo com tal perspectiva, a relação professor-aluno não é considerada como
importante, pois são as estratégias de ensino que garantem as situações concretas de ensino.
Na abordagem humanista a pessoa do aluno é o centro do processo de ensino, que é
considerada em sua sensibilidade, por isto a atitude fundamental a ser desenvolvida é a de respeito
ao aluno.
A aprendizagem acontece a partir de um envolvimento pessoal, por isto esta abordagem
enfatiza as relações interpessoais e o conhecimento possibilitado por elas. O conteúdo a ser
trabalhado advém das próprias experiências vivenciadas pelos alunos, desta forma, o professor age
como um facilitador da aprendizagem, criando condições para que seus educandos aprendam.
Há a crença de que o professor não necessite de um repertório pré-estabelecido de estratégias
de ensino, competências para ensinar ou conhecimentos específicos, já que o saber se instala por
intermédio do inter-relacionamento individual entre professor e aluno, que é sempre pessoal e
único.
Na abordagem cognitivista há a preocupação de como se dá a aprendizagem e ênfase na
capacidade do aluno processar as informações e integrá-las. O ensino, portanto, é fundamentado em
atividades de pesquisa e investigação e não em conceitos fechados ou fórmulas pré-concebidas, pois
se acredita que a tarefa principal da escola é o desenvolvimento do raciocínio, já que se considera o
ato da aprendizagem como a ação transformadora, realizada pelo aluno, sobre o objeto a ser
conhecido.
O professor deve observar os comportamentos de seus alunos e tratá-los de acordo com suas
características particulares, respeitando suas fases de evolução, cabe a ele provocar desequilíbrios
cognitivos, elaborar atividades desafiadoras e orientar o aluno para que ele assuma o papel ativo de
coordenador de seu próprio conhecimento, trabalhando o mais autônomo e independente possível.
“É indispensável, no entanto, que o professor conheça igualmente o conteúdo de sua disciplina, a
estrutura da mesma, caso contrário não lhe será possível propor situações realmente
desequilibradoras aos alunos” (Mizukami, 1986, p. 78).
A abordagem sociocultural tem como objetivo a superação da relação opressor-oprimido
através de uma educação problematizadora que procura desenvolver a consciência crítica e a
liberdade dos alunos, como formas de superar as contradições presentes na educação tradicional.
Na relação professor e aluno, ambos são encarados como sujeitos que crescem juntos, por que
há o pressuposto de que “os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo” (Freire, 1979, p.
63). Educadores e educandos percebendo-se criticamente como estão sendo no mundo, assumem
seus papéis de sujeitos criadores e, pelo ato educativo, desvelam a realidade da qual fazem parte.
A relação professor-aluno é, portanto, horizontal, a fim de que o educador se torne educando e
o educando, educador, pois se assim não for, não há uma ação educacional. Ao professor cabe a
tarefa de possibilitar condições para que, em conjunto com seus alunos, a consciência ingênua seja
superada, e os alunos percebam as contradições da realidade de suas existências.
Nessa abordagem, o diálogo aparece como estratégia fundamental , através do qual se dá a
participação efetiva dos alunos e professor, cuja ênfase é a construção de um trabalho coletivo na
resolução de problemas sociais.
No seu trabalho sobre as tendências pedagógicas Saviani (1991) faz, primeiramente uma
divisão básica: de um lado coloca as teorias pedagógicas críticas, de outro, as teorias pedagógicas
não-críticas. Por teoria pedagógica crítica, ele compreende aquela que considera os determinantes
sociais da educação, e por não-crítica, aquela que pressupõe o poder de a educação determinar as
relações sociais, gozando de plena autonomia em relação às estruturas sociais.
Esse critério leva Saviani a concluir que a teoria pedagógica tradicional e a escolanovista são
não-críticas e que a teoria pedagógica crítico-reprodutivista e a histórico-crítica são, como
pretendem, críticas.
Saviani, referindo-se à relação professor e aluno, nos mostra que, na escola tradicional, o
professor "transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe
assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos”. (Saviani, 1991,p. 18)
Ainda sob esta perspectiva, o professor era quem mediava a relação, pois os conteúdos de
ensino são verdades absolutas repassadas aos alunos por meio de uma exposição verbal apresentada
pelo professor, que aprendem através de exercícios de repetição, denominados, atividades de
fixação.
A autoridade do professor é marcante na relação pedagógica. Ele é o sujeito ativo que
transmite o conhecimento, enquanto o aluno permanece passivo, na medida em que somente
absorve o que lhe está sendo transmitido. A autoridade da relação é o professor, que exige
receptividade do aluno, utilizando-se para isto, a coação, se necessário for.
Na Pedagogia Nova há a pretensão que a escola satisfaça aos interesses individuais do aluno
para que ele seja adequado ao meio social.
Os conteúdos são estabelecidos a partir de experiências vivenciadas, com o objetivo de levar o
aluno a aprender a aprender, já que o aprender fazendo é o pressuposto metodológico fundamental
desta tendência, privilegia-se, portanto, a pedagogia ativa, pois aprender é uma atividade de
descoberta.
O aluno ocupa um lugar privilegiado na relação pedagógica, pois tendo o processo da
aprendizagem como objetivo do ato educativo, tal tendência evidencia o método trabalhado, pela
iniciativa do aluno. O professor é visto como um orientador no desenvolvimento do aluno, que é
livre. O bom relacionamento entre ambos é considerado indispensável, já que é por essa relação que
o aluno vai tomando consciência de suas necessidades.
Objetivando integrar o indivíduo na máquina social, a tendência tecnicista supõe que a escola
atue como formatadora do comportamento humano. Os conhecimentos a serem trabalhados
encontram-se sistematizados em materiais instrucionais, através de um ensino diretivo.
Uma relação exclusivamente técnica é o contorno principal da relação pedagógica do ensino
tecnicista, pois o objetivo é a produção eficaz e eficiente do conhecimento. Numa relação formal e
objetiva, o professor age como transmissor de informações para que o aluno obtenha sucesso na
aprendizagem.
Segundo Saviani, neste contexto
“o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o
professor e aluno posição secundária, relegados que são a condições de executores
de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a
cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais”
(ibid, p. 24)
Assim, essa abordagem entende que educação escolar inserida numa dada sociedade, apenas
vai reproduzir as estruturas sociais que a mantém, acreditando que as relações escolares são
simplesmente determinadas pelas relações sociais. Baseada neste pressuposto, esta teoria não
apresenta uma proposta pedagógica, pois a única alternativa séria aos educadores engajados com a
transformação social seria a de negar a ação educativa escolar, que seria "necessariamente
reprodutora das condições vigentes e das relações de dominação, características próprias da
sociedade capitalista" (idib. p.94).
Criada por Saviani, a teoria pedagógica histórico-crítica parte do pressuposto de que é
possível, mesmo numa sociedade antagônica e conflituosa como a capitalista, "uma educação que
não seja, necessariamente, reprodutora da situação vigente, e sim adequada aos interesses da
maioria, aos interesses daquele grande contingente da sociedade brasileira, explorado pela classe
dominante" (idib. p.94).
A função social da escola seria, então, a socialização dos conteúdos, entendidos aqui, como
os saberes culturais universais, já que se caracteriza por ser uma instituição que media as práticas
sociais.
O trabalho com os conteúdos assume um caráter objetivo, mas ao mesmo tempo relativiza-se
quando abre a possibilidade de uma reavaliação crítica dos mesmos frente aos interesses dos alunos
e a realidade social, tornando-se vivos e concretos.
A relação entre professor e aluno, o aluno participa e o professor faz a mediação entre o
conhecimento e o aprendiz, para que os saberes culturais universais, à luz da realidade social,
possam ser estabelecidos.
Norbert Elias e a força das relações na formação do Eu e do Nós.
Norbert Elias, sociólogo alemão, nascido no final do século XIX, também formado em
psicologia, filosofia e medicina recompõem as diretrizes de uma teoria sociológica para melhor
compreensão de um mundo humano-social, utilizando-se de sua teoria anterior do processo
civilizador.
A fim de apontar o caráter específico da sociedade, Elias debruça-se sobre a temática e nos
evidencia a existência de uma forte conexão entre as relações interpessoais e intergrupais
(perpassadas por relações de poder) que contornam todo o contexto social dos indivíduos que vivem
em sociedade.
A sociologia de Elias (1997) “refere-se então a pessoas, pessoas vivendo em interdependência
nas mais variadas formas. (...) estas configurações sociais, nas quais se estabelecem múltiplas
interdependências, modelam e envolvem o viver em sociedade” (Gebara, 1998, p. 141).
Contrapondo-se aos conceitos de indivíduo, como um ser humano singular existindo em
completo isolamento, e de sociedade como a somatória de indivíduos ou entidade existente para
além deles, Elias buscar edificar uma concepção que ultrapasse o fosso conceitual existente entre a
idéia de indivíduo e de sociedade, apresentando o pressuposto de que a verdadeira sociedade se dá a
partir das relações estabelecidas entre os indivíduos. Assim sendo, a vida em sociedade é desenhada
num tecido de relações interpessoais e intergrupais, no qual é inconcebível a dicotomia entre
indivíduo e a sociedade.
No processo de produção de suas vidas, os indivíduos estabelecem configurações sociais de
muitas interdependências que definem externa e internamente o grupo social. Estas configurações,
acontecidas sempre em movimento, provocam transformações na vida do grupo, decidindo a
oscilação pendular de poder entre os indivíduos e o grupo. “São, desta maneira, conseqüências
inesperadas das inúmeras possibilidades de interações sociais vividas, estando o poder, situado
sempre como elemento fundamental de qualquer configuração”. (ibid p. 142).
Sendo, portanto produtores e produtos uns dos outros, “uma das condições fundamentais da
existência humana é a presença simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas" (Elias 1997, p.
27).
“Eu não sou você
Você não é eu
Mas sei muito de mim
Vivendo com você
(...)
Eu não sou você
Você não é eu
Mas encontrei comigo e me vi
Enquanto olhava pra você
Eu não sou você
Você não é eu
Mas sou mais eu, quando consigo
lhe ver , porque você me reflete
No que eu ainda não sou
No que já sou e
No que quero vir a ser...” (Freire, 1992, p. 60)
Por intermédio da linguagem poética, Madalena Freire ilumina os conceitos de Elias
evidenciando que, sendo únicos e singulares tecemos e somos tecidos numa rede de configurações
que se constitui na nossa existência e história de vida. Nesta direção, ao nascermos, somos apenas
esboço de pessoas, todavia, num fluxo contínuo, vamos nos tornando as pessoas que somos, por
intermédio das relações que estabelecemos com as outras pessoas e com nosso entorno social.
As configurações que estabelecemos são determinadas pela estrutura do grupo social do qual
fazemos parte, pois este já existia antes mesmo de nossa existência, neste sentido, o nosso modo de
ser e estar no mundo é desenhado a partir do modo específico de ser do grupo em que vivemos.
Partindo de uma rede de pessoas que já se relacionavam antes do nosso viver, e projetando-nos para
uma rede que objetivamos formar, vamos nos formando e tornando-nos indivíduos em sociedade.
Concluímos, assim, que as configurações sociais são constitutivas de nossa existência, somos,
então, um ser de relações.
Tendo em vista este pressuposto, Elias afirma que
“a historicidade de cada indivíduo, o fenômeno do crescimento até a idade adulta,
é a chave para compreensão do que é a ‘sociedade’. A sociabilidade inerente aos
seres humanos só se evidencia quando se tem presente o que significam as
relações com outras pessoas (...)” (Elias, 1997, p. 30).
Todavia, é preciso ressaltar que a rede de relações é impossível de ser compreendida em sua
totalidade, tampouco pode sê-la a partir da análise de cada um dos seus fios. Na verdade, ela só
pode ser entendida quando nos apercebemos de sua trama, da maneira como os seus fios se
interligam, tecendo o conjunto da rede em relações recíprocas.
Uma forma de nos aperceber do entrelaçar da rede é nos aproximando das funções psíquicas
dos indivíduos. Sobre esta questão, o já citado autor, nos coloca que tais funções não são nos dada
pela natureza, mas que se estabelecem como conseqüência de nossas relações com as outras
pessoas e com o mundo. São, portanto, formas auto-regulativas que se constituem na nossa estrutura
psíquica, na nossa psique.
“Em certo sentido, ele (o ser humano) é um vetor que dirige continuamente
valências dos mais diferentes tipos para outras pessoas e coisas, valências estas
que se saturam temporariamente e sempre voltam a ficar insaturadas. Por
natureza, ele é feito de maneira a poder e necessitar estabelecer relações com
outras pessoas e coisas. (...) O que confere a essa auto-regulação psicológica –
em contraste com os chamados instintos dos animais -, não é outra coisa senão sua
maior flexibilidade, sua maior capacidade de se adaptar a tipos mutáveis de
relacionamentos, sua maleabilidade e mobilidade especiais. ( ...) numa palavra,
aqui está à base da historicidade fundamental da sociedade humana” (ibid, p. 37).
Nesta direção, se pretendemos estudar a historicidade da sociedade humana, faz-se necessário
compreendermos a estrutura psíquica dos indivíduos, considerando-a formada fundamentalmente
pela natureza e forma das relações entre eles, pois é nesta teia inter-relacional que a configuração
social se manifesta e a vida dos indivíduos e da sociedade acontece.
A sala de aula: espaço relacional de vida e autoria.
O pensamento de Barbosa (1998), fundamentado na perspectiva multirreferencial, aponta
alguns encaminhados elucidativos, quando ao debruçar-se sobre a relação pedagógica a caracteriza
como relação humana. Nesta ótica, tal pesquisador, tem por base uma abordagem relacional para
analisar o currículo escolar e centra sua investigação nas relações acontecidas entre professores e
alunos, por acreditar que elas são formativas do sujeito.
Compreendendo a sala de aula como espaço que deve favorecer e estimular a cidadania e a
autoria, Barbosa defende a idéia de que este espaço educativo deva existir pautado numa interação
contínua entre os sujeitos que dele fazem parte, já que esta troca de vivências pode favorecer o
crescimento e a autonomia do aluno e do professor. Assim aceitar a sala de aula como espaço de
“inter-ações” é assumir a dimensão humana deste espaço e do processo formativo que nele ocorre.
Barbosa encontra na relação pedagógica o eixo vertebrador de todo ato educativo, pois
quando excluído todo o “aparato pedagógico” que o contorna, encontramos, no seu núcleo, a
relação entre professor, aluno e conhecimento, que acontece alicerçada na relação humana e social.
Para Barbosa, o “objeto” da educação é um objeto constituído de “sujeitos”, ou, de outra
maneira, é “uma relação intencionalmente constituída entre dois sujeitos” (Barbosa, 1998, p. 12).
Nesse sentido ele nos evidencia uma perspectiva mais desafiadora da relação pedagógica, porque
propõe um olhar para o processo e não simplesmente para o produto do fenômeno, apontando para a
importância das sutilezas, das nuances, das filigranas da relação na qual os sujeitos se fazem como
autores de um processo em seu conjunto.
A maioria da produção científica sobre tal questão nos leva a elaborar um discurso no qual
está presente uma exacerbada preocupação com a educação do aluno, e, com isso, nos esquecemos
que nós, professores, somos parte constitutiva da relação. Centrados na formação do outro,
despreocupamo-nos “com a reeducação de nós mesmos”.
Olhar para a relação pedagógica como um fenômeno híbrido, mestiço e indecomponível, que
objetiva “resgatar uma educação da vida da pessoa do aluno” (ibid., p. 07) e da pessoa do professor
é, como nos diz Ardoino, provocar “uma revolução epistemológica, que implica novas formas de
pensamento e novas representações do objeto” (Ardoino, 1993, p.119).
A proposta de revolução epistemológica e o estudo dos novos paradigmas educacionais se
fazem presentes do lado de fora da escola básica, porque, no ambiente escolar, em seu cotidiano
“intramuros”, o que observo são fazeres pedagógicos repetitivos, distanciados da vida, que somente
reafirmam o perfil de uma instituição arcaica, pautada em velhos referenciais.
Nessa problemática que se localizam as minhas preocupações. Apesar dos desvelamentos
propostos pelas universidades, fundações e órgãos gerenciadores da educação nacional, o currículo
da escola básica brasileira continua estruturado numa concepção conteudista e muito pouco
formativa e, embora nossos alunos aprendam conteúdos, está ausente a relação formativa que lhes
possibilite virem a ser "autores-cidadãos". Considero que a escola deva preocupar-se com o
conteúdo, mas não só no sentido de formar pessoas tecnicamente competentes; se assim for, serão
incompetentes para se compreenderem e viverem como autores de suas próprias vidas, tornando-se
seres humanos estranhados de suas possibilidades.
Infelizmente, com a formação que a escola brasileira oferece, o formando até pode conhecer
os conteúdos das ciências, das artes e das letras, mas desconhece os conteúdos da vida. Ao
fecharmos os olhos para a qualidade de nossas relações no interior das escolas ou dos espaços de
formação, estamos contribuindo para a formação de pessoas alienadas da própria vida e da
possibilidade de serem sujeitos no mundo.
Para não concluir...
No cotidiano escolar, o olhar, o fazer e o pensar são disciplinados e impessoais. A
supervalorização dos aspectos racionais eleva o conteúdo escolar a um patamar de importância que
não lhe é real. O conteúdo escolar tem vida própria e fim em si mesmo. Moldados no pensamento
moderno, os educadores deixam escapar que a "relação pedagógica é o conteúdo por excelência"
(Barbosa, 1998, p.10), pois a mesma, elaborada a partir da interação entre dois sujeitos, parceiros
entre si, é a meta de uma ação formativa e, neste sentido, os conteúdos escolares apresentam-se
como meios para tal objetivo.
Toda a nossa sociedade e especialmente a escola como uma instituição social, coisifica o
universo humano que compõe a relação pedagógica, transformando-a numa relação asséptica,
metodológica, mecânica, desumana. Nos vemos e a nossos alunos de modo objetivado, coisificado.
Vivemos nossa afetividade de forma mecânica, com uma cisão profunda entre o ser pensante e o ser
emocional.
Penso que problemática da ausência de subjetividade nas relações pedagógicas não será
resolvida através de reflexões dos parâmetros da educação escolar. As raízes de tais concepções são
mais profundas, e não é só a escola precisa estar se revendo por dentro, o debate tem de ser muito
mais amplo, é preciso recriar e repensar o modo como toda a nossa sociedade vê e interfere no
mundo. Assim, a escola pode dar uma importante contribuição: participar do processo de recriação
da própria imagem e atuação no mundo com aqueles que lhes são confiados.
É possível que as questões humanas, na abordagem a que estou me referindo, sejam refletidas
e estudadas, somente se o humano - não na perspectiva de objeto, mas de sujeito - retornar para
dentro do currículo escolar. Quando digo humano, refiro-me à vida de uma comunidade escolar, na
qual os seus diversos agentes e atores aspiram tornar-se autores, falo dos conflitos interpessoais que
tecem a vida coletiva, carregada de histórias pessoais; falo das aspirações e desejos, das estruturas
psíquicas, do imaginário, da dimensão afetiva de cada pessoa que habita a escola, falo do humano
que se concretiza nas relações sociais.
Para transformarmos a escola, penso que se faz necessário desvelar que a escola só se
constitui através de suas relações. O universo escolar é uma das mais complexas realidades, por ser
resultante de um conjunto de vários sujeitos singulares que interagem. A escola apresenta uma
identidade social composta por outras tantas identidades pessoais que, ao interagirem, criam uma
outra identidade social. Os mundos de cada pessoa, com seus sonhos, com seu imaginário, com sua
história, na coletividade e na interatividade do ambiente escolar, produzem um mundo cuja
identidade é coletiva, mas não deformante da singularidade de cada sujeito. Temos alunos e temos
professores submersos na identidade coletiva de determinada escola, mas eles não deixam de ser
pessoas particulares, que vivenciam dramas que lhes são próprios e únicos.
Se quisermos construir uma outra escola, é preciso que, na relação professor e aluno novos
espaços sejam construídos, em que tanto o professor quanto o aluno contribuam com um conjunto
de vivências múltiplas que se cruzam e possibilitam reais significações.
Elias propõe as relações interpessoais e da rede de configuração social como constitutivas do
eu e do nós, e Barbosa enriquece-nos com seu pensamento ao dimensionar a relação pedagógica
pelos contornos da relação humana. Estes dois pesquisadores evidenciam que a dicotomia entre
professor e aluno é falsa, pois, utilizando-me de uma metáfora de Elias é a combinação dinâmica do
jogo que aponta os resultados, e como diria Barbosa é “a relação de um perante o outro, o objeto
da pedagogia”. Nas regras desse jogo, os conhecimentos propostos ou impostos não definem a
natureza da relação, mas a “inter-ação” dos jogadores é que a desenha, atribuindo-lhe real caráter
formativo.
Decorre, portanto, que a relação pedagógica precisa constituir em si mesma um conteúdo
formativo, no qual põe em ação o jogo entre dois sujeitos que se pretendem autores e cidadãos.
Nesta direção, os conhecimentos historicamente elaborados, pela via relacional, serão manifestados
e aprendidos, emoldurados no sentido maior, que é o sentido da vida, já que o certo ou errado, numa
época de ausência de certezas, acaba sendo uma questão de visão de mundo. Ser sujeito, autor e
cidadão é estar aberto às relações humanas presentes a cada momento da vida social que se
constituem no saber mais significativo deste novo contexto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1998.
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Unimep, Piracicaba, SP, 1998.
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FREIRE. P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: As abordagens do Processo. São Paulo: EPU, 1986.
SAVIANI D., Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras Aproximações. São Paulo:
Cortez e Autores Associados, 1991.
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