proteção normativa ao meio ambiente

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PROTEÇÃO NORMATIVA AO MEIO AMBIENTE
SUMÁRIO: 1. O Estado de direito: uma visão
macro; 2. A Constituição como um processo
histórico; 3. O historicismo constitucional e o
meio ambiente; 4. Dano ao bem ambiental; 5. O
conceito legal de dano ambiental; 6. A proteção
normativa ao meio ambiente.
1. O Estado de Direito: uma visão macro
O Estado, sem deixar de ser Estado de Direito, protetor das liberdades
individuais, e sem deixar de ser Estado Social, protetor do bem comum, passou também
a ser Democrático, visando, com isso, à participação popular no processo político, nas
decisões do Governo, no controle da Administração Pública.
O princípio da democracia econômica e social, defendido por Canotilho1,
“constitui uma autorização constitucional no sentido de o legislador democrático e os
outros órgãos encarregados da concretização político-constitucional adaptarem as
medidas necessárias para a evolução da ordem constitucional sob a óptica de uma
<<justiça constitucional>> nas vestes de uma <<justiça social>>.”
Com a nova concepção do Estado de Direito, o interesse público se
humaniza à medida que passa a se preocupar não só com os bens materiais que a
liberdade de iniciativa almeja, mas também com valores considerados essenciais à
existência digna, numa mistura de liberdade com dignidade, exigindo uma atuação
firme do Estado para reduzir as desigualdades sociais e levar a toda coletividade o bemestar social.
Os interesses sociais são comuns a um conjunto de pessoas, e somente a
estas, estão espalhados e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente
referíveis à qualidade de vida, interesses de massa, que comportam ofensas de massa e
que colocam em contraste grupos, categorias, classes de pessoas. Não mais se trata de
um feixe de linhas paralelas, mas de um leque de linhas que convergem para um objeto
comum e indivisível.
Aqui se inserem os interesses dos consumidores, ao ambiente, dos
usuários de serviços públicos, dos investidores, dos beneficiários da previdência social e
1
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 468.
de todos aqueles que integram uma comunidade, compartilhando de suas necessidades e
seus anseios2.
Sem embargo, o reconhecimento e a necessidade de tutela desses
interesses puseram de relevo sua configuração política. Deles emergiram novas formas
de gestão da coisa pública, em que se afirmaram os grupos intermediários. Uma gestão
participativa, como instrumento de racionalização do poder, que inaugura um novo tipo
de descentralização, não mais limitada ao plano estatal, mas estendida ao plano social,
com tarefas atribuídas aos corpos intermediários e às formações sociais, dotados de
autonomia e de funções específicas.
O que se buscou, portanto, foi a substituição da idéia de Estado Legal,
puramente formalista, por um Estado de Direito vinculado aos ideais de justiça,
submetendo-se o Estado ao direito e não à lei em sentido apenas formal, donde surge a
expressão Estado Democrático de Direito, que compreende o aspecto da participação do
cidadão, Estado Democrático, e o da justiça material, Estado de Direito. Trata-se de
uma nova forma de limitação ao poder do Estado, em que o conceito unitário de
soberania, entendida como soberania absoluta do povo, delegada ao Estado, é limitado
pela soberania social atribuída aos grupos naturais e históricos que compõem a nação.
2. A Constituição como um processo histórico
Para Hesse3, as funções das Constituições na vida da comunidade são
aplicáveis, antes de mais nada, a duas tarefas fundamentais: a formação e manutenção
da unidade política, assim como a criação e manutenção do ordenamento jurídico, e,
segundo ele, ambas estão estreitamente ligadas, o que é um fato.
Seria a Constituição um ordenamento jurídico que caracteriza os
organismos supremos do Estado, suas diretrizes e, ainda, uma posição de respeito e
garantia aos direitos fundamentais individuais frente ao poder estatal, de forma
integrada, organizada e juridicamente direcionada.
Para tanto os cidadãos, comuns ou que componham o poder estatal,
devem ter responsabilidades civis e políticas, e isto depende de inúmeros fatores
extrajurídicos, nos dizeres de Heller4, como as tradições, o nível de consciência política
e os líderes. A formação de uma unidade política depende da sua organização e de um
2
GRINOVER, Ada Pellegrini, Defesa do Meio Ambiente em Juízo como conquista da Cidadania, no site
www.boletimjuridico.com.br, em 15.05.2000.
3
HESSE, Conrado. Manual de Derecho Constitucional. Madrid: Instituto Vasco de Administración
Pública, 1996, p. 3.
2
processo ordenado para tanto, de modo a encontrar a adesão das pessoas que vivem sob
sua hierarquia.
Esta a tarefa básica que cabe à Constituição, mediante a estipulação dos
direitos fundamentais, na medida em que se pode considerá-la como o ordenamento
jurídico do processo de integração estatal, cujo idealizador, conforme leciona o Prof.
Ivo Dantas5, “necessariamente terá que enxerga-lo sob a óptica valorativa, procurando a
melhor regulamentação para o Estado, o exercício do seu poder e suas relações com o
indivíduo em determinado momento”, conforme o historicismo constitucional,
valorados como de primeira, segunda ou terceira gerações, o que veremos no capítulo
seguinte.
O princípio que deve nortear essa tarefa, tendo como fim um meio
ambiente ao menos sustentável, diz respeito ao direito natural, voltado exclusivamente
para a dignidade do ser humano, pois cabe ao Estado preservar esse direito, já que o ser
humano é o verdadeiro destinatário da ordem social e jurídica de cada país.
Estes
imprescindíveis
contornos
jurídicos
são
delineados
pela
Constituição, diante de um complexo sistema valorativo, que poderão ser modificados
conforme as conclusões dos estudos relacionados ao meio ambiente, por força das
consequências realmente imprevisíveis decorrentes de fatores como clonagem de
animais e seres humanos, a questão dos transgênicos, o uso de energia atômica, o uso
indiscriminado dos oceanos, a poluição excessiva dos rios, o desmatamento, questões
que, num curto a médio espaço de tempo, serão cruciais à sobrevivência do planeta.
Uma visão histórica e comparativa, vinculada a situações anteriormente
já configuradas em outras regiões, faz-se de suma importância, indo, entrementes, além
desse ponto, pois é preciso se levar em consideração, para o futuro, mecanismos de
prevenção e de correção à ocorrência dos denominados danos ambientais, como
essenciais à sociedade, aos interesses do ser humano, cuja conceituação será abordada
oportunamente.
3. O historicismo constitucional e o meio ambiente
Compete-nos, de início, alargar o que seria meio ambiente, não apenas na
concepção singela do âmbito em que vivemos, mas como sendo “a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
4
5
HELLER, H., em HESSE, op. cit., p. 3.
DANTAS, Ivo. Instituições de Direito Constitucional Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2000, p. 37.
3
equilibrado da vida em todas as suas formas”6. A integração busca exatamente assumir
uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos naturais e culturais,
passando a ser, conforme veremos no desencadear deste capítulo, uma preocupação do
Poder Público, e, por conseqüência, do próprio Direito, em sua norma fundamental.
Nesta ordem de alinhamento, os direitos fundamentais previstos nas
Constituições acompanharam a evolução do Estado, que a cada época, de acordo com
suas necessidades sociais e políticas, vai priorizando determinadas garantias como
forma de direcionar sua atuação, entendidas pelos legisladores como essenciais ao bem
estar comum, não sob uma visão individualista, mas primordialmente coletiva, sendo
deveras recente a necessária atenção constitucional devotada ao meio ambiente.
As primeiras dessas garantias constitucionais a surgir de que se tem
conhecimento, foram os direitos e garantias individuais e políticos clássicos, ou direitos
e garantias de primeira geração, que surgiram no século XVIII, tornando-se a base do
Estado de Direito, originando o Estado Moderno.
Caracterizavam-se esses princípios pelo lema francês laissez-faire,
laissez-passer, ou deixar fazer, deixar passar, que pregava a liberdade de iniciativa das
atividades econômicas, e, pelo contexto histórico, foi transplantado para a Política e
para o Direito, surgindo o Estado Liberal ou Estado de Direito.
Era um Estado caracterizado pela total submissão dos governantes e pelo
mínimo de intervenção estatal no domínio econômico, posto que qualquer interferência
estatal na autonomia e liberdade dos indivíduos era digna de desconfiança e tida como
uma vedação à liberdade dos cidadãos, garantia-se primordialmente a liberdade de
religião, de reunião, de profissão.
O Estado era então concebido para assegurar segurança, garantir a
propriedade e praticar os atos dos três poderes, ou seja, administrar, legislar e julgar,
época do surgimento do princípio da legalidade.
Com o advento do Estado Liberal, foram reconhecidos os chamados
direitos de primeira geração, que se constituem, primordialmente, num plano jurídicoobjetivo, segundo Canotilho, em normas de competência negativa para os poderes
públicos, proibindo fundamentalmente suas ingerências na esfera jurídica individual, e
num plano jurídico-subjetivo, “o poder de exercer positivamente direitos fundamentais
(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos de forma a evitar
agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”7.
6
7
SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 2.
CANOTILHO, op. cit., pp. 537-538.
4
Os direitos clássicos de primeira geração, representados pelas ditas
tradicionais liberdades negativas, com o correspondente dever de abstenção por parte do
Poder Público, passaram a não mais atender aos anseios da população, como forma de
garantir o pleno exercício das liberdades, consolidando-se, então, o Estado Social,
como ficou conhecido, que surgiu no início do século XX, mas só se desenvolveu e
atingiu seu ápice ao fim da II Grande Guerra, priorizando os direitos sociais, a saúde, a
educação, a previdência social, a segurança, como exigência do cidadão ao Estado,
composto de liberdades positivas, ao contrário do Estado Liberal.
Caracterizava-se o Estado Social pelo grande intervencionismo estatal
em setores que antes eram reservados aos cidadãos, como os setores econômicos
estratégicos, a siderurgia, a energia, o petróleo, o Estado cria empresas, passa a se
responsabilizar e a regular as questões entre patrões e empregados, surgindo os
chamados direitos de segunda geração, que se identificam, no dizer do Ministro Celso
de Mello8, em “liberdades positivas reais ou concretas”, ou seja, em direitos que
clamam por uma atuação positiva do Estado e que se concretizam, não raras vezes, pela
edição de atos legislativos.
A partir do fim da década de 70 (setenta), este último modelo de Estado
já se encontra defasado. Surge então o modelo estatal pós-modernista, o Estado
Democrático de Direito, garantido pelos direitos e garantias fundamentais de terceira
geração, sem que isso viesse implicar em abandono das idéias já consolidadas, ao
contrário, somaram-se os direitos de solidariedade, decorrentes dos interesses sociais. E
assim foi que, o que aparecia inicialmente como mero interesse, elevou-se à dimensão
de verdadeiro direito, conduzindo à reestruturação de conceitos jurídicos, que se
amoldassem à nova realidade.
Esse modelo reconheceu novos valores, acima das noções de
desenvolvimento meramente econômico, inclinando-se ao chamado crescimento
sustentável, administrando-se os recursos naturais em defesa de um meio ambiente
sadio e equilibrado, mesmo que em detrimento do puro crescimento econômico,
instituindo os também denominados direitos de solidariedade ou fraternidade.
O respeito aos direitos difusos, porque exercidos não mais por pessoas
determinadas, mas por uma coletividade indeterminada, representando interesses de
grupos menos determinados de pessoas, sem vínculo jurídico ou fático muito preciso
entre eles, como os direitos ambientais, do consumidor, a questões relativas ao
patrimônio histórico-cultural da humanidade, entre outros, é a base desse Estado, que
8
BRASIL. STF, Pleno, MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de MELLO, DOJ 17/11/95.
5
ampliou a noção de cidadania, modificando a relação existente entre sociedade e Estado,
antes conflitantes e totalmente diversas, vendo-as como interdependentes e ligadas por
um objetivo comum, que é a realização do Direito.
Materializaram-se, dessa forma, poderes de titularidade coletiva,
atribuídos genericamente a todas as formações sociais, que consagraram o princípio da
solidariedade e constituíram um momento importante no processo de desenvolvimento,
expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizando-se como valores
fundamentais indisponíveis.
Assim, superou-se o então absolutismo do poder dever do Estado,
limitado pela natureza, frente à ação responsável e questionadora do que pode ou não
ser feito, tendo como limite a própria consciência, na busca do bem comum, de uma
qualidade de vida digna, levando-se em consideração o meio ambiente como fator de
equilíbrio e meio de suma e vital importância para que se chegue a esse tento.
Na prática, o ambientalismo passou a ser tema de elevada valoração nas
Constituições mais recentes, não mais como simples aspecto da atribuição de órgãos ou
de entidades públicas, porém como direito fundamental da pessoa humana9, o que
observamos, e aqui se destaca, na Constituição da República Federal da Alemanha, de
1949, em seus art. 74, 20º e 24º, e art. 75, 3º; na da Suíça, de 1957, com emendas de
1962 e 1971, em seu art. 24, 4º, 6º e 7º; na da Bulgária, de 1971, em seu art. 31; na de
Cuba, de 1976, em seu art. 27; na de Portugal, de 1976, em seu art. 66; na da Espanha,
de 1978, em seu art. 45; na da China, de 1982, em seu arts. 9º e 26, como também a do
Brasil, de 1988, que dedicou todo um capítulo ao meio ambiente, inserido no título da
ordem social, Capítulo VI do Título VIII, que só contém o art. 225, com seus parágrafos
e incisos, tido, como já referido, como parte da ordem social, tratando-se o direito
ambiental, portanto, como direito social do homem.
4. Dano ao bem ambiental
A proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos os
seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa
exatamente tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como
uma forma de direito fundamental da pessoa humana como garantia constitucional que
já observamos, não escapando, destarte, da ocorrência de danos, mesmo com a
9
SILVA, op. cit., p. 23.
6
institucionalização de todos os mecanismos e aparatos legais disponíveis, face ora à
falta de consciência, ora à ganância, ora à simples perversão do ser humano.
A ação predatória do meio ambiente natural, objeto deste estudo,
manifesta-se de várias formas, quer destruindo os elementos que o compõem, como
utilizando ancoras de ferro pontiagudas sobre os recifes de corais, quer contaminandoos com substâncias que lhe alterem a qualidade, impedindo seu uso normal, como se dá
com a poluição do ar, das águas, do solo e da paisagem, que se entrelaçam na
manutenção da vida orgânica10. A contaminação de um componente ambiental
compromete também a pureza dos outros, seja de forma direta, seja indireta.
Desse modo, define o art. 3º da Lei nº 6.938/81, diploma básico para o
tratamento jurídico do dano ambiental no Brasil, como degradação da qualidade
ambiental qualquer alteração adversa das características basilares do meio ambiente
que, direta ou indiretamente, dentre outros, afetem a biota, o que se constatou
plenamente em relação aos recifes de corais na praia de Tamandaré, e que será
demonstrado em capítulo próprio, conforme estudos levados a efeito por especialistas,
redundando em uma série de ações normativas e técnicas.
Aqui surge a questão do dano público, contra o meio ambiente em si,
bem de uso comum do povo (art. 225 da CF), de natureza difusa e que atinge um
número indefinido de pessoas, como no caso em análise, do dano privado, que dá ensejo
à indenização dirigida à recomposição do patrimônio individual das vítimas, para fins
de responsabilização, a qual independe de culpa.
O Prof. Andreas Krell11 cita a afirmação de José Afonso da Silva de que
a responsabilidade pelo dano ambiental existe mesmo que o poluidor exerça a sua
atividade dentro dos padrões fixados, "o que não exonera o agente de verificar, por si
mesmo, se uma atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano", apontando
no mesmo sentido Rüdiger Breuer, Umweltschutzrecht, in: Ingo von Münch/Eberhard
Schmidt-Aßmann, Besonderes Verwaltungsrecht, 9. ed., 1992, Verlag W. de Gruyter,
Berlim, p. 444.
Esta "verificação", afirma, pode ser efetuada somente em casos de uma
certa evidência do dano ambiental, bem como a obviedade dos efeitos negativos que a
atividade causa no ambiente local, como a morte de animais, a destruição da vegetação
ou reclamações constantes da população sobre doenças diretamente ligadas às emissões.
10
DUBOS, Bárbara Ward-René. Uma Terra Somente, tradução de Antônio Lamberti. São Paulo: EDUSP,
1973.
11
KRELL, Andreas Joachim. Concretização do Dano Ambiental – Algumas Objeções à Teoria do “Risco
Integral”, Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, da UFPE, nº 8, 1997, Recife-PE, p. 40.
7
É de suma importância levar em consideração a capacidade específica
que tem o agente poluidor de reconhecer os danos por ele causados, uma vez que pelo
potencial que possui, por exemplo, uma grande empresa, equipada de técnicos e
laboratórios próprios, exige tratamento diverso do que em relação ao dano
acidentalmente causado por um particular.
O Prof. Krell arremata que “isto é uma conseqüência dos princípios do
"risco-proveito" e do "poluidor-pagador", através dos quais surge uma maior densidade
de responsabilidade para o poluidor economicamente mais forte, que utiliza, de maneira
intensa, recursos naturais para gerar o seu lucro”12.
Os órgãos ambientais estatais, dessa forma, são obrigados por lei a
impedir qualquer ato danoso contra o meio ambiente. “As concentrações populacionais,
as indústrias, o comércio, os veículos motorizados, e até a agricultura e a pecuária
produzem alterações no meio ambiente. Essas alterações, quando normais e toleráveis
não merecem contenção e repressão, só exigindo combate quando se tornam intoleráveis
e prejudiciais à comunidade, caracterizando-se poluição reprimível. Para tanto, há
necessidade de prévia fixação técnica e legal dos índices de torelabilidade, ou seja, dos
padrões admissíveis de alterabilidade de cada ambiente, para cada atividade
poluidora”.13
Pouco interessa se a atividade poluidora se verificou dentro dos limites
previamente ordenados, a responsabilidade surgirá, seja de forma coletiva, quando
atingido difusamente o meio ambiente ecologicamente equilibrado, seja de forma
individual, quando o particular, seja ele pessoa física ou jurídica, sofre prejuízo em
relação aos seus bens patrimoniais ou à sua saúde, por força da degradação do meio
ambiente ou de um recurso natural, como o são os recifes de corais e seu imenso
ecossistema.
Neste particular, o próprio Estado, ante a ausência do serviço adequado
ao seu defeituoso ou omissivo funcionamento, inclusive por demora, estaria obrigado a
reparar os danos decorrentes, em agravo aos administrados14.
Finaliza afirmando que “a concretização do dano ambiental se opera no
mundo fático bem como no mundo jurídico. Pode haver dano ambiental embora que
12
KRELL, op. cit., p. 41.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p.
492.
14
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11 ed. São Paulo:
Malheiros, 1999, p. 663.
13
8
nenhuma norma do direito material seja infringida. Por outro lado, já é considerado
poluidor quem libera emissões além dos padrões permitidos pela autorização do
empreendimento; nesse caso, a ultrapassagem dos limites estabelecidos leva à
presunção da existência de um dano ao meio ambiente”.15
5. O conceito legal de dano ambiental
A qualidade do meio ambiente é na verdade um bem, a quem o direito
reconhece e protege como patrimônio ambiental16, e cuja qualidade é objeto do direito
social previsto no art. 225 da Constituição Federal. Porém aqui surge o questionamento
se esse patrimônio ambiental seria público ou privado.
Afora a visão legal e restrita de que os bens públicos seriam apenas
aqueles pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios, sejam eles de uso comum,
como os mares e rios; de uso especial, como os prédios públicos, e os dominais, do
patrimônio público, como objeto de direito pessoal ou real, e que os demais bens seriam
privados, conforme disposição do art. 65 do Código Civil, a doutrina moderna17 vem se
inclinando no sentido de configurar outra categoria de bens, denominados bens de
interesse público, na qual estão inseridos não só os bens públicos propriamente ditos,
como também os particulares, caso haja interesse para a consecução de um fim público
em relação ao mesmo.
Esses bens, essenciais à sadia qualidade de vida, ficam subordinados a
um peculiar regime jurídico relativamente ao seu gozo e disponibilidade e também a um
particular regime de polícia, intervenção e de tutela pública18, condicionando
determinadas atividades e negócios relativos a esses bens, de forma a controlar-lhes a
situação jurídica e o seu uso. Esses atributos do meio ambiente não podem ser de
apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a
particulares, posto que vinculados a um fim de interesse coletivo.
Dano ambiental, portanto, seria para José Afonso da Silva “qualquer
lesão ao meio ambiente causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica
15
KRELL, op. cit., p. 42.
SILVA, op. cit., p. 55.
17
SILVA, idem, p. 56, menciona os doutrinadores italianos GIANNINI, Massimo Severo; PASINI,
Gastone, e D´URSO, Mario.
18
PASINI, Gastone, em SILVA, op. cit., p. 56.
16
9
de direito público ou privado”19, para Sérgio Ferraz, “toda lesão defluente de qualquer
agressão à integridade ambiental”20, e para Helli Alves de Oliveira, “todo dano causado
ao meio, independente de suas repercussões sobre as pessoas e seus bens”21, podendo
atingir um número indefinido de pessoas, de forma difusa, quando dará margem à
propositura de Ação Civil Pública ou Ação Popular, ou apenas o particular, ocasião em
que ensejará ação indenizatória dirigida à recomposição do patrimônio vitimado.
O Prof. Krell aponta, entretanto, que o cerne do problema parece estar
situado na questão do entendimento correto do conceito do dano ambiental no sentido
do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, o que restou indefinido, sendo pacífico na doutrina,
segundo afirma, que a questão o que seja um dano ao meio ambiente é respondida pela
legislação material referente à proteção ambiental22, até porque nem toda alteração
negativa do meio ambiente pode ser concebida como poluição ou dano, juridicamente
falando.
Para Viana Bandeira23, a cujo entendimento me filio, somente se pode
cogitar de um dano ambiental se a conduta for considerada injurídica no respectivo
ordenamento legal. Assim a antijuridicidade decorre da violação de um interesse
juridicamente protegido, de forma que não basta a simples opinião pessoal do aplicador
do Direito de que o ato praticado agride o meio ambiente, é necessária a existência de
uma norma que proíba certa atividade ou que proteja determinado bem ecológico.
O art. 3º, III, da Lei nº 6.938/81, que cuida da Política Nacional do Meio
Ambiente, conceitua poluição de forma bastante ampla, como sendo “degradação da
qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a
saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades
sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas
ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os
padrões ambientais estabelecidos”, de onde se abstrai que onde ocorrer poluição, muitas
vezes vai haver também um dano ambiental, de acordo com o art. 1º, inc. I, da Lei
7.347/85, visto que a definição do conceito de dano da lei processual se rege pelas
normas do direito ambiental material.
19
SILVA, op. cit., p. 207.
FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, RDP 49/50, p. 35.
21
OLIVEIRA, Helli Alves de. Da responsabilidade do Estado por danos ambientais. Rio: Forense, 1990,
p. 49.
22
KRELL, op. cit., p. 23.
23
VIANA BANDEIRA, Evandro Ferreira de, O Dano Ecológico nos Quadros da Responsabilidade Civil,
Coord. Adilson A. Dallari e Lúcia V. Figueiredo. Temas de direito urbanístico – 2. São Paulo: RT, 1991,
pp. 265, 268.
20
10
Portanto, nem toda alteração negativa do meio ambiente pode ser
qualificada como poluição ou dano. Na verdade, o conceito e o conteúdo do dano
ambiental na legislação ficaram relativamente indefinidos24.
As doutrinas de Paulo Leme Machado25 e de Fábio Lucarelli26 apontam
três características do dano ambiental: a sua anormalidade, que existe onde houver
modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza
que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso; a sua periodicidade,
não bastando a eventual emissão poluidora e a sua gravidade, devendo ocorrer
transposição daquele limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres
humanos e os elementos naturais.
Toda esta problemática em relação à definição do que seja dano
ambiental se torna inócua se não buscarmos analisar a legalidade ou não da atividade
que gerou a lesão à integridade ambiental, como forma de imputar responsabilidade ao
seu efetivo causador.
6. A proteção normativa ao meio ambiente
Como já dito anteriormente, o direito ambiental pátrio encontra seu
núcleo normativo no art. 225 da Constituição Federal, parte da ordem social, direito
social do homem, especificando diretrizes primordiais no sentido de que o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a todos, incluindo aí as gerações
presentes e as futuras, seja qual for a nacionalidade. O dever de defender o meio
ambiente e preservá-lo, no entanto, é imputado ao Poder Público e à coletividade.
Faz observar que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, sendo assim indisponível, que se deve lidar com as
espécies de modo a conservá-las ou recuperá-las, quando for o caso, cuidando dos
ecossistemas, de forma a equilibrar as relações entre a comunidade biótica e seu habitat,
que se deve preservar todas as espécies, através do fator caracterizante e diferenciador
da imensa quantidade de espécies vivas do país, incluindo-se aí todos os reinos
biológicos.
24
Em KRELL, op. cit., p. 25, citando GEVAERD FILHO, Jair Lima. Anotações sobre os conceitos de
meio ambiente e dano ambiental, in Revista de Direito Agrário e Meio Ambiente, Curitiba, 1987, p. 17.
25
LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito ambiental brasileiro. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.
253.
26
LUCARELLI, Fábio Dutra. Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, RT, nº 700, fev. 1994, p. 10.
11
Na linha de criação e manutenção do ordenamento jurídico, a
Constituição especificou a obrigatoriedade de definir espaços territoriais e seus
componentes, como no caso em estudo, a serem especialmente protegidos, onde mesmo
o uso do patrimônio privado ali inserido ficará condicionado a disposições constantes de
lei, realizando-se, de forma preventiva contra degradações irremediáveis, estudo prévio
de impacto ambiental.
Estipula-se ainda, como base na elaboração de normativas, o controle da
produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, inclusive
permitindo a ingerência do Poder Público no patrimônio privado, e, por fim, a promoção
da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente, como meta futura preservacionista27.
O Poder Público28, através de seus variados órgãos públicos, é assim
responsável pela defesa da saúde da população e a salubridade do meio ambiente, nas
suas três esferas federativas, elaborando normativas capazes de minimizar e
especialmente prevenir perigo ao ambiente, impactos ecológicos significativos,
degradação ambiental ou risco à saúde pública.
Esse poder, ao deliberar discricionariamente, portanto, licenciamento de
atividades capazes de causar impactos ambientais, que oneram os recursos naturais,
através de licenciamentos, já deve levar em consideração efeitos nocivos sobre o meio
ambiente, o que necessita ser objeto de cálculo e avaliação próprios em relação aos
riscos da futura oneração do meio natural provocados pela atividade e os proveitos
oriundos da atividade poluidora29.
Podemos afirmar, assim, ser certo que a legislação protetora toma como
objeto de proteção, não tanto o ambiente globalmente considerado, mas dimensões
setoriais, ou seja, propõe-se à tutela da qualidade de elementos setoriais constitutivos do
meio ambiente, como a qualidade do solo, do patrimônio florestal, da fauna, do ar
atmosférico, da água, do sossego auditivo e da paisagem visual30.
Quando, no entanto, o dano já se encontra configurado, quando a
alteração ambiental já causou impacto negativo, seja por omissão do Poder Público, seja
27
Exposição bem apresentada sobre esse aspecto em SILVA, op. cit., pp. 31/32.
Expressão genérica que se refere a todas as entidades territoriais públicas, para que cada uma exerça
suas competências nos limites outorgados pela Constituição.
29
KRELL, op. cit., p. 32, onde cita MILARÉ, Edis/BENJAMIM, A. Herman. Estudo prévio de impacto
ambiental. São Paulo: RT, 1993, p. 67ss.
30
SILVA, op. cit., p. 54.
28
12
pelas ações humanas empreendidas, só resta a tentativa de reparação, ocasião em que as
normas de restrição são não só preliminares para o início da atividade restauradora, mas
na verdade uma necessidade para o efetivo controle dos danos causados.
Não poderíamos deixar de finalizar o presente estudo ressaltando que
antes da vinculação normativa do compromisso de defesa ambiental ínsito no exercício
do princípio da precaução ou cautela ambiental, há um compromisso ético que orienta a
vinculação indissociável entre homem e natureza como garantia do adequado exercício
dos direitos de defesa ambientais.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA POR ORDEM DE CITAÇÃO
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1993.
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Por Ricardo de Oliveira Paes Barreto
Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco
Titular da 8ª Câmara Cível, com especialidade em Direito Público, do TJPE
Mestre em Direito Público pela UFPE
Professor de Direito Processual Civil da UNICAP e da ESMAPE
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