as funções da intervenção em casos de indisciplina na escola

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AS FUNÇÕES DA INTERVENÇÃO EM CASOS DE INDISCIPLINA NA
ESCOLA
GARCIA, Joe – UTP
[email protected]
Eixo Temático: Violências nas Escolas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho apresenta uma investigação sobre as funções da intervenção em casos de
indisciplina na escola, que articula uma discussão teórica e um levantamento realizado junto a
professores da Educação Básica. O objetivo é analisar as funções atribuídas, pelos
professores, as suas ações de intervenção disciplinar, procurando revelar suas
intencionalidades e pressupostos. A noção de intervenção disciplinar, fundamental nos
estudos sobre indisciplina escolar, refere-se às ações empreendidas pelos educadores diante de
eventos de indisciplina escolar. É uma noção destacada na literatura educacional que trata das
questões de indisciplina, na qual está associada a um conjunto plural de significados, embora
estes nem sempre sejam aprofundados. Neste trabalho, apresentamos uma leitura teórica desse
conceito, bem como exploramos suas funções, destacando a noção de intervenção disciplinar
como uma ação destinada a produzir alguma mudança, tendo em vista preservar, melhorar e
principalmente restaurar as condições de aprendizagem e convivência em sala de aula. Ao
longo texto, exploramos três perspectivas de leitura da função da intervenção disciplinar,
fornecidas por Kounin (1970), Estrela (1994) e Doyle (2006), destacando em particular a
noção de restauração. Na seção final, final, consideramos as funções da intervenção a partir da
análise de conteúdo (BARDIN, 1988) dos depoimentos de um grupo de 46 professores de
todos os níveis da Educação Básica. Entre os resultados, destacam-se duas funções
subjacentes atribuídas à intervenção disciplinar, em meio à pluralidade de sentidos a ela
atribuídos pelos professores: a intervenção está centrada na transformação do comportamento
dos alunos, e suas ações devem refletir o protagonismo dos professores.
Palavras-Chave: Educação. Indisciplina. Intervenção disciplinar. Práticas Pedagógicas.
Introdução
Nas últimas décadas, a literatura de pesquisa educacional vem refletindo uma
ampliação do interesse pelas questões relacionadas à indisciplina escolar (D'ANTOLA, 1989;
FRELLER, 2001; XAVIER, 2002; AMADO e FREIRE, 2009). Isso parece refletir o interesse
e preocupação dos professores com as transformações no ambiente e convivência em sala de
aula. Entretanto, o principal foco de interesse dos professores, estaria na "solução" e nem
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tanto na compreensão investigativa dos problemas de indisciplina. Essa perspectiva, embora
passível de critica, revela um campo de debate importante e atual, bem como a necessidade de
avanço na investigação sobre a noção de intervenção e das respectivas práticas exercidas
pelos professores em sala de aula. Tal é o objetivo deste trabalho, que apresenta uma
investigação sobre as funções da intervenção em casos de indisciplina na escola, que articula
uma discussão teórica e um levantamento realizado junto a professores da Educação Básica.
Na literatura educacional relacionada à questão da indisciplina escolar, a noção de
intervenção disciplinar está relacionada a uma variedade de entendimentos teóricos. Nas
escolas, entretanto, é uma noção muito presente nas práticas pedagógicas de sala de aula, e,
embora pouco teorizada, destaca-se em função da importância procedimental atribuída pelos
professores.
Entre os professores, a pluralidade de entendimentos conceituais e práticos sobre
intervenção disciplinar, parece decorrer tanto da complexidade das situações de indisciplina
em sala de aula, quanto da variedade de abordagens utilizadas para lidar problemas de
indisciplina. De fato, em sala de aula, ao longo da educação Básica, a intervenção disciplinar
assume diferentes funções, que refletem as variações na leitura dos professores sobre os
contextos de indisciplina, tendo em consideração não somente os eventos e os sujeitos, mas
suas razões e significados. Isso sugere que uma análise das funções da intervenção disciplinar,
precisa considerar não somente o conceito de intervenção, mas também as formas como os
professores efetivamente lidam com os contextos de indisciplina em sala de aula.
Neste trabalho, inicialmente, examinamos o conceito de intervenção, com base
particularmente em Estrela (1993) e em Doyle (2006). Na literatura educacional, essa noção
se apresenta como fundamentalmente uma ação de resposta às expressões de indisciplina
(DOYLE, 2006). As respostas dos professores, entretanto, são plurais e refletem
racionalidades pedagógicas distintas ao longo da Educação Básica. Assim, por exemplo, a
intervenção pode assumir formas sutis e elaboradas de exclusão, variando de ações que
envolvem ignorar ou implicam a suspensão dos alunos. Em contraste, encontramos a
intervenção relacionada à tentativa de restaurar a relação pedagógica e as condições de
aprendizagem em sala de aula.
As diferentes escolhas procedimentais dos professores parece refletir uma pluralidade
de funções atribuídas à intervenção. Essa noção, entretanto, entre os professores, parece
elaborada mais no interior das suas ações, que da forma como enunciam suas formas de
compreensão conceitual de disciplina, indisciplina e da própria ideia de intervenção. Assim,
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optamos por extrair das formas de intervenção sugeridas pelos professores, uma análise de
suas funções, e assim dos significados que essa noção assume entre os professores.
Neste trabalho, inicialmente exploramos o conceito de intervenção disciplinar, com
base em um conjunto de teóricos, mas tendo em mente destacar uma leitura teórica particular
desse conceito. Em seguida, analisamos uma perspectiva em particular, que apresenta a
intervenção disciplinar como uma ação destinada a produzir alguma mudança, tendo em vista
preservar, melhorar e, principalmente, restaurar as condições de aprendizagem e convivência
na escola. Ao final, consideramos as funções da intervenção, com base em um levantamento
realizado com um grupo de 46 professores.
Intervenção Disciplinar: interromper ou restaurar?
O conceito de intervenção disciplinar, embora presente na literatura educacional
relativa às questões de indisciplina escolar, nem sempre está nomeado sob esse termo. Além
disso, nos escritos de diferentes teóricos, essa noção assume uma pluralidade de significados,
e descreve um conjunto amplo de práticas exercidas pelos professores, quando lidam com
problemas de indisciplina em sala de aula.
Neste trabalho, argumentamos que a noção de intervenção disciplinar se aplica
particularmente a descrever um conjunto de práticas exercidas pelos professores, com a
função de restaurar determinadas condições de convivência e aprendizagem coletiva em sala
de aula, supostamente alteradas devido a expressões de indisciplina. A intervenção, portanto,
tem em mente restabelecer uma condição de aprendizagem e não somente de convivência. Na
leitura conceitual aqui proposta, destaca-se, portanto, a função de restauração da
aprendizagem.
Entre os principais teóricos que tratam desse conceito, Burden (1995, p. 24-25), sugere
que a intervenção constitui uma ação exercida pelo professor, com a função de interromper as
ações de indisciplina e restabelecer o fluxo das atividades educacionais. Assim, embora se
possa distinguir duas tarefas a realizar, argumentamos que a função principal da intervenção
disciplinar deveria residir na segunda, ou seja, restaurar o fluxo das atividades educacionais.
É interessante destacar que uma das ideias recorrentes nos textos teóricos mais
tradicionais sobre o conceito de intervenção disciplinar, reside na centralidade do papel da
mediação atribuído ao adulto, particularmente em sala de aula. Sob essa perspectiva, os
alunos estariam identificados com as ações de indisciplina e os professores ao papel de
conduzir o restabelecimento das condições de convivência. Assim, se os "problemas" de
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indisciplina são usualmente atribuído aos alunos, a "solução" estaria nas mãos dos adultos,
que supostamente podem e devem exercer maior responsabilidade. A função da intervenção,
portanto, seria fundamentalmente a de transformar os alunos, e apenas em segundo plano seria
identificada com a recuperação das condições de aprendizagem.
Embora a função de "transformação dos alunos" seja muito recorrente nas escolas,
esse entendimento sobre a função da intervenção reflete racionalidades pedagógicas
superadas, pois implicam, por exemplo, sobretudo exclusão. Apesar disso, essa noção persiste
como uma referências às práticas de intervenção em muitas escolas, talvez devido a ausência
de reflexão coletiva crítica sobre as ações exercem para se lidar com a indisciplina nas
escolas.
Três Proposições Conceituais
Ainda explorando a literatura educacional, a seguir analisamos três proposições do
conceito de intervenção, que atribuem diferentes funções às ações dos professores, diante dos
eventos de indisciplina. Para cada uma dessas proposições, consideramos possíveis
implicações quando exercidas pelos professores em sala de aula.
Uma das mais importantes proposições sobre intervenção disciplinar encontramos nos
estudos de Jacob Kounin (1970), que descreve a intervenção como um conjunto de ações cuja
função seria restaurar a ordem em sala de aula. Nos anos 1960, Kounin desenvolveu diversos
estudos, com base na análise de filmagens de situações cotidianas de sala de aula. Em seus
escritos, sugeriu que a intervenção dos professores, através de simples aproximação, poderia
restaurar a atenção dos alunos, sem interromper o fluxo das atividades de ensinoaprendizagem em sala de aula. Em casos mais complexos de indisciplina, entretanto, a
intervenção dos professores poderia exercer uma espécie de efeito de ressonância na turma,
com possíveis conseqüências negativas para o ambiente de aprendizagem em sala de aula. Os
estudos de Kounin sugerem que a intervenção, em função dos seus possíveis efeitos
colaterais, deveria ter apenas uma função secundária em relação às ações pró-ativas, que
deveriam ter maior prioridade entre os professores.
Uma segunda proposição sobre a função da intervenção, pode ser encontrada em
Estrela (1994, p. 74-78). Segundo essa autora, a intervenção disciplinar pode atender a duas
funções gerais: uma de caráter corretivo e outra, de caráter pedagógico. Essas duas funções
refletem diferentes concepções quanto às causas da indisciplina e das possíveis formas de
intervenção.
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A primeira função proposta por Estrela, assume o pressuposto de que é o aluno o ator
principal nos contextos de indisciplina, de tal forma que as ações de intervenção assumem
uma função corretiva, de caráter individualizante. Na segunda abordagem, a intervenção
assume uma função de caráter sociológico e pedagógico. Essa proposição afirma que as ações
dos professores devem considerar um cenário mais amplo, no qual o aluno não deve constituir
o foco único. Assim, enquanto a primeira abordagem tem seu foco no sujeito indisciplinado, o
segundo modelo de intervenção baseia-se em uma leitura do contexto de indisciplina.
Finalmente, desejamos destacar a proposição encontrada nos escritos de Doyle (2006),
que apresenta uma abordagem ecológica para pensar a gestão dos problemas de indisciplina
na escola. Em termos gerais, esse teórico concebe a intervenção como um processo de
resolução de questões relacionadas à restauração da ordem em sala de aula, quando esta é
afetada por distúrbios temporários. A função da intervenção, portanto, não residiria na solução
de problemas de comportamento, mas no fortalecimento e preservação das atividades que
alunos e professores realizam juntos em sala de aula.
Ainda segundo Doyle (2006), embora a indisciplina esteja relacionada à ruptura de um
fluxo de atividades, restabelecer a disciplina não equivale a deter as ações dos alunos. A
função da intervenção seria restaurar também o processo de aprendizagem, o que requer a
cooperação dos alunos. Assim, segundo essa terceira perspectiva, a intervenção deveria ter
por função restabelecer uma condição de ordem não somente em termos de comportamento
externo, individual, mas sobretudo de um processo que sustenta uma realização coletiva.
Destacando uma Função da Intervenção Disciplinar
A diversidade de leituras sobre as possíveis funções da intervenção disciplinar está
presente não somente nos textos dos teóricos, mas reflete as práticas exercidas pelos
professores. Entretanto, antes de analisarmos as funções atribuídas pelos professores, vamos,
a seguir, dedicar atenção a uma abordagem teórica particular, sobre a função da intervenção
disciplinar, que mais adiante desejamos explorar. Essa abordagem sugere que a função
principal da intervenção seria de restauração.
A noção de restauração amplia a finalidade da intervenção, ao focalizar não somente
os veículos ou as consequências da indisciplina, mas aqueles fatores que efetivamente
sustentam as experiências de aprendizagem coletiva em sala de aula. A intervenção, sob essa
perspectiva, adquire uma função mais amplo, que supera as noções de interrupção,
impedimento e controle, para focalizar uma ideia de construção, ativa e compartilhada.
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Entretanto, essa mudança de foco conceitual, implica também transformações nas ações a
serem exercidas pelos professores.
Encontramos na abordagem ecológica de Doyle (2006) uma perspectiva de leitura
conceitual produtiva para pensar a intervenção como tendo fundamentalmente uma função de
restauração. Na perspectiva proposta por esse teórico, a intervenção disciplinar envolve ações
e estratégias voltadas a restaurar um senso de ordem, que fornece direção ao processo de
ensino-aprendizagem em um dado momento ou contexto da aula. Entretanto, para ocorrer tal
restauração, é preciso a existência prévia de um vetor de aprendizagem, o qual deve ser
retomado. Nesse sentido, expressões de indisciplina, nos minutos que antecedem o término
de uma aula, podem não ter tanta importância, quando comparadas a eventuais distúrbios logo
em seu início, devido a grande importância, neste caso, da preservação de uma condição que
fornece direção ao processo de ensino-aprendizagem.
Um outro aspecto a considerar refere-se àquilo que é efetivamente restaurado pela
ação dos professores. Segundo Doyle, uma intervenção cuja função resida apenas em deter ou
neutralizar determinados comportamentos, revela-se fragmentada e ineficaz. Embora um
senso parcial de ordem possa ter sido restaurado, ainda é preciso restabelecer um vetor
primário de aprendizagem. Entretanto, isso requer o envolvimento dos alunos com o processo
de aprendizagem em curso em sala de aula. Assim, a restauração efetiva da disciplina em sala
de aula envolveria um nível de colaboração, uma elaboração coletiva tendo por eixo as
atividades de aprendizagem. A noção de ordem, portanto, ocupa um papel central na
perspectiva daquele teórico. Mas é um construto social, variável em relação às circunstâncias
de sala de aula e requer envolvimento dos alunos para existir.
A abordagem de intervenção sugerida por Doyle (2006) exemplifica uma perspectiva
de caráter pedagógico, segundo a classificação proposta por Estrela (1994). Nela, é o vetor de
ação de um contexto que solicita determinadas formas de interação, seja envolvendo o
silêncio e a atenção individual, ou o diálogo e uma atividade em pares. Mas ordem, para esse
teórico, refere-se a algo que é construído de uma forma ativa e colaborativa pelos alunos. De
fato, a cooperação é considera um quesito mínimo para existir disciplina em sala. Nesse
sentido, a ideia de disciplina assume uma dinâmica similar a da conversação, que requer não
somente participantes bem dispostos, mas alguma realização conjunta para ocorrer. Ou seja,
disciplina constitui um nível de experiência coletiva, na qual os alunos estariam não somente
engajados nas tarefas de aprendizagem em curso, mas exercendo algum nível de cooperação
tendo em vista um vetor de ação, em um dado momento.
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É importante destacar que a função da intervenção, com base na proposição de Doyle,
sugere que a restauração da disciplina em sala de aula, deveria assumir um caráter de
construção coletiva. Essa é uma perspectiva importante, e que atualmente esta presente, como
prática, em muitas escolas, que recorrem a assembléias de classe, grupos de apoio e mediação,
e outros instrumentos. A noção de intervenção como restauração é uma alternativa cada vez
mais explorada por educadores, em diferentes partes do mundo, pois supera a perspectiva
tradicional de controle, abrindo novas possibilidades de diálogo e transformação nas relações
pedagógicas nas escolas.
A Intervenção na Visão de Professores
As soluções teóricas propostas pelos pesquisadores nem sempre refletem as práticas
exercidas nas escolas, ou são refletidas pelos professores. Esse é o cenário que encontramos
ao analisar as formas de intervenção sugeridas por um grupo de professores da Educação
Básica.
Através de um levantamento por questionário e da análise do conteúdo dos
depoimentos de 46 professores que atuam nos diferentes níveis da Educação Básica, aqui
destacamos as principais funções atribuídas às intervenção disciplinar. Organizamos a análise
ao redor de um conjunto de categorias derivadas de análise de conteúdo, realizada sobre os
depoimentos dos professores, com base no método proposto por Bardin (1988).
A análise das ações de intervenção sugeridas pelos professores, sugere uma
pluralidade práticas exercidas pelos professores, bem como de significados atribuídos a elas.
Em complemento, constatamos algumas distinções na função da intervenção, ao longo dos
diferentes níveis da Educação Básica. Aqui, destacamos como significativa no depoimento
dos professores, a utilização de diferentes formas de diálogo como prática de intervenção.
Transversal ao depoimento dos professores, a menção do exercício do diálogo de destaca
entre as ações de intervenção disciplinar. Entretanto, ao redor dessa categoria, diálogo,
encontramos diferentes funções atribuídas à intervenção disciplinar.
Entre os professores de Educação infantil, destaca-se a noção de diálogo afetivodiretivo. Na primeira parte do Ensino Fundamental, esse diálogo assume uma função de
aproximação e monitoração e na segunda parte, a função de persuasão. Finalmente, entre
professores do Ensino Médio a intervenção passa a se apoiar em um diálogo menos vertical e
focalizado na construção de uma relação de parceria. A intervenção, assim, distingue-se
progressivamente de uma intenção de condução para a de colaboração. É interessante
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observar, entretanto, que as variações da intervenção baseada em diálogo, embora sugiram um
avanço no papel dos professores, mantém no centro a função de conduzir uma transformação
o comportamento dos alunos.
Um outro aspecto a destacar do depoimento dos professores, reside na ideia persistente
de que é o professor quem deve assumir o protagonismo na solução das situações de
indisciplina em sala de aula, seja instalando um diálogo ou assumindo a iniciativa de resolver
os conflitos relacionados à indisciplina, por exemplo. Até mesmo quando alguma forma de
elaboração coletiva é sugerida, como forma de intervenção, aos professores è atribuído um
papel de protagonismo, pois são tomados como os sujeitos da "solução".
Vemos, assim, que a intervenção disciplinar, na visão dos professores pesquisados,
teria como função principal produzir alguma transformação no comportamento dos alunos.
Além disso, os professores deveriam assumir um papel de iniciativa e condução das ações
voltadas a retomar a disciplina em sala de aula. Essa retomada, entretanto, não estaria
centrada na restauração do vetor da aprendizagem coletiva – para o quê seria necessário uma
ação de elaboração coletiva -, mas atenderia mais a uma função de interrupção, impedimento
e fundamentalmente de controle.
Considerações Finais
A pluralidade de entendimentos sobre a função da intervenção disciplinar, encontradas
na literatura educacional, encontra correspondência na variedade de entendimentos
encontrados nas formas de intervenção apontadas pelos professores investigados. Entretanto,
em meio à variedade dissonante de ações de intervenção e suas funções, observadas entre os
professores investigados, distinguimos algumas significações subjacentes. De um lado,
destaca-se o papel de protagonismo ou condução, a ser exercido pelos professores, nas ações
de intervenção em sala de aula. Em complemento, a intencionalidade principal das ações dos
professores estaria fundamentalmente centrada na transformação do comportamento dos
alunos.
A análise de conteúdo realizada sugere, portanto, que a função principal da
intervenção estaria relacionada a um exercício de poder atribuído aos professores, tendo em
mente restaurar mais um senso de ordem comportamental que a serviço da restauração do
vetor da aprendizagem coletiva. A intervenção disciplinar, assim, atenderia sobretudo a
função de lidar com o aluno que restaurar um contexto de aprendizagem. Além disso, ações
unilateriais dos professores seriam justificadas por sua função de protagonismo na resolução
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de situações de indisciplina em sala de aula. Esse cenário deveria nos fazer pensar sobre,
afinal, qual disciplina é desejada na escola, quem a escolhe e porquê?
Finalmente, argumentamos que, embora as funções da intervenção apontadas pelos
professores reflitam práticas que persistem nas escolas, mais devido à ausência de uma
reflexão crítica coletiva, que da eficácia dos seus resultados efetivos. Assim, a indisciplina
persiste nem tanto por falta de "soluções", mas devido à falta de construção crítica
sistemática, que iria revelar contradições bem como possíveis avanços nas formas de se
restaurar a disciplina em sala de aula - como uma elaboração e responsabilidade coletivas, que
deseja restaurar as condições necessárias para as aprendizagens coletivas.
REFERÊNCIAS
AMADO, J., FREIRE, I. A(s) indisciplina(s) na escola. Coimbra: Almedina, 2009.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1988.
BURDEN, P. Classroom management and discipline. New York: Longman, 1995.
D'ANTOLA, A. (Org.). Disciplina na escola. São Paulo: EPU, 1989.
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Erlbaum, 2006. p. 97-125.
ESTRELA, M. T. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. Porto: Porto, 1994.
FRELLER, C. Histórias de indisciplina escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
KOUNIN, J. Discipline and group management in classrooms. New York: Holt, Rinehart,
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XAVIER, M. L. (Org.). Disciplina na escola: enfrentamentos e reflexões. Porto Alegre:
Mediação, 2002.
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