REPERCUSÕES DA CULTURA NO COTIDIANO ESCOLAR DAS SÉRIES INICIAIS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO DE PROFESSORES ENGERS, Maria Emilia Amaral(783) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Na atualidade, educadores, sociólogos e psicólogos vem discutindo questões cruciais que tem afetado a escola. Entre essas, a cultura e a identidade do professor e dos alunos tem recebido atenção especial. A cultura escolar envolve um conjunto de significados que as pessoas vinculam-se e expressam no seu cotidiano e em suas atividades na escola e na sala de aula. Portanto, conhecer a cultura dos envolvidos no ensino tem grande relevância para a educação. Este texto discute aspectos sobre a cultura e a cultura escolar, a alfabetização e a representação social, que serviram de referencial teórico ao tema investigado, cujo objetivo foi: conhecer como o professor alfabetizador e os seus alunos representam os componentes culturais na dinâmica escolar. Reflete ainda, sobre os achados da pesquisa e suas implicações na educação de professores e na qualidade do ensino. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA: REFLEXÕES TEÓRICAS A cultura e seus diferentes significados quando considerada pelo professor reflexivo poderia esclarecer aspectos sobre as suas crenças e valores e de seus alunos e, desta forma, facilitar seu próprio trabalho. Cultura é um termo que pode ser compreendido com diferentes conotações dependendo do contexto em que é analisado. Forquin ( 1993, p.11) evidencia essa afirmação conceituando cultura num sentido semântico como sendo: "Um conjunto de disposições e qualidades características do espirito cultivado, a posse de um amplo leque de conhecimentos e de competência cognitivas gerais, uma capacidade de avaliação inteligente e de julgamento pessoal em materia intelectual e artística, um senso de profundidade temporal das realizações humanas e do poder de escapar do mero presente". O mesmo autor aborda, outra concepção oriunda das Ciências Sociais contemporâneas como sendo "o conjunto dos traços característicos de modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo, ai compreendidos os aspectos que podem considerar como cotidianos, os mais triviais". Nesse sentido Thompson (1995) amplia as reflexões sobre os diferentes conceitos de cultura. Este autor distingue quatro tipos básicos de concepções: clássica, descritiva, simbólica e estrutural. A concepção clássica se refere ao "processo de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas, um processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e artísticos e ligado ao caráter progressista da era moderna" (Thompson, 1995, p.170). A concepção descritiva diz respeito aos valores, às crenças e aos costumes, convenções, hábitos e práticas que representam um grupo em um período histórico. O autor (p.11) define-a como sendo "um conjunto inter-relacionado de crenças, costumes, formas de conhecimento, arte que são adquiridas pelos indivíduos enquanto membros de uma sociedade particular que podem ser estudados cientificamente". A concepção simbólica, se liga predominantemente ao significado, ao simbolismo e a interpretação . Cultura é vista como hierarquia estratificada de estruturas significativas onde as ações e expressões tem um importante significado na interpretação de cultura. Então, cultura simbólica é definida por Thompson (p. 176) como sendo "padrão de significados incorporados nas formas simbólicas que incluem ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude das quais os indivíduos se comunicam entre si e partilham suas experiências concepções e crenças". A última concepção na classificação de Thompson é a estrutural que compreende os fenômenos em formas simbólicas em contextos estruturados. O autor (p. 181), conceitua-a como sendo: "o estudo das formas simbólicas, isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários tipos em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas". A análise dos fenômenos culturais, neste particular, vincula-se a interpretação de formas simbólicas nos contextos sociais estruturados e, sendo a escola um contexto social estruturado, optou-se por esta última conceituação de Tompson (1995), a que se assemelha ao conceito de "cultura" na segunda concepção fornecida por Forquin (1993), para examinar a cultura da escola. A contingência histórica, a especificidade cultural e a particularidade individual do processo de desenvolvimento psicológico são aspectos importantes a serem considerados pela escola durante o processo educativo, pois como se sabe, é um verdadeiro palco de negociações onde os membros da comunidade criam, recriam e reinterpretam significados e conceitos. A educação escolar é um instrumento que a criança dispõe para desenvolver-se globalmente. Ela precisa ter todas as suas potencialidades trabalhadas pela escola, pois é através da mediação desta instituição que terá maiores e melhores condições de adquirir as experiências culturais que favorecerão a apropriação dos conhecimentos ( Davidov,1988; Vygotsky, 1989 a, 1989 b), especialmente quando se estuda a alfabetização, problema crucial na escola e na sociedade brasileira. A alfabetização, num sentido amplo, faz parte do processo de socialização dos indivíduos, sendo assim é um processo que depende da comunicação, da elaboração e aquisição de conhecimentos, hábitos, crenças, competências que constituem a cultura dos indivíduos. A bagagem cultural, segundo a classe social, os saberes prévios e utilizados no processo de alfabetização exigem por parte do professor um manejo da terminologia e dos hábitos culturais que constituem o conhecimento extra-escolar adquirido no meio familiar. O reconhecimento das necessidades, motivações e expectativas da comunidade escolar, no que se refere ao processo educativo, pode possibilitar ao alfabetizador um conhecimento mais aprofundado e coerente dos padrões de vida e de aprendizagem dos alunos. A aprendizagem da leitura e da escrita deve vincular-se à realidade do grupo de alunos a fim de que seu caráter social seja por eles captado. Cook-Gumperz destacam que "qualquer consideração sobre os usos da leitura e da escrita deve levar em conta o julgamento social sobre a funcionalidade" (1991,p.15). O processo educativo envolve diferentes segmentos sociais. Em uma sociedade como a brasileira onde as diferenças sociais são acirradas, refletindo orientações culturais distintas, a escola torna-se um ambiente onde concepções diversas se confrontam, pois os distintos segmentos captam, incorporam símbolos, costumes, valores, métodos educativos e formas de agir díspares. A escola é palco de confronto entre "modos de vida" de diferentes estratos sociais com padrões de comportamento, normas e estratégias peculiares a cada um dos diversos segmentos envolvidos no processo. O exame das práticas e orientações peculiares aos diferentes segmentos sociais nas suas manifestações no encontro pedagógico é de suma importância para se desvelar e, portanto decodificar tanto os obstáculos quanto os elementos facilitadores que permeiam o processo de alfabetização. O referido processo é profundamente imiscuído de particularidades sociais e culturais da vida cotidiana as quais devem ser consideradas como parte da bagagem cultural dos alunos. A escola deve ser capaz de perceber e reconhecer como legítimas as diferenças, as semelhanças, as singularidades e expectativas do grupo de crianças para que efetivamente se constitua num agente de desenvolvimento de uma ordem social democrática e igualitária. Estudos sobre a alfabetização, particularmente sobre a eficácia do professor alfabetizador ( Engers, 1987) demonstram a importância das características pessoais, dos comportamentos e de certas habilidades referentes à tomada de decisões do professor, que traduzem a competência do professor, e que conduzem à direção de um ensino eficaz. Todavia, o professor alfabetizador deve dirigir o ensino para as etapas de desenvolvimento intelectual ainda não alcançadas, não consolidadas pela criança, tornando-se, assim, um agente cultural que efetivamente contribua para o enriquecimento e aprimoramento das experiências dos alunos ( Vygotsky, 1989 a, 1989 b). O professor que entende o seu papel como estrategista no processo ensino-aprendizagem, compreende o mundo da criança, suas crenças e realidades. Parece ser esta a forma mais adequada do professor poder auxiliar o aluno a enfrentar a dialética cultural na qual se inserem. É importante que o professor desde o início do processo de alfabetização, considere o cotidiano da criança, para, gradativamente, oportunizar o alcance de níveis mais aperfeiçoados de apreensão, compreensão e atuação em seu contexto. Com este procedimento a instituição escolar estará proporcionando à criança avançar na sua compreensão do mundo, a partir do seu desenvolvimento sociocultural, tendo como meta o aprimoramento de capacidades cognitivas, afetivas e sociais necessárias à aprendizagem da leitura e da escrita. Coutinho (1990) afirma que "não é possível compreender a problemática da cultura brasileira sem examinar algumas características de nossa intelectualidade, ligadas ao modo específico do desenvolvimento social" ( 1989, p. 33). Entende-se que não é possível atingir a eficácia no processo de alfabetização sem compreender os componentes culturais que invadem a dinâmica desse processo. A cultura, com seus componentes é tema relevante no processo de alfabetização. É uma questão de vivência de professores, alunos e comunidade escolar. Para que as atividades escolares que norteiam a aprendizagem da leitura e da escrita não se constituam em elementos dicotômicos entre a "cultura" da criança e a "cultura" da escola, há necessidade de relacionar o ambiente sóciocultural, as situações concretas e reais de vida da criança, os seus conhecimentos culturais e vivências veiculadas pela escola. A inserção da criança na cultura escolar, o viver em coletividade são, entre outros, fatores que determinam a complexidade de suas necessidades, e o surgimento de ações e operações que possibilitam o seu ingresso no "mundo simbólico" e que, ao mesmo tempo, são responsáveis por formas superiores de sua conduta ( Leontiev, 1984; Vygotsky, 1989 a, 1989 b ). Neste sentido, a afirmativa de Bakthin de que "a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial" ( 1988, p.95 ), serve de indicador para uma ação pedagógica que não contemple unicamente os aspectos formais da língua escrita, mas que, ao contrário, possibilite ao alfabetizador conscientizar-se de suas potencialidades como ser produtivo e criador, percebendo-se como usuário e produtor desta cultura. O exame deste processo na realidade do Rio Grande do Sul, onde as diferenças culturais são marcantes, resultado de um complexo processo de colonização e de suma importância, pois proporciona um desvelamento de como se entrelaçam as diferentes representações da cultura dos agentes envolvidos no processo de alfabetização. No que diz respeito à cultura escolar, este estudo buscou compreender as representações de professores alfabetizadores e outros agentes das escolas participantes da investigação. Nas últimas décadas, estudiosos da representação tem voltado suas atenções para discussões conceituais. Trabalhos apresentados na 2a Conferência Internacional de Representação Social ( Jodelet, 1994; Rangel, 1994, entre outros) demonstram essa preocupação. As representações sociais expressam afirmações dos sujeitos sobre objeto de representação. Para Moscovici ( 1978, p. 59) "as representações individuais ou sociais fazem com que o mundo seja o que pensemos que ele seja e ou deva ser". Nesse sentido pode-se dizer que há uma certa fusão entre o ideal e o real. O mesmo autor (p. 44) diz que "as representações consistem em uma das vias de apreensão do mundo concreto, circunscrito em seus alicerces e em suas circunstâncias". As representações individuais alicerçadas nas crenças, atitudes, e valores dos sujeitos estão, vinculadas ao que Thompson conceituou de "cultura estrutural" . UM OLHAR PARA A REALIDADE NA BUSCA DOS DADOS A investigação se caracterizou por uma metodologia qualitativa, numa abordagem de cunho etnográfica, considerada como sendo a forma mais adequada para se compreender e interpretar como alfabetizadores e alunos representam, na dinâmica da escola e da aula, os componentes culturais relacionados com o processo de alfabetização. Optou-se por essa abordagem entendendo que ela: "possibilita que se penetre no mundo pessoal dos sujeitos, buscando a compreensão, o significado particular da ação das pessoas, utilizando como critério a evidencia do acordo intersubjetivo no contexto educacional, possibilitando que a descrição evidencie uma realidade dinâmica, múltipla e holística" ( Engers, 1994, p.1). Na realidade da escola buscou-se descrever, interpretar e compreender a cultura que permeia seu cotidiano, de acordo com a representação do professor alfabetizador nas ações deste e de seus alunos. O estudo foi realizado em diferentes realidades escolares. Para tanto foram examinadas três escolas, sendo uma vinculada à rede estadual, uma à rede municipal e outra à rede privada de ensino. A coleta de informações foi realizada inicialmente através de entrevistas com professores alfabetizadores e outros agentes que atuam na escola. Num segundo momento, foram realizadas observações sistemáticas junto às classes de alfabetização, para que pudesse acompanhar toda a dinâmica do processo. Adicionalmente a estas foram feitas observações em reuniões, em recreios, em merendas e em outras atividades escolares que contribuíram para esclarecer a aprofundar a compreensão do objeto em estudo. Essas observações estenderam-se por todo o ano escolar. No que tange a análise de dados, tanto as entrevistas e as observações foram estudadas através da análise de conteúdo e após utilizou-se a técnica de triangulação entre os instrumentos utilizados. Na análise, em primeiro lugar efetuou-se a "leitura flutuante" do material (Bardin, 1977) para empregnar-se dos significados dos discursos. Após, procedeu-se a análise vertical, horizontal e a síntese do conteúdo das entrevistas (Engers, 1987). A analise "vertical" trabalha as entrevistas individuais, item por item, destacando aspectos, frases e expressões significativas e a análise "horizontal" trabalha as essências desveladas nos discursos da totalidade dos entrevistados em cada item do roteiro da entrevista. Por último chega-se a "síntese" onde o pesquisador transporta a realidade desvelada para uma linguagem sintética agrupando as diversas tendências, permitindo assim chegar às categorias que, neste caso particular, evidenciaram-se como: "formação"; "contextualização da escola"; "conceito de cultura" e a "relação (semelhanças/diferenças) professor-aluno". As categorias que emergiram deste estudo estão comentadas a seguir: 1) FORMAÇÃO Entre as 18 participantes, onze (11) tem 3o grau, sendo sete (7) graduadas em curso de pedagogia. As demais (7) só tem magistério de 2o grau. 2) CONTEXTUALIZAÇÃO DAS ESCOLAS As escolas participantes têm dependências administrativas diferenciadas: uma municipal, uma particular e uma escola estadual. A escola estadual é de 1o e 2o graus completo e está inserida em zona de classe média alta, sua clientela é considerada de classe média. A escola municipal é de 1o grau completo, está localizada na periferia, em uma zona de classe economicamente desprivilegiada. A escola particular de 1o grau completo está localizada em uma zona de classe média e se caracteriza por ter uma clientela de classe média e média baixa. Evidenciou-se que na escola municipal há muita procura pela 1a série considerando o número elevado de turmas (7). A supervisão atende as séries iniciais ( de 1a a 3a ) e mantém reuniões semanais com os professores. A preocupação da escola com a 1a série ficou evidente no sentido de integração desta com o jardim de infância. Nesta escola foram observadas duas turmas de 1a série: uma das professoras participantes tem classe considerada especial pela escola, não por ela, pois a composição da turma foi por disciplina e dificuldade de aprendizagem, e outra tem uma classe considerada regular. Na escola particular foi reconhecida a preocupação da direção em contratar professoras com formação a nível de 3o grau e designar para as primeiras séries aquelas que também tem prática em 1a série. A escola tem 3 turmas de alfabetização e as responsáveis se reúnem entre si semanalmente e com as demais professoras da escola quinzenalmente, afim de planejar a integração de conteúdos e diminuir diferenças entre as metodologias utilizadas. Há um esforço em dar continuidade ao método e aos conteúdos desenvolvidos nas séries iniciais. A escola trabalha integradamente buscando desenvolver um trabalho com base numa metodologia construtivista. Na escola estadual a preocupação fundamental não está centrada na 1a série, mas no 2o grau e no Centro de Línguas existente na escola. Há forte pressão dentro da escola para que se eliminasse o 1o grau e mais especificamente a 1a série. Nesta escola, segundo alguns participantes, há discriminação com o 1o grau, onde não há espaço físico apropriado para a recreação e não é priorizado o trabalho de 1a série, não existe um setor de supervisão/orientação específico para as séries iniciais, nem qualquer tipo de serviço especializado para estas séries. Só há um dia específico na semana, para a utilização da biblioteca no sentido de retirada ou devolução de livros. Em geral, nesta escola ficou evidenciado que os alunos das séries iniciais não tem quase espaço e as professoras tem dificuldades em desenvolver um trabalho adequado, embora demonstrem esforço no sentido de desenvolver um bom trabalho. A 1a série existe tão somente para cumprir o esperado de uma escola de 1o e 2o graus. 3) CONCEITO DE CULTURA O conceito de cultura, delineado pela maioria dos participantes da pesquisa envolvendo as 3 escolas, vincula-se: às vivências das pessoas, desde os costumes, as crenças, as atitudes, as preferências, os hábitos sociais, a religiosidade e a maneira de proceder. A conceituação de cultura, expressa pelas entrevistadas estendem-se num contínuo desde o conceito clássico de cultura até o mais específico, chegando a um conceito de cultura escolar, ou seja, como estas diferentes formas de ver e se relacionar no mundo aparecem refletidas no cotidiano dos alunos, dos professores e de todos os agentes que participam deste processo de alfabetização. Parece oportuno salientar que a representação de cultura apareceu como os conhecimentos que deveriam ser transmitidos aos estudantes, tanto por parte dos professores, quanto das famílias desses alunos. Outro aspecto ressaltado na cultura, diz respeito à postura do professor e do aluno em sala de aula. Os participantes entendem que deve haver um entrosamento entre ambos para que dessa forma se intensifique e, se aprimore o processo de alfabetização. Além disso, a questão da desigualdade econômica foi em vários momentos destacada. Houve, também, manifestações a respeito das diferenças culturais expressas pela conduta dos alunos, tanto na escola estadual como particular, mas principalmente, na escola municipal, onde o problema econômico é mais agravado. 4) RELAÇÃO (SEMELHANÇAS/DIFERENÇAS) DA CULTURA PROFESSOR-ALUNO Durante as entrevistas foram evidenciadas diferenças culturais em alguns segmentos da pesquisa, enquanto que em outros esta variável foi considerada sem muita ênfase por não ser constatada como importante. Isto pode se observar pelos resultados expressos tanto nas entrevistas, quanto nas observações feitas. Em termos de escola municipal, os participantes expuseram que há diferença entre a cultura do professor e do aluno. Esta diferença se manifesta, primeiramente em relação a procedência do professor, que geralmente é de classe média e que tem um acesso maior a certos bens materiais que o aluno da vila não tem. Em relação à bagagem cultural do aluno e do professor, as entrevistas expressam que há disparidade devido a formação do professor e meio social a que pertencem, sendo a experiência de vida de um, diferente da do outro. Na concepção dos dirigentes, a escola procura encaminhar os alunos com problemas de conduta e de aprendizagem para um trabalho especial fora do colégio, oferecido pela prefeitura, com psicólogos especializados, fora do horário de aula das crianças. Porém, os professores vêem este fato de forma diversa, pois é difícil conseguir o comparecimento dos pais. A direção e responsáveis têm buscado a participação dos pais na vida escolar, porém isto é uma barreira para o desenvolvimento de atividades. Buscando o entrosamento entre pais e escola a direção tem promovido cursos de fim de semana como: jazz, ballet para crianças e aeróbica para mães e foi fundado um CTG dentro da escola. Constatou-se uma discordância entre os professores e os diretores da escola, quanto ao trabalho realizado junto ao aluno para a diminuição destas diferenças culturais. Os professores participantes desta pesquisa, acreditam que a escola como um todo não busca nem trabalhar e nem solucionar qualquer tipo de diferença existente. A direção, por sua vez, afirma que o professor em sala de aula não tem buscado se adaptar ao aluno, ou seja, o professor não faz autocrítica em relação ao tipo de trabalho que ele está realizando. Na escola municipal as duas turmas observadas demonstraram diferenças entre a forma de se desenvolver o trabalho em sala de aula. Uma turma é bastante agitada. Os alunos não param de conversar em sala de aula, e qualquer pessoa estranha que entre na turma é alvo de suas atenções. A outra turma é considerada de "classe especial", embora a professora discorde desta classificação. Notou-se que a disposição das cadeiras em sala de aula é diferente das outras turmas. Nesta aula são formados grupos de quatro alunos com as mesas viradas um para o outro, como forma de integração, e para eles se ajudarem mutuamente, conforme nos expôs a professora. Em termos de aprendizagem, pelas observações feitas é uma turma com bastante dificuldade nesta área. Apesar disso, a professora buscando fazer um trabalho diferente em sala de aula, leva a turma a fazer com que pensem sobre determinado exercício ou problema. Na escola estadual, dos oito (8) participantes, três (3) acreditam que não há diferença entre a cultura do professor e do aluno, porém, os outros cinco (5) restantes acreditam que existe esta diferença. Aqueles que acreditam que existe esta diferença fazem colocações em termos de nível de conhecimento, de informações e de experiência dos alunos considerando estes aspectos diferentes quando comparados ao professor, principalmente a nível de 1a série. A questão econômica não cria, segundo as outras participantes, nenhuma diferença em relação aos professores e aos alunos, já que ambos participam da mesma classe econômica. Nesta escola, algumas professoras trabalham as diferenças culturais quando elas existem, em sala de aula, tentando realizar uma troca de experiências entre os alunos. A escola como um todo não busca trabalhar as diferenças culturais de vivência que possam existir entre alunos e professores. No que diz respeito à escola particular os participantes não acreditam que exista diferença entre a cultura do professor e do aluno. De acordo com a percepção dos professores, as escolas trabalham estas diferenças dependendo das necessidades. As observações demonstram que na escola particular há um trabalho organizado e que as professoras aproveitam o tempo disponível trabalhando intensamente os conteúdos, oportunizando aos alunos organizarem e construírem o seu saber. Nesta escola as professoras estão bem preparadas e demonstram segurança conseguindo minimizar as diferenças culturais existentes com alguns alunos, pois a maioria mora no mesmo bairro que as próprias professoras. As aulas são repletas de atividades, os alunos trabalham integrados e demonstram alegria. Parece importante ressaltar que algumas professoras foram também alunas daquela escola. Considerando as categorias discutidas aqui percebe-se que os agentes educacionais devem conhecer bem a cultura escolar para utilizá-la como ponto de partida e chegada, no sentido de alcançar a eficácia do ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta investigação buscou desvelar a cultura de algumas escolas objetivando compreender determinantes vinculados ao processo decisório em sala de aula que oportunizem a eficácia do ensino, a boa formação dos educandos e, em última instância, o desenvolvimento da sociedade. A conceituação de cultura, especificada na classificação Thompson (1995) como "cultura simbólica estrutural" serviu como marco referencial, neste estudo, olhando a cultura da escola como uma estrutura social desempenhando um papel específico num contexto mais amplo. Este aspecto específico permitiu comparar com os campos de interação, desenvolvimento por Bourdieu onde a interação é compreendida como um espaço de posições e um conjunto de trajetórias. E essas posições e trajetórias são determinadas de certa forma pelo volume e distribuição de vários tipos de recursos e capital. "Todos estes elementos ou campos são constitutivos de ação e interação (...) que tornam possíveis as ações e interações que ocorrem na vida cotidiana de uma instituição" (Thompson, 1995, p. 198). É este movimento interativo em um processo contínuo que se pode chamar, segundo o autor, de "reprodução simbólica dos contextos sociais". Essa reprodução simbólica dos contextos sociais toma importância quando se considera o papel da qualidade da educação numa sociedade e o papel que desempenha o professor como organizador do ensino. Ensino este que se pressupõe não seja livresco, nem reprodutor, mas que se preocupe com a formação global do cidadão. Sabe-se da gama de problemas econômicos, sociais e culturais que envolvem a escola brasileira, portanto, parece ser de grande relevância preocupar-se com a questão da qualidade do ensino e da formação do professor no sentido de buscar um desenvolvimento sadio para a população brasileira. A questão da cultura e da interação professor-aluno em sala de aula estão vinculadas a compreensão destes aspectos que poderão auxiliar melhor a integração e a participação do aluno na escola, ou seja, na vivência prazerosa do estudante no ambiente escolar servindo como motivação para um melhor aproveitamento escolar e, consequentemente, desenvolvimento sadio do cidadão. Os resultados desta investigação estão demonstrando que se precisa estudar com maior profundidade a questão da cultura buscando minimizar problemas cruciais da escola brasileira, especialmente nas séries iniciais, como evasão e repetência. Ainda parece importante salientar que estas questões devem retornar à sala de aula dos cursos que formam professores e aos cursos de educação continuada "refletindo a ação na ação e para ação" e as diversas realidades para que se avance no aprimoramento dos professores e, consequentemente, na direção da eficácia do ensino. Reflexões nesta área possibilitam uma caminhada introspectiva e um exame das condições sociais da escola. Precisa-se conhecer, não só as crenças individuais, mas o que é feito na escola. Pode-se perceber que os professores estão muito preocupados com as diferenças culturais entre eles e seus alunos, com as condutas de alunos em sala de aula e, ainda, não sabem lidar com as diferenças, utilizando as realidades dos alunos e as suas culturas como alicerces no desenvolvimento do ensino e na construção do saber do grupo. O professor precisa estar preparado para transitar do ensino reprodutor que vem, em geral desenvolvendo, para um ensino transformador. No momento em que a nova Lei de Diretrizes e Bases entra em vigor com modificações importantes para os cursos de formação, a relação professor-aluno, a compreensão da cultura dos grupos e comunidades poderão auxiliar nesta caminhada tornando-a mais produtiva. Dentre as habilidades importantes na capacidade do professor está a competência em construir condições necessárias de "aprender a aprender", do "saber pensar, pesquisar e teorizar a prática" e buscar uma constante atualização. Na verdade, é de fundamental importância que os resultados da pesquisa voltem à sala de aula e aos cursos de professores para que se façam reais reflexões sobre a questões cruciais na educação de professores e, que os próprios professores pesquisem suas ações, sua prática, construindo o seu próprio saber dentro "das realidades" das escolas brasileiras. E essa construção de saber seja oportunizada ao aluno dentro de suas possibilidades individuais e realidades do grupo. Neste momento, em que os olhares da sociedade se voltam para os avanços tecnológicos, a mídia e a internet propiciam uma maior rapidez ao acesso de informações e trocas entre pesquisadores e em que a escola se volta para a utilização da informática, a globalização do ensino é, sem dúvida, um aspecto importante a ser discutido. Juntamente com isto aparecem nitidamente as questões das "culturas" e "identidades" do grupo, questões estas que influenciam a qualidade do ensino. Razão pela qual os temas são relevantes nas reflexões que devem circundar os cursos de formação de professores, bem como aqueles voltados à formação continuada dos mesmos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKTHIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec., 1988. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa. Edições 7a , 1977. COOK-GUMPERZ, J.(org.). A construção social da alfabetização. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. COUTINHO, C. N. Cultura e sociedade no Brasil: ensaios sobre idéias e formas. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990. DAVIDOV, V. La enseñanza escolar y el desarrolo psíquico. Moscou: Progresso, 1988. L. DEMO, P. A formação de formadores básicos. Em Aberto, Brasília, ano 12, n. 54 abril/junho. 1992. ENGERS, M. E. A . O professor alfabetizador eficaz: análise de fatores influentes da eficácia do ensino. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Faculdade de Educação, UFRGS, 1987. ________ . M. E. A . Pesquisa Educacional: reflexões sobre a abordagem etnográfica. 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