A FORMAÇÃO ACONTECENDO NA ESCOLA Laura Noemi Chaluh – UNICAMP Procuro neste trabalho, recorte de uma pesquisa ainda em andamento, explicitar a política de formação continuada da Secretaria Municipal de Educação (SME) de Campinas, SP (2001-2004). A SME possibilitou a constituição de um Grupo de Trabalho, em todas as unidades escolares de Ensino Fundamental, tendo como objetivo a reflexão conjunta sobre a alfabetização. Narro o percurso realizado por um desses grupos. O mesmo está constituído pelas professoras de 1as e 2as séries, a orientadora pedagógica, a diretora e a pesquisadora. São apresentadas algumas das ações e projetos desenvolvidos pelo grupo. OS DISCURSOS DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CAMPINAS (2001-2004). A gestão democrática da escola pública deve ser incluída no rol das práticas sociais que podem contribuir para a consciência democrática e a participação popular no interior da escola. Esta consciência e esta participação, é preciso reconhecer, não têm a virtualidade de transformar a escola numa escola de qualidade, mas tem o mérito de implantar uma nova cultura na escola: a politização, o debate, a liberdade de se organizar, em síntese, as condições essenciais para os sujeitos e os coletivos se organizarem pela efetividade do direito fundamental: acesso e permanência dos filhos das classes populares na escola pública. Bastos Para contextualizar o desenvolvimento deste trabalho, apresento a seguir algumas idéias centrais da política educacional da Secretaria Municipal de Educação (SME) de Campinas, SP. Importa lembrar que o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu o Governo Municipal de Campinas no período entre 2001 e 2004. No primeiro contato através dos Boletins SME (on-line), se explicitam os princípios que dariam sustento ao trabalho que essa Secretaria se propunha realizar, dos quais considero importantes destacar: Respeito aos saberes dos profissionais da educação, para que não se perca o que já foi construído. 2 Compreensão do profissional como alguém que está em contínuo aprendizado sendo, portanto, capaz de agir. Democratização da gestão, do acesso e da permanência na escola (Boletins SME, N° 1, fevereiro 2001). Tive acesso à agenda que os professores receberam no começo do ano letivo 2003. Gostaria de explicitar o fundamento da política educacional, estabelecido no documento referido, já que tem estreita relação com a questão que trago neste artigo que é olhar a escola como lugar privilegiado para a formação continuada dos professores: O fundamento: A inversão de setas, tendo a escola como centro do processo pedagógico, ambos termos a serem compreendidos como se segue: - Inversão de setas: Refere-se às políticas através das quais as diretrizes que regem as práticas pedagógicas nas unidades escolares são definidas pelo processo político pedagógico que ocorre no cotidiano da escola, e não de maneira centralizada e autoritária pela Secretaria Municipal de Educação; e - Escola como centro do processo pedagógico: Refere-se às diretrizes através das quais visa-se atingir o objetivo prioritário da gestão, o aluno, e a participação da comunidade escolar para a consecução dos resultados finais (Agenda “Escola Viva” Campinas, 2003). Nos documentos também aparece uma grande preocupação pela construção do Projeto Político Pedagógico (PPP). A Secretaria procurou criar condições “para que cada escola possa desenvolver, com autonomia e responsabilidade, o seu projeto pedagógico” (Boletim 4, 2001). Uma das apostas dessa Secretaria foi acreditar que com o retorno do Projeto Pedagógico às escolas da SME, iria se ampliar o desafio da construção coletiva do trabalho nas escolas. Em relação à formação dos professores dentro da rede, a documentação aponta que os Grupos de Formação serão constituídos a partir das demandas locais, e a partir da problematização do cotidiano escolar. Segundo consta no Boletim 7 (2001) “participar de Grupos de Formação é um direito dos profissionais de Educação e um compromisso político-pedagógico desta Secretaria”. Importante ressaltar que segundo a Secretaria não basta só com que os profissionais divulguem práticas e promovam estudos, considera-se fundamental que a escola olhe para esses grupos “como necessários ao seu trabalho pedagógico e que os grupos propiciem um retorno das atividades desenvolvidas à comunidade escolar”. Isso tem a ver com as dificuldades que existem em algumas escolas, quando alguns docentes participam dos Grupos de Formação (GFs) oferecidos fora da escola, mas isso não é levado para a própria comunidade escolar desconhecendo assim o trabalho desenvolvido: “desta forma, não conseguimos potencializar os 3 benefícios advindos da reflexão promovida pelos GFs, esvaziando o sentido de sua existência” (Boletim 3, 2001). Uma das propostas da Secretaria para inverter essa situação, foi que os Grupos de Formação fossem definidos e organizados a partir das demandas que surgirem dentro do Projeto Pedagógico de cada uma das Escolas. Na mesma linha, trago as colocações de Freitas (1996:47) já que a autora sugere a importância de valorizar a experiência do professor: “quando falamos nesse conceito de escola como local de formação, supomos que se parta da experiência que o professor traz, da recuperação do trabalho de professor como elemento da sua própria formação continuada”. UMA QUESTÃO QUE INQUIETA NA SME: A ALFABETIZAÇÃO. A partir do ano de 2004 a SME possibilitou a constituição de um Grupo de Trabalho em cada uma das escolas da rede com o intuito de refletir sobre a especificidade da alfabetização. Segundo consta no Boletim SME: Professores de 1ª, 2ª e 5ª séries do ensino fundamental das escolas municipais de Campinas vão receber duas horas aulas a mais para fazer um trabalho de formação e ajudar a reduzir o número de retenções de alunos com dificuldade de aprendizado (Boletim 04 fevereiro, 2004). Uma inquietação foi saber quais as motivações que levaram à SME a possibilitar a constituição do Grupo de Trabalho sobre alfabetização nas escolas. Em um dos documentos referenciado como “Justificativa e Histórico sobre a Proposta de Trabalho”, depreende-se que entre agosto e setembro do ano de 2003, foram encaminhados à Coordenadoria de Educação Básica dois documentos elaborados por profissionais da Rede que estavam preocupadas com os altos índices de retenção nas classes de alfabetização. Esses profissionais vinham pensando na necessidade de realizar ações focalizadas nas classes de alfabetização (1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental). Um dos documentos encaminhados foi redigido pelas Coordenadoras Pedagógicas do Naed Sul, Sônia Oliveira e Gláucia Moreto (o Naed - Núcleo de Ação Educacional - é um setor descentralizado da SME que tem por objetivo oferecer apoio direto às escolas. Existem cinco Naeds: norte, sul, leste, noroeste, sudoeste). O outro documento foi redigido pela professora Vilma Passos. Elas apresentaram propostas de realização de cursos específicos sobre alfabetização além de solicitar uma reivindicação: 4 a possibilidade da ampliação do tempo remunerado na escola para que as professoras pudessem ter um espaço de reflexão focando a alfabetização.Quando as profissionais referidas tomaram conhecimento de que ambas propostas pretendiam atingir o mesmo objetivo, ou seja, a alfabetização, decidiram constituir um grupo de reflexão com o objetivo de promover juntas, algumas propostas viáveis para ser levadas às escolas da rede. Decidiram então encaminhar a proposta conjunta às demais instâncias da SME para análise e para que se considerasse a viabilidade de implantação das propostas contidas no projeto conjunto. Seguindo os trâmites normais, a Coordenação de Educação Básica encaminhou as propostas às demais instâncias da SME para análise e para se considerasse a viabilidade de implantação. A Secretária Municipal de Educação aprovou o projeto apresentado, e no documento referido considera-se que o mesmo foi contemplado em grande parte na Resolução n° 14/03, artigo 3° inciso 7, conforme Diário Oficial do dia 07/11/2003. Nessa resolução são asseguradas 2 horas aulas semanais como suplementação de jornada dos professores de 1ª e 2ª e 5ª séries (cf Diário Oficial, 07 de novembro de 2003). Importa destacar que nos finais de 2005 o Plano de Cargo mudou motivo pelo qual essas 2 horas passaram a estar incluídas dentro da carga horária dos professores. Além da possibilidade de constituir esse Grupo nas escolas, foram encaminhadas outras ações para favorecer a formação continuada dos professores na linha da alfabetização, dentre eles destaco: cursos, Grupos de Trabalho (GTs) centralizados ou grupos de estudos por Naeds. Não pretendo desenvolver essas ações neste artigo. Por outro lado, fica claro no documento que não é apenas pela formação dos professores que se consegue o sucesso de todos os alunos, considerando assim uma série de fatores que influem sobre os resultados alcançados na escola: as condições materiais de trabalho do professor, a remuneração que interfere em sua qualidade de vida, no acesso aos bens culturais, as condições de vida da população escolar. Acredita-se que é necessário focar a formação dos professores das séries inicias, sendo que essa formação tem uma estreita relação entre teoria e prática, ou seja: é refletindo sobre seu trabalho, o que faz, em que acredita, e qual relação faz entre a escola e o contexto social mais amplo, que o professor pode avançar na superação de suas dificuldades para promover aprendizagem de seus alunos. A alfabetização, então, não é aqui concebida apenas em seu aspecto “técnico”, “metodológico”, mas como um processo de construção de conhecimento que se dá entre alunos e professores, que envolve valores, ansiedades, desafios. A sala de aula deve ser, assim o ponto de partida e chegada na reflexão (2004:3). 5 Nesse sentido, trago as considerações de Zeichner (2000) que foca a reflexão docente numa perspectiva crítica, considerando o docente como um profissional autônomo que reflete criticamente sobre a prática cotidiana para compreender tanto as características singulares dos diferentes processos de ensino-aprendizagem, como o contexto em que o ensino é oferecido, de modo que a sua atuação reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e emancipador dos que dele participam. No mesmo documento considera-se que a utilização da escrita em sala de aula tem que corresponder às formas pelas quais ela é produzida e utilizada verdadeiramente nas práticas sociais: “com professores e alunos, sujeitos e autores de seus dizeres e suas escritas, seria, sem dúvida, uma escola melhor para todos” (2003:3). Dentro dos objetivos gerais do trabalho centrado nas classes de alfabetização, no ano de 2004, propõe-se “reduzir em pelo menos 50% o índice de retenção nas duas primeiras séries do ensino fundamental, com garantia de apropriação da leitura e escrita” (2003:3). Para isso é considerado indispensável subsidiar os docentes com “oportunidades de formação continuada, na escola ou em nível central desde a Coordenadoria de Formação continuada ou de Naed, na busca do avanço teórico e prático no campo da alfabetização e letramento” (2003:3). A ESCOLHA DA ESCOLA Tendo como quadro uma Secretaria de Educação que favorece e acredita na gestão democrática e no trabalho coletivo, que concebe um professor em contínuo aprendizado, que respeita os saberes profissionais, que acredita em um profissional da educação com capacidade para agir, é preciso olhar sobre o espaço e o tempo coletivo de formação na escola e perceber como é que esse coletivo vai se constituindo, e em definitiva como assume a sua própria formação. A escola Padre Francisco Silva, está instalada no bairro Jardim Londres, na zona nordeste do município de Campinas, SP. É uma escola pequena para os padrões da rede. A escola acolhe perto de 500 crianças, divididas em 15 turmas, ocupando as cinco salas de aulas, nos três períodos de funcionamento: manhã, intermediário, vespertino. No período noturno, funcionam na escola classes de ensino de jovens e adultos. Tive acesso ao Projeto Político Pedagógico (PPP) do ano de 2003 e de 2004 da escola onde está sendo desenvolvida a pesquisa. Depreende-se deles uma valorização tanto pelo trabalho coletivo como pelo espaço e o tempo de formação na escola: 6 A partir da necessidade de contínua reestruturação do trabalho pedagógico realizado de 1ª. a 8ª. série visando a integração do conhecimento, vimos buscando promover ações de constituição de um trabalho em equipe (coletivo). Um dos elementos imprescindíveis para que este trabalho aconteça é o “tempo para estamos juntos” (PPP, EMEF “Padre Francisco Silva”, 2003:5). Estamos constantemente no movimento de nos rever, de refletir sobre nossa prática e encontrar novos caminhos. Deste modo também adquirimos e produzimos novos conhecimentos, posicionando-nos como pesquisadores de nosso próprio trabalho (PPP, EMEF “Padre Francisco Silva”, 2004:5). Estou inserida e participando dos espaços e tempos de formação na escola desde agosto de 2003. Os espaços e tempos dos quais faço referência são: o espaço e o tempo dedicado às horas de Trabalho Docente Coletivo (TDC) de 1ª a 4ª série e o espaço e o tempo do Grupo de Reflexão sobre Letramento e Alfabetização (GA) de 1ª a 2ª série. Gostaria de explicitar o significado do TDC. Em resolução conjunta da Secretaria Municipal de Educação e da Fundação Municipal de Educação Comunitária (SME/FUMEC Nº 03/2003), fica regulamentado o espaço do Trabalho Docente (TD) como espaço formativo, de elaboração do pensamento e de fortalecimento da equipe pedagógica, entre outras considerações. Segundo essa resolução, o TD deve ser composto por o Trabalho Docente Coletivo (TDC) e pelo Trabalho Docente Individual (TDI). O TDC é “realizado durante 02 horas/aula semanais consecutivas, coordenadas pelo Orientador Pedagógico, ou na sua ausência, por um professor eleito pelo grupo como coordenador da reunião” (cf. Diário Oficial de Campinas, 25 de fevereiro de 2003). O TDI está destinado “ao atendimento de dúvidas de alunos, aulas de reforço e a aulas de recuperação paralela, atendimento a pais de alunos e outras atividades definidas com a Equipe Escolar” (cf. Diário Oficial de Campinas, 25 de fevereiro de 2003). Neste artigo foco a constituição do Grupo de Trabalho sobre Letramento e Alfabetização. Importa lembrar que a gestão do PT em Campinas finalizou em 2004, mas os espaços de formação na escola (TDC e GA) estão em andamento. A CONSTITUIÇÃO DO GRUPO DE REFLEXÃO SOBRE LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO (GA). A partir do ano de 2004 a SME possibilitou a constituição do Grupo de Trabalho sobre alfabetização em cada uma das escolas de Ensino Fundamental da rede. Lembrando que cada escola podia optar pela constituição desse grupo na sua Unidade Escolar. 7 Na Escola Padre Francisco Silva, os professores de 1ª e 2ª séries decidiram, juntamente com a orientadora pedagógica, aceitar a proposta da Secretaria. Neste espaço, a responsabilidade pela coordenação do encontro, é assumida por todos os participantes. Importa destacar que a diretora e a pesquisadora também participamos desse encontro. Existe um caderno coletivo de registro, onde é feito o registro do encontro por um dos participantes, segundo um rodízio já estabelecido. Depois do primeiro encontro do grupo em março de 2004, ficaram estabelecidas algumas ações para esse ano letivo: estudos e discussões de textos pertinentes; oficina de material pedagógico; análise da produção dos alunos; socialização do curso “Letramento e Alfabetização” (oferecido pela SME) por uma das professoras do grupo (Caderno n° 1 do Grupo de Reflexão sobre Letramento e Alfabetização, 2004). O grupo opta por se chamar Grupo de Reflexão sobre Letramento e Alfabetização. Trago algumas considerações registradas nesse caderno já que dão conta das expectativas dos integrantes do grupo em relação ao trabalho que iria ser realizado ao longo do ano de 2004: A partir da necessidade observada no grupo de professoras de 1ª e 2ª série com relação aos processos de aquisição da leitura e da escrita, decidimos organizar um grupo de estudos, reflexão e prática. [...] A expectativa do grupo é a redefinição das diretrizes norteadoras do trabalho com as classes de alfabetização à medida em que tomamos consciência de nossa própria prática. Este é o conjunto de expectativas do grupo para uma proposta que estará sendo construída a cada encontro. Algumas das ações efetivamente desenvolvidas pelo grupo no ano de 2004 foram: socialização de um curso de alfabetização (oferecido pela SME) por uma das professoras do grupo, que participou do curso referido, apresentação por uma das professoras de sua dissertação de Mestrado que focalizou como tema a hiperatividade, apresentação da dissertação de Mestrado da diretora da escola sobre leitura e escrita, oficinas de Matemática coordenadas pela pesquisadora, definição dos objetivos de português para as 1as e 2as séries (instaurando assim o pré-conselho de classe no GA), análise de produções das crianças, leituras de textos, leitura de contos, vídeos que tratam sobre alfabetização, seleção e compra de material didático (compra realizada a partir de uma verba oferecida pela SME para os Grupos de Trabalho constituídos nas escolas). Gostaria de apontar algumas questões que dão conta do movimento do grupo. Uma delas foi que a pauta do dia é estabelecida pelo grupo. Considero que esse fato foi um diferencial dentro do grupo já que as professoras começaram a perceber que elas 8 têm poder de decisão em relação à sua própria formação. Se bem a especificidade desse espaço tinha relação com a alfabetização, no percurso do ano foram considerados/problematizados outros aspectos que guardam relação com a organização da escola como um todo: o sistema seriado e suas implicações com a avaliação das crianças (processo - produto); os tempos de aprendizagem das crianças; a relação entre a teoria e a prática; a elaboração de atividades de Matemática para o ano de 2005, a cultura da escola, etc. O trabalho desenvolvido nesse grupo reflete as considerações colocadas por Sacristán em relação a importância da formação na escola. Sacristán (1988) diz que os momentos de formação na escola são decisivos para relacionar a teoria com a prática, para a reflexionar sobre a ação, porque é nesse espaço onde os problemas assumem dimensões reais e onde aparece o autêntico sentido, porque surgem os contrastes entre as idéias e as práticas. Gostaria de apresentar o movimento do grupo, trazendo algumas considerações elaboradas em forma escrita pelas suas integrantes, escritas que dão conta do sentido que têm para elas este espaço de formação: É neste grupo, apesar de participar de outros dentro da UE, onde tenho maior autonomia, liberdade de expressão e necessidade de fundamentação teórica para justificar, rever e ampliar minha prática (RIZZO, 2004:1). Sinto que ainda há muito a estudarmos visando garantir cada vez mais formação necessária ao cumprimento do educar, a qual escolhamos, mas sinto também que cada uma de nós vem crescendo s se superando em vários aspectos, inclusive no medo de se expor, seja falando em público, escrevendo ... (REOLÓN, 2004:3). A preocupação deste grupo é de crescimento mútuo, trocas constantes de saberes. Existe união profissional, que faz com que as práticas sejam re-pensadas e melhoradas com as discussões e relatos de experiências previas vividas pelos integrantes (ARAÚJO, 2004:1). A leitura dos textos individuais nos mostrou as diferentes vivencias de cada uma em relação ao grupo, o que o grupo está trazendo para cada integrante, e também nos mostrou definitivamente que cada uma de nós “fala desde lugares diferentes”, mas que o que sustenta o grupo é o nosso compromisso (CHALUH, 2004:3). Estes fragmentos foram retirados dos escritos elaborados pelas integrantes do grupo, quando foi decidida a participação - pela primeira vez - em um encontro com outros educadores com o objetivo de poder socializar as ações realizadas a partir da constituição do GA. Assim o grupo participa do II Seminário Fala (Outra) Escola, na Faculdade de Educação da UNICAMP, seminário promovido pelo Grupo de Estudos e 9 Pesquisas em Educação Continuada, GEPEC. No resumo apresentado pelo grupo e publicado no Caderno de Resumos do II Seminário Fala Outra Escola, aparecem algumas pistas sobre o foco e a preocupação do grupo: Diante do desafio do trabalho com a heterogeneidade, sentíamos a necessidade de refletir, trocar experiências e ampliar nossos conhecimentos sobre os processos de aprendizagem de nossos alunos, e de identificar quais as concepções que norteavam nossas ações, tanto no trabalho individual como no coletivo (Caderno de Resumos, 2004:27) Nesse mesmo resumo explicitam-se alguns resultados: Apresentamos alguns dos resultados iniciais desse movimento que podem ser percebidos por meio do aproveitamento do processo de alfabetização das turmas das 1as. séries A e B, dos projetos desenvolvidos pela 2a. série A, que associa o prazer da leitura aos espaços da biblioteca e informática, e da 2a. série B, que desenvolve o letramento por meio do projeto de pesquisa em ciências (2004:27). Antes de iniciar o percurso do GA no ano de 2005, é necessário lembrar algumas considerações sobre o TDI - referido anteriormente. O espaço de TDI, dentre outras características, é considerado um espaço para o atendimento dos alunos, para tirar dúvidas, para reforço ou para recuperação paralela. As crianças que segundo as professoras precisam de outros tempos para aprender, além do da sala de aula, têm a possibilidade de estar com a sua professora fora do horário escolar para trabalhar sobre o processo da aprendizagem dos alunos. Retomo estas considerações sobre o TDI porque nas primeiras reuniões do GA do ano de 2005, as professoras das 1as. séries comentaram uma experiência que vivenciaram no final do ano de 2004, quando tiveram que compartilhar a mesma sala (lembrando que a escola é pequena) no momento de dar “reforço” para os seus alunos. A partir dessa experiência conjunta, as duas professoras colocaram a importância de considerar a possibilidade de efetivar alguma mudança em relação a como vinha sendo desenvolvido o TDI na escola. Aparece assim um novo desafio para o grupo. A situação narrada pelas professoras das 1as séries e a leitura e socialização, por parte de uma das professoras da 1ª. série, do livro de Weisz e Sanches “O diálogo entre o ensino e a aprendizagem”, no qual explicitam-se experiências conjuntas entre professores na escola, mobilizaram a discussão do grupo acerca de pensarem outras alternativas para esse espaço de TDI. Em função disso, no GA foi discutida a importância de resgatar o trabalho conjunto das professoras no espaço e tempo destinado para “reforço”, assim o TDI deixaria de ser um momento solitário da professora com os seus alunos. Algumas das 10 considerações apontadas iam no sentido de valorizar o que um outro – uma colega poderia estar olhando e contribuindo em relação à aprendizagem dos meus próprios alunos? Quais seriam as estratégias promovidas pela colega quando colocada em situações semelhantes às que eu vivencio? Qual seria a atitude dos alunos quando colocados para realizar uma atividade com uma outra professora? Apareceu assim a importância do “olhar das outras colegas”, como fundamental tanto para enriquecer o trabalho das colegas, como para favorecer a aprendizagem dos alunos. As discussões acontecidas no GA relacionadas com possíveis mudanças no TDI promoveram um trabalho conjunto por parte das professoras. O trabalho conjunto das professoras de 1as e 2as séries possibilitou a constituição de uma nova experiência, tanto para os alunos como para as professoras. O TDI passa a ser substituído pelo que passou a se chamar de Grupo de Apoio. O Grupo de Apoio inicia as suas atividades nos primeiros meses do ano letivo de 2005. Dentre as ações desenvolvidas pelo Grupo de Apoio importa destacar: o trabalho conjunto das professoras no momento do planejamento (considerando as especificidades e necessidades de cada uma das crianças), a busca de material didático específico para o grupo de alunos que iriam atender nesses encontros; o rodízio dos alunos ao realizar as suas atividades. Sobre a organização do trabalho pedagógico dentro do Grupo de Apoio, primeiro foram consideradas as dificuldades manifestadas pelas crianças que seriam atendidas nesses encontros e em função disso, as professoras definiram quais os eixos com os quais cada uma delas iria estar trabalhando. A organização espacial da sala de aula no Grupo de Apoio, dá conta de uma sala organizada por cantos. As professoras decidiram que no primeiro trimestre de 2005, o Grupo de Apoio iria organizar atividades para os alunos das 2as séries, no segundo trimestre atenderia ao alunos das 1as séries e no terceiro trimestre iria ser avaliado o espaço e definir quais seriam os alunos que participariam (foi decidido que seriam alunos tanto de 1ª como de 2ª série). Se bem o Grupo de Apoio focou nos dois primeiros trimestres a defasagem da leitura e a escrita, no último trimestre, foram incluídas também atividades de Matemática. Gostaria de apresentar as considerações elaboradas por uma das professoras do Grupo de Reflexão sobre Letramento e Alfabetização quando teve a possibilidade de apresentar a constituição do GA, as motivações que levaram à criação do Grupo de Apoio e as ações desenvolvidas no mesmo, em um dos Grupos de Trabalhos (GTs) de 11 Currículo. Esses GTs foram coordenados pela assessora do Departamento Pedagógico da SME no ano letivo de 2005. Importa lembrar que nesse ano assume uma nova gestão de governo em Campinas, e nesse novo contexto se dá inicio a discussões que tem como objetivo a reorientações curricular na rede. Uma das professoras de 1ª série, a orientadora pedagógica da escola e uma professora da 5ª série, participaram de um dos GTs referidos para apresentar algumas das ações que viam sendo desenvolvidas na escola. A continuação algumas considerações da professora da 1ª série: E foi neste espaço [GA] onde ocorreu a socialização do Curso de Letramento e Alfabetização promovido pela S.M.E. de 16/03/04 a 23/11/04, e da leitura do livro “O diálogo entre o ensino e a aprendizagem”, da Telma Weisz e Ana Sanchez, que surgiu a idéia do Grupo de Apoio, onde realizamos o atendimento dos alunos com defasagem na sua série, considerando suas necessidades específicas de aprendizagem, duas vezes por semana, por três horas fracionadas. Neste momento, os alunos de todas as turmas de 1ª e 2ª séries são subdivididos em quatro grupos, segundo suas necessidades, ficando cada professora com a turma com a qual acredita que pode trabalhar melhor. Portanto, cada professora fica com seus próprios alunos e com os das outras classes que estão tendo necessidades similares (RIZZO, 2005:1). O movimento do GA dá conta da importância colocada por Davini (1995) quem considera que os programas de formação e as políticas de educação continuada deveriam priorizar os processos comunicativos, o trabalho coletivo, porque esses espaços mostram-se como uma “estimulación permanente del trabajo en equipo, del fortalecimiento de los lazos cooperativos en la acción profesional y en el aceptar los propios límites en ‘mi’ explicación que pueden ser iluminados por la explicación del ‘otro’” (1995:131, destaques da autora). Davini nos aproxima da idéia dos próprios limites, da necessidade do outro para me complementar, e da idéia do inacabamento que encontramos em Paulo Freire (2001:153): “seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas”. No PPP do ano de 2005 da escola considera-se que uma questão mereceu muita atenção por parte dos educadores da escola, as dificuldades para poder gerenciar a heterogeneidade presente n cotidiano da sala de aula. Nesse sentido uma preocupação da escola é a busca por alternativas e estratégias diferenciadas em momentos diferentes para as crianças que precisam de outros tempos além do da sala de aula. Explicita-se claramente o conflito vivenciado na escola com o ingresso de crianças provenientes de escolas onde o sistema de avaliação prevê a progressão continuada. Esse fato levou aos 12 educadores da escola a refletir sobre quais as formas de atender a essas crianças em um sistema seriado. No mesmo documento faz-se referência às ações desenvolvidas a partir do GA em relação ao surgimento do Grupo de Apoio. Gostaria de resgatar aqui a importância dada no documento ao “olhar” que uma outra professora poderia ter sobre um aluno dela: professores das séries iniciais (1as. e 2as. séries) elaboraram uma proposta de vivenciar novas formas de organização de atendimento possibilitando aos alunos experimentar o trabalho de outras professoras e às professoras a "troca de olhares" sobre uma mesma criança (PPP, 2005: 23). Gostaria de resgatar a importância da constituição do Grupo de Apoio, a partir das discussões acontecidas no GA. Foi uma necessidade real das professoras a busca de alternativas dentro da escola para que as crianças tivessem um espaço diferente de reforço, no sentido de estar possibilitando outras relações, com outras crianças e com outras professoras. Por outro lado, gostaria de colocar que no GA são recorrentes as discussões sobre o sistema seriado da escola, fundamentalmente pelas implicações que esse sistema tem em relação à avaliação das crianças. As professoras têm que se enfrentar com o conflito gerado no processo de avaliação do aluno: levar em consideração o processo do aluno ou considerar o ponto no qual chegou o aluno desconsiderando os caminhos que ele percorreu? A questão que trago é que se bem a constituição do Grupo de Apoio não pretendia romper com o sistema seriado da escola, o surgimento do mesmo foi uma saída que o grupo de professoras procurou de modo oportunizar a algumas crianças, a possibilidade de ter outras vivencias em relação à sua aprendizagem. Importa dizer que os avanços das crianças a partir da participação no Grupo de Apoio, segundo as falas das professoras, foram muito significativos. As reflexões, as discussões, os trabalhos, e as ações surgidas a partir do Grupo de Reflexão sobre Letramento e Alfabetização, dá conta da idéia de Hargreaves (1998) quando o autor nos diz que as escolas têm que se constituir em lugares de trabalho dinâmicos para os professores, dispondo de tempo e recursos para desenvolver uma tarefa conjunta e condições para produzir mudanças coletivas. Outras ações desenvolvidas ao longo do ano letivo de 2005 foram: leitura de textos, análise de produção de crianças, análise de atividades desenvolvidas pelas professoras com os alunos nas suas salas de aula, análise de um livro elaborado a partir 13 de produções escritas dos alunos de uma escola de Ensino Fundamental da rede particular de Argentina, entre outras. Gostaria de focar a importância do trabalho em grupo, como lugar central para a formação de professores. Nesse sentido trago as considerações apontadas por Geraldi, Messias e Guerra (2000) quando apresentam o papel do grupo para Zeichner: o grupo oferece a vantagem de os professores poderem apoiar-se e contribuir para o conhecimento uns dos outros. Além disso, os professores vêem que os seus problemas não são só seus e têm relação com os dos outros professores ou com a estrutura das escolas e os sistemas educacionais (2000:259). Considero fundamental explicitar que para que a reflexão por parte do professor e do coletivo apareçam com força na escola é preciso garantir certas condições no ambiente de trabalho escolar. Paro (2002), que se preocupa com a gestão democrática da escola pública, enfatiza que ela deve implicar necessariamente a participação da comunidade. A esse respeito, ele diz, quando uso esse termo, estou preocupado, no limite, com a participação nas decisões. Isto não elimina, obviamente, a participação na execução; mas também não a tem como fim e sim como meio, quando necessário, para a participação propriamente dita, que é a partilha do poder, a participação na tomada de decisões (2002:16). Para finalizar, é preciso colocar que a escola onde está sendo desenvolvida esta pesquisa, favorece/promove a partilha de poder e a possibilidade de participar na tomada de decisões, condições que considero fundamentais para que as professoras assumam o seu lugar e sua própria formação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO. A. Espaço de Socialização: EMEF “Padre Francisco Silva”: comunicação apresentada na reunião do Grupo de Reflexão sobre Letramento e Alfabetização, Campinas, 2004. Notas prévias. Digitado. BASTOS, J. B. Gestão democrática da educação: as práticas administrativas compartilhadas. In:BASTOS, J. B. (org.). Gestão Democrática. Rio de Janeiro: DP&A: SEPE, 2001, 2 a. edição. CHALUH, L. N. 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