1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – ProPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO A EDUCAÇÃO BÁSICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, para a obtenção do grau de Mestre em Ciência Jurídica. Alex Faturi Delevatti Orientador: Prof. Dr. Marcos Leite Garcia Itajaí (SC), dezembro de 2006. 2 Esta Dissertação foi julgada APTA para a obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica e aprovada em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI. Dr. Marcos Leite Garcia Professor Orientador Dr. Paulo Márcio Cruz Coordenador Geral do Curso Apresentada perante a Banca Examinadora composta dos Professores: Dr. Marcos Leite Garcia Professor Orientador Presidente da Banca Dra. Daniela Cademartori Professora-Membro Titular da Banca Dr. Rodrigo Galvão Professor – Membro Titular da Banca 3 Aos meus pais, Natalin Delevatti Neto e Ana Maria Faturi Delevatti, pelo carinho, amor, apoio e o conforto que sempre me deram, pois tenho certeza que seus esforços para comigo resultaram na minha dedicação à cada fase de mais este degrau da minha vida. Aos meus irmãos Geovani Faturi Delevatti, sem o qual jamais teria realizado o presente curso, e Fabiani Faturi Delevatti pelo incentivo e apoio que sempre me foi dado. A minha querida companheira e grande amor, Vanessa Pivotto, pelo carinho, amor, amizade, compreensão nos momentos mais apreensivos desta etapa. Meu respeito e admiração pela confiança, apoio e comprometimento. Estarás sempre no meu coração. Eu Te Amo. Ao meu grande amigo e “irmão” Cléber Antônio Marchezan, pela confiança, apoio, amizade e incentivo que sempre me acolheu. Agradeço ao meu professor e mestre Dr. Marcos Garcia Leite, pela sua dedicação, disponibilidade e paciência, tendo em vista a enorme distância que nos cerca (Florianópolis/São Miguel do Oeste), demonstrou-me sua indiscutível competência. À professora Dra. Daniela Cademartori, minha mestre, a qual se dispôs a fazer parte da banca examinadora. Ao professor Dr. Rodrigo Galvão, que se dispôs a fazer parte da Banca Examinadora. Meu muito obrigado a todos. 4 SUMÁRIO Resumo..........................................................................................................................06 Abstract..........................................................................................................................07 Introdução......................................................................................................................08 1 O Direito Fundamental e a Educação Básica..............................................................12 1.1 Direitos Fundamentais: uma visão inicial................................................................12 1.2 Conceituação e Terminologia...................................................................................13 1.3 A noção e as Dimensões dos Direitos Fundamentais...............................................18 1.3.1 Os Direitos Fundamentais da Primeira Dimensão................................................24 1.3.2 Os Direitos Fundamentais da Segunda Dimensão................................................25 1.3.3 Os Direitos Fundamentais da Terceira Dimensão.................................................28 1.3.4 Os Direitos Fundamentais da Quarta Dimensão...................................................31 1.3.5 Os Direitos Fundamentais da Quinta Dimensão .................................................32 1.4 Algumas considerações em torno das Dimensões dos Direitos Fundamentais........33 1.5 Os Direitos Fundamentais e o Estado Social Democrático de Direito.....................37 1.6 A Aplicação Imediata dos Direitos Fundamentais...................................................40 2 O Direito à Educação no Constitucionalismo Brasileiro.. ......................................47 2.1 Considerações Gerais sobre a evolução do direito à educação nas Constituições Brasileiras.......................................................................................................................47 2.2 O Sistema Educacional Brasileiro............................................................................63 2.2.1 Fonte de Custeio da Educação e a Emenda Constitucional n. 14/96....................63 2.2.2 Do Conceito de Educação ao Direito à Educação................................................69 2.3 A Organização e Estrutura do Sistema Educacional Brasileiro............................73 2.3.1 A Educação Básica................................................................................................74 2.3.2 A Educação Superior.............................................................................................76 2.3.3 Modalidades de Ensino.........................................................................................77 5 2.4 Aspectos Relevantes da Educação...........................................................................78 3 A Interpretação Constitucional da Educação Básica como Direito Fundamental.....80 3.1 Educação como exercício pleno do direito de liberdade e instrumento de desenvolvimento............................................................................................................81 3.2 Eficácia das Prestações Positivas.............................................................................85 3.3 Justiciabilidade dos Direitos ligados a Educação.....................................................87 3.4 O Dever Educacional e a Responsabilidade da Família, da Sociedade e do Estado.............................................................................................................................94 3.4.1 Família e Educação...............................................................................................94 3.4.2 O Dever Educacional da Sociedade......................................................................96 3.4.3 Dever-Responsabilidade do Estado e os Princípios da Liberdade, Igualdade e Solidariedade como norteadores do Direito à Educação Básica....................................99 3.4.4. Igualdade de Condições para Acesso e Permanência na Escola........................104 3.4.5 Garantia de Qualidade e Valorização dos Professores.......................................106 Considerações Finais....................................................................................................108 Referências Bibliográficas...........................................................................................111 6 Resumo Esta dissertação de mestrado foi realizada sob a perspectiva dos direitos fundamentais, com o objetivo de analisar o direito à educação, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e com a meta de evidenciar que a efetiva popularização do conhecimento, através da universalização da educação básica, um direito social fundamental, advindo da personalidade humana, uma vez que traduz, de forma eficaz, uma educação que pode assegurar o pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e o exercício consciente da cidadania. Para tal desiderato, deve o Poder Público adequar os meios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, bem como a garantia da qualidade do ensino, perpassando pela valorização dos profissionais da área. Na investigação adotou-se o método indutivo, entendido como aquele que parte do particular para o geral, associado às técnicas de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, categorias, conceitos operacionais e o referente, cujo resultado é a verificação que dentre os direitos sociais prestacionais, especificamente no direito à educação, quanto ao acesso para o ensino básico na escola pública, existe um direito subjetivo do titular, independente de qualquer mediação legislativa. 7 ABSTRACT The right to the basic education was consecrated in the social and basic text constitutional Brazilian as right, of subjective public law, obligator and gratuitous. However, if it has seen a lack of the pertaining to school education, and consequent a social exclusion that submits the Country to a system of impossibility of adequate development. As effect, constitutional ruleses exist and infra-constitutional that they determine as to have of the State in materializing the universal access the education. Of this form, the present work has as target to evidence that the effective popularization of the knowledge, through the universalization of the basic education, being a basic social right, happened of the personality human being, translates, of efficient form, an education that can assure the full development of the person, its qualification for the work and the conscientious exercise of the citizenship. For such desideratum, the Public Power is necessary must adjust the ways of equality of conditions for the access and permanence in the school, as well as the quality assurance it education, passing for the valuation professional them of the area. 8 INTRODUÇÃO Muito se fala na violação dos direitos fundamentais, na exclusão das classes desfavorecidas da conquista efetiva desses direitos, os quais se referem a todos os integrantes de uma sociedade pertencente a um Estado Democrático de Direito, como o nosso. Os direitos fundamentais foram sistematizados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) da seguinte forma: no Título II tratado com o gênero de Direitos e Garantias Fundamentais, dividindo-se em: a) Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (art. 5o); b) Direitos Sociais (art. 6o a 11); e c) Da Nacionalidade e dos Direitos Políticos (art. 12 a 17). Como perspectiva de mudança desse quadro, através do qual deixa à margem os brasileiros que não conseguem ter seus direitos mínimos assegurados, dá-se ênfase ao Direito à Educação, previsto no art. 6o da CRFB/88, como direito fundamental, e principalmente como esperança motivadora para que a sociedade possa buscar a sua plenitude enquanto sujeitos de direitos. Assim, a educação deve ser prioridade e integralmente viabilizada ao ser humano. Tanto a educação quanto os direitos fundamentais são um tema fascinante. Muitos são os que discutem sobre a questão educacional, bem como a historicidade, desenvolvimento, a positivação e a materialização dos direitos fundamentais na ordem constitucional do País, propondo projetos, apostando em soluções para tentar diminuir a exclusão social que assola a sociedade brasileira e impede a legitimação da democracia. Assim é que esta pesquisa tem seu fundamento, na tentativa de contribuir para atenuar as conseqüências da avassaladora sociedade capitalista, a qual procura incessantemente o crescimento econômico pautado no ideal, maximização dos resultados e minimização dos custos, em detrimento do bem estar dos indivíduos levados à marginalização pelo enfraquecimento de sua formação pessoal, cultural, grau de informação, entre outros. Nesse sentido, a teoria não foi totalmente abandonada uma vez que serviu de instrumento para a compreensão das complexas questões que envolvem a matéria. 9 Considerando o conteúdo constitucional sobre o direito à educação e uma teoria adequada dos direitos fundamentais, houve a intenção de atribuir à investigação um enfoque teórico sobre questões práticas. Por isso, tudo o que se pretende demonstrar é que o direito à educação, sendo um direito fundamental, guarda contornos bem mais profundos, tendentes a criar oportunidades para àqueles que dela dispõem. E mais do que isso, o direito à educação que merece reflexões e o pensar, direcionamento deste trabalho, é o direito à educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio). E, no caso do Brasil, que se incumbiu do dever de propiciar a todos os seus nacionais o acesso à cidadania, esse dever constitucional passa naturalmente pelo ensino, aqui entendido a educação básica. Mas foi com a Carta Magna de 1988 que, finalmente, estruturou a educação como um direito fundamental, ou melhor, como um direito público subjetivo, nos termos do artigo 205, combinado com o artigo 208, parágrafo 1º ao estabelecer que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho”, e complementa, aduzindo que: “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. Reafirma-se que a presente investigação prioriza a garantia à educação básica como dever do Estado em materializar referido direito fundamental, e mais que esse direito público subjetivo, gratuito, precisa ter alcance universal, devendo o órgão estatal propiciar meios para sua proteção e efetivação, para que todos os cidadãos tenham igualdade de condições já no ponto de partida, transformando em demandantes de seus direitos fundamentais. A educação desprovida de qualquer sentido prático conduz a uma falha que atrasa cada vez mais o Brasil, à medida que outros países evoluem a passos largos na popularização do conhecimento. 10 Esse atraso decorre da mentalidade redentora do período pós-ditadura, que considerou a educação como apenas um direito da população. Sendo direito, e aí reside o problema, significa colocar a criança na escola. Estando na escola, o direito está conferido e para a maioria dos pais e cidadãos o dever está cumprido. A educação não é apenas um direito, é a riqueza de um país, uma ferramenta indispensável à inclusão social e ao desenvolvimento da nação. Sendo assim, a educação precisa ser moldada de forma a atingir sua configuração ideal para que sirva sua função e realize seu valor. Caso contrário pode ser inútil ou até perniciosa ao Estado. O direito à educação básica também se acha fundado no princípio da igualdade, que se encontra no art. 3º, III, in fine, da Constituição Federal. Para que as desigualdades sociais sejam de fato reduzidas, é necessário que todos tenham iguais oportunidades. É notório que no âmbito educacional as desigualdades são latentes, pois as escolas públicas de primeiro e segundo graus, na grande maioria, nem de longe se comparam com as escolas privadas. Portanto, sem liberdade fática não se reduz a desigualdade social. O que se tenta pregar é que a educação não é somente algo que todos têm direito, mas um meio pelo qual se formam cidadãos. É nessa perspectiva que este estudo pretende trazer alguma contribuição. Não há pretensão de se esgotar o assunto, até mesmo em razão da complexidade de cada tópico. Mas como propósito, procura-se enfatizar o conteúdo constitucional sobre o direito à educação básica, consagrado como direito fundamental, ressaltando que cabe ao Poder Público adequar os meios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, bem como a garantia de qualidade do ensino, perpassando pela valorização dos profissionais da área, proporcionando mais igualdade e humanidade à sociedade e tornando os cidadãos mais íntegros. 11 As regras metodológicas foram atendidas naquilo que se apresentam como úteis, utilizando para tanto o método indutivo. Nesse sentido, a disposição dos capítulos ficou dividas em três partes. No primeiro capítulo, encontra-se uma revisão teórica com apontamento das questões sobre a origem, a conceituação, desenvolvimento e positivação dos direitos fundamentais apoiados na idéia do Estado Social Democrático de Direito, culminando com a identificação do direito à educação básica como sendo um direito fundamental. No segundo, capítulo tem-se o direito à educação no Constitucionalismo brasileiro. É uma revisão do conteúdo sobre o direito à educação que foi disciplinado nas Constituições do Brasil, incluindo como se consolidou o sistema educacional brasileiro, amparado pela fonte de Custeio da Educação e a Emenda Constitucional n. 14/96. O último capítulo versa sobre a interpretação constitucional da educação básica como direito fundamental, abordando o valor da liberdade no exercício dos direitos fundamentais, a qual somente é possível com o desenvolvimento da pessoa, que se concretiza com a formação de sua personalidade, por meio da eficácia das prestações positivas. E por fim, destaca-se o papel preponderante do Estado, suplementarmente apoiado pela sociedade e a família, no sentido de garantir as prestações positivas, pautados no dever-responsabilidade do Poder Público frente aos princípios de liberdade, igualdade e solidariedade, norteadores do direito à educação básica no Brasil. 12 1 DIREITO FUNDAMENTAL E O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA Pode-se afirmar de forma clara e completa que a educação é um direito de todos, sendo fundamental o seu acesso para obter-se o pleno desenvolvimento da pessoa e, para que tenha uma vida de qualidade e aptidão para o exercício da cidadania. Nesses termos, também, é possível compreender o significado e a dimensão do direito à educação, e a consciência dessa importância poderá fazer com que o direito educacional deixe de ser uma pretensão de alcance para uma efetivação desse direito mais compatível com suas necessidades. Mais precisamente, o que se propõe na presente investigação, é a caracterização do direito à educação básica como direito fundamental. Consolidado está ser este um direito fundamental. No entanto, a dimensão atual em que se encontra esse direito, positivado na Carta Política, como direito fundamental, público, gratuito, obrigatório e subjetivo, tem seu avanço ligado diretamente às lutas pelos direitos humanos e pela emancipação dos povos, bem como reflete o progresso democrático possível. Nesse sentido, faz-se necessário uma visão inicial dos direitos fundamentais, expressão a qual vem sendo amplamente difundida na literatura constitucional pátria que tem por escopo legar significado ao conjunto dos direitos subjetivos que se encontram consagrados na Constituição. 1.1 Direitos Fundamentais: uma visão inicial Os direitos fundamentais na sua concepção hodierna são resultados da construção da valorização do ser humano a partir do iluminismo. O que se objetiva, nesse momento, é traçar 13 a conceituação e a terminologia, trazer uma breve historicidade dos direitos fundamentais, culminando com sua força normativa de aplicação imediata. 1.2 Conceituação e Terminologia Nessa parte cabe estabelecer algumas considerações preliminares acerca de que se busca um consenso sobre da delimitação conceitual e da definição terminológica dos direitos fundamentais. Para tanto, é relevante iniciar destacando que a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem, justamente, no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem1. Consoante Gregório Peces Barba2, a gênese dos Direitos Fundamentais se dá no mundo moderno. Afirma o autor: (...) o trânsito à modernidade é um momento revolucionário, de profunda ruptura, mas ao mesmo tempo importantes elementos de sua realidade já se anunciavam na Idade Média, e outros elementos tipicamente Medievais sobrevieram ao fim da Idade Média, neste trânsito à modernidade e até o século XVIII, aparecerá a filosofia dos direitos fundamentais, que como tal, é uma novidade histórica do mundo moderno, que tem sua gênese no trânsito à modernidade, e que, por conseguinte, participa de todos os componentes desse trânsito já sinalizados, ainda que sejam novos, os especificamente modernos, os que lhe dão seu pleno sentido. Assim, direitos fundamentais é um conceito histórico do mundo moderno que surge a partir do trânsito à modernidade, e, segundo o autor espanhol, a expressão direitos fundamentais é: 1) Una pretensión moral justificada, tendente a facilitar independencia personal, enraizada em las ideas de libertad matices que aportan conceptos como solidaridad y seguridad por la reflexión racional em la historia del mundo moderno, 1 la autonomia y la e igualdad, con los jurídica y construída con lãs aportaciones SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 42 PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de Derechos Fundamentales: Teoria General. p. 04. 2 14 sucesivas e integradas de la filosofia moral y política liberal, democrática y socialista. 2) Un subsistema dentro del sistema jurídico, el Derecho de los derechos fundamentales, lo que supone que la pretensión moral justificada sea técnicamente incorporable a uma norma, que pueda obligar a unos destinatarios correlativos de lãs obligaciones jurídicas que se desprenden para que el derecho sea efectivo, que sea susceptible de garantia o prtotección judicial, y, por supuesto que se pueda atribuir como derecho subjetivo, libertad, potestad o inmunidad a unos titulares concretos. 3) En tercer lugar, los derechos fundamentales son una realidad social, es decir, actuante en la vida social, y por tanto condicionados en su existencia por factores extrajurídicos de carácter social, económico o cultural que favorecen, dificultan o impiden su efectividad. A si el analfabetismo, dimensión cultural, condiciona la libertad de prensa; y los progresos de la técnica em un determinado momento de la cultura científica, por ejemplo com los progresos de lãs comunicaciones, condicionan la ideia de la inviolabilidad de la correspondencia; o la escasez de bienes puede condicionar o impedir, tanto la existencia de una pretensión moral a la propiedad por el imposible contenido igualitario, cuanto la de una norma jurídica por la imposible garantia judicial3. Em suma, a expressão direitos fundamentais visa a transmitir significado ao conjunto dos direitos subjetivos que têm assento, expresso ou não, na Constituição, a qual serve de fundamento e alicerce do Estado. Importa considerar que a problemática da conceituação dos direitos fundamentais toma acento ainda maior quando os mesmos podem ser vistos sob duas perspectivas, quanto a sua fundamentalidade, quais sejam formal e a material. Por meio da primeira entende-se fundamental todo direito reconhecido e consagrado no texto da Lei Maior; enquanto na segunda, entendem-se como fundamentais aqueles direitos, que embora fundamentais, não constam do catálogo da Constituição, decorrente da não taxatividade dos direitos fundamentais, podendo sempre surgir novos direitos decorrentes de novas carências, individuais, sociais, coletivas e/ou difusas. Segundo Sarlet4 podem ser compreendidos como fundamentalidade formal e material da seguinte forma: A fundamentalidade formal contra-se ligada ao direito constitucional positivo e resulta dos seguintes aspectos, devidamente adaptados ao nosso direito constitucional pátrio: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos 3 4 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de Derechos Fundamentales: Teoria General. p. 109/112. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p 86/87. 15 fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, de tal sorte que neste sentido - se cuida de direitos de natureza supralegal; b) na qualidade de normas constitucionais, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF), cuidando-se, portanto (pelo menos num certo sentido) de direitos pétreos, muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo Constituinte; c) por derradeiro, cuida-se de normas diretamente aplicáveis e que vinculam de forma imediata às entidades públicas e privadas (art. 5°, § 1°, da CF). A fundamentalidade material, por sua vez, decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elemento constitutivo da Constituição material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade. Inobstante não necessariamente ligada à fundamentalidade formal, é por intermédio do direito constitucional positivo (art. 5°, § 2°, da CF) que a noção da fundamentalidade material permite a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes de seu texto e, portanto, apenas materialmente fundamentais, assim como a direitos fundamentais situados fora do catálogo, mas integrantes da Constituição formal. 185 ainda que possa controverter-se a respeito da extensão do regime da fundamentalidade formal a estes direitos apenas materialmente fundamentais. Portanto, uma conceituação de cunho genérico pode ser depreendida também da lição de Sarlet, que propõe um conceito aberto de direitos fundamentais de modo que permita adaptação no direito constitucional positivo, assim direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo)5. Quanto à questão terminológica entre Direitos Naturais, Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Garantias Fundamentais são expressões que convergem e divergem tanto na doutrina quanto no direito positivo. A nossa opção na seara terminológica se dá pelos “direitos fundamentais”, no entanto, não justifica uma omissão quanto às outras terminologias, mesmo que seja realizada de forma sumária. 5 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 89. 16 Segundo Maliska6 Durante muito tempo dominou, no mundo jurídico, a idéia de que os direitos humanos não seriam direitos, mas aspirações, ideais da sociedade. Essa questão parece encontrar justificativa, dentre outras, na compreensão dos direitos humanos como “supra-direitos”, direitos de índole internacional e não integrantes da ordem jurídica interna. A utilização da expressão “direitos humanos” tanto para os direitos resultantes de pactos internacionais, como para os direitos constantes das Constituições, de certa forma também contribuiu para tais equívocos. Não é, portanto, por acaso, que a doutrina tem alertado para a heterogeneidade, ambigüidade e ausência de um consenso na esfera conceitual e terminológica, inclusive no que se refere ao significado e ao conteúdo de cada termo utilizado7. O próprio texto constitucional de 1988 faz uso da diversidade semântica, com termos diversos para se referir aos direitos fundamentais, como por exemplo, no art. 4º, inciso II, utiliza a expressão “direitos humanos”; “direitos e garantias fundamentais”, na epígrafe do Título II e art. 5º, §1º. Nesse contexto, é de importante relevância a distinção entre os termos referidos, para situar no que concerne a um conceito adequado, que possa abranger as diferenças entre as expressões “direitos naturais” “direitos humanos”, “direitos fundamentais” e “garantias fundamentais”. Para tal distinção, inicialmente, faz-se uso da lição de Sarlet8 ao afirmar que Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). 6 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 42/43. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 33 8 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 335/36 7 17 Então, em primeiro lugar, é mister ficar clara a diferença entres os direitos humanos (aqueles consagrados no plano internacional) e direitos fundamentais (aqueles consagrados no âmbito constitucional interno de cada Estado). Igualmente importante é a diferença entre direitos fundamentais, direitos humanos e direitos naturais. Aqueles, já se encontram definidos, estes, ou seja, direitos naturais, segundo Canotilho9, como o nome indica, eram inerentes ao indivíduo e anteriores a qualquer contrato social. Assim, os chamados direitos naturais partem da idéia de que o homem nasceu livre e, portanto, todos são iguais por natureza, não existindo a sua positivação, tendo por base o ideal elaborado pelo jusnaturalismo, no sentido de que no estado de natureza, os direitos naturais do homem assumem uma dimensão pré-estatal, e, para alguns, até mesmo supra-estatal10. Por fim, cabe elucidar as garantias, que para Canotilho11, traduzem-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade. Como garantias fundamentais, previstas na Carta Política do Brasil, podem-se citar o mandado de segurança individual e coletivo, habeas corpus, habeas data, mandado de injunção, ação civil pública, ação popular, dentre outros. Assim, essas garantias fundamentais foram elevadas à condição de normas jurídicas diretamente aplicáveis, e, portanto, capazes de gerar efeitos jurídicos. Em face dessas constatações, verifica-se que as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais” reproduzem significados distintos, especialmente, quanto ao plano da positivação, e por outro lado, o direito natural se afirma como direitos dos indivíduos, inalienáveis e sagrados. Uma vez expressos e reconhecidos tais direitos dispõem-se de medidas assecuratórias que surgem em defesa dos direitos, as garantias fundamentais. 9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. p. 388. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 36. 11 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. p. 390. 10 18 Reconhecer a diferença, contudo, não significa desconsiderar a íntima relação entre os direitos humanos e direitos fundamentais, uma vez que a maior parte das Constituições do segundo pós-guerra se inspirou na Declaração Universal de 194812. As diferenças procuram, no âmbito desta investigação, muito mais delimitar os conceitos que aqui serão utilizados, até porque não poderia ser afastada a fundamental influência da contribuição que os direitos humanos conferiram aos direitos positivados na esfera interna de cada Estado, e em especial a Declaração Universal de 1948. Assim, convém repetir que os direitos fundamentais têm sua origem com as Constituições, nas quais são reconhecidos e positivados, e mesmo que haja outras dimensões, é sob esse aspecto que serão analisados ao longo deste estudo. 1.3 A noção e as Dimensões dos Direitos Fundamentais Após ter conceituado direitos fundamentais, cabe a localização dos mesmos no tempo, com a sua lenta evolução, que tem o seu conhecimento tributado à longa formulação histórica, paulatinamente originados de lutas em detrimento de antigos padrões de exercício de poder. Ao tentar discorrer sobre a origem, a natureza e a evolução dos direitos fundamentais ao longo dos tempos, apesar de ser um tema fascinante, demandaria, sem dúvida nenhuma, um trabalho específico para tanto. Nosso objetivo, contudo, é apenas de referir alguns aspectos que julgamos essenciais para propiciar uma adequada compreensão da dimensão e da relevância dos direitos fundamentais. Como afirmado anteriormente, o processo de formação do ideal dos direitos fundamentais, essencial para a fundamentação dos direitos, é iniciado à época do trânsito à modernidade, na qual uma nova mentalidade, impulsionada pelo humanismo e pela Reforma, caracterizar-se-á pelo individualismo, pelo racionalismo e o processo de secularização. 12 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 38. 19 Concretamente, a Reforma protestante, com a ruptura da unidade eclesial, gerarou o pluralismo religioso e a necessidade de uma fórmula jurídica que evite as guerras por motivos religiosos. Nesse espaço a tolerância, precursora da liberdade religiosa, será o primeiro direito fundamental13. Exatamente a partir desse contexto de mudanças na sociedade, evidentemente, que no ocidente é que começa a surgir e delinear-se o conceito dos direitos fundamentais entendidos, em seu início como direitos naturais, graças à contribuição do iusnaturalismo racionalista14. Assim, cuidar-se-á, nessa etapa, de destacar alguns momentos que influenciaram o reconhecimento, a nível do direito constitucional positivo desses direitos, no dizer de Bobbio15 o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas. Somente a partir do reconhecimento e da consagração dos direitos fundamentais pelas primeiras Constituições é que assume relevo a problemática das assim denominadas “gerações” (ou dimensões) dos direitos fundamentais, visto que umbilicalmente vinculada às transformações geradas pelo reconhecimento de novas necessidades básicas, de modo especial em virtude da evolução do Estado Liberal (Estado formal de Direito) para o moderno Estado de Direito (Estado social e democrático [material] de Direito)16. Contudo, esses direitos históricos emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação. Nesse parâmetro, cabe salientar que as diretrizes pretendidas sobre a abordagem de cunho histórico são de forma sumária. 13 MARTÍNEZ, Gregório Peces-Barba. Curso de Derechos Fundamentales: Teoria General. p. 7-8 e 53-122. GARCIA, Marcos Leite. Trânsito à Modernidade e Processo de Formação do Ideal dos Direitos Fundamentais. p. 93. 15 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 1. 16 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 43 14 20 O jusnaturalismo é uma teoria que quer fundamentar a validade de todo o direito e para tanto se faz valer de que enquanto homem, esse possui direitos, que ninguém lhe pode deduzir. Baseia-se na crença do direito natural. Wieacker17 comenta que: O próprio direito natural é, por um lado, uma questão permanente do homem teórico acerca do seu lugar na sociedade e, como tal, uma filosofia social; mas, por outro lado, é uma tradição cultural que se mantém desde os inícios da filosofia helenística até a actualidade. Uma exposição como a nossa só tem a ver com as manifestações históricas dessa tradição que, desde o início, procurou as leis imutáveis e válidas em geral da vida em comum dos homens, sobretudo dos direitos e deveres dos indivíduos na sociedade. Essas manifestações históricas baseadas na crença do direito natural passam por uma nova visão, jusnaturalismo racionalista (jusracionalismo), a partir do qual há uma ruptura religiosa, e conseqüente humanização, com a instituição de regras positivadas do Direito Penal e Direito Processual Penal e limitação do Estado e, consequentemente, ocorre a laicização do direito natural. O novo ideal decorre de lutas políticas e ideológicas comuns a toda a Europa, tendo como precursores e fundadores Hugo Grotius, Samuel Pufendorf, Chrisian Thomasius, John Locke, dentre outros. No entanto, Grocio é considerado o fundador por excelência dessa nova ideologia do direito natural, conforme classifica Franz Wieacker18, ao passo que para Hugo Grotius, ainda que Deus não existisse, o homem é titular do direito natural. Contudo, a partir de Grotius e a nova intenção do jusnaturalismo, ou seja, a partir do jusracionalismo, há a emancipação em relação à tradição teológica, passando a concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos alienáveis e invioláveis. Aos pensadores que seguiram esse novo ideal cabe trazer a lição de Locke19: Para entender bem o poder político e derivá-lo de sua origem, deve-se considerar em que estado se encontram naturalmente todos os homens; e esse é um estado da perfeita liberdade de regular as próprias ações e de dispor das próprias posses e das 17 WIEACKER, Franz. A época do Jusracionalismo. In _____. História do Direito Privado Moderno. p. 280/281. 18 WIEACKER, Franz. A época do Jusracionalismo. In _____. História do Direito Privado Moderno. p. 303, 304; e 315 e seguintes. 19 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo. p. 4. 21 próprias pessoas como se acredita melhor, nos limites da lei de natureza, sem pedir demissão ou depender da vontade de nenhum outro. Nessa parte, as idéias dos contratualistas, nas quais se insere John Locke, a doutrina jusnaturalista chega a seu ponto culminante de desenvolvimento. Exurge, apoiada no iluminismo, o jusracionalismo, no qual o direito natural era expressão da natureza racional do homem, tendo como valor fundamental a dignidade humana. Locke, ao reconhecer os direitos naturais como inalienáveis e invioláveis do homem (vida, liberdade, propriedade, resistência), estendeu inclusive a possíveis ofensas oriundas do detentor do poder e, com o contrato social, a sociedade civil era o princípio legitimador do governo. Nesse contexto, com a possibilidade da sociedade organizar o Estado por meio da razão e da vontade popular demonstra sua vinculação ao individualismo, lançando assim, as bases do pensamento individualista e do jusnaturalismo iluminista do século XVIII, que, por sua vez, desaguou no constitucionalismo e no reconhecimento de direitos de liberdade dos indivíduos considerados como limites ao poder estatal20. Quando se passa para a esfera do individualismo significa dizer que a preocupação primordial é a do indivíduo, o qual tem valor em si mesmo, depois vem o Estado, ou seja, temse o ponto de vista dos direitos dos cidadãos frente ao Estado, a individualização da sociedade. Para Bobbio21, essa transformação vai consolidando o direito de resistência à opressão, o qual pressupõe um direito ainda mais substancial e originário, o direito do indivíduo a não ser oprimido, ou seja, a gozar de algumas liberdades fundamentais. Esses direitos foram recepcionados por um legislador na Reforma Protestante, nas Declarações de Direitos Inglesas (1628), o Bill of Rigths (1689), como resultado da Revolução Gloriosa, nas Declarações de Direitos dos Estados Norte-Americanos e, posteriormente, na Declaração de direitos do povo da Virgínia (1776) e por fim na Revolução Francesa de 1789, tendo, sua positivação máxima na Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, 20 21 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. p. 122/123. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 4. 22 assim, a afirmação dos direitos do homem não é mais expressão de uma nobre exigência, mas o ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos no sentido estrito da palavra, isto é, enquanto direitos positivos ou efetivos22. O processo de reconhecimento dos direitos fundamentais na esfera do direito positivo, apresenta-se na segunda fase da evolução histórica dos direitos humanos, e como aponta Perez Luño23, o processo e elaboração doutrinária dos direitos humanos, tais como reconhecidos nas primeiras declarações do século XVIII, foi acompanhado, na esfera do direito positivo, de uma progressiva recepção de direitos, liberdades e deveres individuais que podem ser considerados os antecedentes dos direitos fundamentais. Bobbio24 encerra as fases da caminhada histórica dos direitos humanos e fundamentais, após a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, afirmando que: a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nelas contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. Assim, o desenvolvimento e reconhecimento dos direitos humanos por meio dos processos de conversão em direito positivo, e de sua generalização e internacionalização, culmina justamente na esfera interna de cada Estado Soberano, ou seja, se concretiza na positivação na seara constitucional do Estado de Direito. Sarlet25 chama a atenção para um aspecto importante na ampliação dos direitos fundamentais destacando: ... para a circunstância de que a evolução no campo da positivação dos direitos fundamentais, recém-traçada de forma sumária, culminou com a afirmação (ainda que não em caráter definitivo) do Estado de Direito, na sua concepção liberal22 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 29 LUÑO, Antonio-Enrique Perez. Los Derechos Fundamentales. p. 33. 24 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 30. 25 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 52 23 23 burguesa, por sua vez determinante para a concepção clássica dos direitos fundamentais que caracteriza a assim denominada primeira dimensão (geração) destes direitos. É mister salientar que o elenco dos direitos fundamentais se modificou e continuará a se modificar com as alterações das necessidades socais. Assim, as diversas dimensões dos direitos fundamentais têm significativa importância nas etapas de sua positivação nas esferas constitucional e internacional. É importante frisar que o aparecimento de sucessivas dimensões de direitos fundamentais foi determinado justamente pela mutação histórica destes direitos. Pela relevância da discussão terminológica, tanto na doutrina nacional como internacional, quanto a utilização do termo “geração” ou “dimensão”, citando como autores internacionais Perez Luño, Gregório Peces-Barba, e nacional Ingo Sarlet, não há como negar que os direitos fundamentais são progressivos, cumulativos e complementam um ao outro e, não de alternância. Nesse contexto, a terminologia “geração” traz uma falsa interpretação de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, muito embora, é sabido que tais direitos são cumulativos e se fortalecem, além de surgirem novos direitos ao mesmo tempo em que há desenvolvimento da sociedade. Então, para evitar a errônea interpretação terminológica e pelo fato de que a doutrina moderna também o aceita, aqui será optado pelo termo dimensão em detrimento do termo geração. Agora, para uma adequada compreensão da importância e das funções dos direitos fundamentais, impõe-se um breve relato sobre esta temática, primando pela apresentação das características de cada uma das dimensões dos direitos fundamentais. 24 Assim, far-se-á uma digressão histórica da moderna concepção dos direitos fundamentais no que se refere ao seu conteúdo, contextualização de época, importância e fontes legais institucionalizadas. 1.3.1 Os Direitos Fundamentais da Primeira Dimensão Os direitos de primeira dimensão, fundamentais para a tradição das instituições político-jurídicas da modernidade ocidental, apareceram ao longo dos séculos XVIII e XIX como expressão de um cenário histórico marcado pelo ideário do jusnaturalismo secularizado, do racionalismo iluminista e do capitalismo concorrencial. Socialmente, o período consolida a hegemonia da classe burguesa, que alcança o poder por meio das chamadas revoluções norteamericana (1776) e francesa (1789)26. Segundo Lafer27, essa dimensão é caracterizada pelo cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. Assume relevo no rol desses direitos, pela inspiração jusnaturalista, o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, à segurança e a resistência às diversas formas de opressão. Complementando o rol destes direitos Bedin28 classifica-os: a) as liberdades físicas (direito de ir e vir, segurança individual, inviolabilidade de domicílio; direito de reunião, de associação); b) as liberdades de expressão (liberdade de imprensa, de livre manifestação do pensamento e opinião e ao sigilo de correspondência); c) liberdade de consciência (consciência filosófica, política e religiosa); d) o direito de propriedade privada; e) os direitos da pessoa acusada (reserva legal, presunção de inocência e devido processo legal); f) as garantias dos direitos (direito de petição, habeas corpus e mandado de segurança). 26 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. p. 7. 27 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humano. p. 126. 28 BEDIN, Gilmar Antônio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. p. 43 a 56. 25 Esses direitos individuais, civis e políticos, surgem no contexto da formação do constitucionalismo político clássico, que sintetiza as teses do Estado Democrático de Direito, da teoria da tripartição dos poderes, do princípio da soberania popular e da doutrina da universalidade dos direitos e garantias fundamentais29. São direitos inerentes à individualidade, tidos como atributos naturais, inalienáveis e imprescritíveis. Logo, depara-se com o chamado status negativus visando, em regra, a defender a esfera de direitos dos cidadãos perante a intervenção do Estado, são por esse motivo, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, nesse sentido, “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado” 30. São, portanto, direitos de abstenção do Estado, de não intervenção deste, consequentemente, limitando consideravelmente seus poderes. Em suma, caracterizam o direito de liberdade dos indivíduos frente ao ente estatal. Quanto às fontes legais institucionalizadas, os direitos de primeira dimensão surgiram e foram proclamados nas célebres Declarações de Direitos da Virgínia (1776) e da França (1789). Da mesma forma, tais direitos e garantias são positivados, incorporados e consagrados pela Constituição Norte-Americana de 1787 e pelas Constituições Francesas de 1791 e 197331. Destaca-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela primeira assembléia de homens, em agosto de 1789, na França, constitui o documento fundamental para a constituição dos direitos fundamentais. Em suma, cuida-se dos direitos civis e políticos, os quais constituem a fase inicial do desenvolvimento dos direitos fundamentais na esfera constitucional dos países europeus. 29 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. p. 7. 30 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 517. 31 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. p. 8. 26 1.3.2 Os Direitos Fundamentais da Segunda Dimensão O avanço para a proteção social do indivíduo a partir de positivação de normas e a obrigação de prestar algum tipo de socorro ou assistência ao indivíduo, seja de forma humanitária ou por meio de rede de proteção social patrocinada pelo Estado, consiste, para Bobbio32, em uma nova dimensão de direitos. Enquanto na primeira dimensão dos direitos fundamentais, o carecimento de direitos encontrava-se na liberdade do indivíduo, nessa fase, a necessidade de tutelar outras demandas alastra-se para o campo dos direitos econômicos, sociais e culturais, advindos de novas aspirações sociais. Isso, segundo Sarlet33 se deve, pois o impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. Nessa etapa da carência de direitos fundamentais, a nota distintiva desses direitos está no status positivus do Estado, representado pelos direitos dos cidadãos às prestações necessárias ao desenvolvimento pleno da existência individual, baseado no princípio da igualdade. Nobre Júnior34 constata que as precárias condições de subsistência impostas aos operários por força da autonomia da vontade, amparadas na pseudo idéia de igualdade, então dominante, passaram a exigir do Estado uma mudança de posição, consistente no abandono do absenteísmo frente às relações econômicas que vinculam os cidadãos. Assim, seguindo o mesmo autor, nascem daí os direitos sociais, ou direito de prestação, no sentido de assegurar aos indivíduos melhores condições de vida social e econômica. Ao 32 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 36 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 55. 34 NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Direitos Fundamentais e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. p. 18/19. 33 27 invés de uma abstenção do Estado, tal complexo de direitos requer deste, ações positivas para a sua real implementação em prol da coletividade. Esses direitos passam a dotar o ser humano, além de condições materiais minimamente necessárias ao exercício de uma vida digna, obrigando o Estado a fazer-se presente mediante prestações que venham a proteger o ser humano de injunções dessas necessidades mínimas que pudessem tolher a dignidade de sua vida, estabelecem outorga aos cidadãos direitos a prestações sociais estatais, mediante políticas públicas efetivas condizentes com a carência social diretamente relacionada com a assistência social, saúde, educação, trabalho, dentre outras. São os direitos sociais, econômicos e culturais, direitos fundados nos princípios da igualdade e com alcance positivo, pois não são contra o Estado, mas ensejam sua garantia e concessão a todos os indivíduos por parte do poder público35. Na contextualização histórica dos direitos de segunda dimensão está presente o surto do processo de industrialização e os graves impasses sócio-econômicos, presentes no século XIX e as primeiras décadas do século XX. Destaca-se como principal direito fundamental de segunda dimensão o direito à educação, o qual também serve para legitimar os direitos de liberdade no sentido de que é fundamental para que os cidadãos saibam seus direitos e saibam escolher seus representantes, da mesma maneira tem-se outro exemplo clássico no qual o analfabeto não poderia exercer seu direito de liberdade de imprensa, de informação, entre outros36. No entanto, é lamentável a situação do Brasil, pois carece de implementação de direitos sociais, sem uma mínima igualdade de condições. 35 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. p. 8. 36 GARCIA, Marcos Leite. A leitura de Karl Marx dos Direitos do Homem e do Cidadão e suas conseqüências para a teoria contemporânea dos Direitos Humanos. p. 16. 28 Contudo, essa fase foi outorgada ao indivíduo mais do que direitos de prestação positiva, ao passo que também consagrou as liberdades sociais, como por exemplo, a liberdade sindical, direito à greve, bem como estabelecem direitos fundamentais do trabalhador, tais como direito a férias e ao repouso semanal remunerado, garantia do salário mínimo, a limitação da jornada laboral, citando apenas alguns. Oportunamente Paulo Bonavides37 alerta que esses direitos fundamentais são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, e no que distinguem dos clássicos direitos de liberdade e igualdade formal, nasceram “abraçados ao princípio da igualdade”, entendido no sentido material. Isso quer dizer que dentre todos os avanços alcançados com os direitos fundamentais da segunda dimensão está a consagração do princípio da igualdade material. Quanto às fontes legais institucionalizadas, encontram-se positivadas na Constituição Mexicana de 1917, na Constituição Alemã de Weimar de 1919, na Constituição Espanhola de 1931 e na Carta Constitucional do Brasil de 1934. Por fim, ressalta-se que muito embora esses direitos sejam considerados direitos sociais também se reportam ao individual, ou seja, não podem ser confundidos com os direitos coletivos/difusos38 da terceira dimensão. 1.3.3 Os Direitos Fundamentais da Terceira Dimensão O desenvolvimento dos direitos fundamentais avança. Dos direitos à liberdade e dos direitos sociais caminha para a consideração do homem como parte integrante de uma coletividade, surgem, então, os direitos fundamentais da terceira dimensão, conhecidos como direitos de solidariedade ou de fraternidade. 37 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 518. Por direito difuso entende-se os transidividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Art. 81, § único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor. (Lei nº 8.078/90). 38 29 Para Lafer39, os direitos fundamentais dessa dimensão trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação) e, caracterizando-se, conseqüentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. São os direitos metaindividuais40, direitos coletivos e difusos41, direitos de solidariedade. Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão, cumpre destacar os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Sarlet42 assevera o seguinte: a nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao próprio Estado e à Nação (direitos autodeterminação, paz e desenvolvimento) tem suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais. Compreende-se, portanto, porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transidividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação. 39 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. p. 131 Os direitos metaindividuais, sob o ponto de vista subjetivo (ou seja, quanto à sua titularidade), se caracterizam pela indeterminação dos titulares dos interesses, indeterminação. Do ponto de vista objetivo, tais direitos se caracterizam pela sua indivisibilidade, ou seja, a satisfação ou lesão do interesse não se pode dar de modo fracionado para um ou para alguns dos interessados e não para outros. (SAUWEN, Regina F.; HRYNIEWICZ, Severo apud WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. p. 10 41 A distinção entre direitos difusos e coletivos nem sempre fica muito clara, podendo-se dizer que o critério subjetivo os diferencia. Os direitos difusos centram-se em realidades fáticas, “genéricas e contingentes, acidentais e mutáveis” que engendram satisfação comum a todos, enquanto os direitos coletivos envolvem interesses comuns no interior de organizações socais, de sindicatos, de associações profissionais etc. (SAUWEN, Regina F.; HRYNIEWICZ, Severo apud WOLKMER, Antônio Carlos. p. 10). 42 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 57. 40 30 Wolkmer43 complementa afirmando que: as transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, a amplitude dos sujeitos coletivos, as formas novas e específicas de subjetividade e a diversidade na maneira de ser em sociedade têm projetado e intensificado outros direitos que podem ser inseridos na “terceira dimensão”, como os direitos de gênero (dignidade da mulher, subjetividade feminina), os direitos da criança, os direitos do idoso (terceira idade), os direitos dos deficientes físico e mental, os direitos das minorias (étnicas, religiosas, sexuais) e os novos direitos da personalidade (à intimidade, à honra, à imagem). Percebe-se, assim, que os direitos fundamentais não são voltados ao indivíduo, de per si, mas sim levantam a bandeira em prol da coletividade, visando a resguardar regras, até então somente de cunho moral, como a solidariedade e a fraternidade. Não basta proteger o ser humano como indivíduo e sim proteger o grupo, a família, o povo, a nação. Nascem direitos cujos titulares não se consegue individualizar, pois pertencem às coletividades ou ao direito difuso. No que tange às fontes legais institucionalizadas, pode-se citar, em termos de legislação nacional, a Lei da Ação Civil Pública nº 7.347/85, a Constituição Federal de 1988 (direitos não-expressos ou atípicos, art. 5º, §2º), no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, e no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90. Contrário àqueles que entendem existir uma quarta dimensão de direitos fundamentais Sarlet44 tece o seguinte comentário: verifica-se, contudo, que boa parte destes direitos em franco processo de reivindicação e desenvolvimento corresponde, na verdade, a facetas novas deduzidas do princípio da dignidade da pessoa humana, encontrando-se intimamente vinculados à idéia da liberdade-autonomia e da proteção da vida e outros bens fundamentais contra ingerências por parte do Estado e dos particulares. Com efeito, cuida-se, no mais das vezes, da reivindicação de novas liberdades fundamentais, cujo reconhecimento se impõe em face dos impactos da sociedade industrial e técnica deste final de século. Na sua essência e pela sua estrutura jurídica de direitos de cunho excludente e negativo, atuando como direitos de caráter preponderantemente 43 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas p. 10/11. 44 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 58. 31 defensivo poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados às exigências do homem contemporâneo. Ainda, que haja discordância entre os doutrinadores sobre as diversas dimensões dos direitos fundamentais, há de se referir à intenção de se adotar uma quarta e quinta dimensão, mas, também há de se ressaltar que carecem ainda de materialização, tanto na esfera internacional quanto na esfera constitucional interna dos Estados. 1.3.4 Os Direitos Fundamentais da Quarta Dimensão São os “novos” direitos referentes à biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia genética. Trata dos direitos específicos que têm vinculação direta com a vida humana, como a reprodução humana assistida (inseminação artificial), aborto, eutanásia, cirurgias intra-uterinas, transplantes de órgãos, engenharia genética (“clonagem”), contracepção e outro45. Assim, a proposta de uma quarta geração de direitos consiste, de fato, no reconhecimento de uma nova fase dos direitos fundamentais, diversa das fases anteriores, abandonando a roupagem daquelas dimensões, as quais primavam pelos direitos individuais, passando-se, agora, para o manto social, com o fim de estabelecer direitos fundamentais de ordem coletiva/difusa. É imperioso destacar que o desenvolvimento desenfreado da Genética e Biotecnologia, emergidos a partir do final do século XX, projetam grandes e desafiadoras discussões no sentido de manter o padrão ético das pesquisas biomédicas e o estabelecimento de limites jurídicos para regulamentar e proteger com efetividade os procedimentos adotados nessa verdadeira revolução tecnológica além de limitar e controlar as condutas práticas para que não haja ameaça ao ser humano. 45 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas. p. 12. 32 Resta observar que esses “novos” direitos advindos da biotecnologia e de engenharia genética necessitam prontamente de uma legislação regulamentadora e de uma teoria jurídica (quer no que tange à aceitação de novas fontes, quer no que se refere às novas interpretações e às novas práticas processuais) capaz de captar as novidades e assegurar a proteção à vida humana46. Dessa forma, ao que tange a afirmação ou não dos direitos de quarta dimensão e, ainda, alguns já aduzem direito de quinta dimensão, 47 fica o assente de que, justamente acabam por referir direitos que, apesar de novos em se considerando o momento de seu reconhecimento, em princípio representam novas possibilidades e ameaças, à privacidade, liberdade, enfim, novas exigências da proteção da dignidade da pessoa humana. Quanto às fontes legais institucionalizadas, que podem viabilizar fundamentos da quarta dimensão é a Lei Brasileira de Biossegurança nº 11.105/2005, Lei de Doação de Órgãos nº 9.434/97, além de vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre clonagem, reprodução humana assistida e eutanásia. 1.3.5 Direitos Fundamentais da Quinta Dimensão Para àqueles que entendem existir uma quinta dimensão de direitos fundamentais, farse-á a interpretação de Wolkmer, que denomina que os “novos direitos” são os advindos das tecnologias de informática (internet), do ciberespaço e da realidade virtual em geral. Ainda segundo Wolkmer, 48 a passagem do século XX para o novo milênio reflete uma transição paradigmática da sociedade industrial para a sociedade da era virtual. É extraordinário o impacto do desenvolvimento da cibernética, das redes de computadores, do comércio eletrônico, das possibilidades da inteligência artificial e da vertiginosa difusão da 46 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas p. 14. 47 OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades. Teoria Jurídica e Novos Direitos. p. 97 e ss. 48 WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. In. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas uma visão básica das novas conflituosidades jurídicas p. 15. 33 internet sobre o campo do Direito, sobre a sociedade mundial e sobre os bens culturais do potencial massificador do espaço digital. Esse universo de expansão da rede de microcomputadores e seus meios de transmissão abrem a perspectiva para que se denomine a quinta dimensão dos direitos fundamentais ao mesmo tempo em que o direito acelere, na criação de normas, a ciência da informática, buscando tutelar direitos com a privacidade, a informação e os diversos tipos penais decorrentes da ação via rede (internet). Quanto às fontes legislativas sobre o tema, tendo em vista que o controle do espaço virtual da informática é extremamente recente, as mesmas, são escassas, destacando-se a existência de inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, principalmente, sobre as sanções aplicáveis em determinadas violações pessoais, tais como a pornografia e a violência por meio das mensagens eletrônicas e da internet. Nesse contexto, a discussão sobre a existência ou não de quarta ou até mesmo quinta dimensão deve ficar restrita ao âmbito didático/doutrinário, sendo que a noção dessas esferas está estreitamente vinculada à complexidade e heterogeneidade inerentes ao processo histórico da permanente construção e reconstrução dos direitos fundamentais. 1.4 Algumas considerações em torno das Dimensões dos Direitos Fundamentais As diversas dimensões que marcam a evolução do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, passam pela esfera do direito constitucional interno. A evolução se processa de forma mais significativa na transmutação de novas exigências valorativas do ser humano, provocadas por reivindicações das classes. Nesse sentido, é possível concordar com Bobbio, 49 para quem Os direitos do homem (...) são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos 49 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 5. 34 poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...). Nascem quando devem ou podem nascer. No entanto, não se pode olvidar da lição de Brandão50, o qual afirma que não pode ser aplicada aos “novos” direitos de terceira, quarta e quinta dimensão, pois os direitos civis, políticos e sociais que se constituem presentemente não possuem o mesmo conteúdo ou significado histórico de quando foram reconhecidos e positivados nos séculos XVIII, XIX e nas primeiras décadas do século XX. Há de se ponderar que a luta e a consciência pelos direitos enunciados por Brandão é anterior, ainda que a positivação não tenha ocorrido. Mesmo que se deva concordar com a ponderação de Brandão, no sentido de que a divisibilidade dos direitos em dimensões (gerações), assim como as demais tipologias elaboradas relativamente aos direitos fundamentais não logra, por si só, explicar de modo satisfatório toda a complexidade do processo de formação histórica e social dos direitos51 não hesita-se em consignar que o breve olhar lançado sobre as diversas dimensões dos direitos fundamentais revela que o seu processo de reconhecimento é de cunho essencialmente dinâmico e dialético, marcado por avanços, retrocessos e contradições52 e, além de ser didático é explicativo. Neste particular, é importante constatar que os direitos fundamentais são, acima de tudo, frutos de reivindicações concretas, geradas por situações de injustiça e/ou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano53 e, representa um espaço histórico, um processo, um caminho de invenção permanente54. 50 BRANDÃ, Paulo de Tarso. A Tutela Judicial dos “novos” direitos. apud. WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. p. 26. 51 BRANDÃ, Paulo de Tarso. A Tutela Judicial dos “novos” direitos. apud. WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos Fundamentos de uma Teoria Geral dos “Novos Direitos”. p. 26 52 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. RCEC nº 10. apud SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 60/61. 53 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 61. 54 CLÈVE, Clémerson Merli. Temas de Direito Constitucional. p. 127. 35 Impende destacar que a afirmação e conquista de direitos demandam do valor atribuído às necessidades essenciais de cada época. Dessa forma, a priorização de necessidades se estabeleceu na liberdade individual, na Europa Ocidental do século XVIII, na participação política no século XIX, e por maior igualdade econômica e qualidade de vida no século XX. Ao passo que o objeto das necessidades históricas destina-se sempre à proteção da vida, da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana. A estrutura das necessidades humanas que permeia o indivíduo e a coletividade perpassa pelas diversas dimensões que marcam a evolução do processo de reconhecimento dos direitos fundamentais. Por conseqüência, as situações de necessidade e carência, bem como as mudanças e o desenvolvimento no modo de viver da coletividade determinam anseios, desejos e interesses que transcendem as dimensões dos direitos, fazendo com que surjam exigências contínuas diante das novas condições de vida e das diferentes prioridades conferidas pela sociedade. Com efeito, para lembrar de alguns exemplos mais habituais, que constituem a razão motivadora e a condição de possibilidade do aparecimento de novos direitos e, conseqüentemente, novos dimensões dos direitos fundamentais, faz-se referência ao crescente e incontrolável controle do indivíduo por meio de recursos da informática (internet), avanços científicos com técnicas de investigação (clonagem, reprodução assistida), bem como a degradação do meio ambiente. Além disso, Sarlet55 destaca que cumpre reconhecer que alguns dos clássicos direitos fundamentais da primeira dimensão (assim como alguns da segunda) estão, na verdade, sendo revitalizados e até mesmo ganhando em importância e atualidade, de modo especial em face das novas formas de agressão aos valores tradicionais e consensualmente incorporados ao patrimônio jurídico da humanidade, nomeadamente da liberdade, da igualdade, da vida e da dignidade da pessoa humana. Continua, afirmando que 55 SARLET. Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 61-63. 36 aspecto que igualmente merece destaque diz com as efetivas dificuldades de proteção e implementação que caracterizam boa parte dos direitos fundamentais da segunda e da terceira dimensões, apontando para a necessidade de alternativas não exclusivamente extraídas do ordenamento jurídico, além da revisão e adaptação dos mecanismos jurídicos tradicionais. Além disso, a evolução dos direitos fundamentais revela que cada vez mais sua implementação em nível global depende de esforços integrados (por isso, direitos da solidariedade e fraternidade) dos Estados e dos povos. Nesse ínterim, mesmo em se considerando a controvérsia em torno da contribuição ou não da evolução histórica dos direitos fundamentais, enquadradas em dimensões e da mesma forma no que tange ao reconhecimento de quarta e quinta dimensões, não há como descuidar da relevância tanto da classificação dimensão como, em níveis de primeira a quinta, para o progresso da sociedade. Portanto, a divisão histórica dos direitos fundamentais em dimensões traz os lastros de abrangência desses direitos, legitimados pela consensualidade dos sujeitos sociais, de acordo com a carência material em cada período da história mundial para reconhecimento e garantia da dignidade da pessoa humana. Bobbio56 sustentava que como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, forma propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não- impedimento, mas positivamente, como autonomia - tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências - podemos mesmo dizer, de novos valores -, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado. Portanto, é pertinente a tentativa de classificar os direitos fundamentais atento nas chamadas dimensões de direitos. Outro argumento que pode ser encontrado está no fato de que as exigências sociais nascem somente quando nascem determinados carecimentos. Novos carecimentos nascem em função da mudança das condições 56 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 32/33. 37 sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los57. Enfim, o processo evolutivo histórico dos direitos fundamentais ocorre de forma ininterrupta os quais encontram sua fundamentação na afirmação constante das necessidades humanas específicas, sempre baseadas nos novos valores sociais, em cada época de evolução da sociedade, tendo como norte as chamadas dimensões dos direitos fundamentais, apoiadas no âmbito do Estado Social Democrático de Direito. 1.5 Os Direitos Fundamentais e o Estado Social Democrático de Direito As linhas revolucionárias do século XVIII trouxeram como paradigma o papel desempenhado pelos direitos fundamentais no âmbito do Estado constitucional e Estado de Direito. Assim, os direitos fundamentais têm ligação direta com a formação do Estado Social Democrático de Direito58. As revoluções sociais que antecederam o Estado Social de Direito pugnavam por direito a todos os cidadãos, fato que o sistema liberal, até então dominante, estabelecia uma exploração capitalista, individualista, fazendo com que grande parcela da sociedade ficasse destinada à marginalização. Nesse sentido, era necessário adaptar uma nova estrutura política e jurídica frente às novas necessidades sociais que propiciassem um desenvolvimento técnico, social e econômico. A correção do individualismo clássico por meio da aplicação dos chamados direitos sociais, como uma realização de objetivos da justiça social, ou seja, a instituição do bem estar como direito. 57 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 7. Os elementos caracterizadores do Estado Social Democrático de Direito, conforme Carlos Ari Sundfeld são: a) criado e regulado por uma Constituição; b) os agentes públicos fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e respondem pelo cumprimento de seus deveres; c) o poder político é exercido, em parte diretamente pelo povo, em parte por órgãos estatais independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros; d) a lei produzida pelo Legislativo é necessariamente observada pelos demais Poderes; e) os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos, podem opô-los ao próprio Estado. Em termos sintéticos, o Estado Democrático de Direito é a soma e o entrelaçamento de: Constitucionalismo, república, participação popular direta, separação de Poderes, legalidade e direitos (individuais e políticos). SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 53. 58 38 Nessa linha de evolução, surge o Estado Social de Direito em detrimento do Estado Liberal, que segundo Elias Diaz59 concibiéndose este como fórmula que, através de uma revisión y reajuste del sistema, evite los defectos del Estado abstencionista liberal y, sobre todo, del individualismo que lê servía de base, postulando planteamientos de carácter social. Ainda, seguindo o autor espanhol, nesse sistema aparecem os direitos sociais que ... paraleamente actúa como meta la consecución de um bienestar social que configura precisamente al Estado social de Derecho como Welfare State y como Estadi material de Derecho, frente al carácter meramente formal, que, no muy fundamente, se atribuye a la fórmula institucional del liberalismo. Trátase del intento loable de convertir em derecho positivo viejas aspiraciones sociales, elevadas a la categoria de princípios constitucionales protegidos por las garantias del Estado de Derecho60. Assim, são características e exigências próprias de todo o Estado Social de Direito, um império de leis, formalizadas por um órgão popular representativo, com a separação e distribuição de poderes com garantia dos direitos e liberdades fundamentais. Para tanto, é necessário um órgão estatal adequado para materializar esta função imediatamente diretiva da atividade econômica e social. Vale ressaltar a lição de Maliska61 A noção de Estado Social Democrático de Direito, amplamente difundida nas Constituições do segundo pós-guerra, está intimamente vinculada aos direitos fundamentais. A compreensão do que seja, portanto, esses direitos fundamentais é condição para se buscar um Estado e, neste sentido, também uma sociedade, ambos baseados no princípio democrático. Quando as constituições elaboram, em seus primeiros artigos, os fundamentos do Estado e da sociedade, estes somente alcançam efetividade social mediante a concretização dos postulados normativos referentes aos direitos fundamentais. São, portanto, os direitos fundamentais o caminho para se consolidar esse ideal a ser buscado. A idéia de Estado Social Democrático de Direito encontra respaldo na Constituição de 1988, o que para Sarlet é indissociável à vinculação entre os direitos fundamentais e às noções 59 DIAZ, Elias. Estado de Derecho y sociedad democrática. p. 95. DIAZ, Elias. Estado de Derecho y sociedad democrática. p. 96. 61 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 46. 60 39 de Constituição e Estado de Direito. Segundo Sarlet, os direitos fundamentais podem ser considerados conditio sine qua non do Estado. Os direitos fundamentais, além de constituírem função limitativa do poder, são critérios de legitimação do poder estatal e, neste sentido, da própria ordem Constitucional, na medida em que o poder se justifica pela realização dos direitos do homem e que a idéia de justiça é, hoje, indissociável de tais direitos62. A adequada compreensão da noção desse Estado (Estado Social Democrático de Direito) – em que o Direito deve ser visto como instrumento de transformação social - é que ele se caracteriza pela necessidade de que os direitos fundamentais precisam de atividades positivas do Estado, ou seja, direitos que não dependem apenas de uma abstenção do Estado, no sentido de não-intervenção na esfera da liberdade pessoal do indivíduo, mas sim uma postura ativa dos Poderes Públicos no sentido de disponibilizar aos indivíduos prestações de natureza jurídica e materiais. É neste contexto, que assume relevo a lição de Ferrajoli63, no sentido de que todos os direitos fundamentais equivalem a vínculos substanciais que condicionam a validade substancial das normas produzidas no âmbito estatal, ao mesmo tempo em que expressam os fins últimos que norteiam o moderno Estado constitucional de Direito. A questão é de determinar o conteúdo da noção de Estado Social Democrático de Direito dentro do Direito Constitucional, tema audacioso demais para o presente trabalho, sendo que, aqui, a idéia é trazer uma breve reflexão, no sentido de redefinir o papel do Estado em decorrência das exigências impreteríveis de uma necessária ação desse na prestação de direitos sociais. Neste ponto, cabe lembrar o que escreve Sundfeld64 acerca dos direitos sociais: em primeiro plano, aparecem os chamados direitos sociais, ligados, sobretudo à condição dos trabalhadores: garante-se o direito ao salário mínimo, restringe-se em nome da proteção do economicamente fraco - a liberdade contratual de empregadores e empregados. De outro lado, o indivíduo adquire o direito de exigir 62 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 68/69. FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias: la ley del más débil. p. 22. 64 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. p. 54. 63 40 certas prestações positivas do Estado: o direito à educação, à previdência social, à saúde, ao seguro-desemprego e a outros mais. Outro aspecto que caracteriza a noção de Estado Social Democrático de Direito é a noção de democracia, ou seja, o constante controle do povo na organização civil do Estado. Assim, o Estado de direito democrático tem de estar estruturado na ordem de domínio legitimada pelo povo, nesse sentido Canotilho65 esclarece que: a teorização do Estado de direito democrático centrou-se até aqui em duas idéias básicas: o Estado limitado pelo direito e o poder político estatal legitimado pelo povo. O direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é o poder do povo que reside no território do Estado ou pertence ao Estado. Observa-se que para a existência de uma democracia e de um Estado há necessidade de possibilitar ao cidadão condições mínimas para que seja educado, alimentado, e para que mantenha sua dignidade. Portanto, para que se tenha democracia, como modelo ideal de uma sociedade, é necessário que o Estado propicie igualdade de oportunidades a todos os seus cidadãos, sem isso não há que se pensar em democracia. Com base nas idéias aqui pontuadas de forma sumária, há como sustentar que os direitos fundamentais sociais constituem exigências emergentes para o Estado, devendo, este, concretizar o exercício efetivo das liberdades e garantias de oportunidades, inerentes à materialização do princípio da dignidade da pessoa humana, constituindo como condição de existência e medida de legitimidade de um autêntico Estado Democrático de Social de Direito, tal qual como consagrado e positivado no direito constitucional brasileiro. 1.6 A aplicação Imediata dos Direitos Fundamentais O legislador pátrio teve o cuidado de zelar para que situações essenciais à proteção da dignidade da pessoa humana não ficassem apenas no aspecto formal, no sentido de depender de atuação do legislador para concretizar determinada norma. Assim, para que os direitos fundamentais previstos na Constituição não sofressem neutralização, ou seja, para evitar que tais direitos ficassem limitados, quanto a sua tutela, ao livre arbítrio do legislador ficou 65 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. p. 231 41 determinado que as normas atinentes aos direitos fundamentais tivessem aplicação imediata, sendo preceptivas. Nesse sentido, o §1º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 que, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Isso tem por conseqüência que o executor dos direitos fundamentais deverá atuar para extrair da norma constitucional a sua máxima efetividade. A interpretação do artigo mencionado leva a consideração da aplicabilidade das normas constitucionais, que no âmbito nacional destaca-se José Afonso da Silva. Assim, serão reproduzidos apenas alguns tópicos que interessam a presente pesquisa. Quanto ao dispositivo Constitucional mencionado, Afonso da Silva66 escreve que por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta. O autor traz dois conceitos – eficácia contida e aplicabilidade imediata; e eficácia limitada e aplicabilidade indireta – os quais precisam ser compreendidos para sua reflexão. Além disso, classifica as normas constitucionais quanto à sua eficácia: a) normas constitucionais de eficácia plena67; b) normas constitucionais de eficácia contida68; e c) normas constitucionais de eficácia limitada69. 66 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 81. Conforme José Afonso da Silva: As normas de eficácia plena são todas as que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. São normas de aplicabilidade direta, imediata e integral. In. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 182. 68 Conforme José Afonso da Silva: As normas de eficácia contida são aquelas que "incidem imediatamente e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. São normas de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral. A aplicabilidade destas normas não fica condicionada a uma normação ulterior, mas fica dependente dos limites (daí: eficácia contida) que ulteriormente se lhe estabeleçam mediante lei, ou de que as circunstâncias restritivas, Constitucionalmente admitidas. In. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 82-116. 69 Conforme José Afonso da Silva: Já as normas de eficácia limitada não produzem, com a simples entrada em 67 42 Portanto, as normas constitucionais de eficácia plena não precisam de complementação legislativa, tanto constitucional como infra-constitucional, para entrarem em vigor, pois estão em plenas condições de surtir seus efeitos essenciais, como exemplo, cita-se o art. 206, IV (confere o direito de fruir da gratuidade do ensino e de exigi-la caso o estabelecimento oficial a viole); art. 5º, XV (direito de ir e vir), entre outros. Não se pode olvidar da cláusula de que as normas dessa categoria de norma de aplicação imediata e direta, não se exaurem nas disposições constitucionais, mas sim tem alcance a todas as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais com a garantia da imediata aplicabilidade. Quanto às normas constitucionais de eficácia contida, essas precisam de atuação ativa do legislador ordinário de modo a possibilitar a sua eficácia numa legislação futura, como exemplo cita-se o art.5º, XXV, perigo público iminente; art. 5º, XXIII e XXIV necessidade ou utilidade pública, função social, interesse social; etc. Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada, para sua aplicação, dependem de legislação complementar ou de atuação estatal sob forma de programas de governo, cita-se como exemplo de norma de eficácia limitada é a do art. 143, §1º. da CF/88. Cabe ressaltar que Afonso da Silva70 observa que não estão referidos, neste tópico, nem o direito à educação, nem o direito à saúde, porque em ambos os casos, a norma institui um dever correlato de um sujeito determinado: o Estado – que, por isso, tem a obrigação de satisfazer aquele direito. vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. In. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 82/83. 70 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 150. 43 A questão aqui discutida exige considerar o alcance e a aplicação da norma estatuída no art. 5º, §1º da CF/88. Quanto à questão de que o dispositivo estaria reduzido às normas do art. 5º, é afastado de plano, sendo aplicados a todos os direitos e garantias fundamentais, na integralidade das normas constantes no Título II, estendendo assim os direitos políticos, os direitos sociais, direitos difusos e, não apenas aos direitos e garantias individuais e coletivos. Quanto à aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais, estão adstritos às classificações acima transcritas da obra de José Afonso da Silva, no que tange a eficácia dos direitos fundamentais. Assim, há de se ressaltar em que sentido ocorre a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais. Ferreira Filho entende que essas normas não podem atentar contra a natureza das coisas, ou seja, pretender que uma norma incompleta seja aplicada é desejar uma impossibilidade, ou forçar a natureza que, rejeitada, volta a galope, como disse o francês71. Ao passo que, nesse sentido, boa parte dos direitos fundamentais somente alcançaria eficácia nos termos e na alcance da lei. Nesse ponto, destaca-se que as normas fundamentais precisam ser apreciadas e adequadas aos fins por ela visados, portanto, implica a realização efetiva dos resultados buscados pelas próprias normas. É relevante assentar que em todo dispositivo constitucional haverá de ser reconhecido um conteúdo mínimo cuja aplicação não poderá ser recusada. Portanto, a norma do §1º do art. 5º da Constituição Federal impõe ao Estado o dever de, imediatamente, trazer condições materiais para as normas relativas aos direitos e garantias fundamentais. No entanto, há de se lembrar a distinção, antes afirmada, de que existem normas que não estão em condições de, sem a intervenção do legislador, gerar a plenitude de seus efeitos, e em contrapartida, existem normas que não reclamam ato de natureza concretizadora para que 71 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. p. 100. 44 possam ser imediatamente aplicáveis, ao passo que Sarlet sustenta que a previsão constitucional do §1º do art. 5º é de cunho principiológico e verdadeira espécie de mandado de otimização ou (maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais72. Para Canotilho73 Os direitos, liberdade e garantias são regras e princípios jurídicos, imediatamente eficazes e atuais, por via direta da Constituição e não através da auctoritas interpositivo do legislador. (...) não são meras normas para a produção de outras normas, mas sim normas diretamente reguladoras de ralações jurídico-materiais. Note-se que se esta idéia de aplicabilidade direta significa uma normatividade qualificada, nem sempre os direitos, liberdades e garantias dispensam a concretização através das entidades legiferantes. Desse modo, a questão não encontra problemas quanto aos direitos que requerem uma prestação negativa do Estado, mas sim quando se está diante de direitos que necessitam uma prestação positiva do Estado, pois o princípio implica, fundamentalmente, que os órgãos públicos não podem alegar a inexistência de regulamentação específica para coibir ou recusar o exercício de algum direito. Nesse compasso, Maliska realça o alcance das normas de direitos e garantia fundamentais, ao aduzir que no entanto, tendo em conta que o direito, na essência, é "determinável, por via de interpretação, ao nível Constitucional - o que torna a prestação legislativa, além de obrigatória, vinculada - e, no plano dos fatos, a circunstância de se tratar de < <serviços> > essenciais e, por isso, desde sempre e por definição assegurados pelo Estado (administração eleitoral, polícias, etc.), podemos concluir que também neste domínio os preceitos constitucionais podem ser diretamente aplicados, porque não faltará lei.74 Desse modo, impõe aos Poderes Públicos conferir a máxima e imediata efetividade a todos os preceitos que conferem direitos e garantias fundamentais, sendo, portanto, prerrogativas do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário estabelecer os 72 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 245. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 578. 74 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 117. 73 45 elementos mínimos indispensáveis que lhe assegurem aplicabilidade. Quanto à aplicação imediata dos direitos fundamentais, nosso objetivo se reporta aos direitos sociais, mais precisamente no que concerne ao direito à educação, onde justamente, a problemática de sua aplicação imediata é posta à baila com maior freqüência, tendo em vista que constitui um autêntico direito positivo, a legitimar a pretensão do cidadão a determinadas prestações estatais ou de particulares, não mais se assemelhando aos direitos de liberdade, antes se cuidando de direitos cuja precisa dimensão pende da intervenção do legislador. O direito à educação surge como direito social e típico direito fundamental de prestação, quando a CF em seu art. 6º dispõe que: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. No entanto, entre os direitos sociais o direito à educação e o direito à saúde assumem características especiais, uma vez que a Constituição de 1988 definiu ambos como dever do Estado. Por este fundamento, o direito à educação e o direito à saúde não se tratam de um programa, mas de um dever que, em caso de não cumprimento, revela-se um desrespeito ao direito, ou seja, um descumprimento da norma. Maliska75 ao tratar sobre o direito à educação destaca que tal direito assume condição especial, afirmando que quanto ao direito à educação, uma situação que também caracteriza-o de maneira especial em meio aos demais direitos sociais diz respeito à qualidade de direito subjetivo público no ensino obrigatório. Portanto, neste aspecto, deve-se considerar que o Estado tem o dever, tem a obrigação jurídica de oferecer e manter o ensino público obrigatório e gratuito. Trata-se do mínimo em matéria de educação. Como corolário desta obrigação jurídica, o cidadão, 75 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito a Educação e a Constituição. p. 120. 46 em virtude da falta de atitude, por parte da administração pública, para tentar solucionar a inexistência de vagas nas escolas, pode recorrer ao Judiciário para requerer a matrícula. No que tange aos diversos aspectos jurídicos e constitucionais, que envolvem o direito fundamental à educação serão tratados nos capítulos que seguem, numa tentativa de buscar compreender o texto constitucional relativo a matéria, bem como verificar a efetividade desse direito no ordenamento interno. Como um primeiro passo para atingir tal objetivo, iniciar-se-á com uma breve digressão histórica do direito à educação no constitucionalismo no Brasil, culminando, estabelecendo como se consolidou o sistema educacional brasileiro. 47 2 EVOLUÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO Não basta saber ler e escrever, quando não se tem conhecimento daquilo que se lê e escreve. Assim, certo é que o homem só se torna completo quando a potencialidade do saber concretiza-se no ato do conhecimento. No entanto, a preocupação com o desenvolvimento econômico do país cegou os legisladores, governos e a sociedade brasileira sobre a fundamental influência da educação de um povo para alcançar o almejado crescimento econômico, impedindo, dessa forma, o incremento da educação popular como ação pública para proporcionar o desenvolvimento do País. Nesse âmbito, somente em 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, elevou-se o direito à educação ao seu nível de relevância fundamental, quando a Carta Magna trouxe novas propostas e novos ideais universalizando a educação como direito fundamental, estabelecendo uma série de garantias à sua efetividade. No entanto, foi longa a evolução ocorrida com o direito à educação até chegar ao patamar de direito fundamental. Nesse sentido, impende traçar o caminho gradativo e histórico, como se fosse uma revisão do conteúdo sobre o direito, que foi sendo disciplinado nas Constituições do Brasil. 2.1 Considerações gerais sobre a evolução do direito à educação nas Constituições Brasileiras O grau de maturação atingido hoje pelo direito à educação, tido como direito fundamental do homem e por conseqüência denominado direito da personalidade, uma vez que é oriundo da própria personalidade do homem, foi lento e no sentido de manipular a classe menos favorecida da sociedade, mantendo-os submissos à classe detentora do poder econômico. A história da educação no Brasil teve início com os padres jesuítas, que, imbuídos da tarefa de cumprir o Regimento de 17 de dezembro de 1548, iniciaram a catequização dos 48 índios brasileiros. Os jesuítas representaram a única ação educadora do País até o ano de 1759, muito convindo a Portugal, vez que o ensino por eles ministrado dava grande ênfase ao respeito à autoridade, o que assegurava, sem dúvida, melhor submissão da colônia76. Com o apoio de Portugal, os jesuítas catequizaram os índios, ensinado-lhes o vernáculo com o objetivo de torná-los mais comunicativos com os portugueses, o que levou a desintegrar as culturas indígenas, fazendo imperar a cultura européia, integrando valores meramente humanistas, em detrimento das atividades artísticas, técnicas e científicas, que para o Brasil representou uma grande perda de conhecimento, que ainda hoje deixa transparecer frente ao desenvolvimento de outros países. Posteriormente, os jesuítas fundaram suas escolas, mantendo o ensino humanista, transferindo, portanto, à igreja o dever de proporcionar a educação dos cidadãos, mas, ainda, não de forma popular. O governo mantinha apenas escolas militares, onde se ensinava artilharia, manejo das armas e construção de fortificações. Essa situação alterou-se sobremaneira com a expulsão dos jesuítas, tendo a educação, ainda que restrita à determinada classe, sofrido um golpe mortal, que perdurou de 1759 a 1808, quando chegou ao Brasil a família real77. No entanto, em 1822, com a proclamação da independência e a fundação do Império, houve direcionamento voltado à educação popular. Mesmo assim, no campo prático, a vontade política não chegou a implementar ensino primário ou básico no Império, além de apenas tê-lo incluído na Constituição de 1824. Na primeira Constituição do Brasil, o direito à educação vem expressado no art. 179, onde está enumerado os direitos civis e políticos, assim disposto: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte: VI – Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de 76 77 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 54. LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 54/55. 49 responder pelos abusos, que commeterem no exercício deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar. XXIV – Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou comercio póde ser prohibio, uma vez que não se opponha aos costumes públicos, á segurança, e saude dos Cidadãos. XXXII – A Instrucção primaria é gratuita a todos os Cidadãos. XXXIII – Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes. Compreendidos em harmonia com o resto da Constituição, o tratamento dispensado à educação na Constituição do Império do Brasil é bastante reduzido e reproduz o entendimento da época em que a educação ficava a cargo, preponderantemente, da família e da Igreja78. Muito embora estivesse prevista na Constituição uma instrução primária gratuita (art. 179, XXXII) a estrutura política nacional nada ofereceu de concreto para viabilizar a educação básica no país. O direito à educação na Constituição Imperial Brasileira apresentou-se, portanto, de forma tímida e fortemente caracterizado pela participação da Igreja católica no processo de educação do povo. Outro aspecto que merece ser ressaltado é a centralização do ensino, em grande medida sob determinação da Coroa79. Ocorreu dessa forma, tendo em vista que as elites estavam no poder e, por isso mesmo não era interesse desenvolver a cultura mínima e crítica da população. Nesse sentido, pode-se dizer que no Brasil nunca tivemos uma preocupação direta com a educação, haja vista que a elite esteve sempre no poder, preocupados apenas com o desenvolvimento econômico a qualquer custo e em detrimento de qualquer outro objetivo. Importa observar que a Revolução Francesa teve influência na Constituição Imperial com seus objetivos liberais, tanto que subjetivou e positivou os direitos do homem quando, em seu art. 179, preceituou a “inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”. 78 79 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 21. MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p.. 22. 50 Nem sempre os Estados respeitaram os direitos individuais e sociais de seus cidadãos. Pontes de Miranda80, mencionou que o Estado tardou em reconhecer as vantagens da instrução e educação do povo. Desconheceu, durante séculos e séculos, que somente se pode aumentar o valor do Estado, do país, aumentando-se o valor dos indivíduos. Ainda hoje, há os que, dirigentes de povos, acham prudente a ignorância do povo. Tal como tardaram em descobrir que a escravidão era o trabalho menos econômico e que dos Estados sem liberdades para os seus nacionais os outros Estados são os senhores. Mesmo, que nesse período não tenha ocorrido nenhuma ação concreta de políticas a desenvolver a acessibilidade do direito à educação básica a sua simples referência no texto constitucional consiste em algo a ser destacado. O regime monárquico no qual estava imersa a primeira Constituição do Brasil teve sua queda em 15 de novembro de 1889, quando então foi proclamada a República Federativa do Brasil, denominada Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Instaurado o novo regime, o da República Federativa, inaugurou uma nova fase no Constitucionalismo brasileiro, agora baseado em novas aspirações, assumindo o caráter democrático e a forma federativa, esculpida na promulgação, em 24 de fevereiro, da Constituição de 1891. Nesse âmbito, é importante reforçar que no regime monárquico era incumbência da Igreja proporcionar os instrumentos necessários à concretização da transmissão do conhecimento, ou seja, da formação educacional. Agora, sob o regime federativo natural à transformação da incumbência da formação educacional, passando a ser leigo o ensino ministrado, nos termos do §6º do art. 7281 da Constituição de 1891. 80 MIRANDA, Pontes de. Comentários a Constituição de 1967. p. 333. Art. 72. A Constituição assegura a brasileiro e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual, e à propriedade, nos termos seguintes: ... §6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos. 81 51 O rompimento com a Igreja foi a principal diferença ocorrida entre a vigência da Constituição de 1824 e a Constituição de 1891. Outra diferença evidenciada entre essas constituições, está no fato do caráter descentralizado, o qual no regime monárquico estava canalizado na Coroa. No texto constitucional de 1891, o art. 35 (nºs 2º, 3º e 4º), incumbia de forma não privativa ao Congresso Nacional, animar o país, ao desenvolvimento das letras, artes e ciências, criar instituições de ensino superior e secundários nos Estados e prover a instrução secundária no Distrito Federal. Pode-se dizer que houve certo retrocesso na garantia ao direito à educação básica no que tange a sua acessibilidade, pois a Constituição anterior dispunha sobre a gratuidade da instrução primária, o que não se repetiu na primeira Constituição Republicana do Brasil, sendo omisso o constituinte. No entanto, o modelo assumido pelo Império do Brasil era tendencialmente liberal, principalmente no sentido da garantia dos direitos civis e políticos. Desta forma, no tocante à educação, o comprometimento do Estado com os chamados direitos sociais não existia na Constituição de 1824, mas também não existiu na Constituição de 1891. Mudou-se a forma de Estado e de Governo, mas as linhas mestras do paradigma liberal continuaram inalteradas82. É importante destacar que poucas foram as alterações trazidas na primeira constituinte republicana do Brasil e, destaca-se, que nenhum de seus dispositivos referiu-se à educação básica, como pelo menos sendo de natureza obrigatória. Já, a Constituição de 1934 adotou a técnica de Weimar (Constituição Alemã), abrindo um capítulo especial para tratar da ‘Educação e da Cultura’, em longos e minuciosos artigos83. Com esse espírito, o direito à educação teve grande destaque, como por exemplo, o art. 5, inciso XIV, no qual o governo federal assumiu a tarefa de traçar as diretrizes da educação nacional, princípio que vigora até hoje. 82 83 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 24. JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional. p. 130. 52 A constituinte incumbiu ao Estado o estímulo à educação eugênica84, bem como a proteção da juventude contra toda a exploração e abandono físico, moral e intelectual, disposição expressa no art. 138, alíneas “b” e “e”, no título que trata da Ordem Econômica e Social. Além disso, a Constituinte de 1934 deu ênfase à educação do trabalhador e de sua família, quando em seu art. 139 dispõe que: “toda a empresa industrial ou agrícola, fora dos centros escolares, e onde trabalhasse mais de cinqüenta pessoas, perfazendo estas e os seus filhos, pelo menos, dez analfabetos, seria obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito.” O texto constitucional retoma a obrigatoriedade do direito à educação básica (ensino primário), como direito de todos. Apesar disso, não passou de norma programática sem que o Estado garantisse sua efetivação. Pontes de Miranda85 afirma que na história da política do ensino, a gratuidade da escola pública primária constitui extraordinário passo adiante. Sempre, porém, com o caráter de favor, em vez de direito. Mendigava o povo o pão do espírito; ou a mão generosa, quase sempre imperfeitamente, ia, a um e a outro indivíduo, levar-lhes a oferta, ocasional, incerta, da escola. No entanto, a principal característica trazida por essa Constituição, foi que, pela primeira vez, em um texto Constitucional nacional, o direito à educação teve status de direito subjetivo público, nos termos do art. 149: “A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana”. Isso se justifica, porque uma vez sendo direito subjetivo requer aplicação imediata, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal criar os Conselhos Nacionais de Educação para 84 Eugenia: O estudo das condições mais propícias à reprodução e melhoria da raça humana. Eugênico adj. Minidicionário Aurélio. pg. 207. 85 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. p. 339/340. 53 elaboração do plano nacional de educação, o qual deveria ser aprovado pelo Poder Legislativo, conforme as normas gerais, previstas no art. 150, parágrafo único, assim dispostas: a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos; b)tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de tornar mais acessível; c) liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação federal e estadual; d) ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma pátrio, salvo o de línguas estrangeiras; e) limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados à finalidade do curso; f) reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegurarem a seus professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna. Em que pese o grande avanço constitucional da Carta de 1934, que reservou um capítulo inteiro à educação e à cultura, na prática não houve efetivação pelo Estado, principalmente quanto à educação básica no país e ao plano nacional de educação. A falta de efetividade das normas programáticas da Constituição de 1934 pode não ter sido alcançada tendo em vista que sua vigência foi extremamente pequena, pois foi revogada pelo Estado Novo. A revogação da Carta de 1934 sucedeu-se a partir do Golpe de Estado em 1937, ignorou os preceitos constitucionais até então vigente, e por meio de Decretos Leis fechou o Congresso Nacional e eliminou os paridos políticos. Assim, em 10 de novembro de 1937, houve a outorga da Carta Constitucional ditatorial, a qual, infelizmente, eliminou muitos dos artigos destinados à educação pela Constituição anterior e acrescentou outros, no entanto, meramente preocupada com a educação profissional, esquecendo-se de que, sem a base, não se poderia chegar a construir um prédio86. 86 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 56. 54 O Estado Novo caracterizado pelo regime fascista trouxe um ensino tecnicista, em detrimento do ensino de cultura geral e formadora dos indivíduos. Agora restrito a apenas seis artigos, no título ‘Educação e Cultura’, e no que se torna relevante ao presente estudo, tem-se os arts. 128 a 130 desse texto constitucional: Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público. Art 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar. Art 131 - A educação física, o ensino cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça aquela exigência. Assim, sob a inspiração do Fascismo, via-se o Estado promovendo a disciplina moral e o adestramento físico da juventude, de maneira a prepará-la para o cumprimento de seus deveres com a economia e a defesa da nação. Foi dada ênfase ao ensino cívico, que se confundia com o culto ao regime e à pessoa do ditador. Foi concedido acentuado privilégio ao ensino particular, reservando ao Estado uma função suplementar de preencher as deficiências e lacunas desse ensino87. Nesse sentido, o art. 125, determinava que a educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de 87 HERKENHOFF, João Batista apud MALISKA, Marcos Augusto. O Direito e à Educação e a Constituição. p. 28. 55 maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. O espírito antidemocrático, presente no Estado Novo, nem de longe possibilitava a educação como direito de todos os cidadãos. Com o fim da ditadura de Vargas, e conseqüente redemocratização do país, a Assembléia Nacional Constituinte, com base na índole social-democrática da Constituição de 1934, promulgou, em 18 de setembro de 1946, a quinta Constituição do Brasil. A constituinte manteve a competência da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, mantendo a competência estadual, no sentido de legislar de forma suplementar ou complementar, nos termos dos art. 5º, inciso XV, alínea “d” e art. 6º88. Nessa Carta Constitucional, os seguintes dispositivos disciplinam sobre o direito à educação: Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem. Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; IV - as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores; ... 88 Art. 5º. Compete à União: ... XV – legislar sobre: d) diretrizes e bases da educação nacional; Art. 6º. Art 6º - A competência federal para legislar sobre as matérias do art. 5º, nº XV, letras b, e, d, f, h, j, l, o e r , não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar. 56 VI - para o provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre, exigir-se-á concurso de títulos e provas. Aos professores, admitidos por concurso de títulos e provas, será assegurada a vitaliciedade; VII - é garantida a liberdade de cátedra. O texto constitucional privilegia como princípio da legislação do ensino, a obrigatoriedade do ensino primário (educação básica), bem como estabelece a gratuidade desse ensino, transformando-se, finalmente, na alavanca propulsora da primeira grande reforma (que mais era, na verdade, estruturação) do ensino do Brasil, culminando com a Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024, 20.12.196189. Ao que parecia a Constituição de 1946, retomando as bases sociais-democráticas, dava mostras que introduziria novos rumos para o direito à educação no país, incentivando a educação popular, inclusive com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases como suporte efetivo na extensão de tal direito à sociedade em geral. Não se pode olvidar que logo após a vigência da Carta Constitucional de 1946, sob a influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 10/12/1948)90, os diplomas brasileiros passaram a dar ênfase à universalização do direito à educação, sem, contudo efetivá-lo. Assim, quando esforços estavam sendo aplicados no campo da educação, para concretizar esse direito social e fundamental, ocorreram transformações que congelaram o desempenho de políticas públicas com o viés de acelerar o processo de educação do cidadão 89 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 56. Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral Das Nações Unidas, em sua resolução 217 A (III), de 10.12.1948. "Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos no que concerne à instrução elementar e fundamental. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional haverá de ser geral; o acesso aos estudos superiores será igual para todos, em função dos respectivos méritos. 2. A educação terá por objeto o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos; e promoverá o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Os pais terão o direito de escolher o tipo de educação que darão a seus filhos." 90 57 brasileiro. Desta feita ocorreu o golpe militar, que iníciou em 31 de março de 1964, legalizado pela Carta Magna outorgada em 1967. No entanto, até a promulgação da Constituição de 1967, foi antecedida de diversos atos jurídicos anti-democráticos, perpetuados pelo movimento militar que destituiu o Presidente eleito, em todos os instantes, pregava a existência de uma “revolução permanente”, com o apoio popular, e que vinha para retomar o caminho das instituições e da tradição do povo brasileiro. A tentativa de atribuir características democráticas aos atos verdadeiramente despóticos foi uma regra na ditadura iniciada em 196491. Nesse viés ditatorial, a nova Carta Constitucional outorgada ao país, por meio de vários Atos Institucionais, teve considerável censura e constituiu um retrocesso democrático no direito à educação, por intermédio do qual, este direito, teve significativas alterações, principalmente na ordem orçamentária, quando foram extintos os percentuais financeiros encaminhados à manutenção e aperfeiçoamento do ensino. Referidos Atos Institucionais tiveram, na prática, o caráter de eliminar completamente os direitos e liberdades individuais de todo e qualquer cidadão, sob o manto de combater a corrupção e a subversão foram decretados, de 1964 a 1969, 17 atos institucionais, regulamentados por 104 atos complementares. No entanto, representaram o ápice da radicalização do Regime Militar de 1964 e inaugurou o período do regime em que as liberdades individuais foram mais restringidas no Brasil. É o movimento final da legalização da arbitrariedade, que pavimentou uma escalada de torturas e assassinatos contra opositores reais e imaginários ao regime. Dentre os 17 atos institucionais promulgados, tem-se como um dos destaques mais negativos, no que se refere à violação das liberdades, direitos e garantias individuais o Ato Institucional n. 5, o qual estabeleceu o fechamento do Congresso Nacional, as assembléias 91 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 32. 58 legislativas e as câmaras de vereadores; foi decretada a intervenção nos territórios, estados e municípios; foram cassados os mandatos eletivos e suspensos os direitos políticos por dez anos de todos àqueles que se opunham à ditadura militar; as liberdades individuais de todo o cidadão brasileiro passaram a ser então canceladas, foram mandados vigiar todos os opositores ao regime, entre outras ações, que de per si denota a completa negação dos direitos fundamentais, para manter a elite no governo federal. Em que pese às transformações ocorridas no Texto Constitucional, continuou de competência da União estabelecer planos nacionais de educação, assim como a competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, como estabelece o art. 8º, inciso XIV e inciso XVII, aliena “q”92. Os princípios e normas da legislação do ensino ficaram assim definidos: Art 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. § 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos. § 2º - Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à Iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo. § 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: I - o ensino primário somente será ministrado na língua nacional; II - o ensino dos sete aos quatorze anos è obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais; III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior; IV - o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio. V - o provimento dos cargos iniciais e finais das carreiras do magistério de grau médio e superior será feito, sempre, mediante prova de habilitação, consistindo em concurso público de provas e títulos quando se tratar de ensino oficial; 92 Art 8º - Compete à União: ... XIV - estabelecer planos nacionais de educação e de saúde; ... XVII - legislar sobre: ... q) diretrizes e bases da educação nacional; normas gerais sobre desportos; 59 VI - é garantida a liberdade de cátedra. Art 169 - Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino, e, a União, os dos Territórios, assim como o sistema federal, o qual terá caráter supletivo e se estenderá a todo o País, nos estritos limites das deficiências locais. § 1º - A União prestará assistência técnica e financeira para o desenvolvimento dos sistemas estaduais e do Distrito Federal. § 2º - Cada sistema de ensino terá, obrigatoriamente, serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar. Art. 170 - As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter, pela forma que a lei estabelecer, o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes. Parágrafo único - As empresas comerciais e industriais são ainda obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores. Com efeito, as disposições da constituinte no que tange ao direito à educação básica mantiveram-se no patamar de ensino obrigatório e gratuito, muito embora tenha limitado a faixa etária abrangida pela regra, dos 7 (sete) aos (14) quatorze anos. O golpe militar teve seu ápice na Emenda à Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, nº 1, de 17 de outubro de 1969, ou seja, a Constituição de 1969, por meio da qual representou uma completa censura às bases democráticas até então conquistadas, e sob o manto da emenda constitucional, para apresentar-se formalmente democrática, mas, no entanto, aniquilou com os direitos individuais e sociais antes consagrados. As alterações em todo o seu texto demonstram a violenta repressão instaurada no Brasil, fazendo com que os interesses dos militares, que comandavam o país, sobrepusessem a qualquer outro interesse, inclusive sobre os interesses sociais que envolviam a sociedade brasileira. As passagens constitucionais que mencionam sobre a tutela do direito à educação se restringem a poucos artigos. Permaneceu de competência da União (art. 8º, inciso XIV) estabelecer e executar planos nacionais de educação e de saúde, no entanto, inovou o constituinte, ao expandir a competência da União no que tange à elaboração de planos regionais de desenvolvimento. O texto constitucional de 1969, em seu art 176, praticamente recepcionou o art. 168 da Constituição de 1967, suprimindo a expressão que assegurava a “igualdade de oportunidade”, 60 nesses termos: “A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola.” No entanto, a referida supressão da expressão “igualdade de oportunidade” é a base democrática para que todos possam ter acesso à educação, desde o ensino básico até o ensino superior. E, é justamente na igualdade de oportunidade que possibilita a todo e qualquer cidadão ter conhecimento e discernimento sobre questões sociais, políticas, econômicas, culturais, inserindo-o definitivamente no seio da sociedade. Para Pontes de Miranda93 A ingenuidade ou a indiferença ao conteúdo dos enunciados com que os legisladores constituintes lançam regra ‘A educação é direito de todos’ lembra-nos aquela Constituição espanhola em que se decretava que todos ‘os Espanhóis seriam’, desde aquele momento, ‘buenos’. A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas; portanto, se há direito público subjetivo à educação e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora daí, é iludir o povo com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da educação, não é fazer leis, ainda excelentes; é abrir escolas, tendo professores e admitindo alunos. É insuficiente o texto constitucional neste período, pois não permitiu a imposição de um investimento em recursos humanos, via revolução educacional, tendo em vista a imposição de valores centrada exclusivamente no atendimento das necessidades da classe que detinha o poder político e econômico do país. Mesmo o surgimento do planejamento educacional nos Planos Nacionais de Desenvolvimento, não alterou a condição de abandono intelectual da população brasileira, isso pelo fato de que os militares tinham por objetivo o desenvolvimento econômico do Brasil a qualquer custo. Enquanto isso, a população nacional expandia verticalmente, sem, contudo, ter um crescimento educacional na mesma proporção. Nos estudos de Maria Cristina de Brito Lima A população brasileira de 1960 era de 70.070.457 habitantes, sendo que destes, 46% era analfabetos; em 1970 já chegava a 93.139.037, com 43% de analfabetos; em 93 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. p. 348. 61 1980., com uma população de 119.002.706 de habitantes, 22% ainda encontravamse no analfabetismo. O triste quadro de iliteralidade era vergonhoso, pois enquanto o país buscava ferozmente o crescimento econômico, deixava à mercê o desenvolvimento social, sem oferecer instrumentos legais que pudessem minorar a pobreza e fortalecer a gestão de programas do setor social. Assim, o Brasil necessitava de investimentos maciços na educação em virtude dessa ansiedade dos brasileiros e expectativas de crescimento, o qual dependia de implementação de uma série de direitos fundamentais para a manutenção da sociedade brasileira, e dentre esses direitos fundamentais chamava a atenção o direito à educação básica. Nesse âmbito, a sociedade brasileira viu ser promulgada a sua Constituição Cidadã de 1988, e com ela novos ideais e novas propostas, universalizando o direito fundamental à educação básica, juntamente com uma série de garantias à sua efetividade. Nela vem toda a estrutura da educação brasileira, definindo-a; concedendo o status de direito fundamental, subjetivo, gratuito e obrigatório, sendo dever do Estado e da família a concretização desse direito. A Constituição Cidadã foi um marco na história do país, introduzindo muitas novidades, significando grande evolução em vista dos textos constitucionais anteriores, em específico à educação, haja vista que dedicou o Capítulo III, para a Educação, Cultura e Desporto, e a seção I, da Educação, composta pelos artigos 205 ao 214, que pela importância serão analisados durante o desenvolvimento desta pesquisa. Um avanço nunca antes proporcionado pelos textos constitucionais e, que por isso possui uma importância destacada, vindo exatamente num momento de redemocratização do país, com estabelecimentos de inúmeras liberdades públicas, que segundo Celso Ribeiro Bastos,94 94 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 165. 62 dá-se o nome de liberdades públicas, de direitos humanos ou individuais àquelas prerrogativas que temo indivíduo em face do Estado. É um dos componentes mínimos do Estado constitucional ou do Estado de Direito. Neste, o exercício os seus poderes soberanos não vai ao ponto de ignorar que há limites para a sua atividade além dos quais se invade a esfera jurídica do cidadão. Essas liberdades públicas nada mais são do que direitos de personalidade, que agregam todo o cidadão brasileiro, e configuram um direito deste para com o ente Estatal e para com os demais cidadãos. Mas mais do que isso, a Carta Constitucional de 1988 trouxe a conceituação da educação, elevando-a a status de direito público subjetivo no acesso ao ensino obrigatório e gratuito (educação básica) e, caso não tenha oferecimento, ou sua oferta insuficiente, importa em responsabilidade Estatal. Além disso, uma vez mantendo-se a irregularidade na oferta do ensino obrigatório e gratuito, corresponde crime de responsabilidade do órgão público estadual, uma vez que o ensino deve ser efetivamente posto à disposição da população brasileira, tanto por meio do Estado como custeado pelo mesmo, como menciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho95 O direito ao ensino obrigatório (1º grau) e gratuito é reconhecido como direito público subjetivo. Disto resulta que o titular desse direito poderá fazê-lo valer em juízo, contra o Estado, que deverá assegurar-lhe matrícula em escola pública, ou bolsa de estudos em escola particular (art. 123, §1º) se houver falta de vagas nos cursos públicos. Portanto, o direito à educação também é um direito da personalidade, necessitando de uma conduta positiva do Estado, e não a sua omissão – conduta negativa - , garantindo-se aos cidadãos meios eficazes para exercê-lo. Assim sendo, atualmente, o Brasil conta com um texto constitucional, que assegura a educação básica como um direito social, garantindo a toda população um direito efetivo de usufruir do ensino obrigatório e gratuito. 95 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. p. 110. 63 Complementando o texto constitucional segue a Lei nº 9.394/96, de 20.12.1996, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação brasileira, restando estruturado o sistema educacional brasileiro. Uma vez apresentada a evolução histórico-constitucional da educação no Brasil cabe verificar se os pressupostos constitucionais da Carta de 1988, proporcionam uma educação básica como um direito social-fundamental, ante a sua natureza imperativa de obrigatoriedade e gratuidade, por meio da estrutura do sistema educacional brasileiro. 2.2 O Sistema Educacional Brasileiro Como passo antecedente ao conceito de educação, o que conseqüentemente leva ao direito educacional, é imperioso trazer, numa breve explanação, como se consolidou o sistema educacional brasileiro, amparado pela fonte de Custeio da Educação e a Emenda Constitucional nº 14/96. 2.2.1 Fonte de Custeio da Educação e a Emenda Constitucional nº 14/96 A escassez de recursos sempre foi o maior problema enfrentado pela educação no Brasil, dificultando a destinação de verbas específicas à efetivação desse direito social. A preocupação com o desenvolvimento econômico implicava aos governos concentrar os recursos financeiros no incentivo industrial e econômico no âmbito das empresas privadas e multinacionais. O advento da Constituição Cidadã de 1988 representou grande passo para alterar esse quadro, quando assumiu o compromisso de garantir aos cidadãos o ensino fundamental (educação básica) de forma obrigatória e gratuita, sendo dever do Estado em efetivá-los a partir de fonte de custeio e verbas diretamente vinculadas ao mister. Na verdade, a Carta Fundamental, originariamente, estabelecia, no seu artigo 211, caput, que a União organizaria e financiaria o sistema federal de ensino e o dos Territórios e prestaria assistência técnica e financiaria aos Estados, ao Distrito 64 Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. Dispondo, ainda, o artigo 212 sobre a aplicação anual a cargo da União e dos demais entes federados na manutenção e desenvolvimento do ensino e vinculando os recursos para os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde. O artigo 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, apresenta norma de natureza meramente programática, para um objetivo tão forte como a eliminação do analfabetismo e a universalização do ensino fundamental96. Contudo, os dispositivos da novel Constituição não foram suficientes para atender essa meta tão especial, por meio da qual, as verbas então estipuladas não satisfizeram os anseios do alcance educacional que a sociedade brasileira almejava. Assim, adveio a Emenda Constitucional nº 14/96, que modificou os artigos 34, 208, 211 e 212 da Constituição, dando, ainda, nova redação ao artigo 60, do ADCT (Ato das disposições Constitucionais Contraditórias). Entre as modificações ocorridas, destacam-se as mais importantes: a) do §1o, do artigo 21197 – que atribuiu à União, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; b) do §5o do artigo 21298 – que impediu que as empresas deduzissem a aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e dependentes; e c) do artigo 6099, com inclusão dos parágrafos 1o ao 7o do ADCT, vinculando efetivamente verbas específicas ao ensino fundamental, nos termos a seguir destacados. 96 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 68. A redação originária tinha o seguinte teor: “§1o. A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e dos Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória”. 98 A redação originária tinha o seguinte teor: “O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida, na forma da lei, pelas empresas, que dela poderão deduzir a aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e dependentes”. 99 A redação originária do caput e seu parágrafo único tinha o seguinte teor: “Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o poder público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação, pelo menos, cinqüenta por cento dos recursos a que se refere o art. 97 65 Nesse passo, a alteração dos artigos antes referidos, e introduzidos pela Emenda Constitucional nº 14/96, em tese, criaram meios para implementação financeira do direito público subjetivo, de direito à educação básica, conferido pela Carta Magna de 1988, destinando verbas específicas para concretização do direito à educação. Impõe-se, assim, a análise de alguns pontos do texto legal, que vieram no intuito de garantir o desenvolvimento da educação, com ideal de oportunizar o acesso desse direito à sociedade brasileira. Nesse norte, cita-se a introdução da alínea “e” no art. 34100, combinado com art. 212, ambos da CF/88, o qual possibilita o controle da União, sobre os Estados e no Distrito Federal, quando esses não aplicarem 25% (vinte e cinco por cento) da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Outro destaque do Texto Fundamental foi a determinação de que o Estado tem o dever para com a educação mediante a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria (art. 208, inciso I); além de propiciar a progressiva universalização do ensino médio gratuito (art. 208, inciso II). Com a nova redação do art. 211 da CF/88, houve a renovação da missão da União que, a partir de então, tem de desempenhar dentre outras as seguintes funções: organizar o sistema federal de ensino dos Territórios; financiar as instituições de ensino públicas federais; exercer, no que diz respeito à organização, manutenção e desenvolvimento do ensino, função redistributiva e supletiva; garantir equalização de oportunidades educacionais; garantir padrão mínimo de qualidade do ensino; prestar assessoramento técnico e assistência financeira aos demais sistemas de ensino. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental. Parágrafo Único. Em igual prazo, as universidades públicas descentralizarão suas atividades, de modo a estender suas unidades de ensino superior às cidades de maior densidade populacional.” 100 Insta salientar que na atual redação da alínea “e”, do art. 34, in fine, foi acrescentado “nas ações e serviços públicos de saúde”, por força da Emenda Constitucional nº. 29, de 13.09.2000. 66 Doutra parte, no que toca à nova redação dada ao §5o do art. 212 da CF/88101, estabeleceu parâmetros para o salário-educação - contribuição social – criada por lei e erigida à categoria de emenda constitucional, como fonte adicional de financiamento do ensino fundamental público. Por fim, a alteração mais significativa da Emenda Constitucional nº 14/96, ocorreu no artigo 60 do ADCT, transcrito acima. De acordo com o caput deste artigo, até o ano de 2007, contados da data de entrada em vigor da referida Emenda (01.01.1997), 60% (sessenta por cento) dos 25% (vinte e cinco por cento) resultante da receita de impostos, incluindo as transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212, da CF/88), terão de ser destinados à manutenção e desenvolvimento específico do ensino fundamental, restando os outros 40% (quarenta por cento) dos 25% (vinte e cindo por cento) para o ensino médio e superior. Tal medida visa a assegurar a universalização da educação básica, destacando sua importância na medida em que oportunizam igualdade de condições no ponto de partida, ao passo que, quando houver concessão à educação básica de qualidade, sem distinção de classe, haverá transformação do homem demandante de seus direitos individuais e sociais. Assim, a ênfase que o legislador procurou estabelecer é justamente universalizar o ensino fundamental - diga-se educação básica – no intuito de expungir o analfabetismo do quadro brasileiro. No entanto, além daquelas receitas destinadas à fomentação da educação fundamental, também foi estabelecido o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, devendo ser disposto/criado por lei102, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, com o intuito de distribuir as responsabilidades, bem como os 101 Art. 212....... §5o. O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, na forma da lei. 102 Art. 60... §7º A lei disporá sobre a organização dos Fundos, a distribuição proporcional de seus recursos, sua fiscalização e controle, bem como sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno. 67 recursos entre os Estado e seus Municípios, de forma a que a meta brasileira da universalização do ensino fundamental possa ser efetivamente cumprida103. Nesse ínterim, o suporte financeiro do Fundo encontra amparo no caput do art. 60 do ADCT, sendo, então, regulamentado pela Lei º 9.424/96, Lei que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. A idéia do legislador não foi somente estabelecer normas programáticas sobre a garantia do ensino obrigatório e gratuito da educação básica, mas também propiciar condições de permanência dos cidadãos brasileiros nas escolas, de forma a incentivar o desenvolvimento da educação e humanizar o indivíduo. Dessa forma, também houve preocupação com o custeio dos programas suplementares, os quais dão suporte para a efetividade do acesso amplo, gratuito e obrigatório do ensino fundamental, tais como, de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde, instituído pelo art. 208, inciso VII, da Constituição Cidadã. Ao mesmo tempo em que há atenção para os programas suplementares, também há necessidade, de estabelecer as fontes de custeio a atender o educando do ensino básico e, para tanto, o legislador se baseou numa fonte diferenciada, apoiando-se nos §4º e §5º do art. 112104 da CF/88, donde os recursos são provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários, além da contribuição social do salário-educação. 103 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 78. Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito,e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. ... §4º. Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. 104 68 Como amparo aos Estados e ao Distrito Federal, na saúde financeira do Fundo, ficou determinada uma complementação, de obrigação da União, quando àquelas esferas de descentralização do governo não atingirem um mínimo definido nacionalmente, por aluno105. Além disso, para garantir um mínimo de qualidade possível para o desenvolvimento do direito à educação básica e na erradicação do analfabetismo, os entes da Federação deverão ajustar progressivamente, num prazo de cinco anos, suas contribuições ao Fundo, proporcionalmente ao número de alunos matriculados no ensino fundamental, no sentido de manter um padrão mínimo de qualidade de ensino106 e, para tanto, terá uma distribuição de verba de não menos do que trinta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da CF/88107. Nessa esteira, a Lei nº 9.424, em seu art. 6, §4º, fixou o valor mínimo anual por aluno em R$300,00 (trezentos reais), “valor este que será alterado em razão da flutuação natural dos números-base, verificável anualmente pelo censo escolar, a cargo do Ministério da Educação”108. Por certo, que a emenda constitucional não deixou desprovido de previsão orçamentária uma remuneração condigna ao magistério da educação básica, vinculando um percentual específico na proporção de no mínimo 60% (sessenta por cento) dos recursos arrecadados pelo Fundo referido no §1º. do art. 60 ADCT109. 105 ADCT. Art. 60 ... §3º. A União complementará os recursos dos Fundos a que se refere o §1º sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. 106 ADCT. Art 60.... §4º. A União, os Estados e os Municípios ajustarão progressivamente, em um prazo de cinco anos, suas contribuições ao Fundo, de forma a garantir um valor por aluno correspondente a um padrão mínimo de qualidade de ensino, definido nacionalmente. 107 ... §6º. A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na manutenção e no desenvolvimento do ensino fundamental, inclusive na complementação a que se refere o §3º, nunca menos que o equivalente a trinta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal. 108 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 81. 109 ... §5º. Uma proporção não inferior a sessenta por cento dos recursos de cada Fundo referido no §1º será destinada ao pagamento dos professores do ensino fundamental em efetivo exercício no magistério. 69 Do que se vê, o Poder Público tem sua ação perfeitamente delineada e devidamente aparelhada, uma vez que a criação do Fundo e a vinculação de verbas específicas ao atendimento do ensino fundamental constituem um instrumento constitucional apto para atender e implementar a meta constitucional da universalização da educação básica do País. Por fim, cabe ressaltar que em 20 de dezembro de 1996, houve a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, que trouxe desde o conceito de educação, princípios e fins da educação, do direito à educação até a organização do sistema educacional do Brasil. 2.2.2 Do Conceito de Educação ao Direito à Educação Difícil é traçar um conceito de educação, tudo porque se entende que a educação guarda contornos tendentes a criar oportunidades para àqueles que dela dispõem. Os léxicos pensam em educação como um processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social110. No entanto, a educação representa bem mais do que isso, é a prática contínua e intermitente de se transmitir e receber informações, que se vão construindo com o tempo, por elas sendo o homem influenciado, ao tempo que também as influencia, ajudando, assim, a desenvolver o meio onde vive e, também, desenvolver-se111. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. 26, menciona que ... a educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. Ela deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, assim como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. Paulo Freire112 menciona que 110 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. p. 98. LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p 01/02. 112 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. p. 67. 111 70 na visão “bancária” da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra noutro. Já, para Jean Piaget113 a educação não é uma simples contribuição, que se viria acrescentar aos resultados de um desenvolvimento individual espontâneo ou efetuado com o auxílio apenas da família: do nascimento até o fim da adolescência a educação é uma só, e constitui um dos dois fatores fundamentais necessários à formação intelectual e moral, de tal forma que a escola fica com boa parte da responsabilidade no que diz respeito ao sucesso final ou ao fracasso do indivíduo, na realização de suas próprias possibilidades e em sua adaptação à vida social. Por fim, a Lei nº 9.394/96, de Diretrizes e Bases, no seu art. 1o, menciona que a Educação abrange os processos formativos, que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Dessa forma, educação é um ato contínuo de conhecimento e de conscientização para a formação moral e, ao pleno desenvolvimento do ser humano, capacitando-o para o trabalho e para o exercício da cidadania. E a condição em que o indivíduo possa ter condições de, reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria condição histórica, sendo demandante de seus direitos. Essa condição vem Em Emílio, de Rousseau114, o qual evidencia no Livro Primeiro que nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos necessidades de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos quando adultos, é dado-nos pela educação. Para Rousseau, o cidadão que fará parte do Estado, Contrato Social, deve ser devidamente educado para viver nessa sociedade criada por ele. Assim, a educação do 113 114 PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? p. 35. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. p. 15. 71 indivíduo é aquela em que consegue realizar gradual e espontaneamente todas as suas potencialidades. De todos estes aspectos, a educação deve ser considerada, em seu aspecto amplo, no sentido de preparar adequadamente o indivíduo para a vida social, por meio da busca contínua de valores, conhecimento, inafastável de um senso crítico e criativo da inteligência para que se obtenha uma sociedade mais justa e solidária. Tudo isso será possível quando atingir uma educação integral, continuada, proporcionado por uma qualidade de ensino na base, ou seja, um ensino fundamental – educação básica – que propicie a todos, sem distinção de idade, cor, raça, ou de qualquer outro tipo de discriminação, uma formação crítica e consciente capaz de agir e refletir, tornando uma sociedade mais resistente à dominação. Assim, a educação do povo é fundamental para proporcionar a participação deste para que se consiga obter a democracia e liberdade, que constituem o fundamento de quase todas as instituições humanas. Portanto, a educação é um direito social que todo cidadão tem de se desenvolver integralmente e, conseqüentemente, uma obrigação para a sociedade, e o Estado de garantir e proteger esse desenvolvimento, a partir de ações efetivas e concretas, tendo em vista ser um direito fundamental do ser humano. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pelas Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua resolução 217 A (III), de 10.12.1948, estabelece que: 1. Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos no que concerne à instrução elementar e fundamental, a instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional haverá de ser geral. Sob influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e no ritmo progressista que vivenciou o País, consoante à evolução da educação nas constituições do Brasil, 72 anteriormente frisadas, a Constituição de 1988, em seu art. 205, não só conservou como melhorou a conquista do direito alcançado, como também atribuiu à educação o status positivus libertatis, ao firmar que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Status, porque prescritivo da cidadania de cidadania, e de acordo com Jellinek115, status, porque definidor de uma situação jurídica, que permite ao indivíduo, ser jurídico, encarar as prestações do Estado, as liberdades frente ao Estado, as pretensões contra o Estado e a prestação por conta do Estado como um direito público a lhe favorecer. Ademais, a Carta Magna determina que o ensino fundamental é de acesso obrigatório e gratuito a todos os indivíduos sendo direito público subjetivo. E por isso, Torres116 afirma que: a elevação do direito à educação como subjetivo público confere-lhe o status de direito fundamental, mínimo existencial, arcando o Estado, nos limites propostos, com prestações positivas e igualitárias, cabendo a este, também, através de sua função jurisdicional, garantir-lhes execução. Depreende-se que o direito-dever da educação não é de caráter facultativo, mas de natureza imperativa. Sendo assim, o legislador uniu o direito público subjetivo à educação a dois princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito: a cidadania e a dignidade da pessoa. Canotilho117 acrescenta que a incorporação dos direitos fundamentais nas constituições, como direitos subjetivos do homem, na categoria de normas formalmente básicas, ou , na expressão de ALEXY, na categoria de fundamentalidade de demandante de especial proteção, quer em seu sentido formal quer material, traz como conseqüência a possibilidade de haver o controle jurisdicional da constitucionalidade de atos normativos reguladores desses direitos. 115 JELLINEK, Georg. Sistema dei Diriti Pubblici Subbietivi. Milano: Societè Editrice Libraria. p. 98. TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. p. 151. 117 CANOTILHO, Gomes J. J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 354. 116 73 Analisado o conceito de educação, bem como o direito à educação, como direito social, fundamental e de direito púbico subjetivo, este, embora de forma breve, será importante salientar a organização e estrutura do sistema educacional brasileiro. 2.3 A Organização e Estrutura do Sistema Educacional Brasileiro Imperiosa é a análise da organização e a estrutura do sistema educacional brasileiro para verificar se as normas constitucionais permitem um grau de efetividade no sentido de universalizar o direito à educação na sociedade brasileira. É inegável que o Brasil conquistou avanços importantes na área educacional no decorrer da sua evolução histórica. No entanto, tais conquistas serão objetos de estudo para constatar se a universalização desse direito social foi efetivada. Desde já, menciona que não basta freqüentar a escola, é preciso alcançar os níveis de escolaridade básica e, obviamente, atingir níveis de aprendizagem adequados aos anos de estudo acumulados pelos jovens brasileiros. Nesse mister, o art. 205 da Constituição Federal de 1988 estabelece de forma clara que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Acompanhando as disposições constitucionais, a Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96), promulgada para amparar e regulamentar os parâmetros e diretrizes integradas a possibilitar o acesso à educação aos cidadãos brasileiros, traçando que a educação é uma tarefa essencial para a sociedade, e que deve ser realizada em conjunto com Estado, família e sociedade. (art. 2º.). Frisa-se que a família tem sua importância, pois incumbe aos pais ou responsáveis a matrícula dos filhos menores, a partir dos sete anos de idade, no ensino fundamental (LDB, art. 6º). Para alcançar tais metas, a LDB, em seu art. 3º. e incisos, estabeleceu de forma ampla e completa os princípios gerais do ensino: I - igualdade de condições para o acesso e 74 permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Com base nesse enfoque, são grandes os objetivos da Carta Magna e da LDB, no processo de universalização da educação, pois busca de forma incessante o pleno desenvolvimento da pessoa. Com a LDB, a educação escolar foi dividida em dois grande grupos: a educação básica e a educação superior. Além disso, foram criadas modalidades de ensino: educação de jovens e adultos, educação profissional e educação especial. 2.3.1 A Educação Básica Cumpre destacar que o objetivo primordial do presente trabalho é a sustentação da educação básica com direito fundamental e por isso terá maior ênfase durante a exposição. No entanto, sendo a educação um direito subjetivo e pela importância do tema, destaca-se, mesmo que de maneira tímida, a educação superior e as modalidades de ensino. A educação básica compreende três pilares da educação: educação infantil, ensino fundamental e médio tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, assegurando-lhe formação indispensável para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Oferta de educação infantil em nível de creches, para crianças até 03 anos de idade e a pré-escolar dos 4 até 6 anos de idade, com a finalidade de atingir o desenvolvimento integral 75 da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual, moral e social, completando a ação da família e da comunidade (LDB, art. 29). O ensino fundamental, segundo o art. 32 da LDB118, terá duração mínima de oito anos, iniciando-se na primeira série do primeiro grau, com 7 anos de idade, e concluindo, em tese, com 14 anos de idade a oitava série, sendo obrigatório e gratuito na escola pública com objetivos de formação básica do cidadão: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. Como etapa final da educação básica, o ensino médio, tem duração mínima de três anos, com as seguintes finalidades: a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (LDB, art. 35). O estágio final da educação básica tem por objetivo a capacitação profissional do jovem, o acesso ao conhecimento que lhe possibilita a ciência da transformação ocorrida na sociedade brasileira, estando apto ao exercício da cidadania. 118 Já está aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, faltando apenas à sanção do Presidente da República, o Projeto de Lei da Câmara (144/2005) que amplia o Ensino Fundamental de 8 para 9 anos de duração, com ingresso escolar obrigatório de crianças a partir de 6 anos de idade. O prazo para que as redes de ensino e escolas do País possam estruturar as alterações é de 5 anos. 76 Concluindo esta etapa, o indivíduo está apto a desenvolver suas potencialidades, podendo, segundo a nossa organização e estruturação educacional, alcançar os níveis superiores de ensino, no intuito da busca de qualificação técnica específica, ou seja, a educação superior. 2.3.2 A Educação Superior A educação superior, ou educação profissional, habilita o cidadão a desenvolver uma atividade técnica específica dentro da área profissional escolhida. Esta educação compreende os cursos seqüenciais de graduação, pós-graduação e de extensão (LDB, art. 43119) tendo duração variável de um até seis anos (cursos seqüenciais ou de extensão), bem como atingir o seu aperfeiçoamento por meio de cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) ou stricto sensu (mestrado, doutorado e pós-doutorado). 119 Art. 43. A educação superior tem por finalidade: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretizaçã o, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. 77 2.3.3. Modalidades de Ensino A legislação própria, LDB, previu três modalidades de educação: a educação de jovens e adultos (arts. 37 e 38); a educação profissional (arts. 39 e 42) e a educação especial (art. 58 a 60). A educação de jovens e adultos foi destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria, pelo que os sistemas de ensino deverão assegurar a essas pessoas oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva, sendo o acesso amplo, ou seja, tanto ao aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, medido e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto. E, a educação especial deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais, que contarão com serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. Desse modo, verifica-se que as modalidades de ensino previstas na legislação específica tendem a amparar todas as pessoas carentes de acesso ao processo de ensinoaprendizagem, na busca pelo conhecimento, aperfeiçoamento e capacidade técnica para uma atividade laboral, que lhes tornam pessoas livres, íntegras, de participação social, inserindo-a no seio de uma sociedade democrática. 78 2.4 Aspectos Relevantes da Educação O contexto histórico-constitucional do direito à educação no Brasil passou por um processo de reforma educacional. Com efeito, passou do esquecimento à inclusão nas Cartas Constitucionais, tornando-se num país com grandes recursos naturais, mas fracamente empobrecido em intelecto. Com o advento da Constituição Cidadã de 1988, o direito à educação obteve o seu ápice quando finalmente atingiu o status merecido, como direito positivado, público subjetivo, de aplicação imediata e, principalmente, como direito fundamental. No sentido de trazer meios para o governo impulsionar o acesso a educação a todos os cidadãos, promulgou-se a emenda constitucional nº 14, de 1996, trazendo suporte às disposições constitucionais, quando previu a criação de um Fundo para destinar verbas específicas ao custeio da universalização da educação. Assim, a Lei nº 9.424/96 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) regulamentou a fonte de custeio. Neste mesmo ano, foi promulgada a Lei nº 9.394, Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional. A missão da educação é ampla e visa, sobretudo à formação moral do seu humano, devendo ser realizada por meio da União, Estados e Municípios, em colaboração, sendo responsáveis, cada um, por um aspecto significativo e relevante. Assim, o Poder Público encontra-se com sua ação perfeitamente delineada com meios para implementar a meta constitucional de universalizar a educação ao povo brasileiro. Contudo, um dos aspectos que se destaca refere-se a um princípio básico da educação, qual seja igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206, da CF/88; LDB art. 3º., I) baseado numa educação básica de qualidade, de acesso gratuito e obrigatório, 79 de forma contínua e permanente, estabelecendo uma garantia de padrão de qualidade, para que a maioria dos brasileiros possa contar, na medida do possível, com igualdade de oportunidade no ponto de partida. 80 3 A Interpretação Constitucional da Educação Básica como Direito Fundamental Para que o princípio básico do direito à educação tenha sua aplicação efetiva, é imperioso consolidar que tal direito precisa estar de acordo com a interpretação a ser dada pela Constituição Federal, pois a norma constitucional, pela qual a educação é um direito de todos e um dever do Estado, não pode ficar a depender de leis ordinárias. Dessa forma, sempre que possível deve ser materializado o princípio constitucional, sob pena de negar-se a supremacia da Constituição. No dizer de Aristóteles, homem é um ser social, por conseqüência se realiza por meio das relações sociais, que para tanto é mister possuir igualdade de oportunidades no ponto de partida. Somente assim, perfaz-se a dignidade da pessoa humana. Nesse ideal, ou seja, na busca de tornar efetivo o direito público subjetivo à educação básica é, que neste último capítulo, procurar-se-á traçar alguns pontos que se entendem essenciais sobre o direito em debate, perpassando pela interpretação constitucional, bem como a tutela jurisdicional do direito à educação básica até seu ápice, quando eleito como direito fundamental prestacional. Como visto no primeiro capítulo, os direitos fundamentais são consagrados como direitos constitucionais e, no dizer de Canotilho120 direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta, portanto, está inserido num regime jurídico-constitucional especial. Também é essencial ter conhecimento das características dos direitos fundamentais como requisito para a sua adequada interpretação. Nesse âmbito, os chamados direitos fundamentais são direitos históricos, nascem, modificam-se e desaparecem. Na vigente Constituição brasileira, esses direitos estão alocados como cláusulas pétreas, ou seja, de certa forma não podem ser abolidos (art. 60, §4º, inciso IV). 120 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e a Teoria da Constituição. p. 369. 81 Nesse ínterim, o direito brasileiro sistematizou os direitos fundamentais no seu Título II, tratando do gênero, Direitos e Garantias Fundamentais, dividindo-os em Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; Direitos Sociais e Direitos Políticos, designando o direito à educação básica como direito público subjetivo, em seu art. 208, §1º. Refletindo, a argumentação anterior evidencia que os direitos fundamentais são direitos de liberdade, liberdade de livre escolha da profissão, do lugar de trabalho, liberdade de opinião, bem como do desenvolvimento livre da personalidade da pessoa e que está diretamente ligada à possibilidade de acesso, qualidade do ensino básico. 3.1 Educação como exercício pleno do direito de liberdade e instrumento de desenvolvimento Konrad Hesse121, comentando acerca da realização e do asseguramento dos direitos fundamentais, esclarece que uma sistematização exata desses direitos não seria possível, vez que esses, na sua maioria, deixam-se agrupar, histórico e materialmente, segundo determinados âmbitos de proteção. Pode-se aduzir que o direito de liberdade é a base da cultura jurídica e social. A liberdade de livre escolha da profissão, do lugar de trabalho e dos centros de formação constitui um instrumento indispensável ao desenvolvimento da pessoa em toda a sua extensão. A garantia da liberdade vem estabelecida na Carta Constitucional no art. 3º, inciso I, justamente como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil em construir uma sociedade justa, livre e solidária. Porém, não se esgota neste artigo, vindo novamente a ser firmada no art. 5º caput, quando é garantido o direito de liberdade aos brasileiros e estrangeiros residentes no país. 121 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. p. 287. 82 Condorcet, apud Brito Lima122, afirma que A independência da instrução faz de algum modo parte dos direitos da espécie humana, pois que o homem recebeu da natureza uma perfectibilidade, cujas incógnitas raias estendem-se muito além do que até agora podemos conceber; pois que o conhecimento de novas verdades é o meio que ele possui de desenvolver essa benfazeja faculdade, origem da sua ventura e da sua glória. Com apoio nessas afirmações, a popularização do conhecimento é a ferramenta indispensável ao crescimento pessoal do ser humano e, consequentemente, ao desenvolvimento de um país. Dessa forma, somente por meio de uma educação básica fortemente consolidada, que seja totalmente provida de sentido prático e imensurável permite que qualquer pessoa possa usufruir de sua liberdade intelectual, ou seja, ter um desenvolvimento livre da personalidade para acompanhar a evolução rápida e social da sociedade, evitando, assim, sua exclusão social. Tratando a educação do desenvolvimento da pessoa em toda a sua personalidade, outra não pode ser a garantia da educação senão a liberdade para apreender, ensinar e divulgar a arte e o saber. Pelo que se demonstra, o direito de liberdade traz outras vertentes, outras conseqüências, outras imposições que não apenas a abstenção do Estado. Existem outros direitos que guardam obviamente as mesmas características do direito de liberdade, já que dele derivam. Cumpre, porém, destacar a educação como um deles, pois, sem ela, sequer se terá a compreensão do significado desse direito fundamental de liberdade.123 Maliska124 complementa ao afirmar que: por tratar-se de um princípio geral de educação, a liberdade aqui analisada não está somente vinculada à liberdade científica e à liberdade de investigação, em geral, desenvolvidas nas Universidades, nos centros superiores. Trata-se também da liberdade do professor de escola primária, do professor das primeiras letras. E, nesse sentido, importa distinguir as situações para também admitir a ponderação do direito de liberdade quando ocorrer violação ou colisão com outro direito fundamental. 122 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. pg 11. LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. pg 14. 124 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 178. 123 83 Nesse âmbito, é sabido, conforme demonstrado no segundo capítulo, que as condições de aplicabilidade e efetividade dos direitos sociais, com relevância ao direito à educação básica, incluem sério risco de sua própria negação, em termos práticos das garantias, das prerrogativas e da sua proteção. Como encorajar o impulso de uma cultura da paz e de um desenvolvimento inteligente que, em vez de esmagar o ser humano, seja sinônimo de plenitude fundada no saber e na comunicação de conhecimentos e aptidões? Essa é a tarefa não só do legislador brasileiro, mas também da sociedade e da vontade política para a implementação de políticas públicas no sentido de materializar o direito público subjetivo à educação básica, proporcionando igualdade de condições; já, no ponto de partida, para o acesso e permanência na escola e garantia de qualidade do ensino nos três pilares básicos da educação básica: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Cumpre, agora, entender como esse direito pode ser identificável, de forma que a idéia de necessidade possa refletir um princípio objetivo de interesse ou de desejo, que se pretenda satisfazer por meio desse direito. Portanto, a dimensão que alcança o direito de liberdade é a mais ampla possível, no sentido de alcançar os valores da dignidade da pessoa humana, valor imprescindível para que se chegue a gozar de um direito fundamental. E, para tanto, prioriza-se a formação da população com base no livre desenvolvimento de cada indivíduo e da igualdade dos cidadãos, para que, todos tenham direitos iguais. E a isso se opõe, já, à primeira vista, a exclusão social: a “marginalização” e discriminação maciças de consideráveis grupos do povo. As pessoas, que em princípio se vêem colocadas em desvantagem, estão por demais ocupadas com a sobrevivência no dia-a- 84 dia125 para que possam exercer, com razoáveis chances de êxito, a busca pela formação pessoal. Mais especificamente, o direito à educação básica tornou-se tão importante quanto o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, todos evidenciados pelo caput do artigo 5º da Carta Magna, tendo como conseqüência a possibilidade de demanda independentemente de qualquer política pública que o evidencie126. E, para que se alcance a liberdade em sua plenitude, àquela a permitir ao homem os meios efetivamente indispensáveis à sobrevivência sem a intervenção estatal, deve visar à igualdade de oportunidade, o que só será possível com educação básica para todos. Ao mesmo tempo, conforme Brito Lima127 ... só se dará ao homem que tenha tido acesso, pelo menos, ao núcleo essencial de seus direitos, insta trazer à lume que o mínimo existencial, como forma de o Estado possibilitar, em igualdade de condições, a conquista da própria liberdade, é um caminho que pode ser adotado. Nesse sentido, a educação, como instrumento da liberdade, passa a integrar o núcleo essencial de direitos que conduzam à cidadania, conferindo-lhe um caráter libertário. Assim, a positivação dos direitos imanentes ao homem, na Carta Magna de 1988, reforçou os direitos dos cidadãos, exigindo do Estado posições ora abstencionistas, de não intervenção, ora ativa, devendo proporcionar meios para a sua realização. Dessa forma, esses direitos passaram a ostentar um status negativus quando o indivíduo tem a liberdade de ação para realizar determinados atos sem que haja ingerência Estatal e, muda seu enfoque, quando engrandece a atuação do Poder Público, pelo qual está não apenas obrigado a não interferir, mas também a garantir o acesso a determinados direitos libertários, ou seja, o chamado status positivus. 125 MULLER, Friedrich. Que grau de exclusão social ainda pode ser tolerado por um sistema democrático? p. 21. 126 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. pg 29. 127 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. pg 24. 85 Assim, não se pode cruzar as mãos, tendo em vista a depauperação econômica, presente na sociedade capitalista, está ligada, sobretudo a devastadoras desvantagens da formação da personalidade e da capacitação profissionalizante da cultura, do grau de informação, do sentimento de justiça e da auto estima128. Com efeito, o direito à educação básica é um direito social e fundamental, que depende da atuação do Estado para que alcance a tão almejada eficácia e aplicabilidade, por meio do qual todos os cidadãos possam desfrutar do reconhecimento da condição humana, somente, assim, uma democracia se legitima, e não em último lugar, a partir do modelo pelo qual trata as pessoas que vivem no seu território129. 3.2 Eficácia das Prestações Positivas Em que pese à positivação das normas constitucionais fundamentais é imprescindível que se gere os efeitos jurídicos desejados. De igual forma, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, ao que prescreve o art. 5º, §1º da Constituição de 1988. Entretanto, a questão da eficácia das normas constitucionais, que estabelecem direitos e garantias fundamentais, passam por algumas perplexidades. No que tange aos direitos fundamentais individuais e coletivos, ou seja, àqueles direitos que resultam de uma abstenção do Estado, é de fácil visualização a sua eficácia, pois não gera qualquer ônus ao ente estatal. Em contrapartida, os direitos fundamentais, em que se reveste a característica da necessidade de atuação estatal a prestações fáticas, ficam à mercê ante a escassez de recursos para a concretização da norma consagradora do direito. Está-se a referir aos direitos sociais, e dentre esses direitos sociais fundamentais, enquadra-se o direito à educação básica cuja tutela parece não existir. 128 MULLER, Friedrich. Que grau de exclusão social ainda pode ser tolerado por um sistema democrático? p. 27. 129 MULLER, Friedrich. Que grau de exclusão social ainda pode ser tolerado por um sistema democrático? p. 24. 86 Ainda no que diz respeito à eficácia da norma constitucional, lembra José Afonso da 130 Silva que não há norma constitucional destituída de eficácia, muito embora certas normas estejam limitadas na sua efetividade à complementação legislativa ordinária. Portanto, o que pode diferenciar não é a eficácia, mas a efetividade. O direito público subjetivo à educação básica – porque revestido do manto do mínimo existencial, isto é, porque brindado como ponte de ouro eminentemente necessária ao homem para o próprio exercício do direito de liberdade que lhe é também constitucionalmente assegurado – não está relegado à reserva do possível ou tampouco pode estar adstrito às questões que ensejam escolhas drásticas.131 Refletindo sobre os direitos inscritos na Constituição como direitos sociais, e neste caso, o direito público subjetivo ao direito à educação básica, têm natureza coletiva, diferentemente dos direitos previstos no art. 5º, os quais possuem natureza tradicional de direitos de liberdade, compreendido como não-impedimento. Como dito, os direitos sociais possuem caráter coletivo e na maioria dos casos previstos no art. 6º não se trata de conservar uma situação de fato existente, o que implica afirmar que a tutela de proteção de tais direitos não consiste na exclusão de outrem. Nesse aspecto, o direito à educação é mais do que o direito de não ser excluído de uma escola; é, de fato, o interesse de conseguir uma vaga e as condições para estudar.132 Diante disso, o princípio de aplicabilidade imediata e plena eficácia, a dimensão dos direitos sociais, aqui estritamente, ao direito à educação básica, sendo norma constitucional especial, de direito público subjetivo, ostenta, sem dúvida nenhuma, de aplicabilidade imediata. É importante frisar, que não se tem a pretensão de que todas as normas consagradoras de prestações positivas do Poder Público sejam transformadas em normas auto-aplicáveis. Primeiro, porque não haveria recursos suficientes para voltar ao Welfare State (Estado de Bem 130 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 97/98. LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 27. 132 FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. p. 126. 131 87 Estar Social), o qual atribuía ao Estado ação providencial e eficácia máxima às normas constitucionais, assecuratórias de prestações positivas. Segundo, porque os direitos sociais têm uma característica especial que consiste no fato de não serem fruíveis ou exeqüíveis individualmente. Via de regra, dependem, para sua eficácia, da atuação do Executivo e do Legislativo por terem o caráter de generalidade e publicidade, como é o caso da educação pública, da saúde pública, do direito a um meio ambiente sadio, entre tantos. O que se pretende é que se reconheça a capital importância atribuída ao direito público subjetivo da educação básica, como direito fundamental preconizado pela Carta Magna de 1988, sendo elemento essencial ao pleno desenvolvimento do ser humano, o que, consequentemente, importa no crescimento econômico do País. 3.3 Justiciabilidade dos Direitos Ligados à Educação O grande paradoxo dos direitos sociais no Brasil, que apesar de formalmente consagrados pela Constituição, em termos concretos quase nada valem. Não é por acaso que nas sociedades sujeitas a discriminações sócio-econômicas e político-culturais, como a brasileira, tais direitos, esculpidos no texto constitucional têm apenas função ideológica. Segundo José Eduardo Faria133 seu objetivo na verdade, não é depurar juridicamente as concepções de equidade e justiça, nem garantir formalmente a correção dos desequilíbrios setoriais, das disparidades sociais e das diferenças regionais, mas apenas forjar as condições simbólicas necessárias para uma assimilação acrítica da ordem jurídica. Em sociedades com essas características, as declarações em favor dos direitos sociais tendem a ficar apenas enunciados e/ou propostas, uma vez que costumam ser utilizadas para exercer o papel de instrumento ideológico de controle das expectativas sociais. A concreção dos direitos sociais previstos pelos textos constitucionais muitas vezes é negada pelos diferentes braços do poder público. Nesse ínterim, a aplicação, pelo Judiciário, da efetividade do direito público subjetivo à educação básica é uma conseqüência significativa de sua categorização. Para Canotilho, 133 FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. p. 128. 88 ... pode-se dizer que um índice relativamente seguro para aquilatar da existência de um direito subjetivo, reconhecedor de pretensões jurídicas diretamente atuáveis na norma constitucional, é a possibilidade de o titular ativo poder recorrer aos tribunais para acionar judicialmente – em caso de necessidade – a satisfação de pretensões jurídicas contra os respectivos destinatários passivos.134 Desse modo, está apto o Poder Judiciário a interpretar e aplicar o direito subjetivo da educação básica, estabelecido pela Constituição. Tanto que o ensino básico já conta com o reconhecimento jurisdicional, independentemente de o Estado estar ou não aparelhado. Fato que não ocorre com o ensino médio e superior. No que tange em específico ao direito social, infelizmente, ao Poder Público resta a conveniência e a oportunidade de escolher por esta ou aquela política pública, o que inviabiliza a efetividade desses direitos fundamentais, pois ditas políticas públicas são materializadas conforme a natureza política de cada Estado. Aliás, muitas vezes, as políticas públicas são, covardemente, afastadas, desvirtuadas, e interrompidas apenas porque o projeto social partiu de partido político oposto ao que detém o poder. Carlos Weis135 ressaltou que .. mesmo as normas de direitos sociais, que contenham certa especificidade que permita a identificação da obrigação estatal, são passíveis de exigência judicial, no sentido de se compelir o Poder Público à sua realização, já que constitucionalmente comprometido. Nessa esteira, e com maior respaldo, está a possibilidade de se levar ao Judiciário a questão do cumprimento de norma constitucional, de cunho fundamental, tendente à realização das liberdades fundamentais, como é o caso da educação básica136. 134 CANOTILHO, Gomes J. J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 378. WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. p. 135. 136 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. p. 875 e ss. 135 89 Ademais, a própria Carta Magna contemplou em seu §2º, do artigo 208, a responsabilização do Estado, quer pelo não-oferecimento, quer pelo oferecimento irregular do ensino básico. No entanto, Awad137 alerta que, apesar de o Poder Judiciário possuir legitimidade para aplicar os direitos fundamentais nos casos concretos, o que se tem visto é que o Judiciário assumiu uma postura relativamente contemporizadora diante do advento dos direitos sociais. Invocando a independência dos poderes na melhor tradição da democracia liberal e esquecendo-se de que também é parte fundamental do Estado, tem se furtado a enquadrar o Executivo justamente no momento em que este poder, a pretexto da resolução de sua crise fiscal, vem promovendo cortes drásticos em suas políticas públicas e, na forma de programas de privatização nos campos da saúde, educação e previdência, procurando fugir de suas obrigações sociais. Aliás, agindo assim, o Poder Judiciário fulmina uma das características dos direitos fundamentais, tornando-se num verdadeiro retrocesso social, tendo em vista que tais direitos foram originariamente constituídos a partir de lutas/movimentos sociais como forma de proteção contra o risco de abusos e arbítrios praticados pelo Estado, então, surgiram os direitos sociais como prerrogativas das classes mais desfavorecidas. Contudo, a concretização eficaz desses direitos somente se completa com a intervenção ativa, comprometida e, permanente dos órgãos públicos. Ainda, sob a esteira de Awad138, o problema crucial da efetividade dos direitos fundamentais diz respeito à politização da atuação do Poder Judiciário. Com essa politização, perde-se a possibilidade de explorar ao máximo as reais potencialidades que o sistema jurídico oferece. Isso porque afirmar direitos, na verdade, não é uma questão exclusivamente jurídica, mas também uma questão política. Não perdendo tempo, Awad139 conclui, trazendo uma idéia de como se pode materializar efetivamente os direitos fundamentais, aduzindo que 137 AWAD, Fahd Medeiros. A Crise dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 65. AWAD, Fahd Medeiros. A Crise dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 66. 139 AWAD, Fahd Medeiros. A Crise dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 80. 138 90 A efetiva afirmação, enquanto rol de direitos fundamentais, depende, em larga medida, da possibilidade de que o direito possa se afirmar independentemente de injunções de natureza política. A sociedade brasileira mobilizou-se nos últimos anos não apenas para obter uma Constituição avançada, mas uma legislação no campo ambiental, no campo do consumidor, no campo da saúde, no campo da ação civil pública, das estratégias de acesso à justiça, enfim, uma legislação extremamente refinada. Contudo, ainda que tenha sido organizada para essas conquistas, parece faltar à sociedade brasileira o passo seguinte: o passo para transformar as garantias legislativas em direitos eficazes ou direitos passíveis de garantia judicial. Nesse contexto, a gravidade das questões sociais brasileiras parece não sensibilizar os legisladores e sua efetividade fica, incondicionadamente, amarrada à ação concreta dos poderes públicos, os quais descomprometidos com os objetivos do Estado Democrático de Direito em promover a justiça social, e de corrigir as disparidades econômicas, visam a única e exclusivamente a ascensão econômica de apenas uma parcela da sociedade. Em que pese o descaso do Poder Judiciário ante às necessidades coletivas, existem garantias constitucionais com viés para efetivar os direitos sociais, ou seja, uma possibilidade de agir em juízo. No campo processual, fazendo valer os princípios constitucionais do direito de ação, de acesso à justiça ou de controle jurisdicional, ganham destaque alguns remédios constitucionais tais como: a) mandado de injunção (art. 5º, LXXI) o qual possui o propósito de suprir a falta de norma regulamentadora, e por isso torne inviável o exercício de prerrogativas constitucionais inerentes à cidadania; b) mandado de segurança individual e coletivo (art. 5º, LXIX e LXX) o qual tem por finalidade proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Cabe ressaltar, ainda, outros remédios constitucionais como: ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º), ação popular (art. 5º, LXXIII); ação civil pública, com assento constitucional no art. 129, III. Quanto às garantias processuais constitucionais, cabe salientar o papel da Ação Civil 91 Pública. De acordo com dispositivos contidos na Magna Carta e regulamentados pela Lei nº 4.717/65, art. 1º: Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio, o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio da receita anual de empresas incorporadoras ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. Logo, a ação civil pública é o meio processual que tem fundamento nas hipóteses em que se tenha por escopo impingir determinada obrigação de fazer, de cunho legal, a ente público. Muito embora exista previsão legal do orçamento destinado à educação, os poderes públicos têm sustentado, ante sua negligência, omissão na falta de políticas públicas para o alcance dos direitos sociais à sociedade, que não possui recursos para implementação destes direitos fundamentais. No entanto, cabe às entidades estatais provar que não têm condições, o que não existe, haja vista a reserva orçamentária prevista constitucional e infraconstitucionalmente, mas que em muitos casos são direcionados a outros fins (desvio de verbas). Segundo Lima140: no que toca à aplicação da garantia constitucional à efetivação do direito à educação fundamental, tem-se que a Constituição de 1988, acrescida da Emenda Constitucional nº 14/96, vinculou verbas específicas do orçamento público dos entes da Federação à implementação do direito de que se trata. Com a vinculação, certamente pouco espaço restou à esfera administrativa do Poder Público para outra destinação da verba indicada a atender ao mister. Portanto, se espaço falta ao Poder Público para apreciar os elementos de conveniência e 140 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 38/39. 92 oportunidade, ao Judiciário sobra fundamentação para anular ato administrativo que infrinja a regra legal sobre a distribuição do orçamento naquele percentual, sem deixar, ainda, de atribuir sanção àquele agente que deixe de observar a norma constitucional. Quando ocorrer a infringência de regra legal sobre distribuição do orçamento (desvio de verbas) à educação, a qual possui reservas orçamentárias específicas, existe meio processual adequado para impedir que haja lesão ao patrimônio financeiro do ente público. Assim, a demanda judicial a ser proposta em caso dessa espécie é a ação popular, sendo o sucedâneo constitucional legítimo das funções político-jurídicas, atribuídas aos órgãos estatais, que visam a atacar o desvio de verba da educação, recursos, provenientes do dinheiro público. Não se pode olvidar que a situação acima mencionada vem prevista na Carta Política, a qual trouxe toda a vinculação orçamentária destinada à educação (art. 212 e seus parágrafos). Além disso, houve inovações, inovações destacadas no segundo capítulo deste estudo, apresentadas pela Emenda Constitucional nº 14, de 12.9.1996, que alterou sobremodo o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Já, com relação a educação básica, o constituinte de 1988 reservou verba específica para sua implementação, como também a destinou, por meio de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, à universalização do atendimento do ensino fundamental e à remuneração condigna do seu magistério. Assim, mesmo que ainda não se possa exigir do Estado o cumprimento da educação pré-escolar (para crianças de zero a seis anos), no que toca à educação básica, não só para as crianças de sete e quatorze anos, mas também para aqueles que não a tiveram na idade oportuna, a responsabilidade do Estado vai muito além.141 Quanto aos meios processuais previstos constitucionalmente para provocar a jurisdição (mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, etc) tem-se que a ação civil 141 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 40. 93 pública e a ação popular estão inseridas na problemática maior da participação da sociedade, por meio dos segmentos sociais, nos problemas de direção dos poderes públicos. A possibilidade de qualquer cidadão, ou a coletividade ter legitimidade em participar na administração pública, por meio s da iniciativa em impulsionar o Poder Judiciário, além de permitir o acesso à ordem jurídica, contempla, representa, ou deveria representar um instrumento de garantia, de controle e de transformação nos problemas de direção do aparelho estatal. Nessa esteira, os conflitos resultantes do direito à educação básica encontram respaldo nos direitos coletivos, ou ainda, que trazem por definição legal os interesses ou direitos transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base142. Dessa feita, os direitos sociais partem do interesse coletivo, e por conseqüência, segundo Lima143 suas notas caracterizadoras são a organização, a fim de que os interesses ganham a coesão e a identificação necessárias; a afetação desses interesses a grupos determinado (ou a menos determináveis), que serão os seus portadores e, por fim, um vínculo jurídico básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhes situação jurídica diferenciada. Dessa forma, os conflitos que surgem no âmbito da educação básica, concretizam-se, ao menos no plano processual, pelos pertinentes esquemas de legitimação para agir, e tal legitimidade diz respeito ao entendimento de que o homem é assim considerado enquanto é socialmente vinculado, e não considerado isoladamente, justamente pelo caráter coletivo do direito violado e em busca de tutela. Pormenorizado ao objeto da presente pesquisa, quando o homem, o qual faz parte, por exemplo, de um grupo de analfabetos, vê-se violado no seu direito à educação básica, 142 143 Lei nº 8.078/90, artigo 82, inciso II. LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 43. 94 portanto, os tornam cidadãos excluídos da sociedade, lesionando, assim, a sua dignidade humana, busca a tutela ao seu direito afetado, porque não obteve igualdade de oportunidades, deixados à mercê de pouco ou nenhum conhecimento. Diante desses argumentos, pode-se concluir que o direito à educação básica reúne as características dos interesses coletivos, podendo contar com a ação civil pública como importante instrumento de acesso à justiça e, por conseguinte, a seu direito fundamental à educação básica, cabendo ao Judiciário analisar as demandas da espécie com respaldo não só na ordem jurídica e nas respectivas instituições, mas, também, sob a perspectiva do direito coletivo invocado, que toca a seus destinatários.144 Em que pese à autora citada, ter mencionado apenas a medida processual denominada ação civil pública para tutela jurisdicional, quando haja violação do direito à educação básica, não resta dúvida de que a ação popular, quando se pretenda anular um ato administrativo, realizado sem a observância da vinculação legal, bem como os demais remédios constitucionais, anteriormente destacados, podem ser utilizados para a garantia do direito público subjetivo à educação básica, nos exatos termos da Constituição de 1988. 3.4 O Dever Educacional e a Responsabilidade da Família, da Sociedade e do Estado 3.4.1 Família e Educação A garantia do direito público subjetivo do direito à educação básica, nos termos do art. 205 da Constituição de 1988, é de responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. Assim, a verdadeira educação tem início no seio da família, onde a criança nasce, cresce e se desenvolve, surgindo, nesse momento, as primeiras relações de convivência humana para sua formação é constante, tornando-se consciente da sua dignidade e dever e da sua importância em participar cada vez mais ativamente da vida social. A importância dada à educação das crianças e à responsabilidade de seus pais é 144 LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 44. 95 expressada por Rafael Sajón145 Los hijos, señor, son pedazos de lãs entrñas de sus padres u así los há de querer, buenos o malos que sean, como se quieren lãs almas que nos dan vida; a los padres toca el encaminarlos desde pequeños por los pasos de la virtud, de la buena crianza y de las buenas y cristianas costumbres. Com efeito, para assegurar o pleno e harmonioso desenvolvimento da personalidade infantil, é necessário que a criança receba amor e compreensão, sendo que os pais, sempre que possível, deverão oferecer aos filhos um ambiente de afeto, segurança moral e material. No entanto, para que a família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, possa ter condições de realizar a sua tarefa na educação de suas proles, deve-se conceder a ela a mais ampla proteção e assistência possível, especialmente para a sua constituição e enquanto for responsável pela criação e educação dos filhos. Muniz146 afirma que a formação educacional da criança começa na família, e sua importância reside no fato que essa instituição é a célula básica da sociedade Dali os filhos saem melhores, ou piores, na medida em que ela cumpre bem ou mal seu papel. O direito à vida, portanto, no seu sentido mais pleno, está diretamente ligado à família, pois se perpetua por meio dela. Sua natureza e seu sentido consolidam-se com plenitude dentro dessa instituição. A criança tem nela, espontaneamente, sua primeira escola. É ali que se formam os primeiros traços do caráter, sendo os pais os primeiros responsáveis para formação sólida e garantidora de um equilíbrio social perfeito. A escola apenas supre a família, mas jamais a suplanta. O art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - (Lei nº 8.069/90) reforça a incumbência dos pais em igualdade de condições com a sociedade e o Estado no dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo ainda, no interesse desses, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Ostentam os pais a importante e indispensável obrigação de assistir e educar aos seus filhos, sendo possível, caso negligenciam da obrigação, ser suspensos ou destituídos do pátrio 145 146 SAJÓN, Rafael. Derechos de menores. p. 25. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. p. 168. 96 poder, consoante consignado nos arts. 1.637 e 1.638, II do Código Civil, e art. 129, X, do ECA: São medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis: (...) X, suspensão ou destituição do pátrio poder. Esse direito-função dos pais está intimamente ligado com o poder-dever, isto é, a atribuição de guardar, educar e corrigir. É sob a guarda dos pais que é possível ministrar aos filhos uma educação integral, atende-los nas suas necessidades básicas, como saúde, formação moral, religiosa e instrução, etc.147 Portanto, a responsabilidade dos pais na educação de um filho é fundamental na formação de seu caráter, pois educar é elemento integrante da vida. Contudo, segundo Muniz148 a família, como primeira educadora, precisa, entretanto, ser revalorizada. Embora muitos fatores sociais e econômicos venham intervir na educação dos homens, não há dúvida de que é na família que se forma o caráter para o bem ou para o mal. Quanto mais uma sociedade distancia-se dos valores familiares, mais ela afasta-se do bem comum. É necessário moralizar os costumes e restaurar os bons sentimentos. Como direito fundamental, o direito à educação, principalmente no que diz respeito à educação básica, deve ser preocupação primordial da família, tendo o dever de exigir do Estado todos os meios possíveis para efetivar o pleno e integral desenvolvimento de seus filhos. Rousseau, dentro de seu objetivo educacional, afirmou que o homem educado por ele, por mais que o destino o faça mudar de situação, estará sempre em seu lugar149. A educação, que é iniciada na família, necessita da cooperação de toda a sociedade, sem a qual se torna infrutífera. Nesse parâmetro, a sociedade também tem sua função na garantia do direito à educação a todos os cidadãos. 147 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. p. 170. MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. p. 184. 149 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. p. 15. 148 97 3.4.2 O Dever Educacional da Sociedade A dignidade da pessoa humana e o dever de solidariedade social, ambos consagrados na Carta Magna, em seus arts. 1º, III, e 3º, I, respectivamente, implicam uma prestação positiva dos cidadãos entre si. As duas instituições, família e sociedade, devem estar pautadas nos mesmos princípios e valores, para que todos possam alcançar a excelência moral, intelectual, em condições de liberdade e igualdade. Nesse sentido, Muniz destaca que a sociedade deve agir para cumprir com sua obrigação constitucional de materializar o direito à educação, mencionando que àquela deve atuar na educação da criança, não só a partir das escolas, dos professores, mas principalmente dos meios de comunicação social, que ditam padrões de comportamento, distorcendo, na maioria das vezes, o processo educativo iniciado no lar150. No entanto, o descaso com o direito fundamental do direito à educação impede que uma grande parte de crianças, jovens e adultos consigam chegar a passar por um processo educativo adequado, reduzindo-os à marginalização e à pobreza. Isso decorre de uma sociedade atual preocupada com o desenvolvimento econômico a qualquer custo, principalmente com países considerados de terceiro mundo, como é o caso do Brasil. Assim, essas sociedades possuem uma dinâmica estrutural que conduz à dominação de consciências. Não se pode olvidar que a função da educação no contexto constitucional é a de atingir a justiça social e o bem estar social, nos termos do art. 193. Para tanto, é necessário proporcionar ensino de qualidade a todos os cidadãos, em igualdade de oportunidades. Nesse 150 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. p. 187. 98 sentido, Muniz151 alerta que o ensino é serviço público a teor contundente doa rt. 205 da Constituição Federal, como dever do Estado e franqueado à iniciativa privada, que, todavia, deve se submeter às condições impostas pelo art. 209, da Constituição Federal: “I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”. A atividade, assim, tem natureza pública e está jungida, necessariamente, aos fundamentos e princípios em que sustém a Constituição Federal: cidadania, dignidade da pessoa humana, emanação do poder que advém do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, sociedade livre, justa e solidária, garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 1º, incisos II, III, parágrafo único, art. 3º, incisos I a IV, art. 4º, incisos II e IX, da Constituição Federal). Inconcebíveis o alcance e a concretização de tais princípios e fundamentos sem que a educação, latente e em potência no ser humano, esteja presente e seja uma constante na vida do cidadão, indispensável para o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205, da Constituição Federal). Assim, a sociedade tem o dever primordial de consolidar o direito à educação, no sentido de exigir do Estado, ensino público com possibilidade de acesso, permanência e qualidade, com capacitação de professores e ao mesmo tempo valorização dos mesmos. Do contrário, muitos continuarão excluídos do processo educativo, levados à marginalização, aumentando ainda mais os índices de criminalidade que assolam o país. Esse quadro somente poderá ser alterado a partir do momento em que a sociedade ter consciência de seu papel de educadora solidária com a família, e passar a exigir do Estado meios suficientes a conceder a todos os cidadãos subsídios para a sua formação integral. Entretanto, tal situação tornar-se-á realidade quando família, sociedade e Estado perceberem que é só por meio de uma educação básica integral, consistente, permanente e com qualidade que o homem se realiza e se tornará mais feliz. 151 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. p. 190. 99 3.4.3 Dever-Responsabilidade do Estado e os Princípios da Liberdade, Igualdade e Solidariedade como Norteadores do Direito à Educação Básica A Carta Política, artigo 227, o ECA, artigo 4º, e a Lei de Diretrizes e Bases, art. 2º, prevêem fundamentados nos princípios da cidadania e da dignidade humana, a participação da sociedade, da família e do Estado na educação da criança, leia-se educação básica, visando a sua integridade. Nesse parâmetro, a responsabilidade do Estado perante seus cidadãos, está associada a um dever/obrigação, que lhe é imposto tanto pelas normas constitucionais quanto pelas legislações infraconstitucionais. Portanto, a educação básica é, ou deveria ser, uma tarefa fundamental do Estado, e pode-se dizer, é um de seus deveres primordiais. Referente à educação básica, ser considerada como essência da personalidade, inserida no direito à vida, o seu acesso, permanência e qualidade está limitado àqueles que detêm condições econômicas, haja vista, a carência do ensino público, o qual deveria ser tratado com mais seriedade pelos agentes públicos. Segundo Awad152 isso é resultante da falta de proteção efetiva de um Estado capaz de identificar as diferenças e singularidades dos cidadãos, de promover justiça social, de corrigir as disparidades econômicas e de neutralizar uma iníqua distribuição tanto de renda quanto de prestígio e conhecimento. Se a atuação do Estado é fundamental para a formação da personalidade humana, e, por conseguinte, formadores de cidadãos capazes de conviver pacificamente em sociedade, quando há desinteresse por este trabalho, por parte daquele, as conseqüências maléficas de sua omissão serão sentidos por toda a sociedade. Além disso, a negligência do dever educacional pode trazer implicações e danos irreversíveis, inclusive ao próprio Estado, tais como, marginalização dos que carecem desse direito fundamental; aumento do índice de criminalidade; aumento da pobreza, entre outros. 152 AWAD, Fahd Medeiros. A Crise dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 90. 100 Percebe-se, desde logo, que ao Estado não se impõe apenas o direitos de respeitar a dignidade da pessoa, quando se fala de direito público subjetivo à educação básica, mas também o dever de proteger ativamente a vida humana, já que essa constitui a razão de ser da própria comunidade e do Estado. Além, é claro, de ser pressuposto para a fruição de qualquer direito fundamental. Nesse sentido, a efetiva garantia real da educação básica encontra respaldo na Declaração Universal dos Direitos da Criança, em seu art. 7º, nestes termos: toda criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória, pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se membro útil da sociedade. A Lei de Diretrizes e Bases, em seu art. 29, determina que a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Contudo, infelizmente, a educação nos primeiros anos de vida ainda não é prioridade do governo, indicando o artigo supra tão somente a sua finalidade. A indagação que surge é a de porque não existe uma prestação concreta por parte do Estado? E o porquê que o Estado ainda não foi compelido judicialmente no sentido de se reconhecer, diretamente com base nas normas constitucionais e infraconstitucionais, já transcritas no corpo deste estudo, um direito fundamental, independentemente de qualquer interposição legislativa, para garantia do direito público subjetivo e universal à educação básica? As indagações surgem diante da norma constitucional definidora desse direito fundamental, art. 206, VII, quando estabelece que o ensino seja ministrado com base nos seguintes princípios: (...) VII garantia de padrão de qualidade, no intuito de que todos possam competir de maneira igualitária. 101 O Estado não pode fugir de sua função educadora e muito menos pode deixar que as escolas privadas o suplantem no cumprimento deste dever. Deverá estar presente na formação de seus cidadãos, em parceria com a sociedade, preocupado, precipuamente, com a formação da personalidade infantil, implantando programas educacionais de qualidade e não apenas abrindo novas escolas. É preciso estar atento ao conteúdo das mesmas, procurando proporcionar à criança as condições de vida mais próximas de um lar, formando hábitos saídos, ensinando-lhes e estimulando sua capacidade gradativa no meio social com treinamentos e seleção criteriosa de pessoal e voluntários153. Poder-se-ia enumerar inúmeras conseqüências danosas para um Estado, e, sobretudo, para uma sociedade que rejeita a prioridade à educação básica. Contudo, citar-se-á um trecho de Rui Barbosa, apud Chaves154 em seu famoso parecer sobre o ensino primário a nosso ver, a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta e só esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a existência constitucional e livre da Nação: eis o formidável inimigo intestino que se asila nas entranhas do País. Para o vencer, releva instaurarmos o grande serviço de defesa nacional contra a ignorância. A conclusão que emerge dessa lição é a de que os Estados melhorem urgentemente o perfil da educação básica do Brasil se quiserem ainda sonhar com um futuro digno para os brasileiros. Pois o homem ignorante, como acentua Rui Barbosa, não respeita seu semelhante, não conhece as leis, e pior está acima dela. Deve-se alertar que quando aqui se fala de ignorância não se limita a ausência de instrução, mas sim a carência de uma educação básica, solidária, consciente e responsável, a qual permite com que cada cidadão tenha ciência de que sua liberdade termina quando começa a do outro. Por essa razão já é suficiente para que a educação básica seja o direito fundamental social que está acima de qualquer outro. Sabemos que a liberdade é somente real quando existem condições para cumpri-la. O direito à liberdade não teria nenhum valor para o cidadão se não se lhe dessem as condições necessárias para exercê-lo. A Constituição elenca um rol de direitos fundamentais cujo ponto central é a pessoa humana, que se desenvolve livre e dignamente na comunidade social. Se o objetivo dos direitos fundamentais é a proteção e o desenvolvimento da personalidade, se o bem supremo da ordem jurídica é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal de 88), então há uma presunção na busca de certeza de que haverá situações de fato que assegurem essas liberdades jurídicas. 153 154 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. p. 224. CHAVES, Antônio. Os dez mandamentos em defesa da criança. p. 129. 102 A liberdade fática torna-sede suma importância quando o direito fundamental refere-se à educação. A Constituição, no art. 205, garante a todos esse direito, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa”. Entretanto, este direito passa a não ter valor algum se não existe a possibilidade fática de torná-lo real155. Sem as possibilidades fáticas de que o direito à educação básica se concretize, fazendo com que a personalidade humana desenvolva-se plenamente, as normas constitucionais desse direito fundamental se tornam programáticas, convertem-se em fórmulas vazias. Por outro lado, o Estado alega que para a realização dos direitos fundamentais sociais, em específico, do direito à educação básica, precisa contar com recursos, pois já se fixou que não há direitos de prestações positivas sem custos. Todavia, como fazer ante a escassez que assola o mundo? Para responder fundamentadamente tal questionamento, socorre-se, a Lima156, que com propriedade aduz que não há dúvida de que tal fato não pode, de forma alguma, impedir a necessária cristalização dos direitos fundamentais, mas a combinação da escassez com a necessidade fez surgir, ao menos para esses dias atuais, a idéia do mínimo existencial. O mínimo existencial como direito às condições mínimas de existência humana digna, que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige dele prestações positivas, vai servir de critério de relevância para os direitos fundamentais. Na verdade, o mínimo existencial reflete o patamar ínfimo do dever estatal, ligado diretamente à sua própria manutenção, representando, doutra parte, a cidadania reivindicatória, com eficácia plena. Quanto aos direitos fundamentais revestidos da condição de mínimo existencial, neles reside o poder máximo da cidadania em exigir o seu implemento, até mesmo independentemente de positivação. Assim, ao homem somente é possível atingir a liberdade de fato quando o Estado lhe tenha concedido acesso, ao menos, ao núcleo essencial de seu direito à educação básica. Pois é por meio desse mínimo existencial que o Estado estenderia aos seus cidadãos, em igualdades de condições, ao alcance da conquista da própria liberdade, é esse caminho que se acredita que deve ser adotado. 155 156 MUNIZ, Regina Maria Fonseca. O Direito à Educação. p. 232/233. LIMA, Maria Cristina de Brito. A Educação como Direito Fundamental. p. 20. 103 Entende-se que assim a dignidade da pessoa humana, onde o mínimo existencial está representado no direito à educação básica universal, com condições de acesso e permanência na escola, amparados por uma garantia de qualidade, proporcionando igualdade de condições no ponto de partida, em que o resultado almejado há de ser uma liberdade igual para todos, corrigindo-se as desigualdades sociais. Portanto, deve ficar claro que as condições materiais da existência para que se respeite o princípio fundamental da Constituição Federal de 1988, qual seja, dignidade da pessoa humana, não podem retroceder aquém de um mínimo. Nessa mesma linha de entendimento, vale a pena consignar o ensinamento de Gregório Peces- Barba Martinez157 Se as necessidades básicas, principais e de melhora não forme satisfeitas, diminuem as aptidões e condições que facilitam gozar da liberdade. Nesse caso, não só se torna difícil gozar e beneficiar-se da liberdade protetora ou de não interferência, mas também a possibilidade de vir a perder aquilo que torna o homem diferente dos animais: a dignidade. É o que acontece com a população de países do terceiro mundo, ou até mesmo de um setor marginalizado nos países do primeiro mundo, que vivem uma vida subumana, morrendo lentamente por falta de bens mínimos. O mesmo autor conclui que essa necessidade básica principal e de melhora compreende desde uma alimentação e saúde adequadas até uma educação fortalecedora do espírito e formadora do caráter, isto é, o conjunto de qualidades que tornam o homem um ser moral e socialmente superior, digno de estima e respeito de todos que o rodeiam. Se essas necessidades são satisfeitas, dificultam-se e tornam-se quase impossível o desenvolvimento e o progresso físico, econômico, cultural e social do ser humano. Tendo em vista a situação da educação básica no Brasil, apresenta-se algumas medidas, as quais se julga necessárias para efetivação deste direito fundamental, que tem por objetivo melhorar a qualidade do ensino básico – compreendendo a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – como igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e garantia de qualidade do ensino com valorização e capacitação dos profissionais do ensino. 157 PECES, Gregorio e MARTÍNEZ, Barba. Curso de derechos fundamentales. p. 223. 104 3.4.4 Igualdade de Condições para Acesso e Permanência na Escola Preliminarmente, menciona-se que a obrigação do Poder Público está direcionada com o ensino público, em que pese o princípio de igualdade vincular as entidades públicas e privadas. Isso se justifica, porque a preocupação e angústias que desafiaram a presente pesquisa estão destinadas às camadas menos desfavorecidas das sociedades, largadas à pobreza e à marginalização. Poder-se-ia mencionar o direito de escolha, a partir do qual faz parte o direito de liberdade de educação ou de ensino. No entanto, a atenção será destinada ao ensino público. Nessa esfera, todos têm direito ao ensino público com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. Fazendo referência a Kant, o direito de liberdade nada mais é do que compreendê-lo tendo em vista a igualdade no ponto de partida, a igualdade de oportunidades, pois a liberdade, o direito de perseguir seu próprio destino, desenvolver-se autonomamente, somente alcança sentido por meio de uma igualdade de oportunidades158. Nesses termos, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola constitui pressuposto imprescindível ao desenvolvimento da liberdade do cidadão. Dworkin, ao abordar o direito de liberdade, refere-se ao dever do Estado de não apenas tratar os cidadãos com consideração e respeito, mas com igual consideração e respeito. O Estado não deve distribuir bens e oportunidades, de maneira desigual159. Canotilho escreve que o princípio da igualdade não é apenas um princípio de Estado de Direito, mas também no Estado social. Independentemente do problema da distinção entre <<igualdade fática>> e 158 159 KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. p. 154. DWORKIN, Ronald. Los Derechos em serio. p. 389 105 <<igualdade jurídica>> e dos problemas econômicos e políticos ligados à primeira o princípio da igualdade sob o ponto de vista jurídico Constitucional, assume relevo enquanto princípio de igualdade de oportunidade (Equality of opportunity) e de condições reais de vida. Garantir a << liberdade real>> ou <<liberdade igual>> é o propósito de numerosas normas e princípios consagrados na Constituição (exemplo: CRP o art. 74 – ensino)160. O Brasil, ainda tem muitas crianças fora da escola e é de fundamental importância que as mesmas sejam instruídas, baseadas nos direitos de iguais condições para o acesso e permanência na escola. Não basta ser um acesso gratuito, com criação de mais escolas, creches, mas sim viabilizar que possam estudar sem se preocupar com a necessidade de complementação da renda familiar. É mister que, as crianças, não possuam qualquer restrição na liberdade de apreender. Além disso, o Estado deve oportunizar estudo àqueles que não o teve na época adequada, tudo para diminuir ou até mesmo para que se possam eliminar as desigualdades sociais fáticas, e isso é tarefa tanto do ensino público como privado. Quanto ao sistema público em específico, o princípio da universalidade do ensino médio, o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, o atendimento às crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas, o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um, a gestão democrática, a gratuidade do ensino, enfim, todos os deveres do Estado para com a educação (material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde) são elementos que informam a interpretação do direito de iguais condições de acesso e permanência na escola. É indiscutível que a ausência de qualquer um dos deveres do Estado para com a educação pode vir a caracterizar um tratamento desigual, um tratamento que deve ser compreendido no seu devido alcance, pois em se tratando de cidadãos na linha de pobreza abaixo dela, o não fornecimento das condições básicas (alimentação, por exemplo) pode propiciar o abandono escolar pela impossibilidade de permanecer na escola161. Portanto, a igualdade de acesso e permanência implica o estabelecimento de critérios gerais e de atitudes não discriminatórias, vinculando tanto às entidades públicas como às privadas. Naquelas, cabe ao Poder Público realizar políticas públicas que trazem a lume a concretização do princípio da igualdade e, conseqüentemente, a materialização do direito à educação básica universal. 160 161 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. p. 567. MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 173. 106 3.4.5 Garantia de Qualidade e Valorização dos Professores O art. 9, incisos, V, VI, VII e IX, da LDB dispõe incumbir à União coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação; assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar nos ensinos fundamental, médio e superior; assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior; e autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. Do mesmo modo, o art. 10, inciso IV, dispõe ser de competência dos Estados autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os curso das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. Nesse ínterim, o Estado está obrigado a fiscalizar a qualidade do ensino, pois tanto é dever da escola prestar o ensino com qualidade, como do Estado fiscalizar a prestação do ensino. Somente assim, a garantia de qualidade deve ser efetivada. Tal dever do Estado decorre de obrigação jurídica, sendo passível de intervenção do Poder Judiciário para garantir a qualidade dos estabelecimentos de ensino. A qualidade de ensino é garantida através dos processos de avaliação comandados pelo poder de fiscalização do Estado. A obrigação jurídica do estabelecimento escolar de prestar o serviço de ensino com qualidade, portanto, é passível de ser exigida da fiscalização do Estado, que pode utilizar os instrumentos jurídicos adequados, de modo a compelir o estabelecimento para que este melhore seus índices162. Além da fiscalização estatal aos estabelecimentos de ensino, e como complemento da garantia da qualidade do ensino público, insta salientar a necessidade de valorizar o profissional de ensino, prestigiá-lo, motivá-lo a desempenhar da melhor maneira possível suas atividades docentes. A Constituição garante, no art. 206, inciso V, a valorização dos profissionais de ensino, assegurando, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso, exclusivamente, por concurso público de provas e títulos. 162 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. p. 186. 107 A LDB, no art. 67163, concretizou o princípio constitucional, disciplinando que os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público, e como princípio geral também deve ser aplicado às instituições privadas. O aperfeiçoamento profissional continuado, com licenciamento periódico remunerado para esse fim; piso salarial profissional e um plano de cargos e salários são indispensáveis à valorização do profissional do ensino, com reajustes que correspondem à perda inflacionária; e à consideração de que o magistério não se resume ao período de permanência em sala de aulas, nas leituras e nos cursos de atualização devem estar compreendidos na carga de trabalho; instalações físicas dos estabelecimento de ensino, acrescidos de instrumentos ideais apropriados para o professor desempenhar seu mister são condições mínimas e adequadas de trabalho. Diante disso, para que o direito fundamental à educação básica seja materializado na sua condição de direito público subjetivo, gratuito, precisa ter alcance universal, devendo o Estado garantir sua proteção e efetivação, proporcionando os meios de igualdade de condições para acesso e permanência na escola, bem como a garantia de qualidade do ensino, perpassando pela valorização dos profissionais da área. 163 Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III - piso salarial profissional; IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e ava liação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho. Parágrafo único. A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino. 108 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa parte, devem-se destacar algumas questões que foram abordadas ao longo do texto, de acordo com a proposta seguida. Tendo em vista o retrospecto do direito à educação no Constitucionalismo brasileiro, enfatizou-se o potencial normativo da Constituição de 1988, que prestigiou o direito à educação, podendo denominar educação básica, atribuindo-lhe a característica de direito fundamental social e, ao mesmo tempo, dispõe ser dever do Estado materializar acesso aos cidadãos. Outro aspecto importante foi trazer uma adequada teoria dos direitos fundamentais. Tais elementos foram fundadores da ordem jurídica quanto ao direito à educação, em suas mais diversas peculiaridades. Compreender o processo de formação do ideal dos direitos fundamentais, com início na época do trânsito para a modernidade, impulsionada pelo humanismo e pela Reforma, caracterizada pelo individualismo, o racionalismo e o processo de secularização, revelou-se um quesito preliminar ao estudo do direito à educação. É preciso ficar claro que os direitos fundamentais estão em constante transformação e evolução, e isso se justifica pelo surgimento de novas exigências valorativas do ser humano, provocadas por reivindicações de classe. Por isso, apresenta-se na doutrina a divisão dos direitos fundamentais em dimensões, e em que pese tais dimensões não lograrem, por si só, êxito em explicar de modo satisfatório toda a complexidade de processo de formação histórica e social dos direitos, foi importante consignar que as dimensões são de cunho essencialmente didático e explicativo, marcando avanços, retrocessos e contradições. Como terceiro aspecto, foi estudado o fato de que o Estado tem como função precípua realizar os direitos fundamentais, já que se impôs o dever de assegurar o cumprimento do contrato social, proporcionando aos cidadãos às facilidades legais – liberdade - para o exercício dos direitos fundamentais. 109 O direito à liberdade não teria nenhum valor para o cidadão se não lhe dessem as condições necessárias para exercê-lo. A Constituição elenca um rol de direitos fundamentais cujo ponto central é a pessoa, que se desenvolve livre e dignamente na comunidade social. Desta feita, se o objetivo dos direitos fundamentais é a proteção e o desenvolvimento da personalidade, se o bem supremo da ordem jurídica é a dignidade da pessoa, então há uma presunção na busca da certeza de que haverá situações de fato que assegurem essas liberdades jurídicas. Referida liberdade fática advém, especialmente, do direito fundamental da educação. A Constituição, no art. 205, garante a todos esse direito, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa”. Entretanto, esse direito não ter valor algum se não existe a possibilidade fática de torná-lo real. Para tornar real a liberdade fática por meio do direito a educação, é necessário que todos os cidadãos tenham suas necessidades básicas, principais e de melhora satisfeitas, para que tenham aptidões e condições que facilitam gozar da liberdade. E a necessidade básica principal e de melhora compreende desde uma alimentação e saúde adequadas até uma educação fortalecedora do espírito e formadora do caráter. No entanto, àqueles que não possuem uma educação mínima não poderiam manifestar suas idéias. Assim, a universalização do direito à educação básica a todos os cidadãos, os quais são os atores políticos essenciais, poderia facilitar a liberdade de expressão desses titulares políticos, concedendo, assim, o status igualitário de existência digna e respeitável. Com efeito, o direito à educação básica é um direito subjetivo, obrigatório e gratuito como determina a Carta Magna. No entanto, o acesso, a permanência e a qualidade da educação básica, são ainda limitativos e seletivos em termos econômicos. Nesse sentido, podese compelir o Poder Público à sua realização, já que é constitucionalmente comprometido. 110 O que foi proposto, é que a educação deve ser vista de modo integral, pois é um direito da personalidade humana, que tem início com o nascimento com vida, e deve acompanhar toda a existência da pessoa. A educação pré-escolar e continuada deve ser expandida e incentivada. Como é um direito próprio do ser humano, a sua implementação não fica na dependência de sua concessão através de normas estatais, ou de qualquer outra categoria, devendo, a educação, consolidar-se como direito oponível contra todos, principalmente contra o Estado que deve propiciá-la por meio de serviços públicos compatíveis com os seus desígnios. Por essa especialidade, a educação se caracteriza como direito social exatamente por ter a capacidade de exigir a sua implementação pelo Estado. Além de direito absoluto, a educação também tem como característica a irrenunciabilidade, e por isso não é transacionável, perdurando por toda a vida da pessoa. Outro aspecto em destaque é que a realização dos direitos fundamentais deve contar com recursos, pois não há direitos sem custos. Para superar a falta de recursos, a Emenda Constitucional 14/96 criou meios para implementação financeira do direito público subjetivo, de direito à educação básica, conferido pela Carta Magna de 1988, destinando verbas específicas para a concretização do direito à educação. Assim, o Poder Público encontra-se com sua ação perfeitamente delineada com meios para implementar a meta constitucional de universalizar a educação ao povo brasileiro. Portanto, para evitar essa negação do direito fundamental aqui destacado, é preciso vontade política para a implementação de políticas públicas no sentido de materializar o direito público subjetivo à educação básica. Em que pese não ser uma questão tão simples, da idéia de combinar escassez à necessidade, surge o mínimo existencial, que reflete o patamar ínfimo do dever estatal, ligado 111 diretamente à sua própria manutenção, representando, doutra parte, a cidadania reivindicatória, com eficácia plena. No entanto, não basta uma mera implementação, é preciso garantir a universalização da educação básica por meio de um dos aspectos que se destaca como um princípio básico da educação básica, qual seja igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206, da CF/88; LDB art. 3º, I), baseado numa educação básica de qualidade, de acesso gratuito e obrigatório, de forma contínua e permanente, estabelecendo uma garantia de padrão de qualidade, com valorização dos profissionais da área, para que a maioria dos brasileiros possa contar, na medida do possível, com igualdade de oportunidade no ponto de partida, qual seja, educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Com isso, verificou-se que a definição de educação como direito social fundamental, decorrente dos direitos da personalidade, é um forte aliado à obtenção plena da educação, como um direito de todos, e um dever do Estado e da família, e que espera-se, um dia, possa ser vivenciada por todos os brasileiros, para que todos tenham maior consciência de si mesmos, de sua gente e de seu país. Dessa forma, os cidadãos estariam diante do exercício consciente de sua cidadania, através dos direitos de participação, de autodeterminação e de direitos a prestações que favoreçam a igualdade substancial entre todos os seres humanos. 112 REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AWAD, Fahd Medeiros. A Crise dos Direitos Fundamentais Sociais. 1ª. ed. Passo Fundo: UPF Editora, 2005. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Erensto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993. 607 p. Título original: Theorie der Grundrechte. BARROSO, Luis Roberto. 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