cc23063270920 - as representações intermediárias no ensino de

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AS REPRESENTAÇÕES INTERMEDIÁRIAS NO ENSINO DE SEQÜÊNCIAS
NUMÉRICAS
Tânia Stella Bassoi –Unioeste - Cascavel – Pr. [email protected]
Maria Tereza Carneiro Soares - UFPr.
[email protected]
Os objetos matemáticos não são diretamente acessíveis à percepção e só é
possível acessá-los pelas suas representações. Uma das funções da representação é a
comunicação entre os sujeitos que pode ser expressa por símbolos, signos, códigos,
tabelas, desenhos, entre outros, com registros de representação diferentes para um
mesmo objeto.
Duval (1995,2003) destaca a necessidade e importância da diversidade de
registros de representação para o pensamento humano. Para ele, cada registro de
representação funciona de modo diferente e possui um custo de tratamento (
transformação de uma representação dentro do próprio registro em que foi constituída,
p. ex., 3 + 2 = 5; o custo refere-se a economia de registros com o objetivo de utilizar
tratamentos mais eficazes e econômicos, p. ex., 5+5+5+5 pode ser trocado por 4x 5).
Os diferentes modos de representar, seja um objeto, um conceito, uma situação,
uma idéia, apresentam limitações específicas dependendo da natureza do registro
semiótico. Este registro pode ser insuficiente para comunicar ou conceituar o conteúdo
representado, daí a complementaridade entre registros.
Esta complementaridade entre registros (Damm, 1999) é importante no processo
ensino-aprendizagem da matemática uma vez que, p. ex., na passagem do enunciado de
um problema a uma linguagem matemática e, conseqüentemente o tratamento dessa
linguagem, permitem ao sujeito perceber os diferentes aspectos, conceito ou situação a
ser representada pelo objeto. Daí a importância de o professor trabalhar com diferentes
registros de representação de um mesmo objeto matemático.
Para Duval (1995, 2003) a coordenação entre diferentes registros de
representação é fundamental para a compreensão matemática. Esta coordenação, no
entanto, não é espontânea uma vez que, mudar um registro de representação, torna-se
uma via de duas mãos e, dependendo do sentido tomado, essa operação de conversão
(transformação de um a representação ao mudar de registro) pode ser difícil ou mesmo
impossível para alunos de diferentes níveis de ensino.
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Os registros intermediários em seqüências numéricas com números inteiros
Na análise dos dados da pesquisa (Bassoi, 2006), os argumentos trocados entre a
professora e seus alunos1 mostraram diferentes tipos de representações intermediárias
escritas utilizadas pela professora: as representações formais ( as aprendidas na escola,
como gráfico, tabela, esquema) e as utilizadas para reforçar e destacar o que era
importante tanto no tratamento quanto na conversão entre registros.
A título de ilustração segue-se um recorte de uma das aulas em que a professora
trabalhou seqüências numéricas em forma de registro escrito.
A professora pediu aos alunos para completarem a seqüência de números 12, 7,
2,..,...,.... Ao corrigir o exercício, a professora completou com os valores –3, -8, -13 , –
18. Alguns alunos não entenderam o –3 , –8. A professora argumentou:
P:- Tem gente que esqueceu os números negativos...:Essa seqüência está diminuindo
de quanto em quanto?
As:- De cinco em cinco.
A professora usou uma representação intermediária para representar a
seqüência e a diferença entre os termos, registrando no quadro:
-5 -5
12, 7, 2,...
Uma aluna disse:
A8:- Começa a somar mais cinco.
P: - Somar mais cinco?
A8:- Eu entendi assim: o dois é mais e daí vai somando cinco só que dá soma negativa.
Atenta ao que a aluna dissera, a professora utilizou uma representação formal, a
reta numérica, representando os valores sobre a reta para ajudar a aluna a organizar e
clarificar a seqüência decrescente.
A8: - Agora eu entendi! Vai indo pra trás.
1
Os alunos aparecem nomeados nos diálogos como A1, A2, A3,...( quando, na coleta dos dados, não
havia possibilidade de identificar quem falava ), como As (quando muitos falavam ao mesmo tempo) e
Cam, Lui, Sta ... (identificados por três letras dos respectivos nomes) e a professora por P.
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A professora compartilhou com os outros alunos, o pensamento apresentado
pela aluna.
P: - Ela disse que está somando para baixo, não?
A aluna não respondeu e a professora procurou ajudar.
P: - Ela disse assim: Estou vindo de lá para cá (mostra no quadro o sentido da direita
para a esquerda). Para eu vir do mais dois para a esquerda retirando cinco eu vou cair
no...
As:- Menos três.
P: - E retirando cinco ainda...
As: - No menos oito.
A aluna A8 continuou com dúvida:
A8:- Mas eu não estou somando?
A professora usou o argumento da aluna e a representação formal, a reta, para
explicar:
P: - Você está somando para a esquerda, indo para a parte negativa.
A utilização da professora, dos argumentos da aluna não a ajudou. Ela permaneceu
por
alguns
segundos
em
silêncio
antes
de
manifestar:-
Ah!
É.
( fim do exemplo)
Para procurar evidenciar os diferentes apelos às representações intermediárias,
segue-se o diálogo entre a professora e seus alunos na correção da seqüência -15, -8, 1,...,....
P: - Na letra a ( a seqüência anterior) estava diminuindo e agora está aumentando.
A1: - Não está diminuindo professora?
P: - Em primeiro lugar precisamos saber se está aumentando ou diminuindo. Na
seqüência de números ímpares o intervalo era...
A1: - Dois .
A2: - Agora está aumentando de 7.
A3:- Não entendi porque está aumentando.
P: - Veja, tente enxergar como se fossem temperaturas. Se você passa de menos quinze
para menos oito a temperatura aumenta ou diminui?
A3: - Aumenta.
P: - Ficou mais fácil de entender?
A3: - Sim, mas eu não lembrei da temperatura.
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Os argumentos da professora, recorrendo a uma representação socialmente
utilizada, revelam que o aluno, mesmo conhecendo a escala de temperatura, não a
associou à seqüência apresentada.. A mesma forma de completar a seqüência 15, 8 e 1
ele impôs à seqüência, –15, -8 e –1.
Os registros intermediários em seqüências numéricas com números racionais.
Para completar a seqüência de números racionais, 1/4, 1, 7/4,...,..., a professora
apelou para uma representação intermediária, um desenho, para auxiliar os alunos a
preencher a seqüência com os termos que faltavam.
Segue-se o diálogo para a correção dessa seqüência:
As: - Ihhh professora esse é dificil...Esse a gente não fez...
P: - Então vamos desenhar.
pintou 1/4
pintou 4/4
P: - Como vou desenhar 7/4?
A4: - Pinta aquele inteiro e mais um de ¾.
pintou 4/4
pintou 3/4
O desenho suscitou uma questão exposta por uma aluna.
Cam:- Não fica sete oitavos se juntar?
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A2: - Sete oitavos é em oito partes.
P: - Isto é sete oitavos (e desenha um círculo no quadro, divide em 8 partes, pinta 7 e
pergunta
se
seria
a
mesma
quantidade).
Cam: - Mas se junta não dá?
Para tornar a explicação mais clara, a professora apelou a outra representação
intermediária e explicou:
P:- Pense numa pizza. Se eu juntar (e bate com o giz sobre as partes de quartos dos dois
círculos) vou comer a mesma coisa ou mais?
Cam:- Mais.
P: - Qual a diferença?
Cam: - O número de partes.
Ela retornou à representação intermediária anterior, dividiu um dos círculos de
quatro partes, em oito partes e perguntou:
P:- A pizza é dividida em 8 partes, as partes são maiores ou menores do que se eu dividir
em 4?
Cam: - Menores... dá pra juntar mais pra fazer quantidade (referindo-se a soma das
partes).
A professora ao perceber a dificuldade no tratamento do algarismo 1 em sua
representação racional, para o caso de 4/4, perguntou:
P: - O que complicou foi o um (referindo-se ao termo da seqüência), não foi?
Cam: - Foi...
A professora revelou sensibilidade ao identificar o cerne da dificuldade. O
desenho mostrou uma incompatibilidade entre as partes representadas e sua
quantificação numérica. A representação, em forma de desenho, remeteu à memória da
aluna provavelmente “... de tantas partes... pintei tantas... tenho...” possivelmente
reminiscências da aprendizagem de frações em séries anteriores. Ela não conseguia
perceber que o todo referência se dividia em quartos e não em oitavos. A professora
mudou o sistema de representação.
P:- Poderíamos ter trocado o um por outra representação?
Lui: - Por quatro quartos.
Lui respondeu prontamente revelando uma compreensão imediata deste
tratamento. A professora prosseguiu:
P: - Se estivesse assim (e escreve 4/4 no lugar do 1 na seqüência) perde a graça pois
vocês saberiam que o próximo termo da seqüência é dez quartos. Sta, você lembra do
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número misto quando põe um número inteiro e mais uma fração, por exemplo, (e
escreve no quadro) 1 ½ de açúcar, 2 ¾ copos de leite? Então como posso escrever dez
quartos?
A professora propôs outro tratamento para Sta e ela respondeu:
Sta: - Sei lá...
Lui: - Dois inteiros e dois quartos.
P: - A quinta e a sexta série não estão tão longe assim e falamos nisso o ano passado
não? O próximo número é ...
Lui: - Dezesseis quartos.
A professora completou a seqüência no quadro.
P: - Podemos trocar dezesseis quartos por...
Cam: Quatro inteiros.
P: - Por que falamos pizza?
And: - Porque é mais fácil de pensar.
CONCLUSÕES
Das situações de ensino-aprendizagem da matemática ilustradas acima, tomando
os pressupostos teóricos de Duval (1995, 2003), cabe atenção especial a aspectos
significativos deste processo que professores julgam simples no ato de ensinar. Os
diálogos apresentados mostraram que a aprendizagem não corresponde à intenção de se
tornar um ato simples de aprendizagem.
Qualquer professor atuante na 8ª série é capaz de classificar as seqüências
inteiras como exercícios de completamento numérico (tratamento). Mas o
completamento das seqüências numéricas revelou uma recorrência a diferentes
representações intermediárias que, auxiliadas pela fala da professora, compunham a
árdua tessitura da aprendizagem.
Na primeira seqüência, a representação intermediária
12, 7, 2,... revelou, pela
fala da aluna, a dificuldade para entender o completamento da seqüência. A capacidade
da professora em buscar e apresentar uma representação bem conhecida pelos alunos, a
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reta numérica, para levá-la à compreensão, foi o que pareceu assegurar o entendimento
do conteúdo apresentado.
Na outra seqüência, com inteiros, a professora fez referência a uma
representação intermediária que podemos considerar social para que o aluno entendesse
a ordenação dos numeros inteiros negativos.
O exercício do tratamento numérico para números racionais, mostra a
dificuldade de alguns alunos em operar e representar equivalências no conjunto dos
racionais, apesar do trabalho anterior e do uso pela professora de uma representação
intermediária, a pizza, que fazia sentido aos alunos.
Em suma, as representações intermediárias parecem representar um duplo
papel: ao mesmo tempo em que auxiliam a compreensão do tratamento de um registro
ou conversão entre diferentes registros, permitem ao professor detectar a dificuldade do
aluno, seja numa ordenação em determinado conjunto numérico, seja em seu tratamento
operatório ou numa conversão. Essas representações permitem ao professor trazer o
aluno para um contexto onde os objetos matemáticos façam sentido. Também merece
destaque as representações formais escolares ( p.ex., a reta) como importante auxiliar
na compreensão de determinados tratamentos matemáticos.
REFERÊNCIAS:
BASSOI, T.S. Uma professora, seus alunos e as representações do objeto
matemático funções em aulas do ensino fundamental. Tese de doutoramento.
Faculdade de Educação.UFPr. 2006. 180 p.
DAMM, R.F. Registros de representação. In: Educação Matemática: uma
introdução.Silvia D. A. Machado (org.). São Paulo:Educ, 1999, p.135-153.
DUVAL,R.,Semiosis et pensée humaine: Regitres sémiotiques et apprentissages
intellectuels. Bern: Peter Lang, 1995.
DUVAL,R. Registros de Representações Semióticas e Funcionamento Cognitivo da
Compreensão em Matemática. In: Aprendizagem em Matemática, org. Sílvia D. A.
Machado,Campinas,SP:Papirus, ,2003, p.11-33.
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