Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em

Propaganda
Viso · Cadernos de estética aplicada
Revista eletrônica de estética
ISSN 1981-4062
Nº 15, 2014
http://www.revistaviso.com.br/
Pintar e pensar as forças:
a criação em pintura e em filosofia
segundo Deleuze
Mariana de Toledo Barbosa
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo
Deleuze
Esse artigo é uma réplica ao texto de Cíntia Vieira intitulado "Diagrama e catástrofe:
Deleuze e a produção de imagens pictóricas".
Palavras-chave: Deleuze – Bacon – pintura – diagrama – catástrofe
ABSTRACT
Painting and Thinking the Forms: Creation in Painting and Philosophy
according to Deleuze
This paper is a critical response to Cíntia Vieira's "Diagram and Catastrophe: Deleuze
and the Production of Pictorial Images".
Keywords: Deleuze – Bacon – painting – diagram – catastrophe
BARBOSA, M. de T. “Pintar e pensar as forças: a
criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze”. In:
Viso: Cadernos de estética aplicada, v. VIII, n. 15 (jandez/2014), pp. 80-99.
Aprovado: 09.10.2014. Publicado: 31.01.2015.
© 2014 Mariana de Toledo Barbosa. Esse documento é distribuído nos termos da licença
Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC), que
permite, exceto para fins comerciais, copiar e redistribuir o material em qualquer formato
ou meio, bem como remixá-lo, transformá-lo ou criar a partir dele, desde que seja dado o
devido crédito e indicada a licença sob a qual ele foi originalmente publicado.
Licença: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR
Accepted: 09.10.2014. Published: 31.01.2015.
© 2014 Mariana de Toledo Barbosa. This document is distributed under the terms of a
Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license (CC-BY-NC)
which allows, except for commercial purposes, to copy and redistribute the material in
any medium or format and to remix, transform, and build upon the material, provided the
original work is properly cited and states its license.
License: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
À obra do pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992), Deleuze dedica um livro. Ou ainda,
ele faz um livro em que a filosofia encontra a pintura, já que não se restringe a pensar
apenas com os quadros de Bacon, mas se volta para telas de Rembrandt, Soutine,
Cézanne, Van Gogh, Gauguin, dentre vários outros, colocando a história da pintura a
serviço do seu problema filosófico. Em verdade, ele não se limita à pintura, mas também
aborda a escultura, a literatura, o teatro, a fotografia, o cinema e a música. Em Francis
Bacon: lógica da sensação, talvez a ênfase esteja na segunda metade do título: o tema
do livro é a lógica da sensação, a relação da sensação e de sua composição com a
intensidade ou potência vital que a determina. 1
Apesar do problema em questão ser a sensação, esta tomada como o produto por
excelência das artes – segundo O que é a filosofia?, publicado dez anos depois2 –,
Deleuze trata o assunto como costuma fazer em relação a outros criadores:
interessando-se pelo procedimento de Bacon, pelo seu modo de pintar, o que também
pode ser chamado de seu estilo. 3 Como pensa ou cria Bacon (dado que pensar e criar
são sinônimos para Deleuze)? Qual é o seu procedimento? Tal questionamento se aplica
a qualquer criador, seja ele artista ou filósofo, e se prolonga em dois outros: o que se cria
e por que se cria? Ou seja, algo sendo criado, o que é isto e qual é o problema ao qual a
criação tenta responder e que a torna necessária? Estas perguntas atravessam todos os
escritos de Deleuze e revelam a sua preocupação com o pensamento e as condições
genéticas deste.4
Uma única regra guia Deleuze, não apenas no encontro com a pintura, mas com
qualquer outra disciplina: utilizar os seus próprios meios de filósofo, aproximar-se da
outra atividade de pensamento como filósofo, deixando-se afetar por ela a fim de criar
conceitos. Assim como a filosofia cria conceitos, a arte cria sensações, ou melhor, blocos
de sensações, compostos de perceptos e afetos. Das percepções e afecções vividas, a
arte extrai perceptos e afetos que ultrapassam o vivido e têm uma consistência
ontológica própria. Estes blocos de sensações dependem apenas do material usado pelo
artista – tinta, pedra, letra impressa, etc. – para se conservarem. 5
O objetivo da arte, com os meios do material, é arrancar o percepto das percepções de
objeto e dos estados de um sujeito percebedor, arrancar o afeto das afecções, como
passagem de um estado a um outro. Extrair um bloco de sensações, um puro ser de
sensações. [...] Só se atinge o percepto ou o afeto como seres autônomos e suficientes,
que não devem mais nada àqueles que os experimentam ou os experimentaram.6
Os conceitos já são criações totalmente distintas. Cada conceito é uma multiplicidade de
componentes heterogêneos e inseparáveis, que se articulam num todo fragmentário. Ele
sempre se conecta a outros conceitos e é criado em função de um problema
anteriormente mal visto ou mal colocado. O que caracteriza um conceito é a sua
consistência, dada tanto pela articulação de seus componentes, quanto pela conexão
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
83
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
Introdução: como criam a pintura e a filosofia?
As diferenças entre a arte e a filosofia não impedem que haja interferências entre elas, e
o livro Francis Bacon: lógica da sensação é um exemplo de como conceitos e sensações
convivem, afetando-se uns aos outros, uns provocando a criação dos outros. Deleuze faz
um retrato mental ou conceitual 8 de Bacon: ele extrai da pintura de Bacon um problema
filosófico, que o leva a criar conceitos no intuito de dar conta dele.
Não é a primeira, nem a única vez que acontece um encontro entre a filosofia de
Deleuze e a arte de um outro criador, como se pode constatar a partir da grande
produção deleuziana inspirada pelos artistas e pelas artes, que se distribui por quase
três décadas, iniciando-se com Proust e os signos (1964/70) e estendendo-se até Crítica
e clínica (1993) – sem mencionar os diversos comentários que permeiam a sua filosofia
aqui e ali. Entretanto, que tipo de encontro se faz entre Deleuze e Bacon?
Deleuze assinala que, na obra de alguns filósofos, a interferência entre os conceitos e as
sensações se dá de tal forma que se torna impossível uma delimitação clara entre eles:
em Assim falou Zaratustra, de Nietzsche, nota-se uma dificuldade desta ordem, que
indica uma interferência intrínseca entre os domínios da arte e da filosofia. 9 Será que o
próprio Deleuze não busca uma indiscernibilidade deste tipo, quando extrai problemas
filosóficos das artes? Em uma entrevista, ele parece confirmar esta hipótese: “A filosofia
não está em estado de reflexão exterior sobre os outros domínios, mas em estado de
aliança ativa e interior com eles”. 10 A esse propósito, Deleuze chega a sustentar que a
filosofia não é composta puramente de conceitos – suas criações próprias –, mas
também de perceptos e afetos, que são como gritos, ao passo que os conceitos seriam
cantos.11
Em termos nietzschianos, poder-se-ia indagar: por que Deleuze põe a máscara de
Francis Bacon?12 O que ele quer dizer pela boca do pintor? Como Francis Bacon se
presta ao teatro filosófico de Deleuze, em que este põe em cena outros criadores, numa
tentativa de fazer pensar algo novo? 13 Uma comparação entre a arte e a filosofia talvez
indique um caminho para se responder a isso. Deleuze sustenta que existe uma
comunidade entre as artes, um problema partilhado por todas elas, que seria o de captar
forças, ou de tornar sensíveis forças insensíveis: a pintura tornaria visíveis as forças
invisíveis; a música, audíveis as forças inaudíveis; e assim por diante. 14 A filosofia
também lidaria com as forças, mas desta vez, para tornar pensáveis forças impensáveis:
“Estamos todos [os artistas e os filósofos] diante de tarefas muito parecidas. [...] Em
filosofia, trata-se de [...] tornar pensáveis, por meio de um material muito complexo,
forças que não são pensáveis”.15
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
84
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
com outros conceitos. Se os perceptos e afetos se opõem a percepções e afecções, os
conceitos, por sua vez, se opõem a ideias gerais ou abstratas. 7
As forças
O tema das forças, em Deleuze, provém do seu estudo de Nietzsche e é inseparável do
perspectivismo nietzschiano e da ideia de interpretação. Deleuze ressalta que, para
Nietzsche, não há fatos, só há interpretações. As interpretações fixam sentidos para tudo
o que existe.16 Só existem forças, ou melhor, relações de forças qualificadas. Nesta
perspectiva, interpretar ou fixar um sentido é indicar qual é a qualidade de força que
triunfa numa determinada relação de forças qualificadas.
As forças podem ter duas qualidades: serem ativas ou reativas. As forças ativas, por sua
qualidade, agem, dominam, se impõem às forças reativas, e estas, também por sua
qualidade e não por uma deficiência qualquer, reagem, se submetem, recebem a ação
das forças ativas. Essa distinção das qualidades das forças não causaria estranhamento,
caso não se observasse, na história, um triunfo das forças reativas. Se estas apenas
reagem e obedecem a forças ativas, como isso ocorre?
Deleuze explica que as forças reativas só podem vencer as forças ativas de uma
maneira: separando as forças ativas do que elas podem, impedindo-as de agir, já que as
forças reativas, mesmo quando se somam, não podem, em função de sua própria
qualidade, constituir um conjunto mais forte, que seria ativo. O máximo que as forças
reativas podem fazer, quando se desenvolvem, é separar as forças ativas do que elas
podem, de sua ação, tornando estas últimas reativas. Assim se dá, historicamente, o
triunfo das forças reativas. Este triunfo é inseparável de uma imagem invertida. Do ponto
de vista das forças ativas, tudo é força, só há relações de forças qualificadas, e esta é a
imagem, a interpretação para tudo o que existe. Todavia, do ponto de vista das forças
reativas, esta imagem se inverte por meio de ficções e mistificações. E quando as forças
reativas triunfam, esta imagem invertida se expande e se projeta, impedindo que se
interpretem as forças como forças.17
A interpretação que se faz e a imagem que se tem das forças dependem do ponto de
vista que se assume. Do ponto de vista das forças ativas, não existe nada além de
relações de forças qualificadas. Do ponto de vista das forças reativas, ao contrário, a
tudo o que há, correspondem ficções e mistificações. Interpretam-se os corpos, por
exemplo, não como relações de forças qualificadas, mas como formas orgânicas,
individualizadas e organizadas. Estas ficções e mistificações servem para fazer
obedecer, lembrando-se que é da qualidade das forças reativas serem dominadas,
obedientes e submissas. Do mesmo modo que a interpretação segundo o ponto de vista
das forças ativas favorece a ação, que é mais afim com a qualidade destas forças, a
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
85
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
O objetivo deste artigo é explorar a relação entre a pintura e a filosofia na obra de
Deleuze, acentuando-se notadamente a gênese do pensamento no âmbito destas duas
disciplinas.
Quando Deleuze fala em forças insensíveis – sejam estas invisíveis ou inaudíveis – e
forças impensáveis, está implícito um ponto de vista a partir do qual estas forças não são
sentidas ou pensadas. E quando ele defende a necessidade de tornar sensíveis –
visíveis ou audíveis – e pensáveis estas mesmas forças, pressupõe-se uma mudança de
ponto de vista. A tarefa que liga as artes à filosofia consiste precisamente neste
deslocamento de pontos de vista, nesta passagem de um ponto de vista reativo, em que
as forças não são sentidas ou pensadas, para um ponto de vista ativo, em que as forças
passam a ser sentidas ou pensadas. Pintar as forças é torná-las sensíveis, visíveis, e
pensá-las ou conceituá-las é torná-las pensáveis. A adoção deste ponto de vista, que é
ativo, coincide com o devir-ativo das forças, com o triunfo da ação sobre a reação.
Esta luz nietzschiana permite uma melhor compreensão acerca da vitalidade que
Deleuze vê na pintura de Bacon. No fragmento em questão, Deleuze está interessado
pelo corpo que povoa as telas de Bacon, e pelas forças que agem sobre ele desde fora,
deformando-o. Ele destaca que, ao tornar estas forças visíveis, Bacon inscreve, em seu
quadro, a possibilidade de um outro triunfo, do triunfo das forças ativas sobre as forças
reativas, das forças ativas do corpo sobre as forças reativas que tentam separar as
forças ativas do que elas podem, impedi-las de agir, tornar o corpo impotente, mortificálo.18 Deleuze percebe uma vitalidade na obra de Bacon, pois ele pensa que, ao tornar
visíveis as forças invisíveis, a pintura de Bacon cria as condições para um devir-ativo das
forças do corpo. A adoção de um ponto de vista ativo sobre as forças é inseparável da
destruição das mistificações e ficções que caracterizam o ponto de vista reativo e
contribuem para o devir-reativo das forças. A representação é uma destas ficções, tanto
em pintura, quanto em filosofia.
A diferença
É possível entender a filosofia da diferença deleuziana privilegiando-se a filiação de
Deleuze a Nietzsche e a continuação, por Deleuze, do projeto nietzschiano de subversão
do platonismo.19 À luz de Nietzsche, Deleuze estima que Platão, numa clara ruptura com
os pré-socráticos, fundou o pensamento da representação na filosofia, caracterizado pela
subordinação da diferença à identidade. O seu projeto de subversão do platonismo, por
essa razão, coincide com a criação de um pensamento da diferença, segundo o qual é a
identidade que depende e deriva da diferença.
Neste sentido, Deleuze contraria a leitura que uma parte da tradição filosófica ocidental
faz de Platão – com destaque para Kant e Hegel – para subscrever o que ele considera
ser uma tendência nietzschiana de busca da motivação do platonismo, até então não
esclarecida. Ele recusa a centralidade da grande dualidade entre a Ideia e a imagem,
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
86
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
interpretação de acordo com o ponto de vista das forças reativas favorece a obediência e
a submissão, mais condizentes com esta outra qualidade de forças.
As imagens ou cópias são, segundo Deleuze, pretendentes a uma qualidade da qual só
podem participar secundariamente. Por exemplo, as cópias pretendem ser justas, mas
apenas a Justiça (a Ideia de Justiça) é justa, nada além de justa, e participa
primariamente da qualidade de ser justa. As cópias só podem ser justas em segundo
(terceiro, quarto, ...) grau, e sempre a partir de uma relação com o modelo, com a Ideia
de Justiça. A distinção entre os dois tipos de imagem, entre boas e más cópias, ícones e
simulacros, se faz pelo método platônico da divisão, que tenta selecionar as cópias,
segundo as suas pretensões a uma certa qualidade e as suas relações com a Ideia, esta
servindo de critério e fundamento para a seleção.
Este método estabelece que a (boa) cópia, ou ícone, é uma imagem bem fundada,
porque dotada de semelhança interior e espiritual com a Ideia: ela se modela
interiormente e espiritualmente sobre a Ideia, se fundando sobre a essência. Como
indica Deleuze: “é a identidade superior da Ideia que funda a boa pretensão das cópias e
funda-se sobre uma semelhança interna ou derivada”. Já a má cópia, ou simulacro, é
uma imagem sem semelhança, cuja pretensão não tem fundamento, dado que não
passa pela Ideia. A seu respeito, Deleuze fala de uma “pretensão não fundada, que
recobre uma dessemelhança como um desequilíbrio interno”. O simulacro pode, no
máximo, produzir um efeito de semelhança, mas ele “é construído sobre uma
disparidade, sobre uma diferença, ele interioriza uma dissimilitude”. Em função destas
características, o simulacro é uma espécie de ameaça interna ao platonismo, como se
este contivesse em seu seio o germe de sua própria subversão, pois ele é, por definição,
capaz de colocar em xeque tanto o modelo (a Ideia) quanto a cópia (o ícone), além das
relações de semelhança e de identidade que as regulam. Para se sustentar como
sistema filosófico, o platonismo deve garantir o triunfo das boas sobre as más cópias,
dos ícones sobre os simulacros. É a este problema, ao problema da seleção das (boas)
cópias, que o conceito de Ideia busca responder. Este conceito surge como critério e
fundamento para esta “vontade de selecionar, de triar” 21 do sistema filosófico de Platão.
Deleuze destaca, assim, a motivação do platonismo. Baseado no seu argumento de que
a filosofia cria conceitos, ele questiona por que Platão teria criado o conceito de Ideia,
isto é, ele se pergunta a qual problema o conceito de Ideia pretende responder na
filosofia de Platão, e conclui: o conceito platônico de Ideia é correlato ao problema da
seleção das boas cópias ou ícones e da recusa das más cópias ou simulacros. Este
problema é importante para o platonismo, pois os simulacros têm a potência subversiva
de fazer ruir todo este sistema filosófico, em função da dessemelhança e da diferença
que os caracterizam:
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
87
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
entre o modelo e a cópia, entre o mundo ideal das essências e o mundo sensível das
aparências, para apontar como mais decisiva a distinção entre dois tipos de imagem, a
boa cópia e a má cópia, o ícone e o simulacro respectivamente. 20
A subversão do platonismo, que Deleuze reassume na linhagem de Nietzsche, pretende
desfazer o primado da identidade e da semelhança sobre a diferença, estabelecido pela
vontade platônica de selecionar as (boas) cópias. Seguindo na via contrária à de Platão,
movido por uma vontade de selecionar a diferença, Deleuze sustenta a afirmação do
simulacro como único procedimento capaz de destruir o modelo e a (boa) cópia, de
subordinar a identidade e a semelhança à diferença e à dessemelhança, enfim, de
subverter o platonismo. Ele constitui, assim, um pensamento da diferença, em que esta
já não se encontra sob o jugo da identidade, nem tampouco a serviço da representação.
Conjurar a representação
Diante dos corpos ou Figuras das telas de Bacon, Deleuze parece ter encontrado um
aliado. Lançando mão de um conceito de Jean-François Lyotard, ele afirma que as
Figuras de Bacon são da ordem do figural e se opõem ao figurativo. A figuração seria em
pintura o que a representação é em filosofia: algo a ser conjurado, para que se possa
afirmar a diferença e o seu primado sobre a identidade e a semelhança.
Bacon, sugere Deleuze, pinta Figuras para tentar evitar a figuração (ou a representação)
em seus quadros. De acordo com Deleuze, há duas maneiras de se cair no figurativo:
pela via da ilustração, que é a relação entre uma imagem e um objeto, este servindo
como modelo para aquela; pela via da narração, que tece uma história remetendo uma
imagem à outra, e cada imagem a seu objeto-modelo. Em lugar de relações ilustrativas
entre imagem e objeto e narrativas entre imagens, Deleuze propõe que as Figuras de
Bacon estabelecem entre si uma relação intensa, que também pode ser dita diferencial. 23
Reiterando que não cabe à pintura representar modelos ou contar histórias, Deleuze
apresenta três caminhos pelos quais a pintura moderna busca contornar o figurativo: o
abstracionismo, o expressionismo abstrato (ou arte informal) e a Figura de Bacon.
Apenas esta seria capaz de expressar uma relação intensa, diferencial, como condição
genética da sensação, sem recair no figurativo. O abstracionismo, em função de sua
tendência racional, neutralizaria a intensidade e reintroduziria indiretamente o figurativo,
ao criar, com suas formas abstratas, um código visual espiritual, responsável por uma
codificação simbólica do figurativo (como nas correspondências vertical-branco-atividade
e horizontal-preto-inércia de Kandinsky). O expressionismo abstrato, ao contrário,
permitiria que a intensidade ocupasse todo o quadro, mas isto apenas maltrataria o
figurativo, ao invés de expulsá-lo, e colocaria igualmente em risco a composição da
sensação (como nas pinturas all-over de Pollock). O próprio Bacon critica essas duas
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
88
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
[...] trata-se de selecionar os pretendentes, distinguindo as boas e as más cópias, ou
antes as cópias sempre bem fundadas e os simulacros sempre deteriorados na
dessemelhança. Trata-se de assegurar o triunfo das cópias sobre os simulacros, de
recalcar os simulacros, de mantê-los encadeados no fundo, de impedi-los de subir à
superfície e de se ‘insinuar’ por toda parte.22
Para explicar o princípio da intensidade, Deleuze recorre ao livro Crítica da razão pura,
de Kant, no qual a intensidade é uma grandeza apreendida, no instante, por sua
proximidade com a negação, com o grau zero. A intensidade é uma variação a partir do
grau zero, uma diferença de nível, uma grandeza diferencial. A sensação, por sua vez, é
determinada intensiva ou diferencialmente, é condicionada geneticamente por uma
relação intensa ou diferencial, e compreende esta diferença de nível que define a
intensidade; ela é o que passa por diferentes níveis. De acordo com Deleuze, Bacon
pinta a sensação, ou ainda, o corpo como experimentando uma sensação, e não como
um objeto representado. O corpo ou “a forma referida à sensação (Figura) é o contrário
da forma referida a um objeto que ela deveria representar (figuração)”. 25
Assim como a subversão do platonismo em filosofia, a pintura de Bacon também se
esquiva da representação – aqui chamada figuração – ao dispensar, a um só tempo, o
modelo e a cópia, o objeto e a imagem figurativa. A relação de representação ou de
figuração é substituída por uma relação intensa, diferencial: a Figura já não representa
ou ilustra nada, nem narra qualquer história, mas é percorrida por uma variação de
intensidade, por uma diferenciação, ou ainda, por uma deformação.
A passagem da sensação pelo corpo o deforma, deforma o que seria a forma corporal.
Esta deformação é inseparável da relação do corpo, que deixa de ser forma para se
tornar Figura, com a dita estrutura material, que deixa de ser fundo, ao ser referida à
sensação, e sobe à superfície, mantendo apenas uma profundidade rasa em relação ao
corpo, e passando a se situar em torno dele, ao invés de atrás dele. Esta relação da
Figura com a estrutura material em Bacon – que surge no lugar do que seria, na pintura
figurativa, a relação da forma com o fundo – torna visível a sensação, a intensidade, ou o
que Deleuze denomina diferença em Diferença e repetição. Há uma passagem deste
livro, a respeito da diferença, que se aproxima muito do que ele expõe em Francis
Bacon: lógica da sensação:
[...] são todas as formas que se dissipam quando se refletem neste fundo que emerge.
[...] O fundo que emerge não está mais no fundo, adquire uma existência autônoma; a
forma que se reflete neste fundo não é mais uma forma, mas uma linha abstrata que
atua diretamente sobre a alma.26
Entretanto, em Francis Bacon: lógica da sensação, a forma não se dissipa, mas se
deforma, e é esta deformação que torna sensíveis, ou visíveis, as forças que incidem no
corpo. A tal linha abstrata da citação faz pensar na linha gótica setentrional, que define a
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
89
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
outras vertentes da pintura moderna: o abstracionismo, que permanece refém da
racionalidade, ao adotar a forma pura, neutralizando a intensidade, a sensação, e
reinserindo o figurativo na pintura; e o expressionismo abstrato, incapaz de limitar a
intensidade a certas regiões da tela e a determinados momentos do ato de pintar, o que
faz com que ela se espalhe por todo o quadro, transformando-o em uma espécie de
rabisco, que não escapa inteiramente da figuração.24
Assemelhar por meios diferentes
A manutenção da forma nos quadros de Bacon, ainda que deformada, leva Deleuze a
expor, mais uma vez, a diferença entre a Figura e a figuração ou representação. O seu
objetivo é atestar que a Figura, embora se assemelhe a algo, não é regida pela
ilustração, nem pela narração, mas pela sensação. Para tanto, Deleuze distingue dois
tipos de figurativo: um primeiro tipo, que antecede o próprio ato de pintar e está a serviço
da representação, da figuração, e um segundo tipo, que resulta do ato pictural como
produto da sensação, isto é, um figurativo como semelhança a ser copiada,
representada, e um outro como semelhança produzida. 28 Este é o único figurativo que
Deleuze admite, do mesmo modo que, em sua filosofia da diferença, a identidade e a
semelhança são necessariamente tomadas como derivadas da diferença, e nunca o
contrário, como pretende a filosofia da representação, fundada por Platão.
Baseado neste privilégio da diferença frente à identidade e à semelhança, Deleuze
chama a atenção para a fórmula de Bacon: “assemelhar [ou tornar semelhante], mas por
meios acidentais, e não semelhantes”.29 Evidencia, assim, uma proximidade com o pintor,
não apenas no que diz respeito ao estatuto da semelhança como produzida, e não
representada, mas também quanto ao procedimento ou meio pelo qual ela é criada. Num
fragmento já mencionado, ele retoma este ponto, numa comparação entre a pintura e a
história da filosofia (que, segundo ele, não se distingue da filosofia propriamente dita 30):
A história da filosofia não é uma disciplina particularmente reflexiva. É antes como a arte
do retrato em pintura. São retratos mentais, conceituais. Como em pintura, é preciso
tornar semelhante [ou assemelhar], mas por meios que não sejam semelhantes, por
meios diferentes: a semelhança deve ser produzida, e não ser um meio para reproduzir
(aí nos contentaríamos em dizer o que o filósofo disse). Os filósofos trazem novos
conceitos, eles os expõem, mas não dizem, pelo menos não completamente, a quais
problemas esses conceitos respondem. [...]. A história da filosofia deve, não redizer o
que disse um filósofo, mas dizer o que ele necessariamente subentendia, o que ele não
dizia e que, no entanto, está presente naquilo que diz.31
Para fazer o retrato mental ou conceitual de um filósofo, não basta reconhecer, expor e
relacionar os conceitos criados por ele: isto seria apenas reproduzir o que ele disse, ou
representar uma semelhança. É preciso ir além, na direção das condições genéticas
destes conceitos, dos problemas que tornaram a criação destes conceitos necessária.
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
90
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
arte gótica, segundo Wilhelm Worringer. Deleuze nota uma proximidade entre a linha que
desenha um corpo em Bacon e esta linha gótica, na medida em que ambas expressam
uma potência vital, uma intensidade, que faz o corpo escapar de sua forma orgânica e se
deformar, sob a ação das forças, deixando de ser um objeto da representação para se
tornar, em sua relação com a estrutura material, um bloco de sensações, que atua
diretamente sobre a alma, ou sobre o sistema nervoso, nos termos utilizados mais tarde
por Deleuze.27
A indistinção entre a história da filosofia e a filosofia reside precisamente neste
procedimento deleuziano em relação à semelhança: primeiramente, refere-se o conceito
de um filósofo ao problema, à sua condição genética, no sentido de se dissipar a
identidade consigo do conceito original, que opera como modelo; em seguida, o
historiador da filosofia, que também é filósofo, submete o problema do filósofo
comentado ao seu próprio problema, e cria um conceito que pode até ter alguma
semelhança com o conceito do filósofo comentado, mas é uma semelhança produzida,
efeito da criação de um duplo deformado. A subversão do platonismo é isso: destituemse, a um só tempo, o modelo e a cópia, a identidade consigo do modelo e a semelhança
da cópia com o modelo, este tomado como fundamento que permite julgar o valor da
cópia.
Sob a deformação imposta por Deleuze a Platão em seu retrato do filósofo grego, o
conceito de Ideia deixa de responder ao problema da identidade e da semelhança, ao
problema da seleção das cópias do mundo sensível mais ou menos semelhantes à Ideia
idêntica a si mesma, e passa a ser a condição genética da diferenciação da diferença
que habita o mundo sensível, este considerado o único mundo que existe. A Ideia, ao
invés de responder pela eternidade da identidade, está referida ao devir, à diferenciação
da diferença.32 Fazendo o retrato de Platão e criando o seu próprio conceito de Ideia,
Deleuze produz um duplo deformado que subordina a identidade e a semelhança à
diferença, derivando as primeiras da segunda e subvertendo o platonismo ou, como
formularia Bacon, assemelhando ou tornando semelhante por meios diferentes.
Se em filosofia, o modo de se escapar da semelhança como pura reprodução envolve a
explicitação dos problemas, das condições genéticas que determinam a criação dos
conceitos, como ocorre em pintura? De que maneira o pintor se distancia do primeiro tipo
de figurativo, da semelhança como representação de um modelo, e se aproxima do
segundo tipo de figurativo, o Figural, em que uma semelhança deriva do próprio ato
pictural?
O caos composto
O pintor não está diante de uma tela em branco. Deleuze insiste que, antes do ato
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
91
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
Platão, por exemplo, cria o conceito de Ideia: a que problema este conceito responde?
Na leitura de Deleuze, ao problema da seleção das boas cópias. Ao fazer história da
filosofia desta maneira, Deleuze não pretende representar uma semelhança entre o
Platão que viveu na Antiguidade e o Platão que ele inclui como personagem conceitual
em seu próprio teatro filosófico. O Platão de Deleuze é um duplo deformado que, antes
de mais nada, foi despojado de toda a semelhança com o Platão que viveu na
Antiguidade para, apenas num segundo momento, adquirir uma nova semelhança com
este, mas uma semelhança produzida, subordinada, desta vez, ao problema da filosofia
do próprio Deleuze.
Os clichês e as probabilidades são dados pré-picturais, antecedem o ato de pintar. Os
clichês correspondem aos dados figurativos espalhados à volta do pintor, às imagens de
todo tipo (fotos, ilustrações, narrações, imagens de cinema, de televisão), ou mesmo ao
que se encontra em seu psiquismo (percepções, afecções, lembranças, fantasmas);
podem ser físicos ou psíquicos. Já as probabilidades derivam do que o pintor quer fazer
na tela. A partir de sua intenção, a tela é dividida em regiões, segundo probabilidades
iguais e desiguais, que constituem um primeiro tipo de acaso, um acaso probabilístico.
Quando uma probabilidade desigual se torna quase uma certeza, um clichê pode se
(re)inserir na tela. Para evitar tanto os clichês já distribuídos na tela, quanto aqueles que
penetram nela por meio das probabilidades, Bacon dispõe de um procedimento, que é
uma segunda espécie de acaso, um acaso manipulado, que extrai um improvável – a
Figura – das probabilidades e dos clichês, da figuração.
É como se o pintor tivesse duas tarefas: uma primeira tarefa, pré-pictural, de se haver
com os clichês e as probabilidades que ocupam a tela, por meio de um acaso
probabilístico e a-pictural; e uma segunda tarefa, pictural, de abandonar estes dados prépicturais, por meio de um acaso manipulado, tornado pictural, que consiste em
“reorientar o conjunto visual e extrair a Figura improvável do conjunto das probabilidades
figurativas”. Estas duas tarefas derivam da distinção dos dois tipos já mencionados de
semelhança, ou de figurativo: uma semelhança primeira a ser desfeita, no sentido de se
excluir qualquer possibilidade de se representar um modelo no quadro, e uma
semelhança segunda, a ser produzida por meios não semelhantes. 33
O pintor recorre a um procedimento para realizar estas duas tarefas. Ele visa reorientar o
conjunto visual, isto é, desfazer as coordenadas visuais já presentes na tela, de modo a
substituí-las por algo de fato novo, ou seja, traçar as condições genéticas do ato pictural.
Para se criar afetos e perceptos, blocos de sensações, é preciso romper com os dados
pré-picturais, com os clichês e as probabilidades, que são uma espécie de opinião
própria à pintura, uma determinação prévia do modo de ver – assim como a filosofia,
para criar conceitos, também precisa romper com a opinião, que é um certo modo de
pensar já estabelecido. “A arte desfaz a tríplice organização das percepções, afecções e
opiniões, para substituí-la por um monumento composto de perceptos, de afetos e de
blocos de sensações”.34
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
92
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
pictural propriamente dito, mas já fazendo parte dele de uma certa maneira, existe uma
preparação, uma criação das condições para o pintar. Isto porque a tela está preenchida
por uma série de imagens, de clichês, e também de dados probabilísticos, que se
distribuem sobre ela em função da intenção do pintor, do que ele quer pintar. Estas
imagens, que entulham a tela, se colocam como obstáculos à criação: são semelhanças
a serem reproduzidas, representadas e correspondem ao primeiro tipo de figurativo. O
pintor dispõe de um procedimento para romper com este primeiro tipo de figurativo, de
modo a abrir caminho para o segundo tipo de figurativo, no qual cria um efeito de
semelhança, uma semelhança produzida por meios diferentes, não semelhantes.
Ocorre que a opinião, para proteger contra o caos, pára o próprio pensamento, impede a
criação. Ela fixa, por exemplo, um certo modo de ver em pintura, que exclui outros
modos. Para tornar visíveis forças invisíveis, faz-se premente rasgar a sombrinha da
opinião, para que transpasse por essa brecha um pouco de caos, capaz de inserir uma
catástrofe na tela e reorientar a visibilidade. Uma composição de sensações se torna,
então, possível. “O pintor passa por uma catástrofe [...] e deixa sobre a tela o traço dessa
passagem, como do salto que o conduz do caos à composição”. 36
O caos, contudo, tem que ser usado com prudência, pois, caso contrário, ele destrói
qualquer esboço de sensação, impedindo que a composição adquira consistência. Se
por um lado, sem o caos, o pintor permaneceria imerso nos dados pré-picturais, na
opinião, incapaz de criar; por outro, com um caos que dominasse todas as regiões da
tela e todos os momentos do ato pictural, a destruição dos dados pré-picturais levaria
com ela as próprias condições genéticas do ato pictural. Neste segundo caso, o caos é
tão inimigo da criação quanto a opinião. Deleuze é bastante claro a esse respeito: o
único caos que interessa é o caos composto, tornado sensível. “A arte não é o caos, mas
uma composição do caos”. O pintor deve, portanto, limitar o caos a certas regiões da tela
e a certos momentos do ato pictural, lançando mão, prudentemente, de porções dosadas
de caos: “A arte capta um pedaço de caos numa moldura, para formar um caos
composto que se torna sensível”.37
A criação se torna possível nas artes e na filosofia a partir da captação de forças do
caos. Este se interpõe entre o que o pintor quer fazer (pré-pictural) e o que ele
efetivamente faz (pictural), participa do procedimento da pintura, salvando o pintor dos
clichês e das probabilidades e abrindo uma via para a criação. A sorte do pintor, segundo
Deleuze, é que ele não sabe como pintar e, por essa razão, recorre ao caos, buscando
usá-lo de modo dosado, prudentemente. “A tela já está de tal maneira cheia que o pintor
deve entrar nela. Ele entra assim no clichê, na probabilidade. E entra porque sabe o que
quer fazer. Mas o que o salva é que ele não sabe como conseguir, não sabe como fazer
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
93
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
Para se livrar da opinião, o criador recorre ao caos. O pintor convoca uma catástrofe
capaz de evacuar os clichês e as probabilidades da tela. O caos se caracteriza, de
acordo com Deleuze e Guattari, por “variabilidades infinitas cujo desaparecimento e
aparecimento coincidem”, por “velocidades infinitas que se confundem com a imobilidade
do nada incolor e silencioso que elas percorrem, sem natureza nem pensamento”. A sua
temporalidade é aquela do “instante que não sabemos se é longo demais ou curto
demais para o tempo”. Sendo assim, o caos se faz perceber pela fuga de ideias e do
pensamento e é vivido como extremamente doloroso e angustiante. A opinião, por sua
vez, seria uma proteção contra o caos, um esforço para ordenar, estabilizar, parar as
ideias, que conta – como o exemplo kantiano do cinábrio mostra bem – com o que
Deleuze denomina um “anti-caos objetivo”. Na opinião, há uma ordenação das ideias,
que tem como correlato uma ordem das coisas, e é assim que a opinião constitui uma
“sombrinha” contra o caos.35
O involuntário
O pensamento como criação, tanto em filosofia quanto em pintura, não dispõe
imediatamente de suas condições: estas têm que ser traçadas, a partir de uma recusa da
opinião e de uma seleção de forças do caos. A participação do caos no procedimento de
criação, em qualquer domínio, inclui o elemento do acaso, pois, ao se captar forças do
caos, não se sabe de antemão o que será produzido. Ou seja, as condições genéticas da
criação não são traçadas pela (boa) vontade do criador, mas por um acaso involuntário
que deve, em seguida, ser manipulado por ele, por um caos que precisa ser composto,
tornado sensível no ato de criação propriamente dito.
A filosofia não é diferente da pintura, no que se refere a esse aspecto involuntário que
determina a criação. Desde pelo menos Proust e os signos39, Deleuze desenvolve o
argumento de que só se pensa forçado, contrariando o postulado cartesiano da razão ou
luz natural. O aspecto involuntário da gênese do pensamento é, ademais, o que atribui
ao problema filosófico o seu caráter imperativo. Algo da ordem do involuntário, do acaso,
põe ao filósofo um problema incontornável, para o qual ele não dispõe de uma resposta:
faz-se necessário criar um conceito para respondê-lo. O encontro com o involuntário,
portanto, torna a criação não somente possível, mas necessária. 40
Em filosofia, Deleuze considera que o papel do involuntário na gênese do pensamento é
desempenhado pelo encontro ao acaso com o signo. Ao encontrar o signo, o criador não
o reconhece, não tem nenhuma opinião formada sobre ele. O signo não é um objeto de
recognição, considerado, segundo cada um de seus aspectos, por uma faculdade
diferente, no contexto de um acordo entre as faculdades, que conta com uma faculdade
legisladora à qual as outras se submetem – à maneira da doutrina das faculdades
kantiana. Ele é o objeto próprio e exclusivo da sensibilidade. Contudo, num primeiro
momento, ele não pode ser sentido e a sensibilidade se engaja num esforço para se
tornar capaz de senti-lo. O signo coloca, assim, um problema à sensibilidade, que se vê
obrigada a desenvolver uma nova capacidade ou potência para se tornar sensível ao seu
objeto próprio. Este encontro ao acaso com o signo inflige uma violência à sensibilidade,
ao colocar um problema que a força a ultrapassar, ou melhor, a expandir os seus
próprios limites, na tentativa de respondê-lo. Segundo a teoria das faculdades de
Deleuze, que ele denomina empirismo transcendental, essa violência sofrida pela
sensibilidade contamina todas as outras faculdades, que também se veem forçadas a
desenvolverem novas potências para apreenderem seus objetos, desta vez no quadro de
um desacordo entre as faculdades, em que cada uma dispõe de um objeto próprio e não
há mais faculdade legisladora. A última faculdade a ser atingida por essa violência
oriunda do encontro com o involuntário é o pensamento, que também é forçado a
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
94
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
o que quer”.38 Este como fazer é justamente o procedimento, e há nele necessariamente
um aspecto involuntário.
Quando Deleuze, se comparando aos pintores – inclusive a Bacon – fala que a filosofia
deve tornar pensáveis forças impensáveis, ele está se referindo ao seu empirismo
transcendental. Todo objeto – todo corpo, tudo o que existe – é relação de forças
qualificadas. O objeto próprio do pensamento são as relações de forças impensáveis,
que obrigam o pensamento a conquistar uma nova potência, a desenvolver uma nova
capacidade, para conseguir torná-las pensáveis, por meio da criação de conceitos. Esta
é a função da filosofia. A pintura, por sua vez, tem como função tornar visíveis forças
invisíveis, por meio da criação de blocos de sensações.
Toda criação começa com um encontro ao acaso, com uma violência, que desorganiza o
que já está dado. Em filosofia, desfazem-se as ficções, as mistificações e a recognição
hegemônica no acordo entre as faculdades; em pintura, dispensam-se os clichês e as
probabilidades que preenchem a tela. Tanto num caso, quanto no outro, o caos é usado
para combater a opinião como maneira estabelecida de pensar, de sentir, de ver, mas
deve-se utilizar o caos com prudência, pois, como já dito, mal dosado, ele pode
comprometer toda a criação. Deve-se sempre escapar dos dois perigos: a opinião e o
caos.42
Os clichês e as probabilidades determinam as coordenadas visuais da tela e se colocam
como obstáculos à criação em pintura, da mesma maneira que a recognição, as ficções
e mistificações impedem a criação em filosofia. A existência dos clichês e das
probabilidades na tela atesta a necessidade de se traçarem as condições genéticas da
pintura, que não estão dadas; muito pelo contrário, são obstruídas por esses dados prépicturais, figurativos e probabilísticos. Em filosofia, as condições genéticas do
pensamento são traçadas a partir de um acaso violento, involuntário, a saber, o encontro
com um signo. Qual é o correlato deste acaso involuntário e violento em pintura? Quanto
a Bacon, são as marcas livres involuntárias, isto é, traços assignificantes, sem função
ilustrativa ou narrativa, não representativos, irracionais, acidentais, ao acaso, manuais. 43
Deleuze explica o procedimento das marcas livres involuntárias de Bacon nos seguintes
termos:
É como se a mão ganhasse independência e passasse ao serviço de outras forças,
traçando marcas que não dependem mais da nossa vontade nem da nossa visão. Essas
marcas manuais quase cegas testemunham, portanto, a intromissão de um outro mundo
no mundo visual da figuração. Elas retiram, até certo ponto, o quadro da organização
ótica que nele já reinava e o tornava figurativo de antemão. A mão do pintor interpôs-se
para abalar sua própria dependência e desfazer a organização soberana ótica: nada
mais se vê, como em uma catástrofe, um caos.44
A mão se torna independente do olho, que até então legislava sobre ela – assim como no
desacordo das faculdades, nenhuma delas legisla mais sobre as outras. Traça, de forma
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
95
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
desdobrar os seus limites para se tornar capaz de pensar o seu objeto próprio. 41 Assim
se conclui a criação de conceitos em filosofia, condicionada pelo involuntário.
Todavia, as marcas livres involuntárias feitas ao acaso são apenas o primeiro momento
do ato pictural, o traçado de suas condições genéticas: o diagrama como caos-germe.
Resta ainda utilizar estas marcas impressas sobre a tela, manipular este acaso, para
provocar a emergência da estrutura material e a extração da Figura, tornando visíveis,
para um olho que expandiu a sua capacidade de ver, forças até então invisíveis: “este
conjunto [visual], sob a ação dessas marcas, não será mais aquele da organização ótica,
dando ao olho uma outra potência, assim como um outro objeto que não será mais
figurativo [a Figura]”.46 Em verdade, o “objeto”, a Figura, não se encaixa no primeiro tipo
de figurativo, aquele que constava anteriormente ao próprio ato pictural na tela; ele
corresponde, antes, ao figurativo do segundo tipo, ao Figural, à semelhança produzida.
É fundamental que as marcas livres involuntárias que formam o diagrama sejam
limitadas no tempo e no espaço; caso contrário, os seus meios violentos permitiriam que
a catástrofe dominasse o quadro e a sensação deixasse de poder ser pintada. “Nem
todos os dados figurativos devem desaparecer, e, sobretudo, uma nova figuração, a da
Figura, deve surgir do diagrama, conduzindo a sensação ao claro e ao preciso. Surgir da
catástrofe...”.47 O diagrama, como conjunto das marcas livres involuntárias, é uma
catástrofe da qual se extrai a Figura, é o caos-germe em pintura: um involuntário que
condiciona o ato pictural e o torna necessário.
Para concluir: as imagens de Deleuze e de Bacon
Em sua crítica à filosofia da representação, Deleuze promove a desmontagem de uma
imagem moral ou dogmática do pensamento. 48 Em sua crítica à pintura figurativa, ele
destitui a ilustração e a narração. Nos dois casos, ataca-se uma imagem que apenas
pretende reproduzir um modelo – seja este um modelo do pensável ou do visível. Tentase, concomitantemente, escapar às formas, ao modelo, e tornar perceptíveis as forças,
admitindo-se somente uma imagem que é efeito das forças, e não cópia das formas.
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
96
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
involuntária, violenta, ao acaso, marcas que embaralham as coordenadas visuais e
desorganizam os dados figurativos e probabilísticos dispostos sobre a tela. Ao conjunto
dessas marcas, Deleuze chama diagrama. A mão age como uma espécie de catástrofe,
como uma lufada de caos, que deve se restringir a uma determinada região do quadro,
de modo a não destruí-lo; ela traça um diagrama. Este, contudo, não é apenas caos,
mas também germe, isto é, condição genética do próprio quadro a ser criado: ele termina
o trabalho preparatório de subtração das coordenadas visuais já conhecidas e começa o
ato de pintar propriamente dito, quando o olho tem que desenvolver uma nova potência –
da mesma maneira que, em filosofia, as faculdades, forçadas pelo encontro ao acaso
com seus objetos próprios, precisam expandir os seus limites e adquirir novas
capacidades.45
Há imagens que carregam formas, que nada mais são do que cópias de outras formas, e
há imagens em que circulam forças, movendo-se em diversas direções, em devir, que
deformam as formas com que se deparam, mesmo que produzam, ao fim, uma espécie
segunda de figurativo ou de semelhança, uma Figura ou uma nova imagem do
pensamento – como as imagens de Bacon e Deleuze.
É possível imaginar o retrato que Bacon pintaria de Deleuze, assim como lemos o retrato
que Deleuze faz de Bacon: a cabeça perderia abruptamente a metade superior da testa,
os olhos, quase inteiramente sacrificados, flutuariam em suas órbitas pretas, as faces, a
linha do nariz e o queixo seriam desenhados por tons de rosa, branco e laranja, e
certamente, da boca escancarada, escaparia um grito capaz de sacudir os conceitos.
______________________________
* Mariana de Toledo Barbosa é professora adjunta do Departamento de Psicologia da UFRJ.
* Este artigo é uma versão aumentada do comentário ao texto de Cíntia Vieira “Cor e diagrama:
Deleuze e a pintura”, realizado no quadro do VII Encontro Nacional do GT de Estética da ANPOF,
no Campus de Gragoatá da UFF, entre 27 e 29 de maio de 2014, com a organização de Patrick
Pessoa (Departamento de Filosofia/UFF). Ele é um dos resultados de uma pesquisa financiada
pela CAPES. Agradecimentos a Ovídio de Abreu Filho (Departamento de Antropologia/ UFF) e a
Paulo Domenech Oneto (Escola de Comunicação/ UFRJ) pela leitura cuidadosa e observações
que contribuíram para a escrita deste trabalho.
A expressão “lógica da sensação” é inspirada por Cézanne, que fala, mais precisamente, em uma
“lógica dos sentidos”, que ultrapassa qualquer racionalidade. Deleuze reconhece em Bacon o
mesmo “movimento vital” presente em Cézanne, apesar das diferenças entre os dois pintores.
DELEUZE, G. Francis Bacon logique de la sensation. Paris: Seuil, 1981/2002, p. 46, ed. br., p. 50.
Este livro será citado, nas próximas notas, da seguinte maneira: FB. Em todas as citações em nota
das obras de Deleuze, figurarão, primeiramente, as referências dos livros em francês, e depois de
“ed. br.” ou “ed. port.”, as referências das versões publicadas em português.
1
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Qu’est-ce que la philosophie? Paris: Minuit, 1991/2005, pp. 154155, ed. br., p. 213. Este livro será citado, a partir de agora, como QPh.
2
Roberto Machado fala em uma “análise genética” dos quadros de Bacon, “que reconstrói o
processo pictural, o ato de pintar”. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro, Zahar: 1990/2009,
p. 225.
3
Roberto Machado centra a sua leitura da filosofia de Deleuze no problema do pensamento. Já
Ovídio de Abreu Filho se interessa pelo procedimento presente na filosofia deleuziana, e se engaja
em adotar este mesmo procedimento em seu trabalho sobre o filósofo. O combate ao julgamento
4
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
97
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
Criar novas imagens – conceituais ou picturais, em filosofia ou em pintura – implica em
descartar imagens anteriores, que já condicionaram o pensamento a pensá-las, o olhar a
vê-las. Pensar e pintar forças impensáveis e invisíveis são atos que reúnem a destruição
de algumas imagens inofensivas, incapazes de qualquer violência contra o pensamento
e o olhar domesticados, e a criação de novas imagens, irruptivas, violentas, que forçam o
pensamento e o olhar a conquistarem novas potências, a fim de serem capazes de
apreender as forças nelas tornadas pensáveis e visíveis.
5
QPh, p. 204, ed. br., pp. 277-278; pp. 154-158, ed. br., pp. 213-217.
6
QPh, p. 158, ed. br., pp. 217-218.
7
QPh, pp. 21-29, ed. br., pp. 27- 37.
DELEUZE, G. Pourparlers. Paris: Minuit, 1990/2007, pp. 185-186, ed. br., pp. 169-170. Nesta
passagem, Deleuze faz uma comparação entre a história da filosofia e o retrato em pintura,
afirmando que o historiador da filosofia, segundo ele o concebe, faz retratos conceituais ou
mentais dos filósofos. Mais importante do que o suposto objeto do retrato – na citação, um filósofo,
e neste artigo, um pintor –, é o meio ou o procedimento utilizado. O pintor usa a sensação para
fazer os seus retratos, ao passo que o filósofo ou o historiador da filosofia usa os conceitos. Nas
próximas ocorrências, este livro será citado como P.
8
9
QPh, p. 205, ed. br., p. 278.
DELEUZE, G.; LAPOUJADE, D. (orgs.) Deux régimes de fous. Paris : Minuit, 2003, p. 202. Este
livro será citado, daqui por diante, como DRF, e as traduções das passagens foram feitas por mim.
10
11
P, p. 203, ed. br., pp. 185-186.
Deleuze é profundamente marcado por Nietzsche e aprecia muito a ideia nietzschiana de que o
filósofo usa uma máscara para expor disfarçadamente o seu pensamento: DELEUZE, G.
Nietzsche et la philosophie. Paris: PUF, 1962/2005, pp. 5-6, ed. br., pp. 4-5; pp. 122-123, ed. br., p.
88 ; Nietzsche. Paris: PUF, 1965/2007, pp. 10-11, ed. port., pp. 12-13; pp. 18-19, ed. port., p. 18.
Isto não quer dizer, todavia, que haja, por trás da máscara, uma verdade última: DELEUZE, G.
Différence et répétition. Paris: PUF, 1968/2005, pp. 7-41, ed. br., p. 19-54 . São sempre máscaras
sobrepostas. Neste sentido, Deleuze seria apenas mais uma máscara atrás da máscara de Bacon,
entre as quais, inclusive, talvez se interponha a máscara de Nietzsche. Estes três livros serão
citados, respectivamente, como NPh, N e DR.
12
FOUCAULT, M. “Theatrum philosophicum”. In: Dits et écrits I, 1954-1975. Paris: Gallimard, 2001,
pp. 943-967.
13
14
FB, p. 57, ed. br., p. 62.
15
DRF, p. 146.
16
N, p. 17, ed. port., p. 17.
17
NPh, pp. 44-82, ed. br., pp. 32-59.
18
FB, pp. 61-62, ed. br., pp. 67-68.
Este tema ressurge em diversos escritos de Deleuze e é resumido em “Platon et le simulacre”.
In: Logique du sens. Paris: Minuit, 1969/2005, pp. 292-307, ed. br., pp. 259-271. Este livro será
citado doravante como LS.
19
A partir de Mille Plateaux, noção de ícone assumirá diversos outros sentidos. DELEUZE, G.;
GUATTARI, F. Mille Plateaux – Capitalisme et schizophrénie. Paris: Minuit, 1980/2006.
20
21
LS, pp. 296-297, ed. br., pp. 262-263; p. 292, ed. br., p. 259.
22
LS, p. 296, ed. br., p. 262.
23
FB, pp. 12-13, ed. br., pp. 12-13.
24
FB, pp. 39-41, ed. br., pp. 42-44; pp. 95-103, ed. br., pp. 103-112.
25
FB, p. 78, ed. br., p. 86; p. 40, ed. br., p. 43.
26
DR, pp. 43-44, ed. br., p. 56.
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
98
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
no empirismo transcendental de Deleuze. Tese de Doutorado em Filosofia. PPGF/UFRJ, Rio de
Janeiro, 2003.
FB, pp. 47-49, ed. br., pp. 51-53; p. 39, ed. br., p. 42.
28
FB, pp. 91-92, ed. br., pp. 100-101.
29
FB, p. 92, ed. br., p. 101.
30
DR, pp. 4-5, ed. br., p. 18.
31
P, pp. 185-186, ed. br., pp. 169-170.
32
DR, pp. 218-285, ed. br., p. 241-311.
33
FB, p. 90, ed. br., p. 99, pp. 91-92, ed. br., pp. 99-101.
34
QPh, p. 166, ed. br., p. 228.
35
QPh, pp. 189-190, ed. br., pp. 259-260.
36
QPh, p. 191, ed. br., pp. 260-261.
37
QPh, p. 192, ed. br., p. 263, p. 194, ed. br., p. 264.
38
FB, p. 91, ed. br., p. pp. 99-100.
39
DELEUZE, G. Proust et les signes. Paris: PUF, 1964/1970/2007, pp. 115-124, ed. br., pp. 88-95.
40
DR, pp. 169-174, ed. br., pp. 189-194.
41
DR, pp. 173-192, ed. br., p. 193-214.
42
QPh, p. 188, ed. br., p. 255.
43
FB, p. 14, ed. br., p. 14; p. 94, ed. br., p. 103.
44
FB, p. 94-95, ed. br., p. 103.
45
FB, pp. 95-96, ed. br., pp. 104-105.
46
FB, p. 95, ed. br., p. 104.
47
FB, p. 103, ed. br., p. 112.
48
DR, pp. 169-217, ed. br., p. 189-240.
Viso · Cadernos de estética aplicada n.15
2014
27
Pintar e pensar as forças: a criação em pintura e em filosofia segundo Deleuze · Mariana de Toledo Barbosa
99
Download