AVALIAÇÃO DE INDICADORES HIGIÊNICO-SANITÁRIOS EM ÁGUAS UTILIZADAS EM EQUIPAMENTOS ODONTOLÓGICOS1 Geyziane Maiara Silva Xavier2 Fúlvia Conceição Emilson da Silva3 Agenor Tavares Jácome-Júnior4 1 Trabalho de Iniciação Científica desenvolvido no Laboratório de Microbiologia, Bromatologia e Análise de Água, Campus II, Faculdade ASCES, Caruaru, PE, Brasil. 2 Graduanda em Biomedicina, Faculdade ASCES, Endereço postal: Rua Antenor Navarro, 08, CEP 55030-450, Bairro Petrópolis, Caruaru, PE, Brasil e-mail: [email protected] 3 Bacharel em Biomedicina pela Faculdade ASCES, Endereço postal: Rua Odon Rodrigues de Moraes Rego, 70, Ed. Manoel Vilaça, apt. 406, CEP 50740-440, Várzea, Recife, PE, Brasil, e-mail: [email protected] 4 Professor das disciplinas de Bromatologia, Análise Ambiental, Bioquímica Ambiental, Microbiologia Ambiental e Morfofisiologia Básica da Faculdade ASCES, Endereço postal: Faculdade ASCES, Av. Portugal, 584, CEP 55.016-901, Bairro Universitário, Caruaru, PE, Brasil, e-mail: [email protected]; [email protected] Resumo O objetivo desse estudo foi avaliar as condições higiênico-sanitárias das amostras da água utilizadas em equipamentos odontológicos de um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) localizado na cidade de Caruaru, Pernambuco, Brasil, por meio de procedimentos de detecção da presença da bactéria Pseudomonas aeruginosa, do grupo coliforme e bactérias heterotróficas. Foram analisadas 93 amostras de água mineral utilizada em 13 equipamentos odontológicos, sendo 15 amostras da água de abastecimento, 39 do reservatório e 39 da seringa tríplice. Pseudomonas aeruginosa foi detectada em 43,01% das amostras e 13,98% apresentaram-se contaminadas por bactérias do grupo coliforme. 78,49% das amostras demonstraram quantidades de bactérias heterotróficas acima de 500 UFC/ml. Entre as amostras positivas para Pseudomonas aeruginosa, 30% eram provenientes do reservatório, 70% da seringa 1 tríplice e nenhuma positividade foi encontrada nas amostras da água de abastecimento. Verificou-se que 66,6% das amostras da seringa tríplice apresentaram um aumento superior a 30% em comparação a quantidade de bactérias heterotróficas detectadas no reservatório do equipamento. A presença da Pseudomonas aeruginosa apenas na seringa tríplice em 53,5% das amostras, o aumento das bactérias heterotróficas e a manutenção da bactéria mesmo após procedimentos de limpeza, sugerem a formação de biofilme pela Pseudomonas aeruginosa. Palavras-chave. Odontologia, Pseudomonas aeruginosa, biofilme. INTRODUÇÃO Na prática odontológica, infecções cruzadas geralmente resultam da transferência de microrganismos exógenos transmitidos entre pacientes e equipe profissional, podendo ocorrer em um ambiente clínico1,2. Durante os procedimentos, vários microrganismos da cavidade oral são aspirados e depositados dentro das tubulações, podendo ser colonizadas por bactérias, fungos ou protozoários. A infecção cruzada pode ocorrer tanto pelo aerossol produzido durante o atendimento odontológico, como pela água contaminada por microrganismos patogênicos favorecendo a transmissibilidade de patologias para toda a equipe e visitantes da clinica3. Estes sistemas propiciam um ambiente extremamente favorável para a formação de biofilmes bacterianos nas superfícies internas das tubulações de água4,5. Os biofilmes apresentam uma composição heterogênea, configurando uma estrutura complexa de microcolônias e canais que permitem fluxo de fluidos e nutrientes6,7. A presença de bactérias formando biofilme no interior das tubulações dos equipamentos odontológicos aumenta o risco de contaminação do paciente, podendo as células permanecer viáveis mesmo após a limpeza e a desinfecção das superfícies, afetando a qualidade e a segurança de procedimentos8,9. Considerando o potencial risco da contaminação do paciente e a formação de biofilme no interior das tubulações dos equipamentos odontológicos, objetivou-se, no presente estudo, analisar a qualidade microbiológica da água de abastecimento, do reservatório e seringa tríplice utilizada em aparelhos de um Centro de Especialidades 2 Odontológicas (CEO), através da pesquisa do grupo coliforme, da bactéria Pseudomonas aeruginosa e de bactérias heterotróficas. MATERIAL E MÉTODOS Foram realizadas 93 coletas em 13 equipos odontológicos no período de fevereiro a setembro de 2012. As amostras em triplicata de água foram coletadas antes do início do atendimento ao paciente e após o processo de descontaminação dos equipamentos. As alíquotas foram colhidas da fonte de abastecimento do equipamento (24 amostras), no reservatório (39 amostras) e após a passagem da mesma por toda tubulação pela seringa tríplice (39 amostras). As amostras da fonte de abastecimento foram extraídas de garrafões de água mineral utilizados para abastecer o equipamento e também utilizados para o consumo dos pacientes do CEO. Foi recolhido aproximadamente 100mL de cada amostra em sacos de coleta esterilizados, onde foi anotado data, hora e local da coleta e transportadas ao laboratório para análise. As amostras foram submetidas às análises microbiológicas (pesquisa de P. aeruginosa, bactérias heterotróficas, coliformes totais e termotolerantes), sendo analisadas no Laboratório de Análise de Água e Bromatologia em Caruaru. A técnica dos tubos múltiplos foi realizada como preconizado pelo Standard methods for the examination of water and wasterwater (APHA) para a pesquisa de P. aeruginosa e do grupo coliforme10. As condições de cultivo empregadas para pesquisa de P. aeruginosa foram o Caldo Asparagina em 3 séries de 5 tubos, com incubação a 35ºC/48h para a fase presuntiva e o Caldo Acetamida para a fase confirmatória na mesma temperatura e tempo de incubação. Para a pesquisa de coliformes foram utilizados os meios Caldo Lactosado (ensaio presuntivo) e Caldo Lactosado Verde Brilhante Bile (ensaio confirmatório) incubados à 35ºC/48h e a quantificação das bactérias se deu pelo Número Mais Provável (NMP/100mL). Para a metodologia de “Pour Plate” foram inoculadas amostras em triplicata em duas séries de três placas de Petri estéreis contendo amostras de 1mL e 0,1mL. Tais análises foram realizadas em meio PCA (Ágar de Contagem em Placas) que até o momento da semeadura era mantido em banho-maria a 40ºC, para impedir sua solidificação, e posteriormente vertido sobre as amostras, para a semeadura quando 3 então era homogeneizado através de movimentos circulares suaves da placa, no sentido horário. Após o período de 48 horas de incubação, as colônias eram contadas e o resultado das duas metodologias expresso em Unidades Formadoras de Colônias por mililitro (UFC/mL) seguindo a metodologia descrita por Domingues et al.11. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê Científico e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade ASCES sob o número de processo 206/2011. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise bacteriológica da água indicou que dos 13 equipamentos odontológicos analisados 11 apresentaram positividade para uma ou mais das bactérias pesquisadas. Na análise da água utilizada para abastecimento desses equipamentos, observou-se positividade para o grupo coliforme em 7,6% das amostras, enquanto que na água do reservatório foram detectadas 13,3% de amostras positivas para o grupo e 15,3% após a passagem pela seringa tríplice. A Pseudomonas aeruginosa não foi encontrada na água de abastecimento, no entanto esteve presente em 30,7% das amostras colhidas nos reservatórios e em 63,7% das amostras de água após passagem na seringa tríplice. Os valores apresentados em Número Mais Provável (NMP/100mL) aumentaram de 6±2 nos reservatórios para 70±6, após a seringa tríplice. De acordo com os dados analisados a contagem das bactérias heterotróficas revelou que o nível de contaminação das amostras de água após a passagem pelas tubulações dos equipamentos era superior ao encontrado na água do reservatório e na água de abastecimento. Considerando-se os padrões de potabilidade estabelecidos pela portaria do Ministério da Saúde Nº 5416, das 39 amostras analisadas, 26 encontraram-se impróprias para consumo e consequentemente, impróprias para uso odontológico, por excederem o número mínimo de 500 UFC/mL no sistema de abastecimento. 4 Tabela 1. Avaliação do nível de contaminação de bactérias heterotróficas na água dos equipamentos odontológicos (UFC/1mL). No consultório odontológico, inúmeras doenças podem ser transmitidas entre pacientes e profissionais, o que, em última instância, justifica a necessidade do estabelecimento de barreiras de proteção para impedir a infecção cruzada12. A água potável deve estar isenta de microrganismos patogênicos e deve estar livre de bactérias indicadoras de contaminação fecal. Os indicadores de contaminação fecal, tradicionalmente aceitos, pertencem a um grupo de bactérias denominadas coliformes. De acordo com a Eaton et al.11 a presença de coliformes totais na água indica a possibilidade de contaminação fecal desta, uma vez que tais microrganismos podem ser encontrados livremente no meio ambiente. No entanto, a presença de coliformes totais determina a origem fecal da contaminação, indicando risco da presença de outros microrganismos patogênicos, enquanto que sua ausência evidencia uma água bacteriologicamente potável13. Das amostras analisadas no presente estudo 21 foram reprovadas do ponto de vista bacteriológico pela presença de coliformes totais e termotolerantes no sistema de abastecimento do equipo. A razão da escolha de P. aeruginosa se deve ao fato da grande capacidade formadora de biofilme apresentada pela bactéria e por ser uma indicadora de contaminação por material orgânico frequentemente presente em ambientes úmidos e, especialmente, nos circuitos de água em sistemas odontológicos. A formação do biofilme condicionante é uma etapa precursora de todo o processo de desenvolvimento 5 do biofilme em superfícies em contato com água, sendo esta película formada pela adsorção de moléculas orgânicas dissolvidas no meio aquoso sobre a superfície. Na sequência, ocorre o deslocamento de microrganismos e partículas para a superfície sólida. Portanto, a adesão depende basicamente de fatores que envolvem características do microrganismo, da superfície de adesão e das condições do meio. Os trabalhos científicos não tem mensurado a real análise quantitativa da P. aeruginosa na avaliação da qualidade da água dos equipamentos odontológicos, no presente estudo realizado foi observado um crescente aumento da bactéria de 30,7% na água do reservatório para 71,7% na água da seringa tríplice. A contagem de bactérias heterotróficas, genericamente definidas como microrganismos que requerem carbono orgânico como fonte de nutrientes, fornece informações sobre a qualidade bacteriológica da água de uma forma ampla. O teste inclui a detecção, inespecífica, de bactérias ou esporos de bactérias, sejam de origem fecal, componentes naturais da água ou resultantes da formação de biofilmes no sistema de distribuição, servindo, portanto, de indicador auxiliar da qualidade da água, ao fornecer informações adicionais sobre eventuais falhas na desinfecção, colonização e formação de biofilmes no sistema de distribuição14. O Ministério da Saúde determina que para avaliar as condições sanitárias dos sistemas de abastecimento de água, é recomendada a contagem de bactérias heterotróficas, que não poderão exceder a 500 UFC/ml e a ADA (Associação Americana de Odontologia) estabeleceu uma carga bacteriana máxima de 200 UFC/ml. A contagem de bactérias heterotróficas em placas fornece um número aproximado de bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas, capazes de se multiplicar a 35ºC10. Essa contaminação pode ocorrer devido à presença da válvula anti-retração no equipamento odontológico, ou ainda da própria água suplementada das unidades, obtida da água de abastecimento; sendo assim, ao desacelerar o pedal do motor dos equipamentos odontológicos, há o risco de um refluxo de microrganismos da microbiota oral para o interior da tubulação e consequente formação ou aumento do biofilme microbiano15. CONCLUSÃO 1. Foi demonstrada a contaminação da água dos equipamentos odontológicos, pela presença de microrganismos indicadores de condições higiênico-sanitárias, os quais 6 fornecem informações sobre a ocorrência de contaminação e a provável presença de patógenos. 2. Foram encontrados indicadores de contaminação fecal, ambiental e por material orgânico. Entre esses microrganismos foram isoladas espécies de Pseudomonas aeruginosa, possivelmente pela formação de biofilme bacteriano no interior das tubulações do aparelho e por eventuais falhas na desinfecção e colonização no sistema de distribuição de água do mesmo. 3. A presença de cepas da bactéria P. aeruginosa na água utilizada em equipamentos odontológicos é preocupante considerando seu caráter de forte produtor de biofilme bacteriano no interior de tubulações. Estudos adicionais das cepas isoladas estão em andamento para a confirmação dessa capacidade produtora de biofilme por métodos moleculares. REFERÊNCIAS 1. CUNHA, A. C. A. P.; ZÖLLNER, M. S. A. C. Presença de microrganismos dos gêneros staphylococcus e candida aderidos a máscaras faciais utilizadas em atendimento odontológico. Revista Biociências, v. 8, n. 1, p. 95-101, 2002. 2. ESTRELA, C.; ESTRELA, C. R. A. Controle de Infecção em Odontologia. Artes Médicas, São Paulo, p. 188, 2003. 3. GALVÃO, C. F.; MOTTA, G. 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Dispõe sobre o Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade de Água Mineral Natural e Água Natural. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, p. 28, 2000. 13. GRENIER, D. Quantitative analysis of bacterial aerosols in two different dental clinic environments. Appl Environ Microbiol, v. 61, n. 8, p. 3165-3168, 1995. 14. MAYO, J. A.; OERTLING, K. M.; ANDRIEU, S. C. Bacterial biofilm: a source of contamination in dental air-water syringes. Clin. Prev. Dent., v. 12, n. 2, p. 13-20, 1990. 15. MONTEBUGNOLI, L. L.; DOLCI, G. G. A new chemical formulation for control of dental unit water line contamination: An in vitro clinical study. BMC Oral Health, v. 2, p. 1-4, 2002. 8