Jornal Brasileiro de Transplantes

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ISSN 1678-3387
Jornal
Brasileiro de
Transplantes
Jornal Oficial da Associação Brasileira de
Transplante de Órgãos - ABTO
Volume 13, Número 3, jul/set 2010
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s
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Sumário
EDITORIAL........................................................................................................................................................................ 1334
ARTIGO ESPECIAL
I FORUM DE BIOÉTICA EM TRANSPLANTE DA AMERICA LATINA E CARIBE:
O DOCUMENTO DE AGUASCALIENTES......................................................................................................................... 1336
Ashley Baquero, Josefina Alberú, Mario Abbud-Filho
ARTIGOS ORIGINAIS
IDENTIFICAÇÃO DE INDICADORES DE
QUALIDADE PARA UM SERVIÇO DE TRANSPLANTE RENAL......................................................................................1345
Patrícia Treviso, Flávio Henrique Brandão, David Saitovitch
DOADOR DOMINÓ DE CORAÇÃO:
POSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO DAS VALVAS CARDÍACAS............................................................................1349
César Augusto Guimarães Marcelino, Carine Cristiane Fusco, Mara Nogueira Araújo e Andréa Cotait Ayoub
ESTIMATIVA DO NÚMERO DE POSSÍVEIS DOADORES
DE ÓRGÃOS NO ESTADO DE SERGIPE NO ANO DE 2007..........................................................................................1353
Thais Kuhn Rodrigues; Antônio Alves Júnior
TRANSPLANTE DE FÍGADO NO PROGRAMA DE TRATAMENTO FORA DE
DOMICÍLIO NO ESTADO DE SERGIPE EM 2008. ANÁLISE DE DADOS CLÍNICOS E CUSTO....................................1362
Bianca Souza Leal, Tereza Virgínia Silva Bezerra Nascimento, João Augusto Guimarães Figueiredo, Alex Vianey Callado França
IMPORTÂNCIA DO FARMACÊUTICO RESIDENTE EM UMA UNIDADE DE
TRANSPLANTE HEPÁTICO E RENAL: INTERVENÇÕES FARMACÊUTICAS REALIZADAS..........................................1368
Thalita Rodrigues de Souza, Diana Maria de Almeida Lopes, Natália Martins Freire, Geysa Andrade Salmito, Helaine Cristina
Alves de Vasconcelos, Alene Barros de Oliveira, Alexsandra Nunes Pinheiro, Eugenie Desirèe Rabelo Néri, Paula Frassinetti
Castelo Branco Camurça Fernandes, José Huygens Parente Garcia.
ARTIGO REVISÃO
TRANSPLANTE RENAL NO PACIENTE DIABÉTICO COM DOENÇA RENAL CRÔNICA...............................................1374
Irene de Lourdes Noronha, Pablo Girardelli Mendonça Mesquita, José Osmar Medina Pestana
RELATO DE CASO
DOENÇA DE WHIPPLE APÓS TRANSPLANTE RENAL: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA...............1383
Danielle Figueiredo da Cunha, Natalie Anderson Nasser, Olga Abrão Vieira, Carlos Frederico Ferreira Campos, José Carlos Lino da
Silva, Tereza Azevedo Matuck, Deise De Boni Monteiro Carvalho
NORMAS DE PUBLICAÇÃO............................................................................................................................................ 1388
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EDITORIAL
A ética, ou a interpretação dela em transplantes
de órgãos, recentemente passou a ser um caloroso
tópico para debates, tornando-se um dos assuntos
mais discutidos nessa área, sobrepujando até os
avanços da imunobiologia e o aparecimento de novas
drogas imunossupressoras.
A razão para essa mudança de foco e do crescente
interesse na bioética, certamente foi devido à falta de
órgãos obtidos de doadores falecidos, motivo suficiente
para redirecionar o interesse dos transplantadores que
passaram a ver o transplante entre – vivos como uma
alternativa válida para aumentar a oferta de órgãos.
Entretanto, embora o risco de morte na doação
de um rim ou fígado não ultrapasse 0,5% e 1%,
respectivamente, esse risco ganha dimensão de tragédia
para a família do doador que falece e de desastre
irrecuperável para os programas de transplantes.
Outro aspecto que diz respeito direto à ética dos
transplantes é o uso de doadores não-aparentados,
invocando-se para isso, além do altruísmo, o
princípio bioético da autonomia desses indivíduos
que optam pela doação.
O uso inadequado desses doadores escancarou
a porta para o comércio de órgãos e o que antes
era encarado apenas como “rumores”, ganhou uma
triste identidade revelada pela própria Organização
Mundial de Saúde (OMS). Em 2007, a organização
mostrou à comunidade internacional de transplantes,
países e instituições ao redor do mundo envolvidos
com o turismo para transplantes e o tráfico de órgãos
e de doadores. Em sua resolução WHA57.18, a OMS
reconheceu a existência do comércio de órgãos e
solicitou aos países membros que tomassem medidas
para proteger as pessoas mais pobres e vulneráveis ao
turismo para transplante e venda de tecidos e órgãos.
A vulnerabilidade mencionada pela OMS referiase diretamente à pressão exercida pela falta de órgãos
sobre os pacientes necessitados de transplantes e à
pobreza extrema existente em diversos países, fatores
que associados facilitavam o desenvolvimento de um
mercado internacional onde receptores e doadores
passaram a movimentar-se ao redor do mundo,
comprando e vendendo órgãos e criando o comércio
em transplantes.
Em abril de 2008 as Sociedades Internacionais de
Nefrologia (ISN) e de Transplante (TTS) promoveram
um encontro de profissionais da saúde ligados aos
transplantes, eticistas, cientistas sociais, filósofos e
advogados, com o objetivo de definir tráfico, turismo
e comércio de órgãos para transplantes. Esse encontro
que resultou num manifesto denominado Declaração de
Istambul foi endossado por dezenas de países e entidades
de classe e tem causado modificações significativas em
países onde antes proliferava o comercio de órgãos.
As implicações dessa Declaração são profundas,
pois suas definições, princípios e recomendações
pedem aos países membros da OMS a criação de
estrutura profissional e legal que controle e governe
a doação de órgãos e ofereça total transparência às
atividades de transplante.
A América Latina e o Caribe, com populações
bastante heterogêneas, mas unidas pelo laço comum
da marcante desigualdade social, tornou-se um alvo
importante aqueles interessados no comercio de órgãos.
Nos últimos anos, alguns países latino-americanos
tornaram-se bastante conhecidos dos turistas ricos,
pois conseguiam comprar órgãos de doadores vivos
ou mesmo de falecidos, simplesmente “passando na
frente” na fila de espera.
O Brasil figurou na lista de exportadores de doadores
1335
pagos durante muito tempo, até que em 2001 a
polícia federal brasileira e a sul-africana intervieram e
desbarataram as quadrilhas, prendendo os agenciadores
e os potenciais doadores nas favelas de Recife.
O Registro de Transplantes da América Latina e
Caribe (STALYC) mostra que nos últimos dez anos,
em todos países da região, sem exceção, os transplantes
estão crescendo de forma progressiva, e em ritmo
mais acelerado que Europa e EUA, fato que torna esse
continente extremamente atraente para a implantação
ou expansão do comercio de órgãos.
Nesse contexto, a STALYC promoveu em Setembro
de 2010, na cidade mexicana de Aguascalientes, o 1o
Fórum de Bioética em Transplante, visando analisar
os problemas existentes na região e sugerir propostas
para algumas situações. Os países latino-americanos
entenderam que a comunidade de transplantes não mais
poderia permanecer alheia aos problemas existentes e
estaria desempenhando um dever que jamais poderia
ser abandonado.
O Documento de Aguascalientes, publicado neste
número do JBT, tem a pretensão de servir como
instrumento de expressão em nome dos grupos com
atividades de transplantes na América Latina e no
Caribe, e seu objetivo é influenciar a realização de
transplantes realizados com equidade e justiça.
Embora na mesma linha da Declaração de Istambul
e das recentes Diretrizes da OMS, o Documento de
Aguascalientes torna-se mais abrangente quando aborda
quatro tópicos: Doador Vivo, Turismo para Transplante
e Comércio de Órgãos, o papel do governo na Alocação
de Órgãos, Legislação e Cobertura para Transplantes e
o Acesso e Qualidade da Imunossupressão.
A leitura desse documento é de fundamental
importância para todos os médicos envolvidos com
transplantes, pois é a mais pura manifestação visando
abolir, de uma vez por todas, a abominável prática do
comércio de órgãos na America Latina e no Caribe.
Além disso, a adoção dessas recomendações estabelece
claramente nossa posição frontalmente oposta à essa
prática e à pecha de continente exportador ou facilitador
do turismo para transplantes e do tráfico de órgãos.
Bartira De Aguiar Roza
Profª Adjunta da UNIFESP
Editora convidada
1336
I FORUM DE BIOÉTICA EM TRANSPLANTE DA AMERICA LATINA E CARIBE: O
DOCUMENTO DE AGUASCALIENTES
First Latin American Forum in Transplant Bioethics: The Aguascalientes Document
Ashley Baquero1, Josefina Alberú2, Mario Abbud-Filho 3, pelos participantes do Forum*
RESUMO
Os questionamentos de ordem bioética relacionadas com transplantes de órgãos, colocados na segunda metade do século XX, tem motivado
intensos debates e se tornaram um autêntico desafio nos âmbitos científicos, jurídicos, morais e religiosos durante todos esses anos. A questão
que ainda permanece é por que razão, meio século mais tarde, ainda persiste o debate sobre a bioética dos transplantes ? O 1o Fórum de
Bioética em Transplante foi concebida pela STALYC e teve por objetivo fazer uma reflexão e analisar os problemas existentes na região. O
Forum buscaria encontrar soluções para alguns casos, tentaria estabelecer um posicionamento consensual em outros e em algumas situações
se limitaria apenas a sugerir propostas. Dessa forma, a comunidade de transplantes da América Latina (AL) não permaneceria alheia aos
problemas existentes e estaria desempenhando um dever que jamais poderia ser abandonado. O documento de Aguascalientes reafirma
a sua identidade com os mais altos valores que definem a prática da Medicina; reafirma seu compromisso com a Dignidade, o Respeito
pela Vida e de nunca deixar de exercer seu dever de ajudar aqueles que sofrem. Embora o documento de Aguascalientes admita que cada
país e cada centro de transplante têm a prerrogativa de definir suas próprias práticas, ele tem a pretensão de servir como instrumento de
expressão em nome dos grupos com atividades de transplantes na América Latina e no Caribe, e seu objetivo é influenciar a realização de
transplantes em um ambiente de justiça e equidade.
Descritores: Ética; Transplantes; Bioética.
DOCUMENTO DE AGUASCALIENTES
Instituição:
1
Presidência, Sociedade de Transplantes da America Latina e Caribe, Republica
Domenicana
2
Departamento de Transplantes, Instituto Nacional e Ciências, Cidade do Mexico, Mexico
3
Diretoria, Centro de Transplantes, Hospital de Base/FUNFARME/FAMERP, S.J. Rio
Preto, SP, Brasil
* Participantes do Forum:
COORDENADORES GERAIS DO FÓRUM: Ashley Baquero (República Dominicana), Josefina Alberú
(México)
COORDENADORES DAS MESAS DE TRABALHO:
DOADOR VIVO: Eduardo Santiago Delpín (Puerto Rico), Eduardo Tanús (Argentina), Rafael ReyesAcevedo (México).
TURISMO E COMERCIO DE TRANSPLANTE: María Amalia Matamoros (Costa Rica), Roberto Tanús
(Argentina).
LEGISLACÃO E ALOCAÇÃO: Mariela Salome Bacile (Argentina), Sergio Orihuela (Uruguay).
COBERTURA PARA TRANSPLANTES E PARA IMUNOSSUPRESSÃO: Mario Abbud-Filho (Brasil), Maria
del Carmen Bacque (Argentina), Domingo Casadei (Argentina).
PARTICIPANTES DO FÓRUM: Alger Aquino Figueroa (México), Roberto Barriga Arroyo (Bolivia),
Martha Magalis Bello Bello (República Dominicana), Milka Bengochea (Uruguay), Jorge David
Cancino López (México), Guillermo Rafael Cantú Quintanilla (México), Gilberto Castañeda Hernández
(México), Irene Córdova (México), Ramón Espinoza Pérez (México), José Pablo Garbanzo Corrales
(Costa Rica), Carmen Gracida Juárez (México), María de Jesús Gutiérrez Navarro (México), Mariela
Mautone (Uruguay), José Luis Medina Cerriteño (México), Avelino Méndez Rangel (México), Arnoldo
Mondragón Padilla (México), Cruz Netza Cardoso (México), María del Carmen Rial (Argentina), Ana
Rodríguez Allen (Costa Rica), María de la Cruz Ruiz Jaramillo (México), Luciano Zylbuberg (México).
Correspondência:
Nome: Mario Abbud Filho
Endereço: Rua Raul de Carvalho, 2.735, CEP 15020-020, São José do Rio Preto/ SP
Tel.: (17) 4009-9191
E-mail: [email protected]
Recebido em: 08.09.2010
Aceito em: 30.09.2010
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Os avanços técnico-científicos obtidos ao longo das últimas seis
décadas estabeleceram o transplante de órgãos como alternativa
terapêutica para tratamento de pacientes com falência crônica de
órgãos. A possibilidade de oferecer esses procedimentos para os
pacientes exigiu grande generosidade e altruísmo por parte dos
doadores e seus familiares.
Desde os anos 50, quando os primeiros transplantes em seres
humanos foram executados,1-3 surgiu uma série de dúvidas bioéticas
relacionadas à realização dos transplantes,4-6 tanto pela necessidade
de estabelecer critérios a respeito da morte, quanto pelo fato de
ter sido incorporado pela prática da medicina dos transplantes um
componente até então inédito: o doador de órgãos.
Os questionamentos de ordem bioética relacionados com
transplantes de órgãos, colocados na segunda metade do século
XX, têm motivado intensos debates, além de haver se tornado
um autêntico desafio nos âmbitos científicos, jurídicos, morais e
religiosos durante todos esses anos.4-11
É preciso reconhecer que esses debates gradativamente levaram
ao estabelecimento de uma ordem internacional para a prática de
transplantes. Os critérios de morte encefálica foram claramente
definidos,12-18 e durante as últimas quatro décadas foram aceitos de
forma quase universal.19-22 Da mesma forma, foi também possível
definir regras e condições ideais para a realização dos transplantes.
I Forum de bioética em transplante da america latina e caribe: o documento de aguascalientes
A questão que ainda permanece é: por que razão, meio século mais
tarde, ainda persiste o debate sobre a bioética dos transplantes ?
Vários argumentos podem explicar essa situação e os mais
importantes são aqueles que inspiraram a realização deste 1º Fórum
Latino-Americano de Bioética em Transplante:
1. Os transplantes de órgãos consolidaram-se como procedimento
terapêutico para uma grande quantidade de doenças consideradas
terminais. Isso criou a necessidade de assegurar que os pacientes
tenham acesso oportuno e justo à atenção médica e também aos
tratamentos médicos com custo muito elevados.
2. Os órgãos para transplantes obtidos de pessoas falecidas ainda
constituem um recurso escasso. Devido ao número crescente
de pacientes que necessitam de um transplante, é absolutamente
indispensável garantir que existam condições de eqüidade no
acesso a esse recurso.
3. Transplantes com doadores vivos também não estão isentos
de discussão, pois, em face da crescente demanda por órgãos
para transplantes, há sempre a possibilidade dos centros
transplantadores serem mais permissivos na aceitação de
doadores e com isso comprometerem a segurança deles. Além
disso, a pressão representada pela elevada demanda de órgãos
pode favorecer práticas de comércio em transplantes.
4. Os países exigem sistemas legislativos que assegurem condições
ideais para a doação e transplante de órgãos humanos.
A medicina dos transplantes é praticada com grande dignidade e
profissionalismo em todo o mundo. Ela é uma ramificação da ciência
médica contemporânea, sua contribuição científica tem sido vasta e
generosa e milhares de seres humanos tem sido por ela beneficiados.
Apesar disso, é necessário reconhecer que existem alguns pontos
da prática de transplante que ainda merecem atenção cuidadosa.
Recentemente, a 63ª Assembléia Mundial de Saúde, por
unanimidade, concordou com os Princípios da Organização
Mundial de Saúde (OMS) sobre transplante de células, tecidos
e órgãos, aprovando várias medidas para otimizar a segurança e
eficácia dos transplantes. O documento da OMS “condena o tráfico
de órgãos e turismo de transplantes e estimula os profissionais
de saúde a notificarem essas práticas às autoridades competentes
e, dessa forma, melhorar a segurança e eficiência na doação e
transplante, promovendo as melhores práticas internacionais”.23
No entanto, a desproporção existente em todo o mundo entre a
demanda crescente e a oferta limitada de transplante de órgãos
tem propiciado práticas indesejáveis“, como o tráfico de seres
humanos para serem usados como fontes de órgãos e turistaspacientes de países ricos que viajam ao exterior para comprar
órgãos de pessoas mais pobres, conforme apresentado e discutido no
documento denominado Declaração de Istanbul.24 Esse documento,
que adotou como base os princípios da Declaração Universal dos
Direitos Humanos,25 ressaltou a necessidade imperiosa de uma
colaboração internacional, visando obter consenso mundial com
relação à otimização das práticas de doação e transplante. Sua
elaboração foi fruto do trabalho de mais de 150 representantes
de organizações médicas e científicas, funcionários de governo,
cientistas sociais e eticistas de todo o mundo. Na Declaração de
1337
Istambul foi enfatizado que “o legado dos transplantes deve ser a
celebração da doação de saúde de uma pessoa para outra e não de
indivíduos empobrecidos vítimas do tráfico de órgãos e do turismo
de transplante”.24 Deve-se acrescentar que o assunto em debate tem
uma longa história e tradição e o seu principal objetivo é a proteção
ao doador e à prática do transplante, realizada sempre nas melhores
condições, com programas, pessoal e corpo docente devidamente
instruídos e certificados.26-32
Os esforços para divulgar a Declaração de Istambul, desenvolvidos
pelas autoridades sanitárias e outras organizações mundiais
envolvidas com transplantes, têm sido meritórios e seu principal
objetivo é ordenar e padronizar, em todo o mundo, as melhores
práticas em matéria de doação e transplante de órgãos. Muitos países
adotaram os princípios contidos na Declaração de Istambul e, após
adoção de seus preceitos, observaram uma influência positiva nos
programas de transplantes.
A América Latina e o Caribe constituem uma região multicultural
de grande diversidade e contrastes, com pontos coincidentes com
relação à prática do transplante, embora com um desenvolvimento
desigual em educação e saúde. Entretanto, estudos dos últimos
dez anos mostraram que em todos países da região, sem exceção,
os transplantes estão crescendo de forma progressiva. Os resultados
do Registro de Transplantes da América Latina, documento da
Sociedade de Transplante da América Latina e Caribe (STALYC),
mostram que em seis anos o número de órgãos obtidos de doadores
falecidos aumentou 3,8 por milhão de população (pmp), com a
perspectiva de, em 10 anos, alcançar a média de 20 pmp, com
taxa de crescimento anual de 1-1,5 ppm.33
A mesma tendência de crescimento foi observada nos transplantes
de diferentes tipos de órgãos durante o mesmo período de análise
(dez anos). Enquanto o crescimento anual do transplante renal
aumentou de 7% para 15,7 pmp, os transplantes de fígado (3,4
pmp) e de coração aumentaram 11% e 5,8% respectivamente.33
Essa potencialidade da região cria um cenário particularmente
interessante, pois permite ao Fórum investigar os progressos
obtidos e ainda possibilita o estudo dos pontos fracos do sistema,
produtos da realidade socioeconômica e das políticas de saúde
existentes em cada país. Esse fato também ressalta a necessidade
da implantação de estratégias que garantam a transparência,
acessibilidade e qualidade na atividade de transplantes na América
Latina e no Caribe.
A idéia de realizar o 1o Fórum de Bioética em Transplante foi
concebida pela STALYC e teve por objetivo fazer uma reflexão
e analisar os problemas existentes na região. O Fórum buscaria
encontrar soluções para alguns casos, tentaria estabelecer um
posicionamento consensual em outros e em algumas situações se
limitaria apenas a sugerir propostas. Dessa forma, a comunidade
de transplantes da América Latina (AL) não permaneceria alheia
aos problemas existentes e estaria desempenhando um dever que
jamais poderia ser abandonado .
O Fórum não se limitou a tratar exclusivamente dos aspectos
relacionados com a bioética do transplante, que foram sua prioridade,
mas buscou também avaliar as bases legais usadas nos países da
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1338
Ashley Baquero, Josefina Alberú, Mario Abbud-Filho, pelos participantes do Forum
AL para estabelecer uma legislação de transplante e de alocação
de orgãos provenientes de doadores falecidos, identificando suas
virtudes e propondo soluções para suas deficiências, de modo
a aplicar corretamente os princípios éticos fundamentais. Da
mesma forma, tentou conhecer os métodos usados pelas diversas
autoridades de saúde dos países para proporcionar uma cobertura
médica universal e permanente, requerida pelos pacientes que
recebem transplantes, incluindo a terapia imunossupressora e a
qualidade dos medicamentos oferecidos, além do compromisso, no
curto e longo prazo, de seguimento dos doadores vivos.
Com o propósito de produzir um documento suficientemente
abrangente e útil, médicos envolvidos com a prática de transplantes
e especialistas em bioética da América Latina e do Caribe foram
convidados a participar do Fórum. O grupo teria que estudar em
detalhes as práticas atualmente vigentes em nossos países, detectar
deficiências e propor soluções que, no momento adequado, seriam
discutidas por grupos de trabalho no decurso do I Fórum, realizado
em Aguascalientes, México, de 2 a 4 de Setembro de 2010. Durante o
evento, os coordenadores de cada uma das quatro mesas de trabalho
e o grupo de participantes analisaram os pareceres e as propostas
acordadas. Para conclusão das discussões, os participantes do Fórum
reuniram-se em sessão plenária e os resultados e propostas para
cada tema foram apresentados para discussão coletiva. Ao final, foi
elaborado um esboço de documento, enviado posteriormente para
todos os participantes para reavaliação e comentários finais, segundo
os princípios de reflexão, critérios de análise e diretrizes de ação.
Por razões de logística e organização, quatro temas foram
escolhidos para serem discutidos durante o I Fórum sobre Bioética
de Transplantes:
I. Doador vivo
II. Turismo para Transplante e Comércio de orgãos
III.O papel do governo na Alocação de orgãos, Legislação e
Cobertura para Transplantes
IV. Acesso e Qualidade da Imunossupressão
DOADOR VIVO
Embora a avaliação de um potencial doador deva ser circunscrita
apenas aos aspectos biopsicológicos, é difícil não considerar todas
as outras circunstâncias que poderiam influenciar na decisão final
para doar.
No caso do doador de rim, nem o ato cirúrgico, nem a futura
situação de uninefrectomizado estão isentas de riscos. Na verdade,
algumas pessoas consideradas boas candidatas para a doação renal,
de acordo com os critérios atuais, podem estar em situação limite
para a doação em relação à idade, peso ou pressão arterial, e para
essas pessoas haveria riscos em curto ou longo prazo. Situações
semelhantes podem surgir em doadores vivos de outros órgãos
como o fígado, por exemplo.
Portanto, considera-se responsabilidade de cada programa de
transplante estabelecer um sistema que garanta uma avaliação
criteriosa do doador, minimizando os riscos adicionais inerentes à
operação. Idealmente, essa tarefa deve ser realizada por um grupo de
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profissionais independentes e experientes em transplante para avaliar
o doador em suas diversas fases: a pré-cirúrgica, a da cirurgia, a
dos cuidados pós-operatórios imediatos e o acompanhamento em
longo prazo para monitoramento da saúde do doador. Um comitê
interdisciplinar de transplante também é indispensável para ajudar
nessa decisão. O princípio de não prejudicar ou de não-maleficência
(“do not harm”) deve ser assumido e sempre ser considerado acima
dos outros princípios da bioética, visando proteger o doador de
riscos adicionais, mesmo quando esse doador pretenda exercer sua
autonomia e insistir na doação.
A. DEFINIÇÕES
1. Doador vivo de parente consangüíneo: doador geneticamente
relacionado com o receptor do primeiro ao quarto grau de
consangüinidade (pai, mãe, irmãos, avós, tios ou primosirmãos).
2. Doador vivo não-aparentado:
A. doador emocionalmente relacionado ao receptor: são
doadores que não têm parentesco ou relação genética mas
que têm uma forte ligação emocional com o receptor, de
uma forma perceptível e óbvia e que possa ser comprovada.
Nessa categoria incluem-se cônjuges, concubinas,
padrastos, madrastas e filhos adotivos.
B. doador não-relacionado: aqueles que não têm nenhum tipo
de relação com o receptor e podem ser:
• doador altruísta: a pessoa que se oferece para doar um
órgão para qualquer outra pessoa enferma, mesmo sendo
pessoa desconhecida, preocupada com o bem-estar dos
outros e por razões puramente humanitárias.
• doador pareado: quando um dos membros de uma
dupla (par/casal) é utilizado como doador para outro
indivíduo membro de outro par, de forma cruzada,
em virtude da existência de incompatibilidade ABO,
hipersensibilização, doença renal hereditária ou
ausência de outro doador disponível entre os membros
dos pares.
• doador pago: inclui a pessoa que vende um de seus
órgãos por meio “regulamentado” ou ilegal.
B. RECOMENDAÇÕES PAR A ACEITAÇÃO DO
DOADOR VIVO
Doador vivo aparentado por consangüinidade: o doador de primeiro,
segundo, terceiro ou quarto graus é aceitável.
Doador pareado: são apenas aceitáveis entre pares com doadores
vivos, relacionados por consangüinidade ou emocionalmente.
Todos os pares devem ser avaliados por comissões hospitalares
especializadas e devem obter autorização das autoridades judiciais
e de saúde de seus países.
Doador vivo não relacionado, seja por consangüinidade ou
emocionalmente, não é aceitável exceto os incluídos nas
seguintes categorias:
I Forum de bioética em transplante da america latina e caribe: o documento de aguascalientes
Doador altruísta: poderá ser aceito quando não houver doação
dirigida. Recomendamos que todos os casos sejam cuidadosamente
avaliados por comissões de peritos, autorizados pelas comissões
de ética e pelas autoridades de saúde e judiciais.
Emocionalmente relacionados: Inclui marido ou esposa, concubinas,
padrastos e madrastas, filhos e filhas adotivos; são aceitáveis quando
legalmente comprovados e após aprovação pelos comitês de ética
e autoridades judiciais.
Doador pago: Esse tipo de doador não deve ser aceito em
nenhuma circunstância.
PRINCÍPIOS BIOÉTICOS GERAIS RECOMENDADOS:
Os princípios fundamentais da bioética que devem ser contemplados
são: dignidade e integridade, beneficência e não-maleficência,
precaução e/ou vulnerabilidade, autonomia , responsabilidade e
justiça distributiva local.
Bioética como ciência e arte está em contínua evolução.
Consequentemente, novos princípios foram desenvolvidos para
esclarecer os conflitos colocados pelo progresso das Ciências
da Vida e outros previamente estabelecidos foram retomados.
Se os primeiros princípios da beneficência, não- maleficência,
autonomia e justiça foram desenvolvidos no contexto anglo-saxão,
a globalização da bioética requer novas contribuições que têm sido
feitas no campo do conhecimento humano.
Por Dignidade Humana entendemos que a pessoa vale por si
só e não tem preço, não pode ser objeto de lucro. Beneficência
significa agir no melhor interesse do doador e receptor. Integridade
e Não-Maleficência são o direito do indivíduo preservar sua
unidade funcional e a Precaução e/ou Vulnerabilidade é a
ameaça para a fragilidade de uma totalidade em perigo biológico,
psicológico e cultural.
Autonomia: a palavra é derivada do grego “autos” (Próprio)
e “nomos” (Regra), autoridade ou lei. Ser autônomo significa
assumir o direito de ter opiniões próprias, de escolher e tomar
decisões baseadas em seus valores de crenças pessoais. Portanto,
é fundamental respeitar os pontos de vista e os direitos das pessoas,
desde que suas idéias e ações não impliquem em danos para os
outros ou para si próprios.34,35
O princípio da Responsabilidade é definido como a obrigação
de todos aqueles que têm acesso à ciência e à tecnologia serem
conscientes de suas próprias ações, agirem em conformidade e
com respeito pela vida humana e para preservação da mesma.36
Justiça Distributiva e Local: O termo justiça distributiva referese à fragmentação adequada dos bens e/ou dos encargos de uma
sociedade para compensar as desigualdades em que vive a sociedade.
Dessa forma, os recursos, os impostos e as oportunidades podem
ser distribuídos de forma equitativa. O princípio da Justiça em
Bioética inclui o acesso aos recursos e a promoção da saúde, com
capacidade de responder às necessidades da comunidade e proteção
do Estado. Para explicar a justiça distributiva nos serviços de saúde
utilizamos os termos de mérito, equidade e participação no que se
tem direito. Diz-se que a situação é justa quando a pessoa recebe
1339
todos os benefícios que tem direito. A injustiça ocorre quando
um indivíduo é privado da sua devida atenção por necessidade
ou condição social.
A justiça distributiva visa ainda supervisionar os métodos utilizados
na distribuição adequada das terapias substitutivas, tais como o
transplante, e evitar discriminação.37-39
O documento de Aguascalientes assume uma estrutura hierárquica
para os conceitos de Solidariedade e Subsídios.
Solidariedade: se todo ser humano tem o direito de encontrar o que
precisa para seu crescimento e desenvolvimento, a solidariedade
consiste em fazer nossas, as necessidades daqueles que não têm
esses recursos, para que possam obter os meios de subsistência e
os instrumentos para seu progresso pessoal. Subsidiar: Em uma
realidade social com notáveis diferenças de oportunidades, esse
princípio pretende estabelecer que, quem mais sabe, tem e pode,
atenda aos necessitados. Isso não deve limitar a iniciativa ou a
responsabilidade das pessoas ou dos grupos sociais que, ao contrário,
devem valorizar, promover e aumentar esses subsidios. Além disso,
é fundamental estabelecer uma responsabilidade conjunta com a
equipe de tratamento e os pares de doador-receptor e seu ambiente
social. Essa responsabilidade conjunta não isenta o Estado de sua
responsabilidade. Assim, é imprescindível salientar o seguinte:
Consentimento Informado: No documento de Aguascalientes
reiteramos a obrigatoriedade da utilização do Termo de
Consentimento Informado, com todos os seus componentes,
para salvaguardar a autonomia do doador e do paciente em
todo o procedimento de transplante. Esses componentes são:
Voluntarismo: deve garantir que as pessoas escolham livremente
submeter-se a um processo, tratamento médico ou estudo clínico,
sem que sua autorização tenha sido obtida por meio de persuasão,
coerção ou manipulação. O Direito à Informação: deve ser de fácil
entendimento e incluir o objetivo da análise médica, tratamento
ou procedimento. Os benefícios e os riscos a curto, médio e longo
prazo do procedimento ou tratamento médico devem ser claramente
explicados às pessoas e, da mesma forma, as alternativas terapêuticas.
Compreensão: O nível de compreensão do paciente deve
ser avaliado por pessoas diferentes, além do médico. Essas
informações podem ser obtidas através do psicólogo, assistente
social ou pessoal de enfermagem que entendem e conhecem
em detalhes o procedimento que é oferecido ao paciente ou ao
doador de órgãos. A informação deve ser dada ao paciente na sua
própria língua ou dialeto da região. Um tradutor ou intérprete
deve estar presente durante todo o tempo que o paciente estiver
recebendo informações. Caso a autorização por escrito não seja
na língua materna de quem assina concedendo sua autorização, o
documento deve conter a assinatura do tradutor e de pelo menos
dois funcionários da instituição. Ainda, deve ser atestado que o
conteúdo do consentimento escrito é o mesmo que se encontra
no documento traduzido. É necessário ter em conta o nível de
escolaridade e o desenvolvimento social do doador para garantir
que o mesmo conseguiu entender completamente o que foi
explicado verbalmente e por escrito.
As Sociedades de cada país devem utilizar estratégias para que,
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1340
Ashley Baquero, Josefina Alberú, Mario Abbud-Filho, pelos participantes do Forum
juntamente com seus legisladores, façam leis nacionais com base
nas leis internacionais, com a finalidade de obter ou manter os
bons resultados e de proteger os direitos dos receptores e doadores.
TURISMO PARA TRANSPLANTE E COMÉRCIO
DE ORGÃOS
Associado ao sucesso dos transplantes de órgãos veio também
uma facilitação na obtenção de doadores vivos não-aparentados e
a utilização de órgãos de prisioneiros condenados à morte na China,
provocando críticas de todo o mundo. Preocupada com a situação
denunciada, a Sociedade de Transplante da América - Latina e
Caribe considerou ser necessário manifestar-se sobre o turismo
para transplantes e venda de órgãos.
As práticas não éticas em transplantes fomentam a desigualdade
e a exploração das pessoas e são conhecidas.40 Essas práticas
antiéticas são baseadas em argumentos falsos, como o “benefício”
e a “oportunidade” que uma pessoa pode obter para melhorar sua
condição econômica. Da mesma forma, utilizam a “autonomia” para
justificar o direito que as pessoas têm de vender os seus órgãos. No
entanto, esse é apenas um disfarce para um “negócio ilícito”, onde
não são as pessoas necessitadas de dinheiro que se beneficiam da
venda de seus órgãos, mas sim os intermediários que enriquecem
com esse tipo de venda. Está claramente definido que os pobres, por
serem mais vulneráveis, submetem-se ao risco de participar desse
tipo de procedimento. A situação de polarização na distribuição
da riqueza nos países de nossa região, a elevada taxa de pobreza e
o baixo nível de escolaridade exigem que a América Latina tome
medidas necessárias para proteger sua população vulnerável dessa
nova forma de exploração humana, que é o tráfico e o comércio de
órgãos para transplantes.
Subscrevemos o documento de Aguascalientes com as seguintes
definições provenientes da Declaração de Istanbul:24
Tráfico de Órgãos é a obtenção, transporte, transferência,
alojamento ou o acolhimento de pessoas vivas ou falecidas ou
de seus órgãos por meio de ameaça ou uso da força, ou outras
formas de coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou pela
vulnerabilidade, tanto por aquele que oferece como por quem
recebe o órgão, incluindo pagamentos a terceiros ou benefícios
para obter a transferência ou o controle sobre um doador em
potencial, para fins de exploração através da remoção de órgãos
para transplante.Comércio de órgãos é quando um órgão é tratado
como um bem econômico que pode ser comprado, vendido ou usado
como mercadoria. Turismo para transplante é o movimento de
doadores de órgãos, receptores ou profissionais relacionados com
o transplante que atravessam as fronteiras jurisdicionais para
efeitos de realização de transplantes. Viagens para transplante
tornam-se Turismo para transplante quando envolvem tráfico e/
ou o comércio de órgãos ou de outros recursos, como profissionais
ou centros de transplante que realizam transplantes em pacientes
estrangeiros, comprometendo a capacidade do país de fornecer
serviços de transplante adequados para a sua própria população.
O documento de Aguascalientes é enfaticamente contra qualquer
idéia ou mecanismo que favoreça o comércio de órgãos e tecidos
por parte de indivíduos ou dos Estados. Ele se opõe a qualquer
mecanismo que disfarce o comércio de órgãos ou ao funcionamento
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
de qualquer tipo de organização que aceite órgãos como artigos
comercializáveis, como por exemplo, o mercado regulamentado,
a venda livre de órgãos, ou o pagamento para doadores de
quantias superiores àquelas decorrentes das despesas com
estudos de avaliação, procedimento cirúrgico, acompanhamento
e complicações após o ato de doar um órgão.
O PAPEL DO ESTADO NA LEGISLAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO
E COBERTURA PARA TRANSPLANTE
Presumindo-se que nossos Estados são responsáveis pelo bem-estar
dos cidadãos e devem promover o bem estar comum, vale ressaltar
o papel do governo no financiamento, manutenção, fornecimento,
controle e vigilância das atividades relacionadas com o transplante
de órgãos, tecidos e células de origem humana.
A crescente demanda por doação de material biológico de origem
humana para atender a situação de milhares dos nossos cidadãos exige
de nossos países o desenvolvimento ordenado dos sistemas de doação
e transplante e de políticas específicas enquadradas em um contexto
ético e legal, contemplando o bem comum e o acesso universal.
Em cada um dos nossos países, em maior ou menor grau, existe
um forte e crescente desequilíbrio entre oferta e demanda de
transplantes de órgãos, uma fragmentação da atenção e um acesso
parcial ou restrito ao transplante como uma alternativa terapêutica
para grandes setores da população da América Latina e do Caribe.
Embora em muitos de nossos países ainda exista uma ampla
margem para crescimento na taxa de doadores falecidos, outras
alternativas usadas internacionalmente estão sendo analisadas
e, se julgadas apropriadas, necessitarão de um rigoroso controle
ético-legal e de cidadania.
Perante essa situação, a única atitude aceitável é a do compromisso
dos diferentes segmentos de nossa sociedade, especialmente
daqueles que têm grandes responsabilidades políticas, ético-legais,
sanitárias, técnicas e econômicas. Nesse novo contexto, um papel
muito especial corresponde à sociedade civil, com uma atitude mais
ativa e organizada na defesa dos seus direitos.
A decisão política de incrementar essa política com objetivos
claros, garantindo o direito ao transplante, aumento do número
e melhoria nos resultados de transplantes e redução das listas
de espera, deverá ser realizada com a elaboração de programas
de doação e transplante, visando estabelecer com eqüidade,
cobertura e atenção integradas. É necessário deixar claro que a
correta aplicação dessas medidas exige que os Estados garantam
a cobertura universal dos serviços de saúde a todos os cidadãos
que necessitem de transplante. Essas medidas devem considerar
as particularidades organizacionais de cada Estado, sempre
obedecendo às diretrizes éticas.
Nos países onde não há nenhuma doação e atividade de transplante
em vigor, as autoridades devem maximizar esforços para
desenvolver sistemas que atendam às necessidades de sua população
visando a auto-suficiência.
Em todos os casos, a população deve encontrar disponíveis todas as
informações sobre o acesso aos programas de transplante vigentes,
aos resultados de sobrevida dos pacientes e enxertos dos centros que
realizam transplantes, disponibilidade, cobertura níveis e critérios de
I Forum de bioética em transplante da america latina e caribe: o documento de aguascalientes
alocação. O acesso à informação por parte dos vários intervenientes,
incluindo os pacientes, permite a garantia de transparência na
alocação e obriga a apresentação dos seus resultados.
ACESSO E QUALIDADE DOS IMUNOSSUPRESSORES
O objetivo é garantir a saúde dos pacientes com o uso de
medicamentos de qualidade e eficácia comprovados, por meio de
um processo definido e aprovado por uma instituição científicoacadêmica;41 isso não implica na aprovação ou desaprovação do
uso de medicamentos genéricos, mas requer o cumprimento das
condições mencionadas.
A cobertura para os transplantes deve incluir a implementação de
estratégias de saúde que garantam o acesso, qualidade, equidade,
transparência e eficácia na atenção ao paciente; permitir o rápido
registro na lista de espera, permanecer na lista de espera por
períodos breves e oferecer a possibilidade do paciente receber um
transplante com perspectiva de reinserção plena na sociedade.
1341
Consequentemente, os resultados de estudos sobre a bioequivalência
farmacocinética realizados em voluntários saudáveis não podem ser
extrapolados diretamente para a população, altamente heterogênea,
dos pacientes transplantados. Portanto, é necessária a realização de
estudos clínicos sobre a eficácia e segurança dos imunossupressores
genéricos que poderão fornecer provas de equivalência, ou pelo
menos de não-inferioridade, com relação aos imunossupressores
com patentes certificadas.43
Consideramos que há necessidade das autoridades de saúde, por
meio das entidades dedicadas à regulamentação de medicamentos,
submeterem os medicamentos imunossupressores genéricos para
estudos de monitoração das concentrações terapêutica no soro,
plasma ou no sangue de pacientes transplantados, a fim de avaliarem
a variabilidade intra- e inter-individual das diferentes formulações
disponíveis. Além disso, estudos de farmacovigilância intensiva
deverão ser iniciados visando reconhecer as variáveis que possam
interferir na biodisponibilidade dos novos fármacos.43
O Estado deve olhar para a manutenção do vínculo médicopaciente no âmbito ético, que pressupõe o respeito pela dignidade
e autonomia do indivíduo. Qualquer alteração ou disposição que
altere o equilíbrio ameaça o bem-estar psicofísico do paciente.
Também é necessário implantar e ajustar um sistema para registrar
informações e torná-lo disponível para que todos os médicos
possam fornecer dados sobre os efeitos adversos, e que isso seja
facilmente encontrado em páginas da web de sociedades científicas,
em conjunto com as autoridades reguladoras, para facilitar o
cumprimento da farmacovigilância. Recomenda-se às sociedades
científicas de cada país gerar um fluxo de informações sobre
farmacovigilância para ser distribuído nos hospitais de transplante e
nas unidades de saúde onde é feito o acompanhamento de pacientes
com baixo risco imunológico.
A problemática sobre a incorporação de medicamentos imu­
nos­s upressores genéricos no mercado é de grande pertinência.
Esse é um debate universal e até agora não há informação
bibliográfica suficiente sobre a segurança terapêutica dos
imunossupressores genéricos e muito menos sobre os resultados
do intercâmbio entre eles.
O intercâmbio entre imunossupressores inovadores e imunos­
supressores genéricos não é recomendável se todo o processo de
verificação do efeito clínico do genérico não tiver sido realizado.
Pacientes pediátricos, adultos idosos e pacientes de alto risco
imunológico representam grupos vulneráveis e não devem ser
incluídos em qualquer protocolo de intercâmbio de drogas.43
A fiscalização da qualidade do medicamento imunossupressor
que o paciente recebe é obrigação ética do médico de transplante.
Portanto, deve-se garantir o respeito pela prescrição feita e também
devem ser dadas ao paciente todas as informações para ele poder
exercer sua autonomia e tomar uma decisão livre. Qualquer
mudança no tratamento imunossupressor deve ser autorizada pelo
paciente, por meio da assinatura do consentimento informado,
legalmente previsto. Da mesma forma, deve haver um acordo sobre
quem terá a responsabilidade legal pelas conseqüências devido à
mudança na medicação.
O argumento de aquisição de imunossupressores genéricos a preços
mais baixos não é válido no âmbito dos princípios da bioética que
devem ser cumpridos na atenção do paciente, tais como beneficência
e não-maleficência. Além disso, deve ser levado em consideração
que a Farmacoeconomia não inclui apenas os custos de aquisição,
mas também os custos associados com a falta de eficácia e segurança
de um medicamento. Se o uso de genéricos resultar em maior
taxa de rejeição do transplante, a economia gerada pelo baixo
preço do medicamento será superada pelos custos associados a
uma falha terapêutica. Portanto, o uso de um imunossupressor
genérico de má qualidade poderá gerar despesas adicionais. Em
contraste, um imunossupressor genérico que apresenta eficácia e
segurança, comparável com a do tipo inovador, mas com um custo
menor, pode gerar uma economia significativa. Esse é o tipo de
medicamento imunossupressor genérico que deve ser estimulado
pelas autoridades regulatórias.43
A atividade de transplante implica em um compromisso ético do
profissional, não só com o paciente, mas com a comunidade, com
o seu espírito de solidariedade que torna possível a doação de um
órgão comum e escasso, e também envolve a responsabilidade com
o paciente que permanece na lista de espera.
Os imunossupressores formam uma categoria especial de
medicamentos e apresentam características especiais que os tornam
diferentes de outros grupos terapêuticos;42 são medicamentos com
alto risco para a saúde, pois apresentam uma janela terapêutica
reduzida e têm alto nível de variabilidade inter-populacional e intraindividual. Assim, erros na dosagem, mesmo quando pequenos
podem resultar em: 1) falta de eficácia com perda do transplante,
2) imunossupressão excessiva acompanhada por infecções, ou
3) efeitos indesejáveis graves devido à toxicidade peculiar do
medicamento. Isso resulta na grande variação da biodisponibilidade
dos medicamentos imunossupressores em pacientes transplantados,
significativamente maior do que em voluntários saudáveis.
Finalmente, consideramos que é uma oportunidade para que as
autoridades de saúde definam políticas que permitam garantir
a cobertura universal do tratamento imunossupressor e que, em
conjunto com as entidades reguladoras, autorizem a comercialização
dos novos medicamentos genéricos, quando esses medicamentos
tenham assegurado um padrão de qualidade.44-46
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1342
Ashley Baquero, Josefina Alberú, Mario Abbud-Filho, pelos participantes do Forum
R E C O M E N D A Ç Õ E S em nível de países
e de programas.
programas de doador falecido e de procura de órgãos em todos
países da Região.
São condições para o desenvolvimento de um sistema saudável de
doação e transplante de cada país da região:
19.Empresas que iniciam a tramitação junto aos ministérios da
saúde para aprovação das formulações genéricas de drogas
imunossupressoras deverão:
1. Contar com uma legislação específica com base em considerações
bioéticas que contemple a regulamentação da doação, alocação
de transplante e de seguimento.
2. Garantir o acesso universal aos serviços de saúde, incluindo o
acesso ao transplante, em todos os países da região.
3. Estabelecer uma organização estatal nacional encarregada pela
doação, procura, alocação e distribuição dos órgãos, e também
da promoção e execução das políticas de transplantes em nível
nacional.
4. Fomentar programas de doadores falecidos e utilização máxima
dos recursos de cada país, a cooperação internacional, incluindo
a troca de recursos médicos-clínicos, educacionais, científicos
e bioéticos, além de investigação científica em imunologia,
doação e transplante.
5. Dispor de uma lista nacional de espera para cada órgão ou
tecido, e sistemas de alocação com critérios definidos que
promovam a ordem, segurança, transparência, credibilidade e
rastreabilidade no sistema.
6. Promover o estabelecimento de controles necessários nas
instituições de saúde para a proteção da população vulnerável.
7. Fazer vigorar os princípios de Justiça Distributiva, Utilidade,
Igualdade e Comunidade.
8. Criar/implementar sistemas de monitoração e fiscalização dos
sistemas de alocação.
9. Promover a obrigatoriedade de relatórios ao sistema nacional
de doação e transplante de cada país e aos correspondentes
ministérios da saúde pública, com relação à realização de
transplantes com doadores vivos, assim como informações que
permitam o rastreamento e acompanhamento desses transplantes.
10.Criar comissões de avaliação para doadores não-aparentados
nos hospitais que realizam transplantes.
11. Criar registros nacionais de doação e transplante, que permitam
análise adequada dos resultados em curto e longo prazo.
12.Estabelecer critérios para certificação de hospitais onde os
procedimentos de transplante são realizados.
13.Registrar e autorizar os programas de transplantes.
14.Estabelecer critérios e protocolos nacionais para a seleção de
doadores falecidos.
15.Definir os critérios para certificação do pessoal dedicado a
atividades de procura e transplantes.
16.Preparar equipes clínicas de transplante de diversos órgãos,
competentes e qualificados, com programas de transplantes
que contemplem o pré-transplante, o implante, e as atividades
pós-transplante.
17. Treinar o pessoal para as atividades de procura e doação.
18.Estabelecer mecanismos para dar apoio e incentivo aos
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
a. Apresentar as referências sobre a origem da droga e seu uso
em outros países.
b. Submeter a droga genérica a estudos clínicos de transplante
para garantir a segurança e a eficácia terapêutica, com
supervisão de terceiros autorizados. Esses estudos devem
ser delineados com adequada análise estatística.
c. O fornecimento do medicamento deve ser garantido por
um período mínimo de um ano, a fim de evitar o risco de
interrupções e intercambialidade dos medicamentos. É
comum que o produtor de medicamentos genéricos tenha
problemas de produção e / ou de distribuição que limitem
o fornecimento adequado dos medicamentos.
20.Difundir o Documento de Aguascalientes em todos os fóruns de
transplantes e congressos que se realizarem na América Latina
e no Caribe.
21.Enviar este documento a todas as instituições estatais que
participam da gestão da saúde na região.
CONCLUSÕES
Este documento contém o resultado das sessões de trabalho e mesas
de discussão do Primeiro Fórum Latino-Americano de Bioética
em Transplante. Sua publicação cumpre o objetivo de transmitir
seu conteúdo para todos os profissionais de saúde que, dia a dia,
envidam seus melhores esforços para atendimento de pacientes
que necessitam de um transplante, a todas as sociedades médicas
envolvidas em atividades de transplante e às autoridades de saúde
de todos os países que formam a América Latina e Caribe.
O documento de Aguascalientes não pretende adotar um caráter
dogmático, que censure o exercício dos transplantes; tampouco procurar
assumir uma atitude maniqueísta para definir o que é ou não correto.
O documento de Aguascalientes reafirma a sua identidade com os
mais altos valores que definem a prática da Medicina; reafirma seu
compromisso com a Dignidade, o Respeito pela Vida e de nunca
deixar de exercer seu dever de ajudar aqueles que sofrem.
Embora o documento de Aguascalientes admita que cada país
e cada centro de transplante têm a prerrogativa de definir suas
próprias práticas, ele tem a pretensão de servir como instrumento
de expressão em nome dos grupos com atividades de transplantes na
América Latina e no Caribe, e seu objetivo é influenciar a realização
de transplantes em um ambiente de justiça e equidade.
Possivelmente o maior desafio e, conseqüentemente, a tarefa da qual
todos os grupos envolvidos em transplantes terão nos próximos
anos, será a implantação e manutenção das medidas necessárias
sugeridas neste Documento, com objetivo de otimizar, dentro dos
princípios éticos mais rígidos, os resultados em matéria de doação
e transplantes que podem ser obtidos a partir do esforço conjunto
dos países da região.
1343
I Forum de bioética em transplante da america latina e caribe: o documento de aguascalientes
ABSTRACT
The questionings of a bioethical order, related to organ transplants, posed in the second half of the twentieth century, have motivated intense
debates and have constituted an authentic challenge for the scientific, legal, moral and religious ambits during all these years. The question
would then be asked as to why – half a century later – the debate regarding the bioethics of transplants is still open? The first Forum on
Transplant Bioethics was conceived in the core of the Latin American and Caribbean Transplant Society The Forum originated due to
the necessity of creating a space that would permit the analysis of the existing problems in the region. The necessity for reflection was
detected, solutions had to be looked for in some cases; in others, we would look to establishing a consensual positioning; in other aspects
we would limit ourselves to proposing solutions. The transplant community of Latin America could not remain detached from such a series
of problems; they considered it a duty never to be given up. The Document of Aguascalientes reaffirms its identity with the highest values
defining the practice of medicine; it reaffirms its commitment with dignity, its respect for life and the never-to-be given up duty of helping
those who suffer. Although the Document of Aguascalientes admits that each country and each transplant center have the prerogative of
defining their own practices, it does pretend to serve as an instrument of expression on behalf of the groups with transplanting activity in
Latin America and the Caribbean, and its aim is to influence the realization of the transplant activities in an atmosphere of justice and equity.
Keywords: Ethics; Transplants; Bioethics.
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1345
IDENTIFICAÇÃO DE INDICADORES DE QUALIDADE PARA UM SERVIÇO DE
TRANSPLANTE RENAL
Identification of quality indicators to monitoring of a renal transplant service
Patrícia Treviso1, Flávio Henrique Brandão2, David Saitovitch3.
RESUMO
Objetivo: Identificar os principais indicadores de qualidade para um Serviço de Transplante Renal, na opinião de profissionais e pacientes.
Método: Estudo exploratório, descritivo, análise quantitativa, coleta de dados através de questionário estruturado com perguntas abertas
e fechadas. Amostra (n=133) composta por profissionais assistenciais, administrativos e pacientes. Resultados: Não houve diferença
significativa quanto à importância dos indicadores apresentados, na opinião dos profissionais. A diferença estatística foi observada em:
necessidade de mais indicadores, na opinião dos profissionais assistenciais (p= 0,046) e na opinião dos profissionais administrativos (p= 0,011).
Os pacientes enfatizaram a necessidade de indicadores relacionados à humanização do cuidado. Conclusão: Os indicadores institucionais
atuais a nível hospitalar são insuficientes e não contemplam a realidade atual de um programa de transplante. Este trabalho possibilitou a
identificação de uma lista consistente de 23 indicadores específicos, que podem ser utilizados pelos Serviços de Transplante Renal.
Descritores: Indicadores; Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde; Transplante Renal; Garantia da Qualidade dos Cuidados de
Saúde, Controle de Qualidade
INTRODUÇÃO
Instituições:
1
Programa de Pós Graduação de Medicina e Ciências da Saúde – Nefrologia. Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/RS
2
3
Departamento de Administração, Instituto Brasileiro de Gestão em Negócios, Porto Alegre/RS
Departamento de Medicina Interna. Faculdade de Medicina. Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS
Correspondência:
Patrícia Treviso
Rua Dr Tauphick Saadi, 33/601 - Porto Alegre / RS - Cep 90470-040
Fone: (51) 9644-1456
E-mail: [email protected]
Recebido em: 16.11.2009
Aceito em: 13.07.2010
A busca constante pela qualidade na prestação de serviços tornouse pré-requisito para a sobrevivência e competitividade das
instituições.1-2 Nesse contexto, a adoção de um sistema de gestão
da qualidade de serviços de saúde é uma decisão estratégica além
de uma necessidade social e técnica, entendendo que a melhoria da
qualidade leva diretamente à maior eficiência e redução de custos.2-7
A definição de qualidade segundo a literatura 8 é que a qualidade
aumenta o grau de chance dos serviços de saúde atingirem os
desfechos desejados. Portanto, as chances das instituições de
saúde manterem-se no mercado estão ligadas diretamente aos
processos de melhoria contínua da qualidade e é baseado nessa
hipótese que este trabalho se desenvolve, acreditando que os
serviços de transplante renal podem dispor de ferramentas para
se tornar ainda mais qualificados, sendo uma dessas ferramentas
os indicadores de qualidade.
Indicador de qualidade é uma ferramenta desenvolvida para facilitar
a quantificação e avaliação das informações,9 sendo utilizada para
medir a qualidade em um aspecto concreto da atenção à saúde,
podendo auxiliar no monitoramento de processos e seus resultados,
bem como fornecer informações críticas sobre a eficácia destes.7,10
O estudo proposto, que consideramos a primeira abordagem
dessa temática ainda não estudada em profundidade na área de
transplantes, objetiva identificar os principais indicadores de
qualidade para um Serviço de Transplante Renal na opinião de
profissionais e pacientes, podendo ser útil como instrumento para
uma gestão baseada na melhoria da qualidade.
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1346
Patrícia Treviso, Flávio Henrique Brandão, David Saitovitch.
MÉTODOS
Estudo contemporâneo transversal com análise quantitativa,
realizado no Hospital São Lucas da PUCRS. A coleta de dados deu-se
através de questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas,
diferenciado para profissionais e pacientes e efetuado no mês de
dezembro de 2007. Amostragem aleatória, descrita na Tabela 1.
Tabela 1 - Caracterização da amostra (n=133)
Variável
Amostra: n (%)
Universo (n)
pacientes em lista de espera ou que já realizaram transplante
renal (doador falecido); profissionais atuantes no processo de
transplante renal.
O início do estudo ocorreu após avaliação e emissão do Parecer
Consubstanciado de Aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa
da PUCRS. Foram incluídos no estudo somente os indivíduos
que concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. O nível de significância adotado foi p≤0,05. Para esses
cálculos, usou-se o programa Statistical Package for Social Sciences
(SPSS, versão 15 para Windows, SPSS Inc, Chicago, IL, EUA).
RESULTADOS
Categorias profissionais
Líderes administrativos
10 (71,0)
14
Auxiliares administrativos
6 (100,0)
6
Médicos
13 (100,0)
13
Enfermeiras
23 (72,0)
32
Técnicos de enfermagem
20 (12,0)
169
Pacientes pré-transplantados
21 (7,0)
297
Pacientes pós-transplantados
40 (12,7)
315
Total
133 (15,7)
846
Nota: Os dados são apresentados como freqüência ou percentual.
Todos os profissionais atuantes na área assistencial ou administrativa
do Serviço de Transplante Renal do HSL-PUCRS foram convidados a
participar do estudo no período da coleta, bem como os pacientes que
estavam internados ou realizaram consulta no ambulatório naquele
período, tendo sido incluídos os que atenderam os aspectos éticos.
Após revisão da literatura, conversas com expertises na área de
qualidade, diretores e/ou responsáveis pela gestão da qualidade
de diferentes empresas, da área da saúde e outras, observamos
que existem diferentes maneiras de se construir uma grade de
indicadores para um serviço específico. No presente trabalho,
resolvemos questionar os envolvidos com transplante renal:
profissionais e pacientes. Com base nos indicadores do SIPAGEH
(Sistema de Indicadores Padronizados para a Gestão Hospitalar)
e em indicadores institucionais da PUCRS, organizou-se uma
lista de indicadores gerais (assistenciais e administrativos) que se
aplicariam ao serviço, lista essa que foi submetida à avaliação dos
sujeitos através do questionário. Os indicadores foram pontuados
de 1 a 5, conforme escala de Lickert. Para tabulação dos dados,
essa pontuação foi dividida em dois grupos: não importantes
(respostas 1 a 3) e importantes (respostas 4 e 5). Considerou-se
também a sugestão de outros indicadores necessários para tal
serviço, através de perguntas abertas.
Características de inclusão: maiores de 18 anos; alfabetizados,
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
Foram incluídos no estudo 133 (100%) sujeitos, sendo que destes,
72 (54,14%) eram profissionais assistenciais e administrativos, e
61 (45,86%) eram pacientes pré- e pós-transplante. Em relação às
características demográficas dos participantes do estudo, 83 (62,4%)
eram do sexo feminino e com idade média de 40,3±13,1. Com
relação à população de nível superior, 44,6% estavam distribuídas
entre os profissionais administrativos e assistenciais e 1,6% entre
os pacientes. Em relação ao tempo de atuação em transplante, 25%
dos profissionais atuavam há mais de 10 anos nessa área. Entre os
pacientes, 65% eram transplantados, dos quais 80% correspondiam
a pacientes ambulatoriais.
Os indicadores assistenciais analisados pelos profissionais
assistenciais foram: Índice de infecção hospitalar, taxa de
mortalidade, tempo de permanência (Unidade de Internação/Unidade
de Tratamento Intensivo), complicações cirúrgicas, complicações
pós-transplante, intercorrências assistenciais, índice de reinternações,
satisfação cliente interno, satisfação cliente externo.
Através da análise dos dados, observou-se que tanto para os
técnicos, como para os enfermeiros e médicos, os indicadores
assistenciais tiveram pesos relativamente similares. O indicador
“complicações cirúrgicas” obteve maior pontuação, tendo apenas
um indivíduo considerado não importante e o indicador “satisfação
do cliente interno” foi o indicador com menor pontuação, tendo sido
considerado não-importante por sete profissionais, não obstante todos
indicadores foram considerados importantes numa taxa superior a
80%, tendo na maioria das vezes taxa de 90% ou maior.
Os indicadores analisados pelos profissionais administrativos
foram: Índice de acidentes de trabalho, horas de treinamento, tempo
de permanência (Unidade de Internação e Unidade de Tratamento
Intensivo), taxa de ocupação, receita, custo, absenteísmo, satisfação
cliente interno, satisfação cliente externo.
Os dados foram comparados entre os profissionais administrativos
(auxiliar e líder administrativo). Não houve diferença estatística entre
as categorias profissionais pesquisadas. O indicador “satisfação do
cliente interno” foi considerado importante numa taxa de 100% pelas
duas categorias profissionais; o indicador “índice de acidentes de
trabalho” foi o único considerado não importante ou indiferente pela
maioria dos sujeitos. Todos os outros indicadores foram considerados
importantes, numa taxa igual ou superior a 60%, tendo na maioria
das vezes taxa de importância de 100%.
1347
Identificação de indicadores de qualidade para um serviço de transplante renal
Houve diferença estatística observada em relação à necessidade
de mais indicadores na opinião dos profissionais assistenciais
(p= 0,046) e na opinião dos profissionais administrativos (p= 0,011).
Pacientes enfatizaram a necessidade de indicadores relacionados à
humanização do cuidado.
Através das perguntas abertas obteve-se 227 citações, resultando
numa lista de 50 novos indicadores sugeridos pelos profissionais e
pacientes; destes, 27 são indicadores institucionais e apenas 23 são
específicos para um Serviço de Transplante Renal, os quais estão
destacados na Tabela 2.
Tabela 2 – Listagem dos indicadores específicos sugeridos pelos
profissionais assistenciais, administrativos e pacientes.
Nº
Indicadores Sugeridos
1
Tempo em lista de espera
2
Número de doadores
3
Divulgação e Marketing focado na doação
4
Sobrevida do enxerto
5
Índice de retorno à diálise
6
Índice de rejeição do órgão
7
Índice de mortalidade do paciente pós-transplante
8
Índice de complicações pós-transplante
9
Sobrevida do receptor
10
Índice de falência do órgão
11
Número de transplantes realizados
12
Tempo de diálise pré-transplante e tipo de diálise
13
Uso de hemoderivados no processo de transplante
14
Reinternação pós-transplante
15
Número de pacientes em lista de espera
16
Perda primária do enxerto
17
Motivo falta de doadores
18
Função do enxerto nos 6 e 12 meses
19
Tempo de isquemia fria do órgão
20
Mortalidade em lista de espera
21
Retorno à atividade profissional pós-transplante
22
Número de atendimentos ambulatoriais pós-transplante
23
Tipo de terapia / tratamento pré-transplante
Os indicadores relacionados à assistência somaram o maior número
de citações, ressaltando-se o indicador institucional relacionado à
agilidade, capacitação e humanização do cuidado.
DISCUSSÃO
Tradicionalmente, os hospitais utilizam indicadores gerais ou
institucionais, os quais possibilitam avaliar a instituição na sua
totalidade, porém não considerando a especificidade dos serviços.
No entanto, a especificidade e a complexidade dos serviços de saúde
exigem indicadores específicos.10
Os indicadores administrativos, como por exemplo: horas
de treinamento, absenteísmo e custo tiveram uma taxa de
importância que oscilou entre 33,3 e 100%, sendo que os
auxiliares pontuaram alguns indicadores como não importantes,
e mesmo assim, não consideraram necessário incluir novos; já
os líderes consideraram todos indicadores importantes e mesmo
assim acharam importante incluir outros.
Na lista de indicadores sugeridos, os profissionais administrativos
citaram itens relativos à assistência e não só às questões
administrativas, o mesmo acontecendo com os profissionais
assistenciais, demonstrando a ampla visão que estes profissionais
têm dos processos desenvolvidos dentro da instituição, observando
além do foco de sua atuação, avaliando o todo: a estrutura, os
processos e os resultados.11
A lista de indicadores sugeridos corresponde a 227 citações, onde
a maioria deles é assistencial, isto é, que se reportam a aspectos da
assistência no macro processo do transplante renal, salientando-se a
assistência multidisciplinar, agilidade e humanismo, demonstrando
prioridade da assistência sobre as questões administrativas.
O número de indicadores obtidos neste estudo é grande, o que
implica em dificuldade de colocar todos em uso; a literatura
menciona que não há necessidade de muitos indicadores, mas
sim de utilizar os que são mais adequados a cada instituição. Os
resultados deste estudo permitem oferecer um leque de indicadores
específicos, dos quais diferentes serviços de transplante renal
poderão fazer uso selecionando os indicadores mais adequados
para a realidade da instituição em que atuam.
Não há um número exato de indicadores necessários para o controle
da qualidade de um serviço, porém, é importante que exista um
grupo onde a coleta de dados e a análise possam ser viáveis,12,13 e
que esses dados possam ser úteis para tal serviço. Com base nisso,
acredita-se que os Serviços de Transplante Renal possam eleger
e usufruir dos indicadores elencados neste estudo, contribuindo
assim para a melhoria de seus processos.
CONCLUSÕES
O presente estudo identificou os principais indicadores de
qualidade para um Serviço de Transplante Renal com base na
opinião de pacientes e profissionais, resultando numa lista de
50 indicadores, sendo 23 específicos para esse tipo de serviço.
Os profissionais assistenciais consideraram importantes todos
os indicadores avaliados. Os profissionais administrativos
demonstraram divergência de opiniões, contudo, consideraram
a maioria dos indicadores administrativos importante.
Os indicadores institucionais atuais a nível hospitalar são
insuficientes e não contemplam a realidade atual de um programa
de transplante renal. Acreditamos que os indicadores específicos
sugeridos neste estudo por profissionais e pacientes possam ser úteis
no gerenciamento de qualidade para Serviços de Transplante Renal.
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1348
Patrícia Treviso, Flávio Henrique Brandão, David Saitovitch.
ABSTRACT
Purpose: To identify major quality indicators of a Renal Transplant Service, according to the professionals and patients’ opinion. Method:
Exploratory and descriptive study, quantitative analysis, information gathered through an aimed questionnaire with open and close questions.
Sample (n = 133) consisted by assistant and administrative professionals and by patients. Result: There was no relevant difference concerning
the importance of the indicators presented, according to the professionals’ opinion. It was observed a statistic difference as to: the need of
additional indicators, according to the assistant professionals (p=0,046) and the administrative professionals’ opinion (p=0,011). Patients
emphasized the need of indicators related to the humanization of the care. Conclusion: The present institutional indicators in hospitals are
insufficient and they do not comply with the present reality of a transplant program. This study allowed the identification of a consistent
list of 23 specific indicators that can be used by Renal Transplant Services.
Keywords: Indicators; Quality Indicators, Health Care; Renal Transplant; Quality Control, Health Care; Quality Assurance.
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1349
DOADOR DOMINÓ DE CORAÇÃO: POSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO DAS
VALVAS CARDÍACAS
Domino donor heart: possibility of using cardiac valves
César Augusto Guimarães Marcelino, Carine Cristiane Fusco, Mara Nogueira Araújo e Andréa Cotait Ayoub
RESUMO
Introdução: As valvopatias destacam-se dentre as cardiopatias cirúrgicas, principalmente em nosso meio, sendo que muitas vezes a
conservação da valva é difícil pelo extenso acometimento e a sua substituição torna-se imperativa. Entre os substitutos valvares, as próteses
e biopróteses, os substitutos homólogos apresentam vantagens especiais; porém, seu maior fator limitante é a dificuldade de obtenção. Diante
dessa situação, os corações nativos explantados nos transplantes podem representar importante fonte de oferta dos substitutos valvares.
Objetivo: Verificar a real possibilidade de aproveitamento das valvas cardíacas oriundas de corações nativos explantados de transplante
cardíaco. Método: Estudo do tipo exploratório, descritivo e documental, realizado em hospital da rede estadual de São Paulo, referente
ao atendimento a doenças cardiovasculares. Resultados: A amostra foi composta por 202 corações de pacientes submetidos a transplante,
sendo 155 (76,7%) homens e 47 deles com idade entre 56-70 anos (31,1%). Em relação à etiologia da cardiomiopatia, encontravam-se
assim distribuídas: 51 (25,2%) possuíam tal informação, e destes, a mais frequente foi cardiomiopatia dilatada em 16 casos (31,4%). Dos
202 corações analisados, 114 (56,4%) a avaliação foi possível, sendo que destes, 69 (59,6%) laudos relataram que as valvas não possuíam
alteração, enquanto 46 (40,4%) informavam presença de alteração valvar. As valvas cardíacas com menos frequência de alterações foram
as pulmonares, em 82 (71,9%) casos e aórtica em 81 (71,1%). Conclusão: O estudo anatomopatológico de corações retirados de receptores
cardíacos mostrou a existência de valvas cardíacas que poderiam ser utilizadas em transplante valvar, em especial da valva aórtica.
Descritores: Valvas Cardíacas; Implante de Prótese de Valva Cardíaca; Doadores de Tecidos; Transplante de Coração; Transplante de Tecidos.
INTRODUÇÃO
Instituição:
Organização de Procura de Órgãos, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP
Aspecto Ético
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de
Cardiologia com número de protocolo 3615 de 2008.
Correspondência:
César Augusto Guimarães Marcelino
Av. Dr. Dante Pazzanese, 500, Prédio II, 3º andar – CEP: 04012-909, São Paulo-SP, Brasil.
Tel.: (11) 5571-8601 (comercial).
E-mail: [email protected], [email protected]
Recebido em: 07.05.2010
Aceito em: 06.08.2010
O transplante de órgãos e tecidos é um dos avanços mais audaciosos
e revolucionários da Medicina. Superando dificuldades e gerando
conhecimentos que impulsionaram a ciência médica, os transplantes
popularizaram-se e diferentes órgãos e tecidos atualmente podem
ser transplantados.1,2
O primeiro transplante cardíaco humano foi realizado por Barnard
em 1967, na África do Sul. No Brasil, em 1968, Zerbini realizou
o primeiro transplante da América Latina e o paciente faleceu de
infecção 28 dias após a operação, até que na década de 1980, com
a introdução da ciclosporina A, os episódios de rejeição passaram
a ter comportamento benigno e de mais fácil controle.
O transplante cardíaco é o tratamento de escolha para insuficiência
cardíaca refratária a tratamento clínico ou quando não comporta
outras opções cirúrgicas, exigindo-se criteriosa seleção na escolha
de doador e receptor.2-5
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1350
César Augusto Guimarães Marcelino, Carine Cristiane Fusco, Mara Nogueira Araújo e Andréa Cotait Ayoub
O Brasil cada vez mais tem ocupado espaço no campo dos
transplantes, destacando-se na América Latina e, sobretudo, sendo
país referência no transplante cardíaco na doença de Chagas.4
O Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC) é uma
instituição do Estado de São Paulo especializada na assistência
a pacientes portadores de doenças cardiovasculares. Realiza
transplantes cardíacos, renais e hepáticos. Nele, o primeiro
transplante cardíaco ocorreu em 1991 e, desde então, tornou-se um
dos centros de referência no Brasil.
Dentro das diversas afecções cardíacas, destaca-se o mal
funcionamento das valvas cardíacas humanas, sendo necessária
sua substituição por valvas biológicas, metálicas, ou por meio do
transplante de valvas humanas procedentes de doador falecido ou
de doador dominó.
O conceito “doador dominó de coração” refere-se à modalidade
de transplante onde são utilizadas as valvas ou o próprio coração
nativo após análise anatomopatológica das estruturas doadas e com
consentimento prévio ao transplante cardíaco.
As valvas cardíacas humanas são utilizadas como alternativa
substitutiva nas disfunções valvares desde 1962, com vantagens
quando comparadas às próteses convencionais, devido ao melhor
desempenho hemodinâmico, baixa incidência de tromboembolismo,
menores índices de infecções e não necessidade de anticoagulação.
Tais vantagens resultam em melhor qualidade de vida no pósoperatório, e, algumas vezes, maior sobrevida tardia.4, 5
A durabilidade dos enxertos de valvas pulmonares e o desempenho
hemodinâmico estão relatados na literatura, sobretudo quando
usados para corrigir defeitos congênitos e na estenose de via de
saída de ventrículo direito.6,7
As valvas possíveis de transplante são aquelas oriundas de doadores
com no máximo 65 anos para valvas aórticas e 60 anos para valvas
pulmonares, sendo que as mais processadas são as valvas aórticas,
seguida das pulmonares e mitrais.8,9
O transplante de valvas cardíacas humanas segue o mesmo o
processo de doação de múltiplos órgãos e tecidos, respeitando o
estabelecido pela Lei nº 9434 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre
a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins
de transplante e tratamento.10
O primeiro banco de valvas cardíacas humanas no Brasil
a ser cadastrado pelo Ministério da Saúde (para captação,
processamento e distribuição de enxertos cardiovasculares) surgiu
em 1996 no Hospital de Caridade da Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de Curitiba. 6,8
No Estado de São Paulo não há banco de enxertos valvares, o que
impossibilita o processamento, estocagem e distribuição desse tecido.
OBJETIVO
Verificar a possibilidade de aproveitamento do tecido valvar
presente nos corações explantados de pacientes submetidos a
transplante cardíaco no período de 1991 a 2007 e inferir a taxa de
utilização das valvas obtidas.
MÉTODO
O estudo foi do tipo exploratório, descritivo, documental e
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
retrospectivo realizado em uma Organização de Procura de Órgãos
(OPO) de uma instituição pública da cidade de São Paulo referência
em doenças cardiovasculares, considerada também uma instituição
captadora e transplantadora cardíaca, renal e hepática.
Foram consultados os laudos dos exames anatomopatológicos de
corações explantados de pacientes submetidos a transplante cardíaco
no período de janeiro de 1991 a janeiro de 2007, tendo como variáveis
de estudo: idade, sexo, diagnóstico da cardiomiopatia e alterações
morfológicas das valvas (tricúspide, mitral, pulmonar e aórtica).
A análise dos dados foi realizada com o auxílio do estatístico
do Laboratório de Epidemiologia e Estatística (LEE) do IDPC.
Inicialmente, foi feita uma análise descritiva dos dados, com
o objetivo de caracterizar a amostra quanto às variáveis: sexo,
idade, diagnóstico e alterações morfológicas das valvas cardíacas
(tricúspide, mitral, pulmonar e aórtica). Para comparação múltipla
entre sexo, idade, diagnóstico e alterações morfológicas das valvas
cardíacas foi utilizado o teste do Qui-quadrado e o teste exato de
Fisher, para avaliar se havia associação ou não dos dados obtidos.
RESULTADOS
Dos 202 corações estudados, 155 (76.7%) eram provenientes do
sexo masculino e 47 (23.3%) do feminino, prevalecendo a faixa
etária entre 56 a 70 anos, com 47 pacientes (31.1%).
O diagnóstico etiológico da causa base que levou esses pacientes
ao transplante cardíaco estava disponível em 51 casos, dos
quais 16 (31.4%) eram pacientes com Miocardiopatia Dilatada
(MCP), 9 (17.6%) com MCP-Isquêmica, 7 (13.7%) com MCPChagásica, 6 (11.8%) divididos entre MCP-Idiopática (Idio),
Hipertrófica (Hiper) e 13 (25.5%) Aterosclerótica (Ateros), outros
diagnósticos em 151 (74.7%) casos.
Dos laudos possíveis de avaliação, de um total de 114 (56,4%),
68 (59,6%) relatavam que as valvas cardíacas não apresentavam
alterações, enquanto 46 (40,4%) informavam alterações.
O levantamento dos laudos dos corações explantados mostrou
alteração valvar morfológica em 41 valvas mitrais (36%), seguida
de 38 casos de valva tricúspide (33,3%), 33 de valva aórtica
(28,9%) e 32 (28,1%) de valva pulmonar (28,1%). Referente às
valvas que não apresentavam alteração, observaram-se 82 casos
na valva pulmonar (71,9%), 81 na valva aórtica (71,1%), 76 casos
na valva tricúspide (66,7%) e 73 casos na valva mitral (64%).
O cruzamento da variável “alteração valvar” com as variáveis
sexo, idade e diagnóstico de base mostrou:
Valva Tricúspide
Dos 114 laudos, 84 (73,7%) eram do sexo masculino e 30 (26,3%)
do sexo feminino, sendo que em 26 (68,4%) casos do sexo masculino
prevaleceram as alterações naquela valva. Com relação à variável
idade, a faixa etária que prevaleceu foi 46 a 55 anos com 33 (31,4%)
casos; porém, a faixa etária que apresentou mais alterações naquela
valva foi 56 a 70 anos de idade, com 12 (32,4%) dos casos. Quanto
ao diagnóstico de base e em qual deles essa valva mais apresentou
alteração, obteve-se que o diagnóstico de Miocardiopatia Dilatada
foi o que mais prevaleceu, aparecendo em 16 (31,4%) casos com
alteração em oito (44,4%) casos. (Tabela 1)
1351
Doador dominó de coração: possibilidade de aproveitamento das valvas cardíacas
Tabela 1 - Distribuição referente ao cruzamento da Valva Tricúspide com as
variáveis: sexo, faixa etária, diagnóstico de base e presença de alteração
valvar, dos corações avaliados, São Paulo, 2008. (N: 114)
Sexo
N (%)
Sem
Alteração
Com
Alteração
Masculino
84 (73,7%)
58 (76,3%)
26 (68,4%)
Feminino
30 (26,3%)
18 (23.7%)
12 (31,6%)
Faixa etária
(anos)
10 a 15
10 (9,5%)
8 (11,8%)
2 (5,4%)
16 a 35
13 (12,4%)
7 (10,3%)
6 (16,2%)
36 a 45
21 (20%)
15 (22,1%)
6 (16,2%)
46 a 55
33 (31,4%)
22 (32,4%)
11 (29,7%)
56 a 70
28 (26,7%)
16 (23,5%)
12 (32,4%)
Dilatada
16 (31,4%)
8 (24,2%)
8 (44,4%)
Isquêmica
Diagnóstico de
base
9 (17,6%)
6 (18,2%)
alterações, em 22 (68,8%) casos. A faixa etária que mais prevaleceu
foi 46 a 55 anos em 33 (31,4%) casos, sendo que a faixa etária entre
56 à 70 anos foi a que mais apresentou alteração, em 11 (34,4%)
casos. Miocardiopatia dilatada (MCP) foi mais prevalente como
causa, sendo 16 (31,4%) casos, com alteração prevalecendo também
nesse diagnóstico em 6 (42,9%) casos. (Tabela 3)
Tabela 3 - Distribuição referente ao cruzamento da Valva Pulmonar com
as variáveis: sexo, faixa etária, diagnóstico de base e presença alteração
valvar, dos corações avaliados, São Paulo, 2008. (N: 114)
Sexo
3 (16,7%)
Chagásica
7 (13,7%)
6 (18,2%)
1 (5,6%)
Idio+ Hiper+
Ateros*
6 (11,8%)
3 (9,1%)
3 (16,7%)
Outros
13 (25,5%)
10 (30,3%)
3 (16,7%)
Faixa etária
(anos)
* I d i o: I d i o p á t i c o , H i p e r: H i p e r t ró f i c a , A t e ro s : A t e ro s c l e ro s e
Teste do Qui-quadrado de Pearson e do Teste de Fisher
Diagnóstico de
base
Valva Mitral
Nesse tipo de valva, a população que prevaleceu foi o sexo
masculino em 84 (73,7%) casos, onde também foram encontrados os
maiores índices de alterações valvar com 28 (68,3%) casos. Quanto
à idade, a faixa etária que prevaleceu foi 46 a 55 anos em 33 (31,4%)
casos, com uma taxa maior de alteraçã na faixa etária entre 56 a
70 anos de idade, com 14 (35,9%) casos. Miocardiopatia dilatada
(MCP) foi o diagnóstico de base mais prevalente em 16 (31,4%)
casos com alteração valvar e em 9 (47,4%) desses casos. (Tabela 2)
Tabela 2 - Distribuição referente ao cruzamento da Valva Mitral com as
variáveis: sexo, faixa etária, diagnóstico de base e presença alteração
valvar, dos corações avaliados, São Paulo, 2008. (N: 114)
N (%)
Sexo
Com
Alteração
Masculino
84 (73,7%)
56 (76,7%)
28 (68,3%)
Feminino
30 (26,3%)
17 (23,3%)
13 (31,7%)
10 a 15
10 (9,5%)
6 (9,1%)
4 (10,3%)
16 a 35
13 (12,4%)
8 (12,1%)
5 (12,8%)
36 a 45
21 (20%)
15 (22,7%)
6 (15,4%)
Faixa etária
(anos)
46 a 55
56 a 70
Diagnóstico de
base
Sem
Alteração
33 (31,4%)
28 (26,7%)
23 (34,8%)
14 (21,2%)
16 (31,4%)
7 (21,9%)
9 (47,4%)
9 (17,6%)
5 (15,6%)
4 (21,1%)
Chagásica
7 (13,7%)
6 (18,8%)
1 (5,3%)
Idio+ Hiper+
Ateros*
6 (11,8%)
2 (6,3%)
4 (21,1%)
Outros
13 (25,5%)
12 (37,5%)
1 (5,3%)
* I d i o: I d i o p á t i c o , H i p e r: H i p e r t ró f i c a , A t e ro s : A t e ro s c l e ro s e
Teste do Qui-quadrado de Pearson e do Teste de Fisher
Valva Pulmonar
Referente ao sexo, observaram-se 84 casos (73,7%) do sexo
masculino, prevalecendo também nesse sexo o número maior de
Com
Alteração
Masculino
84 (73,7%)
62 (75,6%)
22 (68,8%)
Feminino
30 (26,3%)
20 (24,4%)
10 (31,3%)
10 a 15
10 (9,5%)
9 (12,3%)
1 (3,1%)
16 a 35
13 (12,4%)
7 (9,6%)
6 (18,8%)
36 a 45
21 (20%)
16 (21,9%)
5 (15,6%)
46 a 55
33 (31,4%)
24 (32,9%)
9 (28,1%)
56 a 70
28 (26,7%)
17 (23,3%)
11 (34,4%)
Dilatada
16 (31,4%)
10 (27%)
6 (42,9%)
Isquêmica
9 (17,6%)
6 (16,2%)
3 (21,4%)
Chagásica
7 (13,7%)
6 (16,2%)
1 (7,1%)
Idio+ Hiper+
Ateros*
6 (11,8%)
4 (10,8%)
2 (14,3%)
Outros
13 (25,5%)
11 (29,7%)
2 (14,3%)
Valva Aórtica
Prevaleceu sexo masculino, em 84 (73,7%) casos, e desses, 22 (66,7%)
casos de valvas alteradas. Quanto à idade, a faixa etária foi de 46 a 55
anos em 33 (31,4%) casos, prevalecendo as alterações na faixa etária
entre 56 a 70 anos em 11(34,4%) casos. Sobre o diagnóstico de base,
prevaleceu Miocardiopatia Dilatada em 16 (31,4%) casos, e desses,
7 (53,8%) casos com valvas alteradas. (Tabela 4)
Tabela 4 - Distribuição referente ao cruzamento da Valva Aórtica com as
variáveis: sexo, faixa etária, diagnóstico de base e presença alteração
valvar, dos corações avaliados, São Paulo, 2008. (N: 114)
Sexo
14 (35,9%)
Dilatada
Sem
Alteração
* I d i o: I d i o p á t i c o , H i p e r: H i p e r t ró f i c a , A t e ro s: A t e ro s c l e ro s e
Teste do Qui-quadrado de Pearson e do Teste de Fisher
10 (25,6%)
Isquêmica
N (%)
Faixa etária
(anos)
Diagnóstico de
base
N (%)
Sem
Alteração
Com
Alteração
Masculino
84 (73,7%)
62 (76,5%)
22 (66,7%)
Feminino
30 (26,3%)
19 (23,5%)
11 (33,3%)
10 a 15
10 (9,5%)
7 (9,6%)
3 (9,4%)
16 a 35
13 (12,4%)
9 (12,3%)
4 (12,5%)
36 a 45
21 (20%)
16 (21,9%)
5 (15,6%)
46 a 55
33 (31,4%)
24 (32,9%)
9 (28,1%)
56 a 70
28 (26,7%)
17 (23,3%)
11 (34,4%)
Dilatada
16 (31,4%)
9 (23,7%)
7 (53,8%)
Isquêmica
9 (17,6%)
6 (15,8%)
3 (23,1%)
Chagásica
7 (13,7%)
6 (15,8%)
1 (7,7%)
Idio+ Hiper+
Ateros*
6 (11,8%)
5 (13,2%)
1 (7,7%)
Outros
13 (25,5%)
12 (31,6%)
1 (7,7%)
* I d i o: I d i o p á t i c o , H i p e r: H i p e r t ró f i c a , A t e ro s: A t e ro s c l e ro s e
Teste do Qui-quadrado de Pearson e do Teste de Fisher
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1352
César Augusto Guimarães Marcelino, Carine Cristiane Fusco, Mara Nogueira Araújo e Andréa Cotait Ayoub
DISCUSSÃO
Na casuística apresentada, observou-se que não houve alteração
estrutural em 82 (71,9%) casos na valva pulmonar, seguido de 81
(71,1%) casos na valva aórtica, 76 (66,7%) na valva tricúspide e 76
(66,7%) na valva mitral.
São motivos de exclusão: idade do doador superior a 55 anos,
situações clínicas como sepse, neoplasias e doenças auto-imunes,
bem como presença de Síndrome de Marfan, demência ou doença
neurológica degenerativa.6
Em relação à valva aórtica, foram mais frequentes 7 (9,6%) casos
sem alteração na faixa etária compreendida entre 10-15 anos, 9
(12,3%) casos entre 16-35 anos, 16 (21,9%) casos no intervalo de
36-45 anos e, por fim, 24 (32,9%) casos entre 46-55 anos, ou seja,
passíveis de ser usadas de acordo com critérios estabelecidos por
diversos bancos de valvas.8
Já com a valva pulmonar, 9 (12,3%) casos não apresentaram
alterações morfológicas no intervalo de idade entre 10-15 anos,
seguido por 7 (9,6%) casos entre 16-35 anos, 16 casos (21,9%) na
faixa etária entre 36-45 anos e 24 (32,9%) casos entre 46-55 anos,
com grande possibilidade de uso.8
A experiência do Banco de Valvas Cardíacas Humanas do Hospital
de Caridade da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba
mostra que o uso de valvas aórticas humanas tem sido extremamente
significante, com melhor qualidade de vida em relação a pacientes
que usam próteses valvares mecânicas e biológicas.
Os dados obtidos sugerem que considerando somente corações
explantados de transplantados cardíacos, existe no mínimo a
justificativa de captação de valvas para transplante.
CONCLUSÃO
O estudo anatomopatológico de corações retirados de receptores
cardíacos mostrou a existência de valvas cardíacas que poderiam
ser utilizadas em transplante valvular.
Em virtude de dificuldades na obtenção de valvas procedentes de
doadores falecidos bem como a escassez de banco de tecidos humanos
no Brasil, abre-se a possibilidade com este estudo de pensar na
criação de um banco de tecido, em virtude da grande quantidade de
valvas que, ao longo dos 16 anos analisados, foram descartadas, pois
os enxertos homólogos, sobretudo aórticos, surgem como a melhor
alternativa para substituição da valva aórtica em locais com alta
incidência de doença cardíaca reumática, como no Brasil.
A crescente demanda por valvas cardíacas humanas (homoenxerto)
tem favorecido e justificado a criação do banco de valvas
por todo o mundo.
ABSTRACT
Introduction: Among several heart diseases, the malfunctioning of the human heart valves is outstanding, requiring replacement with
biological or metal valves or their replacement by transplantation of human valves coming from deceased donors or living donors as native
heart from heart transplant domino donor recipient. Purpose: To investigate the possibility of using the valve tissue from hearts removed
in transplantation during the period between 1991 and 2007. Method: This exploratory, descriptive and documentary study was performed
in a Public Hospital in Sao Paulo/Brazil, which is reference in cardiovascular disease assistance. Results: The sample consisted of 202
transplanted hearts, prevailing male with 155 (76.7%) cases, and 47 with age between 56-70 years old (31.1%). As to the base diagnosis,
only 51 (25.2%) had such information, and from these, the most frequent was dilated cardiomyopathy in 16 cases (31.4%). From 202 hearts
assessed, 114 (56.4%) presented anatomopathological report; from these, 69 (59.6%) reported that valves had no alteration, while 46 (40.4%)
informed the presence of altered valves. Heart valves with less frequency of alterations were: pulmonary in 82 cases (71.9%) and aortic
valves in 81 cases (71.1%). Conclusion: The anatomopathological study of hearts collected from heart receptors showed the existence of
heart valves which could be used in valve transplants, mainly aortic valve.
Keywords: Heart valves; Heart Valve Prosthesis Implantation; Tissue Donors; Heart Transplantation; Tissue transplantation.
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10. Lei 9.434 de 04 de Fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção dos órgãos, tecidos e
partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.
1353
ESTIMATIVA DO NÚMERO DE POSSÍVEIS DOADORES DE ÓRGÃOS NO ESTADO DE
SERGIPE NO ANO DE 2007
Estimation of the Amount of possible organ donors in Sergipe/Brazil in 2007
Thais Kuhn Rodrigues; Antônio Alves Júnior
RESUMO
O transplante é a melhor opção de tratamento para a doença terminal de alguns órgãos e a única opção para interferir na evolução natural de
alguns tipos de insuficiência. Porém, a principal fonte de órgãos para transplante é o doador falecido e esse número é insuficiente para atender
a demanda, por falhas em diversas etapas do processo doação-transplante. Objetivos: Estimar o número de possíveis doadores de órgãos
e tecidos no estado de Sergipe, identificar o perfil desses possíveis doadores, calcular as taxas de doação, notificação e aproveitamento de
doadores de órgãos no estado. Métodos: Estudo quantitativo, descritivo e retrospectivo, utilizando dados coletados nos laudos necroscópicos
do Instituto Médico Legal de Sergipe e nos prontuários de pacientes notificados à Central de Transplantes do Estado no mesmo período.
Resultados: Foram analisados 1388 laudos necroscópicos referentes aos óbitos ocorridos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2007, dos
quais se destacaram 128 (9,22%) possíveis doadores; destes, 108 (84,4%) eram do sexo masculino. A média de idade foi de 30,95 anos e a
faixa etária predominante foi de 21 a 40 anos, com 54,4% dos indivíduos. As vítimas foram em sua maioria (86%) atendidas no Hospital
de Urgências de Sergipe, referência em trauma no estado e a causa de óbito foi acidente de trânsito em 78 casos (60,94%). Nesse período,
houve 89 notificações à Central de Transplantes, tendo sido 28 por morte encefálica e tendo havido correspondência entre os dados do
IML e da CNCDO/SE em apenas 22 casos. Foram efetivadas 50 doações, das quais apenas 41 foram de córneas, oito de córneas e rins e
uma de múltiplos órgãos. O índice de notificação foi 1:5,82; a taxa de aproveitamento das notificações foi de 56,18%; a taxa de notificação
foi 0,46 pmp e a taxa de doação 0,26 pmp. Conclusão: Houve baixa taxa de notificação e baixo aproveitamento do número de potenciais
doadores e, portanto, são necessárias medidas que envolvam todas as esferas da sociedade, com o objetivo comum de aumentar a doação
e os transplantes em Sergipe.
Descritores: Doação de Órgão; Transplantes; Traumatismos Encefálicos.
INTRODUÇÃO
Instituição:
Departamento de Medicina do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe –
Aracaju, Sergipe, Brasil.
Correspondência:
Thais Kuhn Rodrigues
Rua João Santana, 215 – bloco A, ap. 204 – CEP 49025-480 – Aracaju-SE, Brasil
Tel.: (79) 3217-7309
E-mail: [email protected]
Recebido em: 10.08.2010
Aceito em: 29.09.2010
A importância dos transplantes é indubitável para pacientes com
insuficiência renal crônica, por apresentarem resultados superiores
à diálise 1-4 e menor custo social. Para os hepatopatas, cardiopatas
e pneumopatas terminais, passa a ser de maior importância, pois
nesse caso o transplante é a única opção para adiar a morte certa
que sobreviria em poucos meses.5
“A história dos transplantes é um dos capítulos de maior êxito na
história da Medicina, tendo evoluído de um procedimento muito
arriscado, realizado apenas em casos de doença renal grave para
uma terapêutica eficaz em pacientes terminais de coração, fígado
e pulmão num período inferior a três décadas”.5
No Brasil, o primeiro transplante de órgão sólido (rim) bem
sucedido foi realizado em 1965 6 e o primeiro transplante cardíaco
foi realizado em 1968 por Zerbini.7,8 Atualmente, cerca de 3200
transplantes renais são realizados anualmente.9 Para o sucesso
alcançado, contribuíram os avanços nas técnicas cirúrgicas
e nos cuidados intensivos, o aprimoramento das soluções de
preservação de órgãos e, em particular, a introdução de drogas
imunossupressoras mais modernas e com menos efeitos deletérios.
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1354
Thais Kuhn Rodrigues; Antônio Alves Júnior
Em conjunto, tais medidas levaram a uma significativa melhora
nos resultados dos transplantes de rim, coração, pulmão e fígado,
de modo que os pacientes alcançaram sobrevida de 80% em dois
anos.10 E foram justamente esses melhores resultados que tornaram
a indicação de transplante de órgãos sólidos cada vez mais liberais,
englobando idosos e pacientes com doenças sistêmicas associadas 11
o que, por outro lado, contribuiu para acentuar a disparidade entre
a pequena oferta de órgãos e a grande necessidade de transplantes.
O processo doação-transplante, no entanto, é bastante complexo,12-14
passando por várias etapas, desde a identificação do potencial
doador, sua notificação, manutenção e abordagem à família, antes
de chegar ao procedimento de retirada dos órgãos e implante no
receptor.14 Cada uma dessas etapas apresenta suas particularidades
e dificuldades inerentes e, permeando todas elas, há os aspectos
bioéticos e legais.15
Com relação à regulamentação dos transplantes no Brasil, em 1997
foi criada a chamada Lei dos Transplantes (Lei nº 9.434, de 4 de
fevereiro de 1997) 16 e o Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997
que a regulamentou e criou o Sistema Nacional de Transplantes
(SNT).17 O transplante com doador vivo é também regulado pelo
Estado, que financia mais de 95% dos transplantes realizados no
Brasil, além de subsidiar os medicamentos imunossupressores para
todos os pacientes.18 O processo de doação e transplante depende
também do reconhecimento da morte encefálica, de acordo com o
protocolo do Conselho Federal de Medicina (CFM).19
O Brasil possui hoje um dos maiores programas públicos de
transplante de órgãos e tecidos do mundo. Com 548 estabelecimentos
de saúde e 1376 equipes médicas autorizados a realizar transplantes,
o Sistema Nacional de Transplantes está presente em 25 estados do
país por meio das Centrais Estaduais de Transplantes.20
O bom desempenho alcançado pelo Brasil fica evidente quando se
verifica que ele é o segundo país em número absoluto de transplantes
renais no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Em relação
aos outros órgãos, o número de transplantes de fígado e pâncreas vem
crescendo entre 20% e 30% ao ano. Exceção ocorre com relação aos
transplantes cardíacos, que cresce em menores proporções.18
Apesar disso, a captação de órgãos com finalidade de transplante é
bem menor no Brasil, quando comparada com outros países 21 (em
especial a Espanha, com seus excelentes índices),22 sendo incapaz
de suprir as necessidades da população, como se pode perceber
pelas crescentes listas de espera por órgãos.9,20
Vários são os fatores apontados para impedir o incremento dos
transplantes, principalmente na rede pública de saúde. Segundo
Marinho, são oito os limitadores da expansão do número de
transplantes no SUS: 1) problemas de compatibilidade e incentivos
à doação; 2) número limitado de doações a partir de mortos;
3) limitação de doação entre vivos; 4) tamanho (estrutura) dos
hospitais; 5) deterioração dos órgãos e expansão da demanda; 6)
taxa de mortalidade nas filas; 7) discriminação das minorias e 8)
administração e gerência das filas.23
Outro grande entrave à doação de órgãos é a subnotificação dos
potenciais doadores às CNCDOs.24-26 Na tentativa de minimizar
a disparidade entre a necessidade e a disponibilidade de órgãos,
algumas atitudes acenam no sentido de aumentar a oferta de
órgãos, como a inclusão de doadores ditos “estendidos”, pelo
fato de não se enquadrarem nos critérios de “doadores ideais”.27
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
Também nessa direção há o aprimoramento no cuidado ao potencial
doador, reduzindo tanto quanto possível os efeitos deletérios que a
síndrome inflamatória da morte encefálica produz sobre os órgãos
que poderão vir a ser doados, através do manejo hemodinâmico,
laboratorial e hormonal mais rigoroso.28,29
Para tentar superar a grande dificuldade que é a obtenção de órgãos
de doadores falecidos, estão sendo pesquisadas fontes alternativas
de órgãos. Já se estuda o xenotransplante 30 (transplante entre
espécies) e a utilização de células-tronco,31 mas os resultados ainda
estão aquém do esperado, de modo que o melhor caminho parece
ser intervir positivamente em cada uma das complexas etapas do
processo doação-transplante. Para tanto, é necessário conhecer
profundamente a problemática que envolve cada uma dessas etapas
para poder apontar caminhos no intuito de corrigir as possíveis
falhas e obter, ao final, melhores resultados.
Considerando a importância da doação de órgãos para a sociedade,
essa pesquisa tem como objetivos:
• Estimar o número de possíveis doadores de órgãos e tecidos no
Estado de Sergipe;
• Identificar o perfil dos possíveis doadores de órgãos em Sergipe;
• Calcular as taxas de doação, de notificação e o aproveitamento
de doadores de órgãos no Estado.
MÉTODO
Trata-se de um estudo de caráter quantitativo, descritivo e
retrospectivo.32
Para sua elaboração foram analisados retrospectivamente os
laudos necroscópicos no Instituto Médico Legal de Sergipe (IML/
SE), referentes aos óbitos ocorridos no período de 1º de janeiro a
31 de dezembro de 2007. Para otimizar a coleta desses dados foi
elaborado um protocolo no qual constavam os critérios de inclusão
e exclusão e ainda aspectos demográficos (idade, etnia, sexo) e
epidemiológicos (local da ocorrência, data e hora da internação,
causa e hora do óbito).
Para os cálculos de taxas e índices de notificação, doação e
aproveitamento das notificações, foi obtido o número de notificações
e de doações no período na Central de Notificação, Captação e
Distribuição de Órgãos de Sergipe (CNCDO/SE), onde também foram
analisados os prontuários dos possíveis doadores de órgãos que foram
notificados, onde se encontravam pacientes em morte encefálica
por traumatismo crânio-encefálico (TCE). De forma semelhante,
utilizou-se um protocolo para coleta desses dados onde, além dos
aspectos demográficos e epidemiológicos, constavam informações
acerca do tipo de notificação (busca ativa versus passiva) e causa da
não efetivação da doação, quando esse fosse o caso.
Todas as informações foram coletadas após prévia autorização pelas
instituições participantes e do projeto ter sido enviado ao Comitê
de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE
0068.0.107.000-10).
Os critérios de inclusão utilizados para considerar um possível
doador de órgãos na casuística deste trabalho foram:
• Idade máxima de 65 anos;
• Indivíduos com óbito relacionado a TCE;
• Pacientes que receberam atendimento hospitalar antes do corpo
1355
Estimativa do número de possíveis doadores de órgãos no estado de Sergipe no ano de 2007
ser encaminhado ao IML para necropsia;
• Pacientes que tivessem registro de morte encefálica por TCE
nos arquivos do IML/SE e/ou CNCDO/SE, no período estudado.
Figura 1 - Representação gráfica da distribuição dos possíveis doadores
de órgãos por faixa etária.
Foram excluídos indivíduos que apresentavam algum dos seguintes
critérios:
• Pacientes que, além do TCE, apresentassem lesões descritas na
região tóraco-abdominal;
• Potenciais doadores cuja causa de morte tenha sido um evento
não traumático, como acidente vascular cerebral (AVC) ou
neoplasias primárias do sistema nervoso central;
• Presença de infecções associadas, tais como pneumonia,
meningite ou sepse;
• Pacientes com sorologia positiva para patologias como Síndrome
da imunodeficiência adquirida, hepatites, sífilis e infecções por
HTLV I e II;
• Pacientes com neoplasias associadas,
Os resultados de idade e tempo de internamento são fornecidos na
forma de média e desvio-padrão. A análise estatística foi executada
pelo teste de qui-quadrado nas variáveis: faixa etária, motivos do
óbito e mês do óbito. Resultados foram considerados significantes
quando p<0,05.
RESULTADOS
Foram analisados 1388 laudos necroscópicos referentes ao ano de
2007 no Instituto Médico Legal de Sergipe, dos quais 128 (9,22%)
foram considerados possíveis doadores, sendo 108 (84,4%) do sexo
masculino e 20 (15,6%) do sexo feminino. A média de idade foi
30,95 anos, com desvio padrão de 14,424 numa faixa etária até
65 anos (Tabela 1).
Do total dos potenciais doadores, 108 (86,4%) foram admitidos
no Hospital de Urgências de Sergipe (HUSE) antes do óbito,
hospital que é referência em trauma no Estado. O tempo médio de
internamento foi de 8783,16 minutos (equivalente a 6 dias), sendo
o tempo mínimo de 1440 minutos e o máximo de 41550 minutos
(28,8 dias), conforme demonstrado na Tabela 1. Em relação ao
turno do óbito, tem-se que 62 deles (53%) ocorreram durante o
plantão diurno (7 às 19 h) e, destes, seis efetivaram-se doadores, e
55 óbitos (47%) ocorreram durante o plantão noturno, não havendo
nenhum doador dentre eles. Houve diferença estatisticamente
significante (p=0,18).
Com relação ao quadro clínico na admissão hospitalar, observouse que a maioria (n=74; 62,71%) foi admitida em coma. Trinta e
cinco (29,67%) estavam inconscientes e apenas nove pacientes
(7,63%) chegaram ao hospital ainda conscientes (Figura 2).
Figura 2 - Representação gráfica do quadro clínico em que os indivíduos
chegaram ao hospital.
Tabela 1 - Dados sobre idade, tempo de internamento e sexo dos potenciais
doadores obtidos no IML/SE.
Dados 2007
Idade (anos)
∆T (minutos)
Sexo
Mínimo
1
1440
M: 108 (84,4%)
Máximo
65
41550
F: 20 (15,6%)
Mediana
28,00
7526,00
Média
30,95
8783,16
Desvio padrão
14,424
7179,12
M: Masculino; F: Feminino; ∆T: Tempo de internamento.
Em relação à distribuição por faixa etária, tem-se que 68 deles
(54,4%) encontravam-se na faixa entre 21 e 40 anos, valor que não
foi estatisticamente significante (p=0,289). Na faixa de um a 20
anos localizavam-se 22,4% dos indivíduos (Figura 1).
Outras lesões além de TCE estavam presentes em 29 indivíduos
(22,66%), sendo que destes, 22 (17,19%) eram politraumatizados.
Entre as causas do óbito, acidentes de trânsito foram responsáveis
por 78 (60,94%) mortes, seguidos pelos homicídios, que vitimaram
27 pessoas (21,09%) e quedas, responsáveis por 19 óbitos (14,84%).
Considerando apenas os homicídios, armas de fogo foram a causa
em 15 (11,72%) das mortes, armas brancas foram usadas em dois
(1,56%) e espancamento foi responsável por 10 (7,81%) óbitos. A
causa “suicídio” foi incluída em “outros”, que totalizaram quatro
óbitos (3,13%) (Figura 3).
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1356
Thais Kuhn Rodrigues; Antônio Alves Júnior
Figura 3 - Representação gráfica das causas de óbito encontradas nesta
casuística.
Nesse mesmo ano, foram realizadas 89 notificações à Central de
Transplantes de Sergipe, sendo 61 por parada cardiorrespiratória
(PCR) e 28 decorrentes de morte encefálica por diversas etiologias.
Das 89 notificações, foram efetivadas 50 doações, das quais 41
foram de apenas córneas, oito de córneas e também rins e um caso
de múltiplos órgãos. Nesse caso, foram aproveitados para doação
fígado, rins e córneas.
Considerando a população do Estado no referido ano de 1.939.426
habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e o total de óbitos em 2007 igual a 9632, de
acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES/SE), as taxas e
índices podem ser observados na Tabela 3.
Tabela 3 - Taxas e índices de notificação e de doação
Em relação ao período, observou-se que os óbitos foram
uniformemente distribuídos ao longo do ano, como pode se
observar na figura 4.
Figura 4. Representação esquemática do período de 2007 em que ocorreu
o óbito.
Taxa ou índice
Valor
Índice de notificação
1 : 5,82
Taxa de aproveitamento das notificações
56,17%
Taxa de notificação
0,46 pmp/ano
Taxa de doação
0,26 pmp/ano
Pmp: por milhão de população.
Dessa população de 128 possíveis doadores observados no IML/
SE, apenas 22 (17,19%) casos foram notificados à CNCDO/SE;
destes 22, apenas seis (27,27%) efetivaram-se como doadores
de órgãos, enquanto que em 18 casos notificados, por motivos
diversos, a doação não foi efetivada.
O perfil desses possíveis doadores notificados pode ser observado
na Tabela 2.
Tabela 2 - Dados sobre idade, tempo de internamento e sexo dos potenciais
doadores notificados à CNCDO/SE.
Dados 2007
Idade (anos)
∆T
(minutos)
Mínimo
14
2099
Máximo
49
18210
Mediana
23,5
4914
Média
26,04
7533,18
Desvio
padrão
9,26
5591,77
Sexo
M: 18
(81,81%)
F: 4
(18,18%)
M: Masculino; F: Feminino; ∆T: Tempo de internamento; B:
Brancos; N: Negros; P: Pardos
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
Etnia
B: 6
N: 2
P: 5
sem
dados:9
Por fim, em relação ao tipo de busca de doadores, observou-se que
em 31,42% casos com registro houve busca ativa por parte dos
funcionários da CNCDO/SE, e em 62,58% houve busca passiva,
seja através de notificações do próprio hospital onde ocorreu o
óbito ou doação espontânea, por iniciativa da própria família,
em alguns casos.
DISCUSSÃO
O fato de o transplante ter se tornado uma terapêutica altamente
eficaz na insuficiência terminal de alguns órgãos,10 quando não a
única alternativa de sobrevivência, fez com que “o transplante se
tornasse vítima do seu próprio sucesso”,5 pois pode ser observado
um crescente distanciamento entre a demanda para transplante e a
disponibilidade de órgãos para tal fim.
Muitos são os fatores que se somam para culminar nesse pequeno
número de órgãos e tecidos disponíveis para transplantes. De
início, sabe-se que apenas 1 a 4% dos pacientes de um hospital
geral apresentam quadro clínico compatível com morte encefálica,
de acordo com os critérios estabelecidos pelo CFM.18 Quando são
considerados apenas os que vão a óbito em unidades de terapia
intensiva, esse índice gira em torno de 10 a 15%.5
Além dos fatores já citados, somam-se outros, como é o caso da
dificuldade que muitos médicos possuem em diagnosticar a morte
encefálica, inclusive entre intensivistas, que mais se deparam com
essa situação. Estudo realizado demonstrou que a prevalência de
desconhecimento do conceito de morte encefálica entre eles pode
chegar a 17%.33 Tais achados demonstram a necessidade de melhor
preparo por parte dos profissionais envolvidos no que concerne ao
diagnóstico e aspectos legais da morte encefálica.
Além disso, sabe-se que apenas uma parcela dos possíveis doadores
Estimativa do número de possíveis doadores de órgãos no estado de Sergipe no ano de 2007
converte-se em doadores efetivos por diversos motivos, como
contra-indicação médica, instabilidade hemodinâmica, parada
cardiorrespiratória irreversível e a recusa familiar.33
Os motivos mais frequentes de recusa familiar para doação de
órgãos e tecidos para transplante são: (1) desconhecimento do
diagnóstico de morte encefálica; (2) desconhecimento do desejo
do falecido; (3) inadequação da entrevista familiar na solicitação
da doação; (4) problemas com a integridade ou imagem do corpo
após a extração dos órgãos e tecidos; (5) questões religiosas; e (6)
recusa em vida por parte do falecido.14
A subnotificação dos possíveis doadores às instituições competentes
é outra realidade observada e os motivos apontados para tal vão
desde o não-conhecimento da obrigatoriedade de comunicar a
existência de pacientes em morte encefálica ou o desinteresse em
fazê-lo,34 até o esquecimento e sobrecarga de trabalho, referidos
pelos enfermeiros responsáveis pela notificação.35
Sabendo que em Sergipe a realidade nacional se repete, havendo
doadores insuficientes para atender às necessidades de transplante,
este trabalho foi realizado com o intuito de ser instrumento útil na
avaliação da realidade local.
Essa pesquisa foi realizada através de laudos necroscópicos
obtidos no IML/SE, por onde devem obrigatoriamente passar
todas as vítimas de óbitos por causas externas, tendo sido obtido
que, dos 1388 laudos necroscópicos analisados, 128 (9,22%) foram
considerados possíveis doadores. Alguns autores sugerem que
esses levantamentos sejam realizados em unidades de terapia
intensiva ou hospitais de referência em urgência e trauma, mas,
visto que os prontuários médicos não são padronizados e muitas
vezes encontram-se incompletos, esses dados poderiam ser
subestimados. Além disso, observa-se que muitas vezes a morte
encefálica não é diagnosticada por profissionais de Saúde.36 Por
outro lado, permitiria incluir os potenciais doadores cuja morte
encefálica não foi devida à TCE, e sim à AVE, tumor primário
do sistema nervoso central (na ausência de metástases), crises
convulsivas, encefalopatia e outras, que, em algumas casuísticas,
já superam as causas traumáticas. Em estudo conduzido numa
Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Estado de São
Paulo, o AVE como causa de morte encefálica foi responsável por
53,48% dos casos, enquanto o TCE foi responsável por 32,09%
deles.37 Levantamento realizado num hospital de urgências de
Sergipe entre 2005 e 2007, no entanto, ainda apontava o TCE
como principal causa de morte encefálica,25 talvez pelo perfil do
hospital em que foi realizada a pesquisa.
No entanto, é necessário que a atenção primária à saúde não seja
menosprezada, uma vez que certas condições como hipertensão
arterial e diabetes são grandes causas de lesão terminal de órgãos
e, portanto, causas de transplantes.
Esta pesquisa, que considerou apenas a morte encefálica decorrente
de TCE indicou que as principais causas de óbito foram os acidentes
de trânsito, responsáveis por 78 (60,94%) mortes, seguidos pelos
homicídios, que vitimaram 27 pessoas (21,09%) e as quedas,
responsáveis por 19 (14,84%) óbitos. Considerando-se apenas os
homicídios, armas de fogo foram a causa de 15 mortes (11,72%), e
espancamento foi a causa de 10 óbitos (7,81%). Tais dados estão em
consonância com a literatura nacional. Estudo levado a efeito entre
2004 e 2005 pela OPO da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP) encontrou que acidentes de trânsito foram
responsáveis por 44,45% dos óbitos, havendo apenas uma inversão
1357
nas causas que ocuparam o segundo e terceiro lugares nas duas
casuísticas. Nesta, a segunda causa foi ocupada por homicídios
(de qualquer natureza) e naquela por queda acidental, responsável por
27,27% dos óbitos; homicídios (ferimentos por arma de fogo e agressão
física) representaram a terceira causa, com 24,75% dos óbitos.38
Pesquisa realizada em outra capital do Nordeste com metodologia
semelhante à aqui utilizada, encontrou acidentes de trânsito como
a causa de 60,3% dos óbitos, seguida por homicídios, com 24,5%
e queda acidental com 11,3% dos óbitos.34
Em relação ao sexo dos potenciais doadores, 108 (84,4%) deles eram
do sexo masculino e 20 (15,6%) do sexo feminino e a média de idade
foi de 30,95 anos. Esse perfil do potencial doador como indivíduo
jovem, do sexo masculino, que morre principalmente em decorrência
de TCE, reflete os perfis encontrados em outras casuísticas tanto
a nível nacional como mundial 13,24-26,34 e provavelmente a maior
exposição desses indivíduos a situações de risco. Quando se
consideram indivíduos cuja morte encefálica tenha sido devida à
AVE e a outras causas naturais, pode-se observar a prevalência do
sexo feminino e uma média de idade mais elevada, provavelmente
por tratar-se da população mais acometida por tais agravos.37
Em relação à distribuição por faixa etária, tem-se que 68 deles
(54,4%) encontravam-se na faixa dos 21 aos 40 anos, enquanto
na faixa de um a 20 anos localizavam-se 22,4% dos indivíduos.
Essa mesma predominância foi observada em outra casuística de
Sergipe referente ao ano de 2002.26 Estudo realizado em São Paulo,
considerando apenas vítimas de trauma, demonstrou que 47,48%
dos indivíduos tinham entre 0 e 25 anos e 33,33% deles tinham entre
26 e 45 anos; não foi possível realizar uma comparação entre esses
dados, visto que o ponto de corte das faixas etárias não é o mesmo.38
Com relação ao quadro clínico na admissão hospitalar, observouse que a maioria (n=74; 62,71%) foi admitida em coma, o que era
esperado, pois se tratava de pacientes vítimas de trauma. Outras
lesões além do TCE estavam presentes em 29 indivíduos (22,66%),
sendo que destes, 22 (17,19% do total) eram politraumatizados,
porém sem lesões descritas em tórax ou abdome que pudessem ser
consideradas como critérios de exclusão.
Em relação ao período em que os óbitos ocorreram, foi observado
que eles foram uniformemente distribuídos ao longo do ano, com
discreta predominância no primeiro trimestre. Tal achado pode ser
justificado pelo fato de tratar-se de um período que engloba férias,
o feriado do Carnaval e época de uma tradicional festa local de
grandes proporções e, infelizmente, não isenta de vítimas.
Do total de possíveis doadores, 108 (86,4%) foram admitidos no
Hospital de Urgências de Sergipe (HUSE) antes do óbito, enquanto
que os demais foram atendidos em outros hospitais da capital ou do
interior do Estado. Essa grande proporção de atendimentos nesse
mesmo hospital já era esperada e condizente com estudos anteriores,26
pois se trata de hospital referência em trauma no Estado.
O tempo médio de internamento foi de 8783,16 minutos (equivalente
a seis dias), sendo o mínimo de 1440 minutos e o máximo de 41550
minutos (28,8 dias). A média do tempo de internamento foi superior
ao intervalo mínimo de seis horas necessário para o diagnóstico
clínico de morte encefálica, de acordo com o protocolo do CFM
18
, portanto, o excesso de tempo e não a sua falta poderia ser
considerada como justificativa para a não notificação.
Desses 128 potenciais doadores detectados, apenas em 22 casos
(17,19%) houve correspondência com os dados levantados na
Central Estadual de Transplantes e apenas seis tornaram-se
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1358
Thais Kuhn Rodrigues; Antônio Alves Júnior
doadores efetivos. Esse baixo índice de notificação em Sergipe
já havia sido demonstrado anteriormente26 e também ocorre em
outros estados brasileiros.9 Apesar de baixo, o índice de detecção
de potenciais doadores (e, consequentemente de doadores efetivos)
encontrado no Maranhão é inferior ao de Sergipe. 34 Tal fato
demonstra que a sub-notificação é um problema de nível nacional
que precisa ser corrigido. Talvez o melhor método para conseguir
tal objetivo seja investir na atualização dos profissionais de Saúde,
para que conheçam os aspectos legais que envolvem o assunto, como
a questão da obrigatoriedade, e para que reconheçam a importância
da notificação para o sucesso de todo o processo.
Em relação aos dados levantados na Central Estadual de
Transplantes, tem-se que no ano de 2007 houve 89 notificações de
possíveis doadores de órgãos e tecidos, sendo que 61 delas eram
devidas a óbitos por parada cardiorrespiratória (PCR) e 28 eram
decorrentes de morte encefálica por diversas etiologias. Em relação
ao tipo de busca dos doadores, observou-se que em 31,42% dos
casos com registro houve busca ativa por parte dos funcionários
da CNCDO/SE, e em 62,58% houve busca passiva.
Com relação à população do estado no referido ano (1.939.426
habitantes), verificou-se uma taxa de 0,46 notificações/milhão de
população (0,46 pmp/ano) e de 0,26 doações/milhão de população
(0,26 pmp/ano), valores bem abaixo do necessário para atender às
necessidades de transplantes.
Observa-se que houve baixas taxas de notificação, aproveitamento e
doações efetivas, demonstrando a necessidade urgente de intervenções
no sentido de aumentar a disponibilidade de órgãos para transplante.
Toda ação no sentido de procurar aumentar o aproveitamento dos
potenciais doadores deve, portanto, ser empreendida. Deve-se
buscar conscientizar os profissionais de saúde sobre a importância
da notificação do potencial doador; treiná-los para que seja feito o
diagnóstico de morte encefálica, o manejo adequado do potencial
doador e uma boa abordagem da família do paciente; investir em
campanhas para esclarecimento da sociedade, principalmente sobre
o conceito de morte encefálica, na tentativa de reduzir a recusa
familiar e investir em hospitais e centrais de transplantes, para
permitir a operacionalização efetiva de todo o processo.
CONCLUSÃO
Baseando-se nos resultados deste trabalho, pode-se concluir que o
número estimado de potenciais doadores de órgãos no Estado de
Sergipe em 2007 foi de 128 casos, sendo que o perfil do possível
doador do Estado foi um indivíduo do sexo masculino, adulto jovem,
cuja principal causa de óbito foi acidente automobilístico. A maioria
foi admitida em coma no hospital e não tinha lesões associadas
além do TCE. Os óbitos foram uniformemente distribuídos ao longo
do ano e o Hospital de Urgências de Sergipe foi responsável pela
maioria dos atendimentos antes do óbito.
O índice de notificação (1:5,82), a taxa de aproveitamento das
notificações (56,17%), a taxa de notificação (0,46 pmp/ano) e a taxa
de doação (0,26 pmp/ano) foram baixos.
Houve baixo aproveitamento do número de possíveis doadores de
órgãos em Sergipe, de onde se pode inferir que há a necessidade
de ações político-administrativas que incrementem as doações e
transplantes no Estado.
ABSTRACT
Transplant is the best treatment option for some terminal diseases in organs and the only option to interfere in the natural evolution of some
kind of insufficiencies. Still, the main source of organs for transplantation is the corpse donor and this amount is not enough to attend the
demand due to failures in many parts of the donation-transplant process. Purpose: To estimate the amount of possible organ and tissue
donors in Sergipe; identify the profile of these possible donors; to calculate donation rates, notification and the reclamation of organ donors
in this state. Methods: Quantitative, descriptive and retrospective research in which data gathered from the necropsy reports of the Forensic
Institute of Sergipe and from the patient’s charts reported in the state Transplant Center on the same period was used. Results: 1388 necropsy
reports related to the deaths occurred from January 1st to December 31st 2007 were analyzed, from which 128 (9.22%) possible donors
were selected, being 108 (84.4%) of the male gender. The average age was 30.95 years old and the uppermost age group was from 21 to
40 years old, represented by 54.4% persons. In the majority (86%), victims were attended at the Emergency Hospital of Sergipe, which
is the reference in trauma in this state, and the cause of the death in 78 cases (60.94%), was traffic accident. In such period, there were 89
notifications to the Transplant Center, being 28 due to brain death. 50 donations were executed: 41 were strictly corneas, 8 corneas and
kidneys and 1 of multiple organs. The notification index was 1:5.82; the utilization rate of notifications was 56.17%; the notification rate
was 0.46 pmp and the donation rate 0.26 pmp. Conclusion: There was a low utilization in the amount of potential donors, and therefore,
actions involving all society levels are necessary with the overall purpose to increase the amount of donations and transplants in Sergipe.
Keywords: Organ Donation; Transplants; Brain Injuries.
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JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
Previne. Preserva. Protege.1-3
•
myfortic® apresenta menos reduções de dose7
•
myfortic® é eficaz na prevenção da rejeição aguda8
•
myfortic® é bem tolerado em doses mais altas9
Apresentações:
• Caixas com 120 comprimidos revestidos gastrorresistentes de 360 mg
• Caixas com 120 comprimidos revestidos gastrorresistentes de 180 mg
Contraindicações: hipersensibilidade ao micofenolato de sódio, ácido micofenolato de mofetila ou qualquer um dos excipientes.
Interação medicamentosa: Tacrolimo aumentou a AUC média do MPA em 19% e diminuiu a C max do MPA em 20%
Informações Importantes de Segurança: myfortic®® 180 mg e 360 mg - comprimidos gastro-resistentes. Apresentação: Micofenolato de sódio. Comprimidos gastro-resistentes contendo 180 mg ou 360 mg de micofenolato de sódio. Indicações: Profilaxia
de rejeição aguda de transplante em pacientes recebendo transplantes renais alogênicos em combinação com ciclosporina para micro-emulsão e corticosteróides. Dosagem: A dose recomendada é de 720 mg duas vezes ao dia (dose diária de 1.440 mg). Os
pacientes com insuficiência renal crônica severa (taxa de filtração glomerular < 25 ml.min–1 x 1,73 m–2), devem ser acompanhados cuidadosamente. Experiência muito limitada em crianças. Contra-indicações: Hipersensibilidade ao micofenolato sódico, ácido
micofenólico ou micofenolato mofetil, ou a qualquer um de seus excipientes. Precauções / Advertências: Risco aumentado de desenvolvimento de linfomas e outras malignidades, especialmente da pele. Excesso de expressão do sistema imunológico com
®.
suscetibilidade aumentada à infecção. Os pacientes com doença ativa séria do sistema digestivo devem ser tratados com precaução. Os pacientes com deficiência hereditária de hipoxantina – gaunina fosforil transferase (HGPRT) não devem usar myfortic®.
Os
pacientes devem ser instruídos a relatar qualquer sinal de depressão da medula óssea. Devem ser realizadas contagens de sangue total regularmente, para monitoramento de neutropenia. Risco aumentado de malformação congênita se usado durante a gravidez.
Deve ser usada contracepção efetiva. A terapia de myfortic®® não deve ser iniciada até que seja obtido um teste negativo para gravidez. myfortic®® não deve ser usado durante a gravidez, a não ser quando claramente necessário. Não deve ser usado pelas mães
durante a lactação, a não ser quando claramente justificado pela avaliação de risco / benefício. Deve ser evitado o uso de vacinas vivas atenuadas. Interações: Não devem ser administradas vacinas vivas. Deve ser tomada precaução com o uso concomitante de
colestiramina e medicamentos que interferem com a circulação enterohepática. Deve ser adotada precaução com o uso concomitante de aciclovir, ganciclovir, antiácidos contendo hidróxidos de magnésio e alumínio, como também contraceptivos orais. Não deve
ser usada azatioprina visto que a administração concomitante com myfortic®® não foi estudada. A concentração sistêmica de myfortic®® pode mudar por ocasião da mudança de ciclosporina para tacrolimus e vice-versa. Reações adversas: As reações adversas à
droga associadas com a administração de myfortic®® em combinação com ciclosporina para micromemulsão e corticosteróides incluem: Muito comuns: infecções virais, bacterianas e fúngicas, diarréia e leucopenia. Comuns: infecções do trato respiratório superior,
pneumonia, anemia, trombocitopenia, enxaqueca, tosse, distensão abdominal, dor abdominal, constipação, dispepsia, flatulência, gastrite, fezes soltas, náusea, vômito, fadiga, pirexia, testes anormais da função hepática, creatinina sangüínea aumentada. Incomuns:
infecção do ferimento, sepse, osteomielite, linfocela, linfopenia, neutropenia, linfoadenopatia, tremores, insônia, congestão pulmonar, sibilação, sensibilidade abdominal, pancreatite, eructação, halitose, íleo, oseofagite, úlcera péptica, sub-íleo, descoloração da
língua, hemorragia gastrintestinal, boca seca, ulceração dos lábios, obstrução do duto da parótida, doença de refluxo gastro - esofágico, hiperplasia da gengiva, peritonite, doença de gripe, edema dos membros inferiores, dor, calafrios, sede, fraqueza, anorexia,
hiperlipidemia, diabete mellitus, hipercolesterolemia, hipofosfatemia, alopecia, contusão, taquicardia, edema pulmonar, extrasístoles ventriculares, conjuntivite, visão turva, artrite, dor de costas, cãibras musculares, papiloma cutâneo, carcinoma celular basal,
sarcoma de Kaposi, distúrbio linfoproliferativo, carcinoma ce célula escamosa, sonhos anormais, percepção de desilusão, hematuria, necrose tubular renal, estreitamento da uretra, impotência. As seguintes rações adversas são atribuídas aos compostos do ácido
micofenólico como efeitos da classe: colite, esofagite, gastrite, pancreatite, perfuração intestinal, hemorragia gastrintestinal, úlceras gástricas, úlceras duodenais, íleo, infecções sérias, neutropenia, pancitopenia. Embalagens e preços: Específicos do país. Nota:
Antes de prescrever, favor ler as informações plenas de prescrição. Referências: 1. Salvadori M, Holzer H, de Mattos A, et al. Enteric-coated mycophenolate sodium is therapeutically equivalent to mycophenolate mofetil in de novo renal transplant patients. Am
J Transplant 2003;4:231-236. 2. Budde K, Curtis J, Knoll G, et al. Enteric-coated mycophenolate sodium can be safely administered in maintenance renal transplant patients: results of a 1-year study. Am J Transplant 2003;4:237-243 3. Massari P, Duro-Garcia V,
Girón F, et al. Safety Assessment of the Conversion From Mycophenolate Mofetil to Enteric-Coated Mycophenolate Sodium in Stable Renal Transplant Recipients. Transplant Proc 2005;37:916–919 4. Salvadori M, Holzer H, Civati G, Sollinger H, Lien B, Tomlanovich
S, Bertoni E, Seifu Y, Marrast AC; ERL B301 Study Group. Long-term administration of enteric-coated mycophenolate sodium (EC-MPS; myfortic) is safe in kidney transplant patients. Clin Nephrol 2006;66:112-119. 5. Chan L, Mulgaonkar, Walker R, et al. PatientReported Gastrointestinal Symptom Burden and Health-Related Quality of Life following Conversion from Mycophenolate Mofetil to Enteric-Coated Mycophenolate Sodium. Transplantation 2006;81:1290–1297 6. Bolin P, TanrioverB, Zibari GB, et al. Improvement in
3-Month Patient-Reported Gastrointestinal Symptoms After Conversion From Mycophenolate Mofetil to Enteric-Coated Mycophenolate Sodium in Renal Transplant Patients.Transplantation. 2007;84:1443–1451 7. Sollinger H, Leverson G, Voss B, Pirsch J. University
of Wisconsin Dept of Surgery/Division of Transplantation. Myfortic Vs. Cellcept: A Large, Single-Center Comparison. Am J Transplant 2008 vol. 8 suppl. 2 Abstract #1263 8. Cooper M, Deering KL, Slakey DP,et al. Comparing Outcomes Associated With Dose
Manipulations of Enteric-Coated Mycophenolate Sodium Versus Mycophenolate Mofetil in Renal Transplant Recipients. Transplantation 2009;88:514-520 9. Shehata M, Bhandari S, Venkat-Raman G, et al. Effect of conversion from mycophenolate mofetil to entericcoated mycophenolate sodium on maximum tolerated dose and gastrointestinal symptoms following kidney transplantation. Transpl Int 2009;22:821-830.
Anúncio destinado à classe médica.
1362
TRANSPLANTE DE FÍGADO NO PROGRAMA DE TRATAMENTO FORA DE DOMICÍLIO
NO ESTADO DE SERGIPE EM 2008. ANÁLISE DE DADOS CLÍNICOS E CUSTO
Liver transplantation in the out of home treatment program in the state of Sergipe in 2008. Clinical
analysis and costs.
Bianca Souza Leal1, Tereza Virgínia Silva Bezerra Nascimento2, João Augusto Guimarães Figueiredo 3,
Alex Vianey Callado França 2.
RESUMO
No Brasil, a maioria dos transplantes de fígado é realizada na região Sudeste. Nos estados em que não há serviço de transplante de fígado,
como Sergipe, os pacientes usuários do Sistema Único de Saúde são encaminhados para outros estados e as despesas com deslocamento
e ajuda de custo são financiadas pelo Programa de Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Objetivo: Avaliar os principais aspectos dos
pacientes cadastrados para transplante de fígado (pré- e pós-) e custos dos serviços financiados pelo TFD em Sergipe no ano de 2008.
Método: Análise dos prontuários de 55 pacientes cadastrados no TFD em Sergipe que viajaram em 2008. Foram avaliados: idade, gênero,
procedência, naturalidade, presença de cirrose e evolução com óbito em 2008. Compararam-se as características e custos gerados pelos
pacientes, acompanhantes e doadores e ainda entre os pacientes transplantados e não-transplantados. Resultados: Predominaram pacientes
do gênero masculino (63,6%), com idades entre 12 e 59 anos (61,8%) procedentes da capital - Aracaju/SE - (50,9%) e do interior de Sergipe
(49,1%). Apresentaram cirrose 80% dos pacientes e 12,7% evoluíram para óbito em 2008. As principais causas da cirrose foram Hepatite
C e Alcoolismo, com 15,9% dos casos cada uma. Foram transplantados 30,9% dos pacientes, sendo 76,5% desses transplantes realizados
em São Paulo. Os acompanhantes formaram o grupo que gerou maior despesa para o TFD, com gasto de R$ 217.575,72, em um total de
R$ 442.088,43 incluindo pacientes e doadores. O custo médio de cada paciente financiado pelo TFD foi de R$ 8.037,97 e quando incluídas
despesas adicionais, a média foi de R$ 10.590,49 por paciente. Os pacientes viajaram em média 4,76 vezes em 2008 e os transplantados
geraram despesa 1,8 vezes maior do que os não-transplantados. Conclusão: Cirrose hepática foi a principal causa de indicação de transplante
de fígado. Em 2008, o custo do programa foi de cerca de R$ 8.000,00 por paciente, valor que poderia ser investido, em parte, na estruturação
de serviço especializado no acompanhamento tanto no pré- quanto no pós-transplante no estado de origem do paciente.
Descritores: Transplante de Fígado, Gastos em Saúde, Sistema Único de Saúde.
INTRODUÇÃO
Instituição:
1
Curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju/SE
2
Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju/SE
3
Programa de Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe da Universidade Federal de
Sergipe, Arac
Correspondência:
Prof. Dr. Alex Vianey Callado França.
Departamento de Medicina, Hospital Universitário,
Rua Cláudio Batista, s/n, CEP 49060-010 - Aracaju-SE, Brasil.
Fone: (79) 2105-1802.
E-mail: [email protected]
Recebido em: 24.08.2010
Aceito em: 30.09.2010
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
O primeiro transplante de fígado bem sucedido da América Latina
foi realizado no Brasil, no ano de 1985, no Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo.1 Desde então, vários outros
centros passaram a realizar esse procedimento, sendo atualmente
procedimento de rotina em muitos serviços hospitalares. Até
o primeiro trimestre do ano de 2009 existiam 36 equipes que
realizavam transplante de fígado em atividade no Brasil.2 A grande
maioria dessas equipes atua na região Sudeste, a qual é responsável
por cerca de 72% de todos os transplantes de fígado no Brasil.2 No
estado de Sergipe não existem equipes que realizam transplante de
fígado.3 Por essa razão, pacientes portadores de doença hepática
terminal que necessitam do procedimento são encaminhados a
outros estados, e suas despesas são custeadas pelo Programa de
Tratamento Fora de Domicílio (TFD).4
O TFD é um benefício estabelecido pela Portaria SAS/Ministério
de Saúde nº 055 de 24/02/1999 (D.O.U. de 26/02/1999, em vigor
desde 01/03/1999) que consiste no fornecimento de passagens
para atendimento médico especializado de diagnose, terapia
ou tratamento cirúrgico de alta complexidade, a ser prestado à
1363
Transplante de fígado no programa de tratamento fora de domicílio no estado de Sergipe em 2008. análise de dados clínicos e custo
pacientes atendidos exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) em outros estados e entre municípios situados a mais de 50
km de distância. Também está previsto pagamento de ajuda de
custo para alimentação e pernoite do paciente e acompanhante,
somente após comprovação de tal necessidade mediante análise
sócioeconômica efetuada por assistente social do município de
origem do paciente.4
O repasse do SUS para instituições que realizam transplante
de fígado a partir de novembro de 2008 é de R$ 57.089,41 por
procedimento com doador cadáver.5 Dessa forma, pacientes
usuários do Programa de Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe
(TFD/SE) que foram submetidos a transplante de fígado agregaram
a esse valor o custo de seus deslocamentos, gerando despesa ainda
maior para a Saúde Pública do Brasil. Não há estudos locais ou
nacionais para dimensionar os custos do TFD com pacientes
que necessitam de transplante de fígado. Por esse motivo, faz-se
necessário o conhecimento dos principais aspectos desses pacientes
e seu impacto econômico para o TFD, uma vez que pode ser possível
determinar novas estratégias para diminuir os gastos da saúde
pública no estado de Sergipe.
MÉTODOS
Os dados foram obtidos de forma retrospectiva, a partir dos
prontuários do Centro de Atenção à Saúde de Sergipe (CASE),
localizado em Aracaju-SE. Foram selecionados os 55 prontuários
dos pacientes atendidos pelo Programa de Tratamento Fora de
Domicílio (TFD) registrados como transplante de fígado e que
viajaram para avaliação pré- e pós-transplante ou para realização
do mesmo em centros de referência fora do estado de Sergipe
no ano de 2008.
As informações adquiridas através dos prontuários foram: gênero,
data de nascimento, idade, procedência, naturalidade, ano em que
o paciente ingressou no TFD, paciente já transplantado ou não
ao ingressar no TFD, presença de cirrose, etiologia da cirrose,
outras etiologias para a hepatopatia, indicação do transplante,
ano de realização do transplante, local do serviço de avaliação/
transplante e caráter público ou privado do serviço de origem. As
informações próprias dos pacientes atendidos pelo TFD em 2008
foram: número de viagens realizadas, valor das passagens, valor
da ajuda de custo, dias de permanência e dias de internamento
no serviço transplantador, medicações utilizadas, despesa com
medicações, evolução com óbito e despesa com auxílio funeral.
As informações obtidas dos acompanhantes e doadores desses
pacientes foram: número de viagens, valor das passagens, valor da
ajuda de custo e tempo de permanência no serviço transplantador.
Todos os valores foram calculados baseados nos comprovantes de
passagens e nos relatórios de ajuda de custo, considerando o valor
da diário R$ 24,751*. As medicações tiveram seus custos calculados
de acordo com a tabela de valores dos medicamentos fornecida pelo
Centro de Atenção à Saúde de Sergipe (CASE).
Esses dados foram analisados descritivamente e suas variáveis
tiveram as frequências calculadas através do programa SPSS versão
11.5 para Windows.
O presente estudo foi desenvolvido pelo Serviço de Hepatologia do
Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe,
tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob número
0043.0.107.000-09 e segue os preceitos da declaração de Helsinque
e da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Foram avaliados os 55 prontuários dos pacientes cadastrados no
Programa de Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe (TFD/
SE) para transplante de fígado, que viajaram em 2008. Dentre
esses, 20 (36,4%) eram do sexo feminino e 35 (63,6%) do sexo
masculino. A idade média foi de 30,4 anos, variando de 10 meses
a 68 anos de idade. Quando analisada a faixa etária, notou-se que
15 pacientes (27,3%) tinham idade menor ou igual a 11 anos, 34
(61,8%) apresentaram idade entre 12 e 59 anos e havia 6 pacientes
(10,9%) com idade superior ou igual a 60 anos. A maior parte da
população estudada (50,9%) foi procedente da cidade de Aracaju/
SE, enquanto 27 pacientes (49,1%) relataram proceder do interior
de Sergipe, não tendo sido registrado pacientes residentes em
outro estado. Quanto à naturalidade, prevaleceram pacientes
naturais do interior de Sergipe (41,8%), seguidos pelos naturais
de Aracaju/SE (34,6%), sendo 13 (23,6%) pacientes nascidos em
outros estados. Em relação à presença de cirrose, constatou-se
que 44 (80%) desses pacientes apresentavam cirrose, cinco (9,1%)
não possuíam fígado cirrótico e 6 (10,9%) não tiveram esse dado
registrado no prontuário. A evolução com óbito no ano de 2008
ocorreu em sete (12,7%) dos pacientes avaliados, sendo todos
antes da realização do transplante. Na tabela 1 estão relacionados
alguns dos principais aspectos dos pacientes cadastrados no TFD/
SE, não sendo observada diferença significativa em relação ao
gênero, idade, procedência, naturalidade, presença de cirrose ou
ocorrência de óbito em 2008 quando comparado os grupos de
pacientes transplantados ou não (p>0,05).
Tabela 1 - Associação entre os principais aspectos dos pacientes
cadastrados no Programa de Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe em
2008 e a realização do transplante de fígado.
Realização do Transplante
Variáveis
Sim
N %
Não
N %
Total
N %
Masculino
12 34,3
23 65,7
35 100,0
Feminino
5
25,0
15 75,0
20 100,0
Total
17 30,9
38 69,1
55 100,0
≤ 11 anos
8
53,3
7
46,7
15 100,0
12-59 anos
8
23,5
26 76,5
34 100,0
≥ 60 anos
1
16,7
5
6
Total
17 30,9
38 69,1
55 100,0
Aracaju/SE
10 35,7
18 64,3
28 100,0
Interior/SE
7
20 74,1
27 100,0
Outro estado
-
-
-
Total
17 30,9
38 69,1
55 100,0
pa
Gênero
0,473
Faixa Etária
83,3
100,0
0,083
Procedência
25,9
-
-
0,432
Naturalidade
Aracaju/SE
6
31,6
13 68,4
19 100,0
Interior/SE
6
26,1
17 73,9
23 100,0
Outro Estado
5
38,5
8
61,5
13 100,0
Total
17 30,9
38 69,1
55 100,0
0,740
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1364
Bianca Souza Leal, Tereza Virgínia Silva Bezerra Nascimento, João Augusto Guimarães Figueiredo, Alex Vianey Callado França.
Realização do Transplante
Variáveis
Sim
N %
Não
N %
Total
N %
Variáveis
pa
Outras
5
1 (7,7%)
Ano de início no TFD
Cirrose
Sim
13 29,5
Não
2
Total
40,0
15 30,6
31 70,5
3
60,0
34 69,4
44 100,0
2008
18
(25,5%)
5
2007
13
(25,5%)
2006
5
(25,5%)
2005
7
(25,5%)
2004 – 2000
12
(25,5%)
Pré-transplante
54
(25,5%)
Pós-transplante
1
(25,5%)
Público
46
(25,5%)
Privado
9
(25,5%)
Sim
17
30,9
Não
38
69,1
100,0
0,883
49 100,0
Óbito em 2008
Sim
0
0,0
7 100,0
7
100,0
Não
17 35,4
31 64,6
48 100,0
Total
17 30,9
38 69,1
55 100,0
a
Frequencia
N
(%)
0,058
Admitido no TFD
Análise por provas de Qui-quadrado de Pearson.
Serviço de Origem
As demais características do grupo estudado foram sintetizadas na
tabela 2, onde se observou que as principais etiologias da cirrose
foram Hepatite e Alcoolismo com sete (15,9%) casos cada uma. Em
seguida, foram relacionadas Atresia de Vias Biliares, a Hepatite
B e Síndrome de Budd-Chiari, com 04 (9,1%) casos para cada
etiologia. Os outros 18 (40,9%) pacientes portadores de cirrose
tiveram etiologias diversas, destacando-se Hepatite Auto-imune,
Doença de Wilson, Colangite Esclerosante Primária, Doença
Hepática Gordurosa Não-alcóolica, Hemocromatose, Doença de
Byler e outras. Dentre os 11 (20%) pacientes que não possuíam
cirrose ou cujos prontuários não especificaram tal fato, a causa mais
prevalente da hepatopatia foi Atresia de Vias Biliares em 04 (36,4%)
casos, seguida de Síndrome de Alagille em outros 2 (18,2%) casos.
Os 5 (57,1%) pacientes restantes tiveram etiologias diversas, como
Amiloidose, Doença de Niemann-Pick, Hemangioendotelioma
Infantil e Síndrome de Caroli. Os pacientes do presente estudo
iniciaram o cadastro no TFD/SE principalmente nos anos de 2007
(23,6%) e 2008 (32,7%), anos que concentram mais da metade dos
pacientes analisados; os demais (43,7%), foram introduzidos no
TFD/SE entre os anos de 2000 e 2006. Apenas 1 paciente (1,8%)
entre todos os avaliados, iniciou o cadastro no TFD/SE após a
realização do transplante de fígado. Os pacientes analisados, em
sua grande maioria (83,6%) foram oriundos do serviço público,
enquanto 9 (16,4%) pacientes vieram de serviços privados. Dentre
os 55 indivíduos observados, 17 (30,9%) foram transplantados de
fígado até o final do ano de 2008.
Paciente transplantado até 2008
Pacientes que não possuíam cirrose ou cujos prontuários não relatavam
cirrose.
a
O ano em que se registrou o maior número de transplantes na
população estudada foi 2008, quando ocorreram cinco (27,8%)
transplantes de fígado, todos com doador falecido, sendo um (5,5%)
deles retransplante. Em 2006 e 2007 foram realizados dois (11,1%)
transplantes de fígado em cada ano; em 2005, nenhum paciente
foi transplantado, enquanto que em 2004 houve quatro (22,2%)
casos, e no período de 1999 a 2003 ocorreram os outros cinco
(27,8%) transplantes de fígado. No gráfico 1 é possível observar a
distribuição dos transplantes realizados nesse grupo ao longo dos
anos, no período de 1999 a 2008, destacando-se a realização de um
retransplante em 2008.
Gráfico1: Número de transplantes e retransplantes de fígado realizados
nos pacientes cadastrados no Programa de Tratamento Fora de Domicílio
em Sergipe.
Nº de Transplantes
Tabela 2 - Características dos pacientes cadastrados no Programa de
Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe que viajaram em 2008.
Variáveis
Frequencia
N
(%)
Etiologia da Cirrose
Hepatite C
7
Alcoolismo
7
11 (33,3%)
3 (9,4%)
Atresia de Vias Biliares
4
4 (12,5%)
Hepatite B
4
5 (15,6%)
Sd. de Budd-Chiari
4
9 (28,1%)
Outras
18
11 (34,4%)
Atresia de Vias Biliares
4
3 (23,1%)
Sd. de Alagille
2
1 (7,7%)
Hepatopatia nos pacientes não-cirróticosa
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
Retransplante
1365
Transplante de fígado no programa de tratamento fora de domicílio no estado de Sergipe em 2008. análise de dados clínicos e custo
Os serviços de transplante de fígado que mais avaliaram os
pacientes do TFD/SE ficavam predominantemente no estado de
São Paulo, tendo sido 40 (72,7%) pacientes avaliados nesse local.
Na Bahia, foram avaliados 9 (16,4%) pacientes e em Pernambuco,
6 (10,9%) pacientes. Os estados de Minas Gerais, Paraná e Ceará
foram responsáveis pela avaliação de 4 (7,3%) pacientes cadastrados
no TFD/SE que viajaram em 2008. Houve casos em que os
pacientes foram avaliados por mais de um serviço. Quanto ao local
de realização do transplante, 76,5% dos transplantes ocorreram
no estado de São Paulo, seguido de Pernambuco (11,8%), Bahia
(5,9%) e Minas Gerais (5,9%), não havendo transplantes realizados
no Paraná e no Ceará entre os pacientes analisados. O gráfico 2
expressa a distribuição nos estados do Brasil onde foram realizadas
avaliações de todos os pacientes estudados e onde ocorreram os
transplantes de fígado.
Tabela 3 - Aspectos e custos dos serviços financiados pelo Programa de
Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe no ano de 2008 para pacientes,
acompanhantes e doadores.
Paciente (n=55)
Acompanhante
(n=54)
Média
(%)
Média
(%)
Média
(%)
Número de
viagensa
4,76
(1-14)
2,98
4,65
(1-14)
2,86
2,57
(2-6)
1,51
-
Dias de
permanênciaa
44,8
(3 – 253)
52,62
45,20
(3 – 253)
53,09
59,86
(16-95)
28,28
-
Dias de
internaçãoa
14,76
(0 – 174)
35,23
-
-
-
-
-
Variáveis
Despesa com
viagensb
Ajuda de custob
Custo Totalb
Doador (n=7)
Totalb
2.502,32
2.892,51
2.243,46
(0,002.086,92 (389,84- 2.025,83 (964,04 – 1.581,28 309.527,43
8.535,57)
8.535,57)
5.626,08)
1.105,65
1.136,67
1.481,46
(99,00- 1.280,20 (99,00– 1.314,31 (396,006.261,75)
6.261,75)
2.351,25)
198.438,25
-
217.575,72
-
26.074,44
699,25 132.561,00
-
442.088,43
Refere-se ao serviço de avaliação/transplante em outro estado ; bValores
expressos em Real (R$).
a
Gráfico2: Distribuição no Brasil e entre os estados brasileiros das
avaliações e dos transplantes submetidos aos pacientes cadastrados no
Programa de Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe no ano de 2008.
Em relação aos custos financiados pelo TDF/SE em 2008, a
tabela 3 mostra os valores médios gastos com pacientes (n=55),
acompanhantes (n=54) e doadores (n=7), além do número de
viagens e dos tempos de permanência e internação (este último
apenas para pacientes). Os pacientes viajaram mais vezes (4,76) do
que os acompanhantes (4,65) e doadores (2,57). Apenas um (1,8%)
paciente viajou sem acompanhante em 2008. O tempo médio de
permanência no serviço foi maior entre os doadores (59,86 dias),
seguido dos acompanhantes (45,2 dias) e dos pacientes (44,8 dias).
Os pacientes ficaram internados 14,8 (0 – 174) dias em média.
Dos 55 pacientes avaliados, 40 (72,7%) não foram internados nos
serviços de transplante de fígado de outros estados em 2008. Quanto
às passagens custeadas pelo TFD/SE em 2008, os gastos foram em
média de R$ 2.892,51 por acompanhante, R$ 2.502,32 por paciente
e R$ 2.243,46 por doador. A ajuda de custo teve valor médio maior
entre os doadores (R$ 1.481,46), seguido dos acompanhantes (R$
1.136,67) e pacientes (R$ 1.105,65). Ao somar esses custos, avaliase que o valor gasto com pacientes foi de R$ 198.438,35; com os
acompanhantes gastaram-se R$ 217.575,72 e com doadores, R$
26.074,44. Desta forma, a despesa total do TFD/SE com viagens
e ajuda de custo em 2008 somando pacientes, acompanhantes e
doadores foi de R$ 442.088,43. A média de gasto dos 55 pacientes
cadastrados para transplante de fígado no TFD/SE que viajaram
em 2008 foi de R$ 8.037,97 por paciente.
Associadas a esse valor, há ainda despesas extras com medicações,
auxílio funeral (em caso de óbito do paciente em outro estado) e,
excepcionalmente, UTI aérea. No gráfico 3 pode-se observar a
distribuição dos valores gastos com essas despesas adicionais. Foi
possível perceber que 15 (27,3%) pacientes analisados necessitaram
de medicações, gerando uma despesa de R$ 65.461,38 (média de R$
4.364,09 por paciente usuário de medicação). Os medicamentos mais
utilizados foram os imunossupressores (Tacrolimo, Micofenolato
de Mofetila, Micofenolato Sódico, Azatioprina, Ciclosporina,
Mesalazina, Penicilamina e Prednisona), sendo também utilizados
Eritropoetina Humana Recombinante e o Ciprofloxacino. O auxílio
funeral foi necessário em dois casos, sendo que o valor gasto foi de
R$ 7.220,00. Houve ainda um caso em que a UTI aérea foi acionada,
e o custo desse serviço foi de aproximadamente R$ 67.000,00.
Então, ao adicionar as despesas extras ao gasto com viagens e
ajuda de custo dos 55 pacientes cadastrados para transplante de
fígado no TFD/SE que viajaram em 2008, tem-se o valor médio de
R$ 10.590,49 por paciente, totalizando o valor de R$ 582.477,17 de
gastos para a saúde pública do Brasil.
G ráfico 3: Valores gastos com despesas adicionais em pacientes
cadastrados no Programa de Tratamento Fora de Domicílio em Sergipe
no ano de 2008.
Por fim, ao realizar análise comparativa entre os aspectos e custos
dos pacientes que foram transplantados e aqueles que não foram
submetidos ao transplante de fígado, notou-se que os pacientes que
foram transplantados viajaram mais vezes (média de 4,94 viagens/
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1366
Bianca Souza Leal, Tereza Virgínia Silva Bezerra Nascimento, João Augusto Guimarães Figueiredo, Alex Vianey Callado França.
paciente), enquanto o segundo grupo viajou em média 4,68 vezes no
ano de 2008. Os pacientes transplantados também permaneceram
mais tempo no serviço de outro estado (média de 71,64 dias) em
comparação com pacientes não-transplantados (32,79 dias). Quanto
aos dias de internamento no serviço de transplante de fígado de
outro estado, sete (41,2%) dos pacientes transplantados foram
internados, o que resultou em um tempo médio de internação de
20,23 dias para os pacientes desse grupo. Dentre os 38 pacientes
que ainda não haviam sido submetidos ao transplante, 8 (21,6%)
foram internados, gerando uma média de 12,31 dias de internamento
por paciente desse grupo. O custo médio com os pacientes
transplantados (R$ 13.448,64), incluindo as medicações e despesas
com acompanhantes e doadores, foi cerca de 1,8 vezes maior do
que o custo com pacientes não-transplantados (R$ 7.325,73). As
despesas que mais contribuíram para tal divergência foram: ajuda de
custo e medicações, esta última com valor 40 vezes maior no grupo
dos transplantados. Na tabela 4 estão expostas as comparações
entre os aspectos e valores gastos com os pacientes transplantados
e aqueles que não foram submetidos ao transplante de fígado.
Tab ela 4 - Comparação entre os pacientes transplantados e não
transplantados de fígado cadastrados no Programa de Tratamento Fora de
Domicílio em Sergipe que viajaram em 2008.
Transplantados
(n=17)
Variáveis
Não-transplantados
(n=38)
Totalb
Média
DP(±)
Média
DP(±)
Número de viagensa
4,94
(2 – 10)
3,09
4,68
(1 – 14)
2,97
-
Dias de
permanênciaaa
71,64
(6 – 253)
72,31
32,79
(3 – 174)
36,07
-
Dias de internaçãoa
20,23
(0 – 129)
40,10
12,31
(0 – 174)
33,11
-
Despesa com
viagensb
2.717,56
(0 – 8030,20)
2.366,78
2.406,02
(0 – 8.535,57)
1.975,63
137.627,50
Ajuda de custob
1.757,25
(148,50 –
6.261,75)
1.764,53
814,14
(99,00 –
4.306,50)
873,60
60.810,75
Custo com
acompanhantes e
doadoresb
5.326,81
(893,04 –
10.223,48)
2.733,38
4.014,47
(488,84 –
9748,32)
2.222,53
243.105,72
Custo com
medicaçõesb
3.647,02
(0 – 14.151,60)
4.482,41
91,10
(0 – 2.593,80)
426,85
65.461,38
Custo Totalb
13.448,64
-
7.325,73
-
507.005,35
Refere-se ao serviço de avaliação/transplante em outro estado ;
expressos em Real (R$).
a
Valores
b
DISCUSSÃO
O transplante de fígado é uma terapêutica essencial para pacientes
portadores de doença hepática terminal.6 Dessa forma, fazse necessário conhecer os custos e os principais aspectos que
envolvem esse procedimento. No estado de Sergipe, os pacientes
que estiveram cadastrados no Programa de Tratamento Fora de
Domicílio (TFD) para submeter-se à avaliação e/ou transplante em
serviços de transplante de fígado de outro estado e que viajaram
no ano de 2008, tiveram suas características analisadas através do
presente estudo.
O gênero predominante desse grupo foi o masculino (63,6%),
enquanto apenas 36,4% dos pacientes eram do gênero feminino.
Segundo o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), esses valores
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
são condizentes com a população transplantada de fígado entre
os anos de 1995 e 2004, onde 63% dos pacientes eram do gênero
masculino e 37% do gênero feminino.2 Quanto à faixa etária, aquele
mesmo estudo mostrou que 10% dos pacientes eram compostos
pela população com idade superior a 60 anos, semelhante aos
10,9% de pacientes encontrados no presente estudo. A faixa etária
prevalente em ambos os trabalhos foi composta por pacientes
entre 12 e 59 anos.2
Na literatura, há relatos de que a Hepatite C é a principal doença de
base para transplantados de fígado (36% dos pacientes), seguida por
Atresia de Vias Biliares (11%) e Alcoolismo (10%).2 Neste estudo,
Hepatite C (15,9%), Alcoolismo (15,9%) e Atresia de Vias Biliares
(9,1%) também estiveram entre as principais hepatopatias nos
pacientes cirróticos. Entre os não-cirróticos prevaleceu a Atresia de
Vias Biliares (36,4%) como principal doença de base. Entre todos
os transplantes de fígado realizados entre 1995 e 2004 no Brasil,
5% foram retransplantes, valor idêntico ao encontrado entre os
transplantes observados neste estudo. Assim como em todo o país,
onde a maior parte (72%) dos transplantes de fígado foi realizada na
região Sudeste, 82,4% de todos os transplantes deste estudo foram
realizados naquela região.2
A taxa de mortalidade de pacientes em fila de espera para
transplante de fígado no Brasil foi estimada em 54,4%.7 Esse valor
não foi semelhante ao encontrado neste estudo, no qual, dentre os
38 pacientes em avaliação para transplante de fígado, sete (18,4%)
faleceram. Essa discordância provavelmente deve-se ao curto tempo
de avaliação dos pacientes, ou seja, apenas 12 meses.
Observa-se que a maioria dos transplantes foi realizada em 2006,
2007 e 2008, o que coincide com a implantação do serviço de
hepatologia do Hospital Universitário da UFS, que avalia tanto
adultos quanto crianças. Esse serviço é o único de referência para
atendimento de pacientes portadores de doenças hepáticas no
Estado de Sergipe, atendendo apenas usuários do SUS.
Outros aspectos despertaram atenção no presente estudo, como
o fato de o gasto total com os acompanhantes (R$ 217.575,72) ser
maior do que o gasto total com os pacientes (R$ 198.438,25). Tal
ocorrência pode ser devido a um número considerável de pacientes
crianças, o que reduz o valor das tarifas para as passagens. Além
disso, deve-se destacar que os pacientes não recebem o benefício
da ajuda de custo durante o período de internação. Um fator que
também pode ter contribuído para tal foi a ocorrência de apenas 1
(1,8%) paciente ter viajado sem acompanhante, o que ainda gerou
um tempo médio de permanência maior para os acompanhantes
(45,2 dias) do que para pacientes (44,8 dias). O número de pacientes
(15 = 27,3%) que utilizaram medicamentos fornecidos pelo CASE
também foi abaixo do esperado, uma vez que os 17 pacientes
(30,9%) transplantados deveriam fazer uso de medicações. Uma
explicação plausível para tal discordância pode ser o fornecimento
de medicações no serviço de avaliação/transplante de outro estado.
O custo do transplante de fígado para o Sistema Único de Saúde
do Brasil a partir de novembro de 2008 foi de R$ 57.089,41 por
procedimento.5 Dessa forma, as despesas médias geradas pelos
pacientes avaliados em nossos estudos de R$ 10.590,49 por paciente
(incluindo os gastos adicionais) aumentaram em mais de 18% o custo
do transplante de fígado. A maior parte desse valor foi gasta com
Transplante de fígado no programa de tratamento fora de domicílio no estado de Sergipe em 2008. análise de dados clínicos e custo
serviços indispensáveis aos pacientes que necessitam de transplante
de fígado. Contudo, poderia haver uma grande redução desse custo
com a implantação e capacitação da equipe de saúde no próprio
estado de Sergipe para realizar avaliações prévias e posteriores ao
transplante. Com a implantação da referida equipe, seria possível
diminuir o número de viagens, promovendo melhora da qualidade
de vida desses pacientes, bem como redução de custo para o serviço
público. Essa constatação torna-se ainda mais presente em pacientes
que já realizaram transplante de fígado, pois estes apresentam custo
médio ainda maior (R$ 13.448,64 por paciente transplantado), sendo
suas viagens mais frequentes, maior o tempo médio de permanência
e internação em serviços de transplante de fígado de outros estados
e maiores os custos com viagens, ajuda financeira, despesas com
1367
acompanhantes e medicações.
A implantação da estrutura necessária para realização do
transplante no próprio estado de Sergipe também poderia tornar-se
uma estratégia para restringir os gastos com o TFD em Sergipe.
CONCLUSÃO
Ao analisar os 55 prontuários dos pacientes cadastrados no TFD/
SE para transplante de fígado que viajaram em 2008, constatou-se
que, naquele ano, houve um gasto com deslocamento e medicações
correspondente a mais de 18% do valor do procedimento de
transplante de fígado. Esse gasto adicional poderia ser reduzido
através da implantação de novas estratégias para diminuir os gastos
da saúde pública no estado de Sergipe.
ABSTRACT
Introduction: In Brazil, liver transplantation is performed mainly in the Southeast region. In states where there is no liver transplantation
service, such as Sergipe, patients of the National Health System are driven to other states, and such expenses are funded by the Out of
Home Treatment Program (TOH). Purpose: The aim of this study was to set main aspects of patients referred to liver transplantation and
the costs of services funded by TOH in Sergipe along 2008. Methods: Analysis of 55 records of patients who were registered in TOH in
Sergipe during 2008. Age, gender, origination, place of birth of the patients, presence of cirrhosis and death in 2008 were assessed. Carers,
donors and patients’ features and their costs were compared, as well as transplanted versus non-transplanted patients. Some additional
costs of those patients were also analyzed. Results: Most patients were men (63.6%), with ages between 12 and 59 (61.8%) from Aracaju/
SE (50.9%), and 49.1% came from the country area of Sergipe. About 80% of patients presented cirrhosis, and 12.7% died along 2008.
The main causes of cirrhosis were hepatitis C and alcoholism, both in 15.9% of cases. Liver transplantation was performed in 30.9% of
patients, and 76.5% of those transplantations were performed in São Paulo. Carers caused higher TOH expenditures. R$ 217,575.72 from
a total amount of R$ 442,088.43 included patients and donors. The average cost of each patient funded by TOH was R$ 8,037.97 or R$
10,590.49, with additional costs included. Patients traveled an average of 4.76 times in 2008, and the transplanted patients spent 1.8 times
more than non-transplanted patients. Conclusion: Hepatic cirrhosis was the major cause for the TOH indication. It was concluded that the
cost of the program was around R$ 8,000.00 per patient in 2008. Based on this figure, a pre- and post-liver transplantation service could
be created at the state level.
Keywords: Liver Transplantation, Health Expenditures, Single Health System.
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Secretaria de Atenção à Saúde (SAS). Brasília (DF): Ministério da Saúde. [acesso
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Marinho A. Um estudo sobre as filas para transplantes no Sistema Único de Saúde
brasileiro. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro. 2006 out;22(10):2229-39.
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1368
IMPORTÂNCIA DO FARMACÊUTICO RESIDENTE EM UMA UNIDADE DE
TRANSPLANTE HEPÁTICO E RENAL: INTERVENÇÕES FARMACÊUTICAS
REALIZADAS
Importance of a Resident Pharmacist in a Liver and Kidney Transplantation Unit: Pharmaceutical
Interventions Performed
Thalita Rodrigues de Souza1, Diana Maria de Almeida Lopes2, Natália Martins Freire2,
Geysa Andrade Salmito1, Helaine Cristina Alves de Vasconcelos2, Alene Barros de Oliveira 2, Alexsandra Nunes Pinheiro2,
Eugenie Desirèe Rabelo Néri1, 2, Paula Frassinetti Castelo Branco Camurça Fernandes 3, José Huygens Parente Garcia4.
RESUMO
O papel do farmacêutico clínico no atendimento a pacientes internados tem evoluído ao longo do tempo, com ênfase no cuidado farmacêutico.
Nesse cenário, o farmacêutico residente tem contribuido substancialmente, para que pacientes transplantados hepáticos e renais sejam
beneficiados com as intervenções farmacêuticas, que funcionam como ferramenta efetiva para melhoria da qualidade da assistência hospitalar.
Objetivo: relatar as intervenções farmacêuticas (IF) realizadas pelo farmacêutico residente nas unidade de transplante hepático e renal
de um Hospital Universitário, identificando problemas relacionados com medicamentos (PRM) durante o período de internação e alta de
pacientes transplantados. Métodos: estudo transversal, no qual foram analisadas intervenções farmacêuticas realizadas pelo farmacêutico
residente com pacientes transplantados hepáticos e renais no período de maio a setembro de 2010. Resultados: Durante o período de estudo
foram acompanhados 219 pacientes, tendo sido detectado PRM em prescrições de 47 (21,5%) deles. Dos pacientes com PRM, 51,06%
(n=24) eram do sexo feminino. Os medicamentos envolvidos nos PRM identificados foram classificados de acordo com o Anatomical
Therapeutic Chemical (ATC), tendo maior prevalência aqueles relacionados ao sistema cardiovascular e nervoso, respectivamente (43,47%
e 17,39%). Foram identificados 81 PRM, dos quais 98,75% foram prevenidos através da IF, com aceitação de 98,76%. Os médicos foram os
profissionais mais contatados (97,50%), seguido dos enfermeiros (2,50%). Quando Classificados pelo II Consenso de Granada, os PRM de
necessidade ocorreram em 68,80% (n=55), os de segurança 28,80% (n=23) e os de efetividade 2,50% (n=2). Não foi identificada diferença
estatisticamente significante na aceitação da intervenção para os diferentes tipos de PRM (p=0,873). Conclusões: Os resultados sugerem
que a participação do farmacêutico residente na equipe assistencial é útil para prevenir a ocorrência de PRM, sendo bem aceita pelos
demais membros da equipe de saúde e coopera para a segurança do processo assistencial aos pacientes transplantados hepáticos e renais.
Descritores: Transplante Hepático; Transplante renal; Cuidados Farmacêuticos.
INTRODUÇÃO
Instituição:
1 Residência Multiprofissional em Atenção Hospitalar à Saúde. Universidade Federal do
Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil.
2 Serviço de Farmácia. Hospital Universitário Walter Cantídio. Universidade Federal do
Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil.
3 Serviço de Transplante Renal. Hospital Universitário Walter Cantídio. Universidade
Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil.
4 Serviço de Transplante Hepático. Hospital Universitário Walter Cantídio. Universidade
Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil.
Correspondência:
Thalita Rodrigues de Souza
Rua Cap. Francisco Pedro, 1290 - Rodolfo Teófilo - CEP 60.430-372 - Fortaleza - CE, Brasil
Fone: (85) 3366.8606 / Fax: (85) 3366.8606
E-mail: [email protected] / [email protected]
Recebido em: 08.09.2010
Aceito em: 30.09.2010
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
O Brasil possui atualmente um dos maiores programas públicos
de transplantes de órgãos e tecidos do mundo, contando com 548
estabelecimentos de saúde e 1376 equipes médicas autorizados
a realizar transplantes. O Sistema Nacional de Transplantes está
presente em 25 estados do país por meio das Centrais Estaduais de
Transplantes e é considerado procedimento de alta complexidade e
alto custo, sendo financiado pelo Sistema único de Saúde – SUS.1
Os transplantes renais começaram a ser realizados no Brasil a partir
de 1960, passando a melhorar a qualidade de vida dos pacientes
portadores de doenças renais. Em 2004, foi publicada a Política
Nacional de Atenção ao Portador de Doença Renal, incluindo em
seu corpo tópicos específicos sobre transplantes. A insuficiência
renal crônica é responsável por um crescente número de pacientes
submetidos às terapias renais substitutivas, incluindo diálises e
transplantes renais. Em 2007, o SUS investiu cerca de 2 bilhões
de reais em diálises, procedimentos relacionados a transplantes e
medicamentos.2
Importância do farmacêutico residente em uma unidade de transplante hepático e renal: intervenções farmacêuticas realizadas
O Transplante de fígado foi realizado pela primeira vez no Brasil
com sucesso em 1985 e, desde então, vem contribuindo para salvar
vidas de pacientes em fase crônica progressiva e irreversível de
doença hepática. Atualmente, a sobrevida do paciente portador de
doença hepática crônica submetido a transplante entre o primeiro
e o quinto ano varia de 70 a 90%. Para algumas indicações, como
na doença hepática crônica colestática, a sobrevida é ainda melhor.
Dados epidemiológicos de transplantes hepáticos realizados no
Brasil apontam tendência de crescimento, sendo também evidente a
crescente participação do Nordeste no incremento desse indicador.3,4
A gravidade das doenças renais e hepáticas, seu impacto social
e econômico sobre o sistema público de saúde no Brasil e a
complexidade técnica no manejo dos pacientes (da fase prétransplante ao pós-transplante), requer dedicação especial por parte
da equipe multidisciplinar. Em sua maioria, pacientes candidatos
a transplante e aqueles no pós-transplante, apresentam várias
co-morbidades e são polimedicados, tendo destaque no plano
farmacoterapêutico os imunossupressores e antimicrobianos.
No esforço multidisciplinar de prover o melhor cuidado aos
pacientes, o farmacêutico deve estar presente. Nesse contexto,
Martin ressalta a importância e o papel clínico desempenhado pelo
farmacêutico atuando nas unidades de transplantes, destacando
que muitos centros incorporam o farmacêutico, face à necessidade
de monitoramento dos fármacos imunossupressores e outros
medicamentos utilizados pelos pacientes transplantados.5
Segundo Kaboli, os farmacêuticos egressos de cursos de
especialização em Farmácia Clínica e Residência, bem como
aqueles com especialização, mestrado e doutorado em farmacologia
clínica podem ser incorporados às equipes de transplante e de
atendimento hospitalar a pacientes críticos. Nesse cenário, vale
destacar a implantação em 2010 da Residência Multiprofissional
em Atenção Hospitalar à Saúde na Universidade Federal do Ceará,
com área de concentração em Transplante, que forma entre outros
profissionais o farmacêutico, para atuar especificamente junto a
esse grupo de pacientes.6
O uso de medicamentos por pacientes transplantados hepático e renal
perpassa a profilaxia, tratamento de infecções secundárias, controle
de rejeição, entre outros e requer para o sucesso do transplante o
monitoramento do uso, análise de incompatibilidades, manejo das
interações medicamentosas clinicamente significativas, orientação
sobre o uso racional dos medicamentos, acompanhamento dos
níveis séricos, entre outras estratégias.
Para Rovers e Currie, a inserção do farmacêutico clínico nesse
cenário, participando ativamente das visitas clínicas diárias,
provendo suporte de informações à equipe médica e de enfermagem,
realizando a reconciliação medicamentosa (no internamento,
transferência entre unidades e alta) e atuando diretamente com o
paciente e familiares, buscando aumentar a adesão e participação
ativa dos pacientes na sua própria terapêutica, desponta como
oportuna e relevante, sobretudo quando consideradas as
possibilidades de incremento da segurança do processo assistencial.7
A atuação do farmacêutico na visita clínica diária a pacientes
críticos vem sendo amplamente estudada. Leape e colaboradores,
1369
em ensaio clínico controlado, verificaram que a presença do
farmacêutico na visita clínica diária a pacientes críticos foi
responsável pela redução de 66% dos eventos adversos relacionados
a medicamentos.8 MacLaren e colaboradores verificaram que a
presença de um farmacêutico em unidade de pacientes críticos
também estava relacionada à redução de custos, corroborando
achados de Schumock e colaboradores que identificaram que para
cada dólar investido em ações de farmácia clínica, 16,70 dólares
retornavam sob a forma de benefícios ao paciente.9,10
No Brasil, a atuação clínica do farmacêutico no manejo de pacientes
transplantados iniciou juntamente com os primeiros transplantes
realizados no país, através da dispensação e acompanhamento
ambulatorial. Nos últimos dez anos, a atuação clínica do farmacêutico
junto a pacientes transplantados tem sido ampliada na assistência
hospitalar, focando especialmente a segurança do uso de medicamentos,
no manejo da farmacoterapia e sua monitoração. Nessas atividades,
existem riscos relacionados à efetividade e segurança dos medicamentos.
Dentre os riscos identificados, estão desvios de qualidade e reações
adversas. A atuação do farmacêutico situa o paciente como ser ativo
e co-responsável por seu tratamento. Essa atividade foi definida por
Hepler e Strand, como Atenção Farmacêutica.11
Apesar de vasta literatura internacional, no Brasil ainda são incipientes
estudos que avaliem o impacto da atividade clínica do farmacêutico
em grupos específicos de pacientes, tais como os transplantados.12
Dentre as intervenções realizadas pelo farmacêutico clínico no
ambiente hospitalar, podem ser citadas as de caráter educativo
(para o cuidador, equipe multidisciplinar: médica e de enfermagem
e para o paciente), revisão da terapia medicamentosa instituída,
monitoramento dos resultados terapêuticos e acompanhamento
desses pacientes desde o momento de seu internamento até a alta
e o retorno ao ambulatório.7,13
O objetivo do presente estudo é relatar intervenções farmacêuticas
realizadas durante a rotina diária do farmacêutico residente
nas unidades de transplante hepático e renal de um Hospital
Universitário, descrevendo os tipos de PRM identificados, bem
como as intervenções realizadas durante o período de internação
(da admissão até a alta) dos pacientes transplantados.
MÉTODO
Desenho do estudo
Estudo descritivo, transversal, no qual foram analisados os registros
da atividade clínica de rotina do farmacêutico residente em
transplante dirigida a pacientes transplantados renais e hepáticos
no período de maio a setembro de 2010 em hospital universitário
terciário, com 243 leitos, cujos Serviços de Transplante Hepático
e Renal são referência no Norte-Nordeste para a atividade, tendo
realizado em 2009 147 transplantes, sendo 82 de fígado e 65 de rim.14
A farmácia do hospital universitário está presente na assistência aos
pacientes candidatos a transplante e transplantados em todas as fases.
Esse atendimento inicia-se no ambulatório, por meio da dispensação e
orientação quanto ao uso dos medicamentos, prossegue durante o ato
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Thalita Rodrigues de Souza, Diana Maria de Almeida Lopes, Natália Martins Freire, Geysa Andrade Salmito, Helaine Cristina Alves de Vasconcelos, Alene Barros de Oliveira,
Alexsandra Nunes Pinheiro, Eugenie Desirèe Rabelo Néri1, Paula Frassinetti Castelo Branco Camurça Fernandes, José Huygens Parente Garcia.
cirúrgico com a dispensação de todos os materiais e medicamentos
necessários ao transplante, perpassa o período de internação e
permanece no período pós-alta com a dispensação e monitoração do
uso dos medicamentos. Durante o internamento são realizados como
rotina acompanhamento farmacoterapêutico, identificação de PRM,
intervenções, provisão e dispensação de medicamentos, identificação
e notificação de reações adversas, sendo que todas essas atividades
são devidamente registradas.
A dispensação de medicamentos aos pacientes internados é
realizada para os pacientes transplantados através de sistema
individual para 24h, baseada em segundas vias de prescrições
manuscritas ou digitadas.
A rotina do farmacêutico residente iniciava com o preenchimento
da ficha de seguimento farmacoterapêutico do paciente. Essa
ficha continha informações sobre o estado de saúde do paciente,
co-morbidades, medicamentos utilizados no momento do
internamento, história de alergia a medicamentos, entre outros.
Em seguida, eram realizados a análise da segunda via da
prescrição médica e o aviamento e conferência da dispensação
dos medicamentos. Na etapa de análise da prescrição eram
identificados os problemas potenciais em prescrições, Problemas
Relacionados a Medicamentos (PRM), e intervenções específicas
para cada questão. A identificação dos problemas era seguida
da análise dos registros no prontuário do paciente, sobretudo
da evolução e das informações sobre a administração de
medicamentos. Após analisar as informações coletadas, eram
realizadas as intervenções farmacêuticas (IF) junto ao corpo
médico e de enfermagem dos Serviços de Transplante hepático e
renal, sendo registradas as aceitações.
Análise estatística
A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa Statistical
Package for Social Science for Windows (SPSS) 16 (2007). Os valores
foram expressos em frequências relativas e absolutas e medidas de
tendência central. Para a análise de proporções utilizou-se testes nãoparamétricos (c2, Fisher-Freeman-Halton). O grau de significância
estatística considerado foi de p <0,05.
RESULTADOS
No período analisado, foram acompanhados 219 pacientes,
tendo sido detectado PRM em prescrições de 47 (21,50%)
pacientes. Desses, 51,06% (n=24) eram do sexo feminino. Nas
prescrições analisadas foram identificados 81 PRM, envolvendo
25 medicamentos diferentes.
Os medicamentos mais prevalentes envolvidos nos PRM, foram:
cloridrato de propranolol, losartana potássica, nifedipina, clonidina,
atenolol, maleato de enalapril, atorvastatina, bromazepam e
levodopa+carbidopa. Utilizando-se a classificação ATC, as classes
mais envolvidas nos PRM foram o sistema cardiovascular (43,47%;
n=10) e o sistema nervoso (17,39%; n=4) (Figura 1).
Figura 1: Classificação ATC dos medicamentos identificados nos PRM e
objeto das intervenções realizadas por farmacêutico residente em serviços
de transplante hepático e renal em hospital universitário, no período de maio
a setembro de 2010. (Anexado em formato TIF com resolução de 96 dpi).
Classificação dos problemas relacionados com medicamentos
Os PRM são conceituados por Santos e colaboradores como
“problemas de saúde, entendidos como resultados clínicos
negativos, devidos à farmacoterapia que, provocados por diversas
causas, conduzem ao não alcance do objetivo terapêutico ou ao
aparecimento de efeitos não desejados”. A classificação dos PRM
neste estudo seguiu o 2º Consenso de Granada (1999), sendo
classificados em necessidade (PRM 1 – O doente tem um problema
de saúde por não utilizar o medicamento que necessita; PRM 2 – O
doente tem um problema de saúde por utilizar um medicamento que
não necessita); efetividade (PRM 3 – O doente tem um problema
de saúde por uma inefetividade não-quantitativa do medicamento;
PRM 4 – O doente tem um problema de saúde por uma inefetividade
quantitativa do medicamento) e segurança (PRM 5 – O doente tem
um problema de saúde por uma insegurança não-quantitativa de
um medicamento; PRM 6 – O doente tem um problema de saúde
por uma insegurança quantitativa de um medicamento).15
Categorização dos medicamentos
Os medicamentos envolvidos em PRM foram categorizados de
acordo com a classificação ATC (Anatomic, Therapeutic, Chemical
Classification), utilizada pela Organização Mundial de Saúde.16
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Para os 81 PRM identificados no período analisado, o farmacêutico
residente realizou 81 IF, tendo sido aceitas 80 (98,76%), conforme
demonstrado na Tabela 1. A maior parte dos PRM identificados
foi referente à necessidade. Não foi identificada diferença
estatisticamente significante na aceitação da intervenção entre os
diferentes tipos de PRM (p=0,873).
Importância do farmacêutico residente em uma unidade de transplante hepático e renal: intervenções farmacêuticas realizadas
Tabela 1: Categorização dos problemas relacionados com medicamentos
(PRM) potenciais, detectados por farmacêutico residente em unidades de
transplante em hospital universitário, no período de maio a setembro de 2010.
Intervenções
Aceitas
Intervenções
não aceitas
nº
%
nº
%
Necessidade
55
68,8%
0
Efetividade
2
2,5%
Segurança
23
28,8%
Classificação
dos PRM
Total
p
0%
55
0,873
0
0%
2
-
1
100%
24
-
1. Método de classificação: Segundo consenso de Granada sobre
problemas relacionados com medicamentos,1999; 2. Teste chi quadrado
de person ou Teste exato de Fisher's, (significância p= <0,05).
Os PRM de necessidade identificados perfizeram um total de
68,8%, tais como: falta de medicamentos, seja por prescrição de
medicamento não padronizado na instituição hospitalar (n=15) ou
por desabastecimento da Farmácia (n=40). Já os PRM de efetividade
2,5% relacionaram-se à subdoses (n=2) dos medicamentos
prescritos. Os PRM de segurança 28,8% relacionaram-se à
prescrições redigidas de forma inapropriada, tais como: diluições
de injetáveis de modo inadequado, informação inadequada relativa
à posologia, dose, forma farmacêutica, via, intervalo entre doses
ou de reações adversas (n=23).
1371
apresenta evidências para as mesmas, dando suporte aos demais
profissionais para escolha e adoção das melhores práticas na assistência
ao paciente, sobretudo no tocante à farmacoterapia, incluindo a
avaliação do uso dos medicamentos e impacto sobre a qualidade de
vida.17 A IF pode ser resultante da identificação de PRM, devendo ser
contínua e incorporada ao cotidiano da farmácia hospitalar. 7
Os problemas durante as várias fases da assistência hospitalar à
saúde (prescrição, dispensação e administração de medicamentos)
estão geralmente associados a maiores riscos aos pacientes.
Admitir a existência de problemas, que em sua grande maioria
estão associados à condição humana, é o primeiro passo para
evitá-los e tornar a assistência mais segura. O Institute of Medicine
dos Estados Unidos da América aborda amplamente desde 1999
esses problemas e as formas de evitá-los, estando nelas inserida a
presença do farmacêutico na análise da farmacoterapia e realização
de intervenções farmacêuticas.7
A implementação da IF como atividade rotineira no atendimento a
pacientes transplantados é uma das ações para reduzir a chance de que
as falhas do processo assistencial relacionadas à farmacoterapia atinjam
o paciente e demonstra compromisso com a qualidade da assistência.7- 9
No presente estudo, foi possível verificar que cerca de 1/5 dos
pacientes internados nas unidades de transplante hepático e renal
necessitaram de IF com relação às suas prescrições, tendo estas
ampla aceitação por parte dos demais membros da equipe de saúde.
Das 80 IF aceitas, 97,50% (n=78) foram dirigidas aos médicos
e 2,50% (n=2) aos enfermeiros (Figura 2). Não foi identificada
diferença estatisticamente significante na aceitação por parte do
profissional contatado quanto aos tipos de PRM (p=0,300).
A aceitação das IF obtida no presente estudo (98,76%) foi maior do
que aquela obtida nos estudos de Nunes e colaboradores (70,0%)
e de Alano (79,0%), podendo ser reflexo da boa integração entre o
farmacêutico e os demais membros da equipe, além da preocupação
constante com a qualidade e segurança da assistência prestada.18,19
Figura 2: Profissionais contactados durante as intervenções realizadas
A integração e boa comunicação entre os membros da equipe
assistencial é fator contribuinte para a segurança do paciente.8,9
por farmacêutico residente, em hospital universitário, no período de maio
a setembro de 2010.
DISCUSSÃO
A intervenção farmacêutica é o momento no qual o farmacêutico,
em contato com o médico ou enfermeiro realiza recomendações e
Os medicamentos mais envolvidos nos PRM identificados
pertenciam ao sistema cardiovascular, sendo indicativo da
necessidade de maior atenção por parte da equipe multiprofissional
sobre tais medicamentos no tocante à prescrição, dispensação
e administração. Dados semelhantes foram identificados por
Nunes e colaboradores (31,72% - sistema cardiovascular e 15,54%
- sistema nervoso) e Alano (30,2% - sistema cardiovascular e
27,5% - sistema nervoso).18,19
Os PRM de necessidade corresponderam à maior parte dos
problemas identificados. Com a participação direta do farmacêutico
na monitoração da farmacoterapia, a prescrição de medicamentos
não padronizados e, portanto, não disponíveis na instituição, era
prontamente agilizada pelo farmacêutico residente junto ao setor
responsável pela aquisição, mantendo a equipe permanentemente
informada e as condutas alternativas sugeridas até a chegada
do medicamento. Diante do problema da ruptura do estoque, o
farmacêutico residente atuava através da identificação e sugestão
de alternativas terapêuticas disponíveis, e funcionando como
elo entre a estrutura logística da instituição para a solução
definitiva do problema. O contato entre o farmacêutico residente
e os responsáveis pela logística de suprimentos da instituição foi
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Thalita Rodrigues de Souza, Diana Maria de Almeida Lopes, Natália Martins Freire, Geysa Andrade Salmito, Helaine Cristina Alves de Vasconcelos, Alene Barros de Oliveira,
Alexsandra Nunes Pinheiro, Eugenie Desirèe Rabelo Néri1, Paula Frassinetti Castelo Branco Camurça Fernandes, José Huygens Parente Garcia.
realizado a cada problema identificado, facilitando sua correção,
eliminando reflexos negativos para pacientes e processo assistencial.
Os casos de PRM de efetividade e de segurança estavam
principalmente associados a problemas de redação das prescrições, os
quais poderiam ser sanados através da informatização das prescrições,
e que foram identificados e corrigidos antes da dispensação e
administração do medicamento, portanto sem reflexos negativos no
processo assistencial. Problemas semelhantes foram identificados
em outros hospitais universitários brasileiros por Cruciol-Souza e
colaboradores, Sebastião e Louro e colaboradores 20-23
Os dados deste estudo dão indicações de que a informatização
do processo de prescrição e a educação continuada da equipe de
saúde para a prescrição, dispensação e administração racional de
medicamentos podem ser medidas que, se adotadas, colaborarão
para a manutenção de um ambiente assistencial mais seguro. A
implementação das ações sugeridas para a segurança do processo
assistencial reveste-se de especial importância quando consideramos
que o estudo foi conduzido em um hospital universitário.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos no presente estudo sugerem que a participação
do farmacêutico residente na equipe assistencial de transplante
hepático e renal do hospital universitário é importante, necessária
e amplamente aceita pela equipe médica e de enfermagem,
contribuindo para o contínuo aprimoramento da qualidade da
assistência prestada aos pacientes.
ABSTRACT
The role of clinical pharmacists in the patient care in hospitals has evolved over time, with emphasis on pharmaceutical care. In this
scenario, the resident pharmacist has substantially contributed to liver and kidney transplant patients and to the benefits from pharmaceutical
interventions that act as an effective tool to improve the quality of the hospital care. Purpose: To report pharmaceutical interventions (PI)
performed by the resident pharmacist in a kidney and liver transplantation unit at a University Hospital, identifying drug related problems
(DRP) along the admission period and discharge of transplanted patients. Methods: A retrospective study analyzing pharmaceutical
interventions made by the resident pharmacist in kidney and liver transplanted patients from May to September, 2010. RESULTS: During
the studied period, 219 patients were followed, and among them, it was detected 47 DPR (21.50%). From those patients, 51.06% (n= 24)
were female. Drugs involved in the identified DPR were classified according to the Anatomical Therapeutic Chemical (ATC), with a higher
prevalence of the cardiovascular and nervous systems, 43.47% and 17.39% respectively. It was identified 81 DPR, 98.75% of them were
prevented through the PI, with 98.76% acceptance. Doctors were the most requested professional (97.50%), followed by nurses (2.50%).
When ranked by the II Granada Consensus, needing DPR occurred in 68.80% (n= 55), safety: 28.80% (n=23), and effectiveness, 2.50%
(n= 2). It was found no statistical significance in the intervention acceptance among the different DPR (p=0.873). Conclusions: Results
suggest that the participation of a resident pharmacist in the medical care is useful to prevent DRP, and it is well accepted by other team
members, contributing for a safe and necessary treatment for liver and kidney transplanted patients.
Keywords: Liver Transplantation; Kidney Transplantation; Pharmaceutical Care.
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JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1374
TRANSPLANTE RENAL NO PACIENTE DIABÉTICO COM DOENÇA RENAL CRÔNICA
Kidney transplantation in diabetic patients with chronic kidney disease
Irene de Lourdes Noronha1,2, Pablo Girardelli Mendonça Mesquita1,2, José Osmar Medina Pestana 3
RESUMO
O diabetes mellitus é uma das principais etiologias da doença renal crônica no Brasil e no mundo. Nos pacientes que se encontram em
estágio V de doença renal crônica, torna-se necessária a terapia renal substitutiva, que pode ser realizada através do transplante renal
ou diálise. A diálise é a opção terapêutica com maior número de pacientes, apesar de ser a modalidade associada à menor sobrevida do
paciente. As opções de transplante para paciente diabético são o transplante renal com doador vivo ou falecido ou transplante duplo de rim
e pâncreas. O presente estudo teve como objetivo fazer uma revisão dos aspectos específicos do transplante renal em pacientes diabéticos,
avaliar o impacto do transplante renal nas complicações crônicas do diabetes e, por fim, apresentar os resultados disponíveis na literatura
que permitem avaliar qual a melhor modalidade de transplante para esses doentes. Com relação à avaliação pré-transplante, devido ao alto
risco cardiovascular, a avaliação da doença arterial coronariana e doença arterial periférica devem ser realizadas de forma mais detalhada
no paciente diabético. Além disso, o estudo das disfunções miccionais está indicado, devido à alta prevalência de bexiga neurogênica nesses
pacientes. Em relação às complicações crônicas do diabetes, as evidências atuais sugerem que no transplante renal ocorre uma estabilização
das lesões da retina na maioria dos pacientes, melhora na qualidade de vida, e melhora dos episódios de hipotensão postural e sintomas
gastrointestinais. Em contrapartida, observa-se maior número de eventos cardiovasculares em comparação aos não-diabéticos e recidiva
da nefropatia em porcentagem limitada dos casos. Com relação às modalidades de transplante disponíveis para o paciente diabético, os
melhores resultados de sobrevida do paciente e do enxerto foram obtidos através da realização de transplante renal isolado com doador
vivo ou com transplante duplo de rim e pâncreas, sendo o transplante renal isolado com doador falecido a modalidade associada aos piores
índices de sobrevida, tanto do paciente quanto do enxerto.
Descritores: Diabetes Mellitus; Insuficiência Renal; Transplante.
INTRODUÇÃO
Instituição:
1
Laboratório Nefrologia Celular, Genética e Molecular da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
2
Departamento de Nefrologia (hemodiálise e transplante) do Hospital Beneficência
Portuguesa, São Paulo, SP, Brasil
Departamento de Nefrologia do Hospital do Rim e Hipertensão – Universidade Federal
de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
3
Correspondência:
Profa. Dra. Irene L. Noronha
Laboratório de Nefrologia Celular, Genética e Molecular da Faculdade de Medicina da USP
Av. Dr. Arnaldo, 455, 4º andar, Lab 4304, CEP: 01246-903, São Paulo, SP, Brasil
Telefone: (11) 3061-8403.
E-mail: [email protected]
Recebido em: 22.07.2010
Aceito em: 01.09.2010
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
O diabetes mellitus é uma das principais causas da doença renal
crônica no Brasil e no mundo. A história natural da nefropatia
diabética caracteriza-se pela evolução lenta e progressiva,
culminando com doença renal crônica estágio V, que leva à
necessidade de terapia substitutiva renal (diálise e/ou transplante).
Os pacientes diabéticos submetidos a tratamento dialítico
apresentam maior mortalidade em relação ao transplante renal,
como será discutido adiante.
O transplante renal em pacientes diabéticos possui algumas
particularidades tanto no pré-transplante como no pós-transplante.
No pré-transplante destaca-se a importância da avaliação criteriosa
do risco cardiovascular, da doença vascular periférica e das
disfunções miccionais. No pós-transplante ocorre maior dificuldade
de controle glicêmico, aumento de incidência de infecções, além
de maior risco de eventos cardiovasculares.
Neste capítulo serão abordados vários aspectos específicos do
transplante renal em paciente diabético.
1375
Transplante Renal No Paciente Diabético Com Doença Renal Crônica
MATERIAIS E MÉTODOS
O trabalho consiste de revisão bibliográfica realizado através
de pesquisa dos bancos de dados MEDLI NE (PubMed:
Cumulative Index Medicus). Foram selecionados artigos científicos
publicados preferencialmente nos artigos mais recentes. Durante o
levantamento bibliográfico foram utilizadas diversas combinações
de palavras-chaves, como por exemplo: “diabetes mellitus”,
“nefropatia diabética”, “transplante renal”, “transplante duplo rim
e pâncreas” e “insuficiência renal”. A pesquisa bibliográfica incluiu
artigos de revisão, artigos originais e consensos.
O TRANSPLANTE RENAL NO PACIENTE DIABÉTICO
O transplante renal é uma modalidade de transplante bem
estabelecida. Desde a década de 60, quando a técnica foi
implantada no nosso meio até os dias de hoje, mais de 45.000
transplantes de rim já foram realizados no Brasil.1
O transplante renal pode ser feito com doador vivo ou doador
falecido. Trata-se de uma cirurgia de média duração (de três a
quatro horas), sem necessidade de abordagem intraperitoneal, o
que facilita a rápida recuperação no pós-operatório. Além desses
aspectos cirúrgicos e, graças à experiência clínica acumulada
ao longo dos 45 anos de atividade nessa área, os resultados do
transplante renal são muito bons.2 Além do tempo de internação
do transplante renal ser relativamente curto, deve-se ressaltar
que a necessidade de reinternações é limitada.
No Brasil existem 235 equipes cadastradas para realizar
transplante renal, sendo que 136 encontram-se ativas. 1 Esses
centros estão habilitados para realizar transplante renal em
pacientes com doença renal crônica em estágio V, incluindo
pacientes diabéticos. Já para realização de transplante de
pâncreas, há necessidade de equipe especificamente treinada
para esse procedimento. No Brasil existem apenas 43 equipes
cadastradas para realizar transplante de pâncreas, sendo que
apenas 20 estão ativas.1
Dessa forma, o transplante de rim isolado constitui uma
importante alternativa de terapia substitutiva da função renal
para pacientes diabéticos com insuficiência renal crônica
terminal. A comparação dos resultados do transplante renal em
pacientes diabéticos com outras modalidades de tratamento será
abordada mais adiante neste capítulo.
de que pacientes diabéticos em fases avançadas da doença renal
crônica beneficiam-se com o início precoce da terapia substitutiva
renal, quer seja diálise ou transplante, denominada pré-emptiva.5
Ainda não existem dados na literatura que permitam definir a
faixa adequada de comprometimento da função renal para indicar
a terapia pré-emptiva, porém a maioria dos relatos considera a
faixa de clearance de creatinina entre 15 e 20 ml/min/1,73 m 2 para
indicar o tratamento pré-emptivo.
Nos relatos da literatura em que o transplante renal foi realizado de
forma pré-emptiva são descritos melhores resultados na sobrevida
de pacientes diabéticos tanto do tipo 1 como do tipo 2.5 A análise
de 23.000 pacientes diabéticos do registro Scientific Registry of
Transplant Recipients submetidos a transplante renal revelou que
14,4% dos pacientes com DM tipo 1 e 6,7% dos pacientes com DM
tipo 2 realizaram o transplante de forma pré-emptiva. Foi observada
uma diminuição significativa no risco de mortalidade, sendo o risco
relativo de 0,57 para DM tipo 1 e 0,65 para DM tipo 2.
Avaliação pré-transplante renal
A avaliação pré-transplante do paciente diabético apresenta vários
pontos em comum com a do não-diabético. Em toda avaliação de
receptores candidatos a transplante renal recomenda-se a avaliação
de infecções ativas, doenças cardiovasculares, pulmonares,
hepáticas, entre outras, que são comuns a pacientes diabéticos e
não-diabéticos. Porém, devido ao fato dos pacientes diabéticos com
doença renal crônica terem uma tendência maior a desenvolver
aterosclerose precoce (com maior prevalência de eventos como
infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e eventos
vasculares periféricos)6 é importante a avaliação cuidadosa da
doença vascular.
O paciente diabético apresenta dois tipos de doença vascular:
macroangiopatia e microangiopatia. A macroangiopatia diabética
caracteriza-se por lesões ateroscleróticas das coronárias,
carótidas, aorta e outros vasos periféricos, enquanto a disfunção
microcirculatória não-oclusiva envolve capilares e arteríolas,
principalmente de rins, retina e nervos periféricos.
A aterosclerose do diabético é mais difusa, mais grave e se manifesta
em idade mais precoce do que a aterosclerose do paciente nãodiabético.6 A calcificação da placa intimal e da camada média
(esclerose de Mönckeberg) é característica da aterosclerose diabética. 7
Indicação de transplante renal: abordagem pré-emptiva
Avaliação cardiovascular
O transplante renal pode ser realizado quando o paciente já se
encontra realizando regularmente diálise crônica ou antes de iniciar
tratamento dialítico, chamado transplante pré-emptivo.
De acordo com as diretrizes elaboradas pelo KDOQI (Kidney
Disease Outcomes Quality Initiative), pacientes com insuficiência
renal devem ser encaminhados ao nefrologista quando o clearance de
creatinina estiver abaixo de 30ml/min/1,73m2.3 O encaminhamento
do paciente nessa fase está associado a uma menor mortalidade e
menor velocidade de progressão da doença renal crônica.5 Além
disso, à medida que a doença evolui, o médico pode esclarecer o
paciente a respeito dos diversos tipos de tratamento e já prepará-lo
para a diálise e/ou transplante.
Apesar de não existirem estudos controlados, há evidências clínicas
As complicações cardiovasculares nos pacientes diabéticos são
consequência da doença aterosclerótica que, nesses pacientes, além
de grave apresenta uma evolução particularmente acelerada. 6 Os
fatores de risco para o desenvolvimento da doença cardiovascular
podem ser divididos em fatores de risco tradicionais (hipertensão
arterial, sexo masculino, tabagismo, história familiar, diabetes,
obesidade, sedentarismo, idade >55 anos em homens e >65 anos em
mulheres, doença renal crônica) e fatores relacionados à uremia.8
Pacientes diabéticos em tratamento dialítico têm prevalência
aumentada de doença arterial coronariana.9 A doença coronariana é
freqüentemente tri-arterial e difusa, acometendo porções proximais
e distais das artérias.
A doença coronariana em diabéticos pode ter curso assintomático
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1376
Irene de Lourdes Noronha, Pablo Girardelli Mendonça Mesquita, José Osmar Medina Pestana
em 40% dos pacientes,10 o que dificulta seu reconhecimento, e,
por esse motivo, tem impacto negativo na evolução clínica. Cerca
de 1/3 dos pacientes diabéticos tipo 1 com doença renal crônica
assintomáticos já apresentam estenoses coronarianas significativas
ao exame de coronariografia.11 A manifestação isquêmica silenciosa
pode ser consequência da neuropatia diabética, que compromete
a resposta autonômica.
A angiocoronariografia continua sendo o melhor método para a
identificação da doença arterial coronariana.12 No entanto, além
do custo mais alto, apresenta riscos inerentes ao procedimento,
principalmente em pacientes diabéticos em fase pré-dialítica,
situação onde o uso de contraste radiológico pode acelerar a
necessidade de diálise. Por esse motivo, exames não-invasivos
como ecocardiografia com dobutamina e cintilografia miocárdica
com dipiradamol, apesar de apresentarem menor sensibilidade e
especificidade para a identificação da doença arterial coronariana,
podem ser considerados uma alternativa.
As diretrizes da Sociedade Americana de Transplante recomendam
que pacientes diabéticos com angina candidatos a transplante devem
realizar diretamente a angiocoronariografia. No caso de pacientes
assintomáticos, a indicação de angiocoronariografia é questionável.
Nesses casos, exames não-invasivos podem ser indicados como
primeira avaliação. No entanto, quando esses testes são positivos
ou duvidosos, a arteriografia coronariana está indicada.13
Em pacientes diabéticos com doença renal crônica que ainda
não se encontram em diálise e que têm indicação de realizar
angiocoronariografia, deve-se tentar manobras para redução do
risco da nefropatia por contraste, como hidratação endovenosa e
administração de n-acetilcisteína ou solução com bicarbonato.14
Cirurgias de revascularização miocárdica ou angioplastia devem,
preferencialmente, ser realizadas antes do transplante. O uso de antiagregantes plaquetários como o clopidogrel impede a realização do
transplante durante o período de sua administração, devendo ser
suspenso 5 dias antes da realização do transplante com doador vivo.
15
Por outro lado, o uso de aspirina, que é mantido indefinidamente,
pode aumentar o risco de sangramento durante o transplante, mas
não implica em contra-indicação para o procedimento cirúrgico.
Avaliação da doença cerebrovascular
O diabetes é um fator de risco independente para desenvolvimento
de acidente vascular cerebral isquêmico. Pacientes diabéticos
apresentam risco duas vezes maior para isquemia cerebral que
pacientes não diabéticos.16
A principal ferramenta para investigar a presença de estenoses
significativas das artérias carótidas é o doppler de carótidas e artérias
vertebrais. Havendo lesões significativas, exames de imagens com
contraste radiológico devem ser realizados, considerando-se os
mesmos aspectos descritos acima para doença cardiovascular.
Avaliação da doença vascular periférica
A aterosclerose disseminada dos membros inferiores, comum em
diabéticos, pode não ter manifestações isquêmicas evidentes, graças
à compensação que ocorre pela circulação colateral. Pacientes
diabéticos apresentam maior prevalência de doença vascular
periférica, sendo de 10,8% em diabéticos, comparada a 3,6% em
não-diabéticos.17 Com a associação de diabetes e doença renal
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
crônica, o risco do paciente apresentar doença vascular periférica
aumenta de duas a três vezes.17
A avaliação da doença vascular periférica inicia-se com detalhada
história clínica e exame físico, com especial atenção à palpação de
pulsos periféricos, além da busca de possíveis lesões periféricas
(alteração da coloração do membro, lesões tróficas e úlceras). Para
o diagnóstico e caracterização da doença vascular periférica,
recomenda-se a realização de doppler dos vasos ilíacos e dos vasos
dos membros inferiores e, se necessário, complementado por exame
de imagem com contraste.
A realização do exame com contraste radiológico do tipo angiografia,
angiotomografia ou angiorressonância apresenta limitações em
pacientes candidatos a transplante com doença renal crônica. Nos
exames com contraste iodado, que é nefrotóxico mesmo em doses
baixas e mesmo em formulações não-iônicas de baixa osmolaridade
ou iso-osmolaridade,14 pode ocorrer piora da função renal após o
exame. Quando a realização do exame é imperativa, deve-se proceder
às manobras profiláticas descritas acima.
A realização de angiorressonância também é limitada em pacientes
com doença renal crônica com clearance de creatinina abaixo de
30 – 60 ml/min/1,73m2, devido ao alto risco de desenvolver fibrose
sistêmica nefrogênica pelo gadolíneo.18
A associação de vasculopatia com a neuropatia diabética representa
uma combinação fatal para formação de úlcera nos pés, com alta
probabilidade de complicar com infecção secundária, caracterizando
o pé diabético. Cerca de 25% dos diabéticos apresentam ao menos um
episódio de úlcera no pé,19 sendo fator significativo para amputação.
A vasculopatia diabética é responsável por 50% dos casos de
amputação de membros inferiores, gerando um risco 40 vezes maior
de amputações quando comparado a pacientes não diabéticos.20
Avaliação urológica
Cerca de 80% dos pacientes diabéticos são acometidos por
complicações do trato urinário inferior.21 Nos pacientes diabéticos,
o desenvolvimento de neuropatia autonômica no trato urinário é
conhecido como bexiga neurogênica. O acometimento neuronal pelo
diabetes no trato urinário leva à alteração da percepção sensorial de
plenitude vesical, diminuição da amplitude das contrações vesicais
e descoordenação esfincteriana que podem alterar o processo de
enchimento e esvaziamento vesical. A disfunção vesical associada
ao diabetes determina aumento do volume residual pós-miccional.21
Como conseqüência, pacientes diabéticos apresentam maior
prevalência de bacteriúria assintomática e maior incidência de
infecção urinária.22
Durante a realização da anamnese de paciente diabético candidato
a transplante renal, recomenda-se investigar o número de infecções
no último ano e os possíveis sintomas urinários relacionados
com a disfunção miccional. São de fundamental importância
a identificação e orientação terapêutica em casos de bexiga
neurogênica na fase pré-transplante renal. O estudo urodinâmico
deve ser considerado em pacientes com suspeita de bexiga
neurogênica.23 Quando o resíduo pós-miccional é elevado, deve
ser instituído regime de cateterismo intermitente.
Nos pacientes que apresentam infecções urinárias recorrentes,
preconiza-se a realização de uretrocistografia miccional.23
1377
Transplante Renal No Paciente Diabético Com Doença Renal Crônica
A cirurgia de transplante renal
Controle glicêmico do paciente diabético pós-transplante renal
A cirurgia de transplante renal já é realizada há vários anos, com
técnica bem definida e com baixo índice de complicações. Em
geral, o procedimento é semelhante em diabéticos e não-diabéticos.
Recomenda-se que o transplante renal isolado em pacientes
diabéticos seja feito na fossa ilíaca esquerda, deixando intacta a
fossa ilíaca direita para eventual transplante de pâncreas no futuro.
O controle metabólico do paciente diabético após transplante renal
oferece menor dificuldade do que na fase pré-dialítica ou dialítica.
O paciente diabético com insuficiência renal crônica apresenta
grandes dificuldades no manuseio da insulina e consequentemente
de seu controle glicêmico, principalmente quando já se encontra em
diálise. A insulina exógena é primariamente eliminada pelos rins,
sendo livremente filtrada pelos glomérulos, e em seguida reabsorvida
no túbulo contornado proximal, onde é parcialmente degradada por
via enzimática.32 Com a progressão da doença renal, o clearance de
insulina diminui, com conseqüente aumento da insulina circulante.
Isso se traduz, clinicamente, por uma redução da necessidade de
insulina em pacientes em fase pré-dialítica ou dialítica, com difícil
previsão de sua quantidade e de sua meia vida. Existem situações
adicionais que agravam o controle glicêmico nesses pacientes, como
aumento da resistência periférica à ação da insulina, presença de
infecção e inflamação, redução do apetite causado pela subdiálise,
falta de aderência às restrições dietéticas, entre outros.33
Com a recuperação da função renal que ocorre após o transplante
renal, o manuseio da insulina volta a respeitar as características das
diferentes formulações com relação aos picos de ação e cálculo de
meia-vida, o que facilita o controle metabólico. Deve-se ressaltar
que, imediatamente após o transplante renal com sucesso, a
necessidade de insulina passa a ser de duas a três vezes maior do
que no período de hemodiálise, como resultado da boa função renal
e do uso de corticóides.
Sob o ponto de vista cirúrgico do transplante, a aterosclerose
diabética acompanhada de calcificação vascular pode representar
uma dificuldade extra para realização das anastomoses, e obriga
em alguns casos a modificações técnicas.
No período pós-transplante imediato, pacientes diabéticos tendem
a apresentar maior incidência de complicações cirúrgicas, como
deiscência de sutura, infecção de ferida operatória e hematoma da
ferida operatória.24
Imunossupressão
As bases da imunossupressão para profilaxia de rejeição em
transplante renal utilizada em pacientes diabéticos não diferem dos
casos de pacientes não-diabéticos. Consistem em terapia de indução,
de acordo com indicações estabelecidas e terapia de manutenção,
composta basicamente por um esquema tríplice composto por
inibidor de calcineurina, uma droga antiproliferativa e corticóide.
Ambos inibidores de calcineurina, a ciclosporina ou o tacrolimo têm
sido utilizados no esquema de imunossupressão pós-transplante.
Doses um pouco mais altas de inibidores de calcineurina têm sido
empregadas em pacientes diabéticos, para que sejam alcançados
os níveis sanguineos preconizados. O tacrolimo é o inibidor de
calcineurina preferencialmente usado na grande maioria dos
Centros de Transplante. No caso particular de pacientes diabéticos
que apresentam elevado risco cardiovascular, seu efeito benéfico
na hiperlipidemia e na pressão arterial comparado à ciclosporina
constitui uma vantagem adicional.25
Dentre as drogas antiproliferativas, os principais aspectos a serem
considerados relacionam-se com a complicação de neuropatia
autonômica diabética no trato gastrointestinal. Nesse contexto,
deve-se ressaltar que a intolerância ao micofenolato devido ao
desencadeamento de diarréia leva à necessidade de redução de
dose ou até mesmo de suspensão da droga, com maior risco de
rejeição ao enxerto.26
Os inibidores do sinal de proliferação (sirolimo e everolimo), apesar
de aumentarem a resistência à insulina27, podem ser utilizados no
esquema de imunossupressão de pacientes diabéticos. Uma das
grandes vantagens do uso dessa classe de imunossupressores é
permitir a retirada com segurança do inibidor de calcineurina ou
da droga antiproliferativa.28,29 Essa intervenção se mostrou segura
também em pacientes submetidos a transplante duplo, como
demonstrado pelo nosso grupo em 2008.30
Os corticóides, pelo fato de contribuírem para o desenvolvimento
da hiperlipidemia e hipertensão arterial, que são fatores de risco
para doença cardiovascular, devem ser reduzidos a doses mínimas.
A retirada de corticóides do esquema de imunossupressão
é ainda controversa.31
Efeito do Transplante RENAL sobre
complicações dIABÉTICAS
Retinopatia
Existem poucos relatos na literatura avaliando especificamente a
evolução da retinopatia diabética após transplante de rim isolado.
Após a realização do transplante renal é comum a estabilização
da retinopatia: as lesões microvasculares que afetam a retina
se estabilizam em 59% dos casos, melhoram em 27% e pioram
em 14% dos casos.34
Embora existam algumas publicações mostrando que a evolução da
retinopatia diabética é semelhante pós-transplante de rim isolado
ou após transplante simultâneo de rim-pâncreas,35 36 o estado de
normoglicemia mantido após o transplante duplo com sucesso
parece ter impacto mais favorável na retinopatia diabética.37 Nos
diabéticos tipo 2 ocorre estabilização das lesões proliferativas e
não-proliferativas em 90% dos pacientes após transplante renal.38
Nefropatia
Os pacientes diabéticos submetidos a transplante renal podem
desenvolver no enxerto renal as mesmas lesões que determinaram
a insuficiência renal crônica. No entanto, a incidência dessa
ocorrência é relativamente pequena, sendo de 0,4 a 1,8% 39 e tardia.40
Os enxertos renais cuja biópsia revela recorrência da nefropatia
diabética apresentam menor sobrevida.41 Não existem estudos que
avaliaram o impacto do uso dos inibidores da enzima conversora e
inibidores do receptor da angiotensina na progressão da nefropatia
diabética recorrente no enxerto renal.
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Irene de Lourdes Noronha, Pablo Girardelli Mendonça Mesquita, José Osmar Medina Pestana
Neuropatia
O transplante renal isolado tem limitado efeito sobre a neuropatia
diabética sensitiva e motora. A melhora da neuropatia observada
após transplante renal aparentemente se deve principalmente
pela melhora do componente de neuropatia urêmica.
Com relação à neuropatia autonômica, ocorre melhora dos
sintomas relacionados com a neuropatia gastrointestinal após
transplante renal.42 O transplante renal está também associado
a uma melhora nos episódios de hipotensão postural.43
Complicações cardiovasculares
A principal causa de mortalidade nos pacientes diabéticos
transplantados renais é a doença cardiovascular. Os pacientes
diabéticos transplantados apresentam maior número de eventos
cardiovasculares que os não-diabéticos, com incidência de 20%
e 5%, respectivamente.44
Doença óssea
Os pacientes diabéticos e não-diabéticos submetidos a
transplante renal apresentam perda óssea acentuada no período
pós-transplante, que leva a fraturas no período pós-transplante:
cerca de 22,5% dos pacientes transplantados são acometidos
por fraturas ósseas nos primeiros cinco anos pós-transplante,
enquanto que em diabéticos o número de fraturas chega a 36%.45
Qualidade de vida
As complicações secundárias do diabetes associadas às
complicações da doença renal crônica comprometem de forma
muito acentuada a qualidade de vida desses pacientes. A instituição
do tratamento dialítico, seja por hemodiálise ou diálise peritoneal,
representa um complicador maior. Além das dificuldades referentes
ao próprio procedimento, como por exemplo, dificuldade de acesso
vascular para hemodiálise, aumento do número de infecções,
aumento do risco cardiovascular, restrições alimentares e de
ingestão hídrica, existem também as limitações relacionadas ao
comprometimento da acuidade visual, da locomoção (tanto pela
neuropatia ou até mesmo por amputações).
Com o transplante renal, esses pacientes passam a experimentar
uma melhora significativa na qualidade de vida: ocorre melhora
física, psicológica, percepção de saúde e da função social.43,46
Estudos anteriores demonstraram que pacientes com doença
renal crônica submetidos a transplante renal obtiveram melhor
qualidade de vida (comer, beber, atividade física, descanso,
aspectos psicossociais, vida normal) em relação a pacientes
mantidos em diálise.47
RESULTADOS
Sobrevida do paciente diabético: diálise versus transplante renal
Os pacientes diabéticos em programa de diálise apresentam
pior evolução clínica que os não-diabéticos.48 Knoll & Nichol 49
mostraram que a expectativa de vida e a expectativa de vida ajustada
à qualidade de vida foram significativamente menores em pacientes
diabéticos em diálise, quando comparados a qualquer modalidade
de transplante (tabela 1).
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
Tabela 1 - Análise da expectativa de vida e QALY (quality-adjusted life
expectancy - expectativa de vida ajustada à qualidade de vida) nas diversas
modalidades de tratamento para o paciente portador de DM tipo 1 com
doença renal crônica.
Sobrevida
Sobrevida
Sobrevida
do paciente do paciente do paciente
7o ano 53
8o ano 54
10o ano 55
Expectativa
de vida 49
(anos)
QALY 49
(anos)
Transplante
de rim com
doador vivo
18,3
10,3
não
analisado
72%
65%
Transplante
de rim com
doador
falecido
11,4
6,5
56%
55%
46%
TSRP
15,7
9,1
77%
72%
67%
Diálise
7,8
4,5
40%
-
-
TSRP: transplante simultâneo de rim-pâncreas
Sørensen e cols mostraram que o transplante renal em pacientes
diabéticos reduz em 79% o risco de morte, comparado a pacientes
diabéticos mantidos em diálise que não receberam transplante renal.50
Em cinco anos, a sobrevida foi de 96% para pacientes diabéticos
transplantados versus 58% para pacientes diabéticos mantidos em
diálise crônica; em 10 anos, 72% contra 31%, respectivamente.51
Brunkhorst e cols mostraram que a hemodiálise constitui um
risco significativo de morbidade e mortalidade para pacientes
diabéticos em hemodiálise, e que o transplante renal promove uma
significativa melhora da sobrevida.52 Neste estudo, o risco relativo
de óbito foi significativamente maior em pacientes diabéticos que
permaneceram em diálise do que pacientes diabéticos submetidos
a transplante (odds ratio = 0,29).
Transplante de rim isolado: sobrevida do paciente diabético
versus não-diabético
Os resultados de transplante renal em pacientes diabéticos são
inferiores quando comparados a pacientes não-diabéticos.
Existe risco de morte 88% maior em pacientes diabéticos submetidos
a transplante renal em relação a pacientes não-diabéticos submetidos
ao mesmo procedimento.50
Como apresentado acima, pacientes diabéticos apresentam elevado
risco cardiovascular. Esse elevado risco se traduz em menor
sobrevida no paciente transplantado em relação a pacientes nãodiabéticos, com maior mortalidade por causas cardíacas, infecciosas
e mortes sem causa atribuída.44
Sørensen e cols analisaram as taxas de sobrevida de pacientes
transplantados renais portadores de diabetes mellitus (tipo 1 e 2)
em comparação aos não-diabéticos. No 1º ano pós-transplante,
a sobrevida do paciente foi de 95 versus 93%, em cinco anos de
80 versus 85% e em dez anos de 52 versus 71% para pacientes
diabéticos versus não-diabéticos, respectivamente.50
Os resultados mais recentes disponíveis pelo registro OPTN (Organ
Procurement and Transplantation Network) (tabela 2) mostram dados
relativos ao transplante renal realizado em pacientes diabéticos (tipo
1 e tipo 2) comparados ao registro geral de pacientes submetidos a
transplante renal (incluindo também os pacientes diabéticos).
1379
Transplante Renal No Paciente Diabético Com Doença Renal Crônica
Tabela 2 - Dados de sobrevida do paciente e enxerto (rim e pâncreas) nas
diversas modalidades de transplante para o paciente diabético, obtidos da
OPTN (Organ Procurement and Transplantation Network).
Modalidade de
transplante
Paciente
Enxerto
RIM
2
Enxerto
PÂNCREAS
1 ano
5 anos
1 ano
5 anos
1 ano
5 anos
Tx Rim*
(doador vivo)
98,5%
91,4%
95,5%
81,5%
-
-
Tx Rim em diabéticos
(doador vivo)
96,8%
83,1%
95,1%
76,3%
-
-
Tx Rim*
(doador falecido SCE)
95,4%
84,5%
91,7%
72,7%
-
-
Tx Rim em diabéticos
(doador falecido SCE)
93,3%
72,5%
89,7%
65,3%
-
-
Tx Rim*
(doador falecido CE)
90,6%
71,9%
84,8%
59,7%
-
-
Tx Rim em diabéticos
(doador falecido CE)
87,8%
60,3%
82,3%
49,5%
-
-
TSRP
94,8%
86,5%
92%
78,9%
84,2%
73,3%
Tx Pâncreas após-Rim
96,3%
83,8%
-
-
77,6%
55,4%
Tx Pâncreas Isolado
97,6%
88,7%
-
-
75,3%
52,7%
Fonte: OPTN (Organ Procurement and Transplantation Network / Scientific
Registry of Transplant Recipients (http://optn.transplant.hrsa.gov/) dados
disponíveis em junho de 2010). Dados sem ajuste.
Tx = transplante
TSRP: transplante simultâneo de rim-pâncreas
* = resultados incluíram todos os pacientes, não-diabéticos e diabéticos
SCE = sem critério expandido
CE = critério expandido
Transplante de rim isolado para paciente diabético: doador
vivo versus doador falecido
Diversos estudos baseados na análise da sobrevida do paciente e
do enxerto assim como da qualidade de vida demonstraram que
em pacientes diabéticos tipo 1 o transplante de rim isolado com
doador vivo oferece melhores resultados do que o transplante renal
com doador-falecido (tabela 1).53-55
Segundo dados da OPTN (tabela 2), a análise do transplante renal
com doador vivo no subgrupo de pacientes diabéticos (n=8.094)
mostrou resultados inferiores tanto de sobrevida do paciente
como do enxerto, principalmente em longo prazo (cinco anos póstransplante), quando comparados a todos os pacientes submetidos
a transplante de rim com doador vivo (n=30.237). Após um e cinco
anos, a sobrevida do paciente foi de 96,8% e 83,1% para transplante
realizado com doador vivo, e a sobrevida do enxerto após um e
cinco anos foi de 95,1% e 76,3%.
Os piores resultados do transplante em pacientes diabéticos são
observados quando o transplante renal foi realizado com doador
falecido. Após um e cinco anos, a sobrevida do paciente foi de
93,3% e 72,5% para transplante realizado com doador falecido
sem critério expandido e a sobrevida do enxerto após um e cinco
anos foi de 89,7% e 65,3% para enxertos de doadores falecidos sem
critério expandido. Os pacientes submetidos a transplante renal
isolado com doador falecido com critério expandido obtiveram
os piores resultados de sobrevida, comparado aos transplantados
com doadores vivos e doadores falecidos sem critério expandido.
Transplante para paciente diabético: transplante de rim
isolado versus transplante simultâneo de rim-pâncreas
A análise de sobrevida tardia do paciente revela superioridade do
transplante de rim isolado com doador vivo e do transplante de
pâncreas-rim simultâneo sobre o transplante de rim isolado com
doador cadáver. 54, 2, 56-59
Os resultados da análise de expectativa de vida e expectativa de
vida ajustada à qualidade de vida (QALY – quality-adjusted life
expectancy) demonstram que o transplante de rim com doador
vivo apresenta melhores resultados, seguido pelo transplante de
pâncreas-rim simultâneo e transplante de pâncreas após rim.49
Segundo dados da OPTN, a sobrevida do paciente diabético submetido
a transplante renal com doador vivo ou transplante simultâneo rim e
pâncreas é semelhante nas duas modalidades. Após um e cinco anos, a
sobrevida do paciente foi de 96,8% e 83,1% para transplante realizado
com doador vivo e 94,8% e 86,5% para transplante simultâneo de rim
e pâncreas. A sobrevida do enxerto renal também é semelhante nas
duas modalidades de transplante (tabela 2).2
Na tabela 3 estão alguns estudos publicados na literatura, onde
foram analisadas as diversas modalidades de transplante para
paciente diabético tipo 1: transplante renal isolado com doador
vivo ou falecido e transplante simultâneo de rim-pâncreas. Todos
os estudos apresentam resultados semelhantes, ao concluírem que a
pior sobrevida tanto do paciente quanto do enxerto é obtida quando
se realiza transplante renal isolado com doador falecido. Nas duas
opções restantes, transplante renal isolado com doador vivo ou
transplante duplo, a sobrevida do paciente e do enxerto renal é
semelhante. Recentemente, foi estudado o impacto que a função
pancreática tem na sobrevida do paciente e do enxerto renal, uma
vez que haveria melhor controle metabólico, melhora na qualidade
de vida e o paciente não estaria exposto aos efeitos tóxicos crônicos
da hiperglicemia. Foi demonstrado que a longo prazo, pacientes
submetidos a transplante duplo que apresentam enxerto pancreático
funcionante obtiveram melhor sobrevida em relação aos pacientes
submetidos a transplante renal isolado ou transplante duplo em que
a função pancreática foi perdida (tabela 3).60
Tabela 3 - Sobrevida do paciente e do enxerto (rim e pâncreas) nas
diversas modalidades de transplante para pacientes diabéticos, disponíveis
em publicações.
Autor
Raydill et al 56
Paciente
Enxerto
RIM
Enxerto
PÂNCREAS
Modalidade
de
transplante
n
Tx Rim em
DM 1
(doador vivo –
HLA idêntico)
46
100%
94%
96%
85%
-
-
Tx Rim em
DM 1
(doador vivo haplo)
84
99%
85%
94%
72%
-
-
Tx Rim em
DM 1
(doador
falecido)
296
94%
72%
86%
64%
-
-
TSRP
379
96%
88%
87%
78%
86%
74%
1 ano 5 anos 1 ano 5 anos 1 ano
5
anos
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1380
Irene de Lourdes Noronha, Pablo Girardelli Mendonça Mesquita, José Osmar Medina Pestana
Autor
Reddy et
al. 54
n
Tx Rim em
DM1
(doador
vivo)
3.991
Tx Rim em
DM1
(doador
falecido)
TSRP
Bunnapradist
et al 57
Orsenigno
et al 58
Young et
al. 59
Enxerto
RIM
Paciente
Modalidade
de
transplante
Enxerto
PÂNCREAS
1 ano 5 anos 1 ano 5 anos 1 ano
9.956
4.602
-
-
-
84%
71%
81%
-
-
-
-
-
-
-
-
-
5
anos
Autor
-
-
nd
Tx Rim em
DM1
(doador
falecido)
2.374
-
76%
-
65%
-
-
TSRP
3.642
-
86%
-
73%
-
-
Tx Rim em
DM tipo
1 (doador
falecido)
62
-
70%
-
60%
-
-
TSRP
200
-
80%
-
81%
-
70%
Tx Rim em
DM 1
(doador
vivo)
3.309
-
80%
(6anos)
-
72%
(6anos)
-
-
Tx Rim em
DM 1
(doador
falecido)
2.701
-
69%
(6anos)
-
58%
(6anos)
-
-
TSRP
5.352
-
85%
(6anos)
-
72%
(6anos)
-
nd
Weiss et
al. 60
Enxerto
RIM
Paciente
Enxerto
PÂNCREAS
Modalidade
de
transplante
n
Tx Rim em
DM 1
(doador
vivo)
904
-
80%
(7anos)
-
64%
(7anos)
-
-
Tx Rim em
DM 1
(doador
falecido)
520
-
65%
(7anos)
-
50%
(7anos)
-
-
TSRP
(pâncreas
com
função)
6.486
-
89%
(7anos)
-
72%
(7anos)
-
nd
TSRP
(pâncreas
sem função)
371
-
74%
(7anos)
-
60%
(7anos)
-
nd
1 ano 5 anos 1 ano 5 anos 1 ano
5
anos
nd: dado não disponível
DM: diabetes mellitus
Em resumo, para pacientes com DM tipo 1, os resultados do
transplante de rim isolado com doador vivo são comparáveis
aos de transplante simultâneo de rim-pâncreas, estando esse
particularmente indicado em casos com complicações progressivas
do DM e casos que não tenham doador vivo disponível.
CONCLUSÃO
Para paciente diabético com doença renal crônica em estágio V, o
transplante renal é a melhor opção terapêutica. Aos candidatos a
esse tipo de tratamento, recomenda-se uma avaliação criteriosa da
doença cardiovascular e das disfunções miccionais, devido à alta
prevalência nesses doentes. Após transplante renal, observa-se
estabilização da retinopatia e melhora na qualidade de vida, nos
episódios de hipotensão postural e sintomas gastrointestinais. No
entanto, o número de eventos cardiovasculares é superior aos dos
não-diabéticos e, além disso, pode ocorrer recidiva da nefropatia no
enxerto. Preconiza-se a realização de transplante renal com doador
vivo ou transplante duplo rim e pâncreas de doador falecido pelos
melhores resultados observados com essas modalidades.
ABSTRACT
Diabetes mellitus is one of the major causes for chronic kidney disease in Brazil and worldwide. Chronic kidney disease stage V patients
require renal replacement therapy: dialysis or kidney transplant. Although the majority of patients are on dialysis, this modality of treatment
is associated to the lowest patient survival. Transplantation options for these patients include kidney transplantation with living donor,
deceased donor or simultaneous kidney-pancreas transplantation. The aim of this study was to make a review on specific aspects of kidney
transplantation in diabetic patients, to assess the impact of kidney transplantation on chronic complications of diabetes, and finally to show
which would be the best transplantation modality for those patients. Concerning pre-transplant aspects, due to the high cardiovascular risk
in those patients, the assessment of the coronary artery disease and peripheral arterial disease should be carried out in more details in the
diabetic patient. Moreover, the study of miccional dysfunction is indicated due to the high prevalence of neurogenic bladder in those patients.
As to chronic complications of diabetes, kidney transplantation can induce a stabilization of retinal lesions in most patients, improvement in
the quality of life, improvement of the episodes of postural hypotension and gastrointestinal symptoms. With regard to transplant modalities
available for diabetic patients, the best results for the patient and graft survival were attained by isolated kidney transplantation from living
donor or simultaneous kidney-pancreas transplantation. The modality of kidney transplantation with deceased donor was associated to the
worse survival rate both for patient and graft.
Keywords: Diabetes Mellitus; Renal Insufficience; Transplantation.
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1381
Transplante Renal No Paciente Diabético Com Doença Renal Crônica
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1383
DOENÇA DE WHIPPLE APÓS TRANSPLANTE RENAL: RELATO DE CASO E REVISÃO
DA LITERATURA
Post-kidney transplant Whipple’s disease: a case report and literature review
Danielle Figueiredo da Cunha1, Natalie Anderson Nasser1, Olga Abrão Vieira1, Carlos Frederico Ferreira Campos2,
José Carlos Lino da Silva 3, Tereza Azevedo Matuck1, Deise De Boni Monteiro Carvalho1
RESUMO
Após mais de cem anos da descrição da doença de Whipple por George H. Whipple, o diagnóstico, patogênese e tratamento ainda permanecem
motivo de controvérsia. É decorrente da rara infecção pela bactéria Tropheryma whipplei, que também é encontrada no meio ambiente sem
causar dano. Os sintomas são inespecíficos, tais como: diarréia, artralgia e inapetência, podendo apresentar graves sintomas cardíacos e no
sistema nervoso central. O diagnóstico mais sensível é realizado através de PCR (reação em cadeia da polimerase) e imunohistoquímica,
porém ainda pouco difundidos. O tratamento é realizado com ceftriaxone endovenoso seguido por sulfametoxazol-trimetoprima por dois
anos. Abaixo, é descrito um caso de doença de Whipple após transplante renal, o qual os autores acreditam ser o segundo caso relatado
na literatura.
Descritores: Transplante Renal, Doença de Whipple, Tropheryma whipplei.
INTRODUÇÃO
Instituição:
1 Unidade de Transplante Renal do Hospital Federal de Bonsucesso – Rio de Janeiro/
RJ – Brasil
2 Unidade de Anatomia Patológica do Hospital Federal de Bonsucesso – Rio de Janeiro/
RJ – Brasil
3 Unidade de Endoscopia Digestiva do Hospital Federal de Bonsucesso – Rio de Janeiro/
RJ – Brasil
Correspondência:
Dra. Deise De Boni Monteiro Carvalho
Unidade de Transplante Renal do Hospital Federal de Bonsucesso
Avenida Londres, 616 – CEP: 21041-030– Rio de Janeiro/RJ Brasil
Fone: (21) 3977-9637
E-mail: [email protected]
Recebido em: 19.09.2010
Aceito em: 08.10.2010
A doença de Whipple é uma afecção multissistêmica rara, que
atinge principalmente homens caucasianos de meia idade, cursando
com perda de peso, diarréia, artralgia e dor abdominal. Há uma
variedade de órgãos que podem estar envolvidos na doença, como
coração, pulmão e sistema nervoso central.
A doença foi inicialmente descrita por George H. Whipple em
1907, porém, apenas em 1961 foi possível sua correlação com um
agente infeccioso, após visualização por microscopia eletrônica
de macrófagos gigantes contendo inclusões semelhantes a corpos
baciliformes positivos para coloração com ácido periódico de Schiff
(PAS) e que corresponderiam a uma bactéria.1 A identificação
em outros tecidos e líquidos (pericárdio, endocárdio, gânglios
linfáticos, líquido sinovial, pulmão, cérebro e meninges) atesta
sua natureza sistêmica.
Após utilização de técnicas de imunogenética, a partir de 1991,
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1384
Danielle Figueiredo da Cunha, Natalie Anderson Nasser, Olga Abrão Vieira, Carlos Frederico Ferreira Campos, José Carlos Lino da Silva, Tereza Azevedo Matuck,
Deise De Boni Monteiro Carvalho
foi possível determinar a seqüência de 16S rRNA, concluindo
que se trata de um actinomiceto gram-positivo, nomeada
Tropheryma whipplei.2 Mais recentemente, desenvolveu-se teste
sorológico por imunoflorescência utilizando linhagem celular de
fibroblastos humanos infectados pelo bacilo. Esse teste mostrou-se
extremamente útil, uma vez que possibilitou o diagnóstico através
do sangue periférico em doentes com complicações graves.3 Porém,
a sorologia ainda não se encontra disponível, devido à ocorrência
de reações cruzadas, mas o crescimento do organismo em meio
acelular proporcionará a preparação de antígenos seletivos e
também teste de sensibilidade aos antibióticos.
Alguns estudos tentam correlacionar o papel das alterações
imunológicas encontradas em alguns doentes com a persistência
do bacilo nos tecidos. O predomínio da doença em homens de
meia-idade evidencia a maior suscetibilidade ao organismo
causador, podendo demonstrar déficit de imunidade celular e/ou
tolerância imune envolvidas com a ativação e predisposição da
infecção pela T. whipplei.4
fevereiro de 2010, apresentou esôfago e estomago sem alterações,
duodeno com leve pontilhado brancacento e aspecto macroscópico
sugestivo de doença de Whipple. Histopatológico evidenciou
vilosidades duodenais englobando grupos de macrófagos, coloração
especial com PAS revelou numerosos bacilos em citoplasma de
macrófagos na lâmina própria, métodos de Fite, Wade, WarthinStarry e Giemsa negativos; confirmando a doença (Figuras 1 a 4).
Diante desse resultado, foi iniciado sulfametoxazol-trimetoprima
(400-80mg) duas vezes ao dia e a dose de tacrolimus foi
progressivamente reduzida. Foram descartadas outras infecções
intestinais e infecção por citomegalovírus.
Figura 1 - Fragmentos de mucosa duodenal exibindo vilosidades expandidas
à custa de edema e infiltração de células inflamatórias na lâmina própria
(hematoxilina e eosina, objt x 4).
O tratamento proposto para doença de Whipple usa ceftriaxone
endovenoso por no mínimo sete dias com êxito na maioria dos
pacientes e manutenção com sulfametoxazol-trimetoprima por
aproximadamente dois anos. Contudo, alguns doentes apresentam
recidivas em meses ou anos após a suspensão do antibiótico e
mesmo durante o tratamento, principalmente quando ocorre
acometimento do sistema nervoso central.5
CASO CLÍNICO
Mulher, 36 anos, raça negra, casada, natural e residente no Rio de
Janeiro, renal crônica devido à nefroesclerose hipertensiva, tendo
iniciado hemodiálise em 2006. Sorologias HBs Ag negativo, antiHBs positivo (vacinação), anti-HCV negativo, anti-HIV negativo,
citomegalovírus IgG positiva, toxoplasmose IgG e IgM negativas,
VDRL negativo e doença de Chagas negativa. Aos 38 anos, em
04/11/2008, foi submetida a transplante renal doador vivo não
relacionado (esposo) com seis mismatches e crossmatch para
linfócito T e B negativos, reatividade contra painel negativa para
classe I e II. Realizou indução com basiliximab 20mg/dia no dia do
transplante e no quarto dia. Imunossupressão inicial com tacrolimus
0,2mg/kg/dia, prednisona 30mg/dia e micofenolato sódico 1440mg/
dia. No quinto dia de pós-operatório apresentou aumento de peso e
piora da função renal, com suspeita clínica de rejeição aguda. Não
realizada biopsia de enxerto renal devido à recusa da paciente. Feito
pulsoterapia com solumedrol 1g/dia por três dias, porém, evoluiu
com piora da função renal e diminuição da diurese, tendo sido
realizada pulsoterapia mais três dias, com boa resposta. Recebeu
alta no décimo quinto dia do transplante, com creatinina séria de
1,7mg/dL, uréia sérica de 66mg/dL, clearance de creatinina 54ml/
min, boa diurese e peso de 77kg.
Após doze meses do transplante renal, em novembro de 2009,
começou a apresentar queixas de anorexia, diarréia persistente
aquosa, sem sangue ou muco, sem odor característico e perda
ponderal significativa, evoluindo com fraqueza muscular e dor em
ombros. Negava outros sintomas como febre, alterações cutâneas,
sintomas respiratórios ou urinários.
Realizada investigação com exame de endoscopia digestiva alta, em
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
Figura 2 - Infiltrado inflamatório constituído predominantemente por
macrófagos, com alguns linfócitos e plasmócitos de permeio (hematoxilina
e eosina, objt x 40).
Doença de whipple após transplante renal: relato de caso e revisão da literatura
Figura 3: Histiócitos exibindo citoplasmas amplos, preenchidos por material
granular (hematoxilina e eosina, objt x 100).
Apresentou piora da diarréia, dificuldade de deambulação,
fraqueza muscular de membros superiores e inferiores, o que a
impedia de realizar qualquer movimento e inapetência, sendo
internada dia 20/02/2010. Ao exame físico: lúcida e orientada,
emagrecida, tetraparética, ausência de rigidez de nuca e de
qualquer alteração neurológica localizatória. Apresentava boa
diurese, aumento de escórias nitrogenadas, com uréia sérica de
100mg/dL, creatinina sérica de 3,9mg/dL, potássio sérico de
1,9mEq/L, cálcio sérico de 8,2mEq/L, fósforo sérico de 3,2mEq/L
e magnésio de 1,0mEq/L. Realizada hidratação parenteral
com reposição de potássio e magnésio. Iniciado ceftriaxone 1g
endovenoso duas vezes ao dia por sete dias.
Evoluiu com melhora progressiva da tetraparesia e da diarréia,
com creatinina sérica de 1,4mg/dL, uréia sérica de 11mg/dL,
potássio sérico de 3,9mEq/L e magnésio 2,0mEq/L, nível sérico
de tacrolimus 6,9mcg. Recebeu alta após quinze dias de internação
com sulfametoxazol-trimetoprima (400-80mg) duas vezes ao dia,
prednisona 5mg/dia, tacrolimus de 8mg/dia e micofenolato sódico
1440mg/dia, com boa tolerância às medicações. Manteve-se bem e em
acompanhamento no ambulatório por seis meses e com proposta de
manter o tratamento com sulfametoxazol-trimetropima (400-80mg)
duas vezes ao dia por dois anos. Prevista nova endoscopia digestiva
alta em um ano para nova biopsia e reavaliação do quadro.
DISCUSSÃO
A doença de Whipple pode manifestar-se com uma variedade
de sintomas, incluindo: diarréia, má-absorção, dor abdominal,
artralgia, febre, adenopatia e envolvimento do sistema nervoso
central. Estudo retrospectivo de casos clínicos relatados na
literatura médica analisou as manifestações clínicas mais comuns
da doença: perda de peso (93%), diarréia (81%), artrite ou artralgia
(73%).6 Na maioria dos casos, a doença de Whipple instala-se de
forma não específica, como oligo ou poliartrite soronegativa. No
caso relatado, após doze meses do transplante renal, surgiram
manifestações gastrointestinais e artralgia em ombro, sintomas
muito prevalentes na doença de Whipple.
1385
Postula-se que exista um defeito primário na imunidade celular que
predispõe alguns indivíduos a desenvolverem a doença.7 A alteração
celular ainda é desconhecida, porém, algumas séries de pacientes
pesquisados apresentavam diminuição dos níveis de interleucina12p40 e do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).8 A exacerbação
da doença já foi descrita com o uso do infliximab, sugerindo que o
TNF-α tenha associação na patogênese.9 Outro estudo demonstrou
que pacientes com artropatia e em uso de drogas imunomoduladoras
podem desencadear a Doença de Whipple.10 A associação entre
alteração da imunidade celular e a doença de Whipple explicaria
a ocorrência em pacientes transplantados. Todavia, na revisão de
literatura, foi encontrado apenas um caso descrito de transplante
renal associado à doença de Whipple.11 A explicação talvez seja pelo
fato de que a grande maioria dos pacientes transplantados utilizam
sulfametoxazol-trimetoprima para profilaxia de Pneumocystis
carinii durante o período de maior imunossupressão. Por outro
lado, a doença de Whipple pode ser um defeito primário da função
do macrófago, não sendo, portanto, afetado por uma alteração nas
células T, como acontece com pacientes transplantados e naqueles
com imunodeficiência adquirida.12
Embora, tradicionalmente, a doença de Whipple seja diagnosticada
pela histopatologia de duodeno, vários métodos como cultura,
imunohistoquímica, pesquisa molecular estão disponíveis. Na
histopatologia, que é o método mais comumente empregado para
o diagnóstico, observam-se bacilos em citoplasma de macrófagos
que se coram pelo PAS. A cultura da T. whipplei, que anteriormente
era considerada uma “bactéria não cultivável”, já se tornou possível
em laboratórios especializados, porém, devido à demora de meses
para o crescimento, dificilmente é aplicada em tempo real para
decisão clínica. A imunohistoquímica confirma a histopatologia ao
detectar os bacilos no tecido duodenal, nas válvulas cardíacas e em
outros tecidos, com uso do anticorpo específico contra a T. whipple.
Em um estudo, a imunohistoquímica confirmou o diagnóstico de
doença de Whipple em paciente com histopatologia de duodeno
com PAS negativo.13
A pesquisa molecular por PCR é um importante método diagnóstico.
Realizada por mais de uma década, é considerada o método nãoinvasivo mais sensível, específico e rápido para o diagnóstico da
doença de Whipple.14 A pesquisa do PCR para T. whipplei é capaz
de detectar o bacilo no sangue, no líquido sinovial, no líquor, no
humor aquoso, de acordo com as manifestações clínicas da doença.
Além disso, a pesquisa do PCR pode ser utilizada para monitorizar
a resposta terapêutica e para detectar a não resposta, mesmo em
uso do antibiótico adequado.15
Devido à rara ocorrência da doença de Whipple, nenhum estudo
rigoroso foi realizado para determinar o melhor tratamento a ser
utilizado. Vários antibióticos foram testados clinicamente e outros
foram avaliados em laboratório, incluindo tetraciclinas (como a
doxiciclina em combinação com hidroxicloroquina), penicilinas,
estreptomicina e sulfametoxazol-trimetoprima.16 Em alguns casos
relatados, a recidiva da doença ocorre frequentemente com o uso
de tetraciclina e raramente com sulfametoxazol-trimetoprima, ou
com a combinação de penicilina e estreptomicina.17 Em pacientes
com acometimento do sistema nervoso central utiliza-se antibióticos
que atravessem a barreira hematoencefálica, como o ceftriaxone,
mantendo com sulfametoxazol-trimetoprima, por no mínimo, de
um a dois anos. Porém, não há recomendações quanto ao tempo
de tratamento em pacientes imunocomprometidos, como no caso
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
1386
Danielle Figueiredo da Cunha, Natalie Anderson Nasser, Olga Abrão Vieira, Carlos Frederico Ferreira Campos, José Carlos Lino da Silva, Tereza Azevedo Matuck,
Deise De Boni Monteiro Carvalho
de pacientes transplantados.
Em suma, este relato descreve o que acreditamos ser o segundo
caso de doença de Whipple após transplante renal. Nossa paciente
apresentou manifestações gastrointestinais, como diarréia,
inapetência, vômitos e perda de peso típicas da doença, além de
artralgia em ombro. O diagnóstico foi realizado através da biopsia
de duodeno, mostrando macrófagos corados pelo PAS. A paciente
recebeu tratamento com ceftriaxone endovenoso por sete dias
continuando com sulfametoxazol-trimetoprima, com melhora
importante dos sintomas.
ABSTRACT
After more than one hundred years of the description on the Whipple’s disease by George H. Whipple, the diagnosis, pathogenesis and
treatment still remain controversial. It is rare disease caused by the Tropheryma whipplei bacterium, which is also found in the environment
without causing any damage. Symptoms are nonspecific, such as diarrhea, arthralgia, and weakness; it may present severe cardiac symptoms
and in the central nervous system. The most accurate diagnosis is performed by PCR (polymerase chain reaction) and immunohistochemistry,
but they are poorly disseminated. Treatment is with intravenous ceftriaxone followed by trimethoprim-sulfamethoxazole for two years.
Below, this article describes a case of Whipple’s disease after renal transplantation, which the authors believe to be the second case reported
in literature.
Keywords: Kidney transplantation, Whipple Disease, Tropheryma whipplei.
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1388
Normas de Publicação
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Clínicos, Cartas ao Editor, Ciências Básicas Aplicadas aos Transplantes,
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a delimitação e os limites do tema, apresentar conclusões e ou recomendações
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e o resumo do trabalho original será publicado, seguido de um pequeno resumo
comentado ressaltando sua importância. O resumo deve ter até duas laudas e
apresentar a referência completa do trabalho. Autores serão convidados para
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trabalhos enviados sem convites quando considerados relevantes pelos editores.
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e foram baseadas no formato proposto pelo International Committee of Medical
Journal Editors e publicado no artigo: Uniform requirements for manuscripts
submitted to biomedical journals. Ann Intern Med 1997;126;36-47, e atualizado
em outubro de 2001. Disponível no endereço eletrônico: http://www.icmje.org
Normas para elaboração do manuscrito
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margem de 2,5 cm de cada lado, com páginas numeradas em algarismos
arábicos, na seqüência: página de título, resumos e descritores, texto,
agradecimentos, referências, tabelas e legendas. Se impresso, deverá ser
enviada uma via, em papel tamanho ISO A4 (212x297mm), mais uma cópia
digital (CD-ROM).
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originais em andamento. Devem ter, no máximo, três laudas e cinco referências.
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Ciências Básicas Aplicadas aos
Transplantes
d) Aprovação de um Comitê de Ética da Instituição onde foi realizado o trabalho,
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repercussão clínica relevante para Transplantes. Devem ter, no máximo, dez
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Opinião Técnica
Destina-se a publicar uma resposta a uma pergunta de cunho prático através de
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Prós e Contras
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discutirem os aspectos positivos e os negativos de um assunto controvertido.
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proposição. Cada autor deve escrever no máximo três laudas e cinco referências.
Imagem em Transplante
Uma imagem relacionada a Transplante, patognomônica, típica, de US, RX, CT, RNM, foto de cirurgia, microscopia, sinal clínico, etc., seguida de um texto
curto, explicativo, com, no máximo, 15 linhas e cinco referências.
Literatura Médica e Transplantes
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JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
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Observações:
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do primeiro autor, que se responsabiliza pela concordância dos outros co-autores.
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deverá ser encaminhada, preferencialmente, por e-mail ou, uma via impressa,
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PREPARO DO MANUSCRITO
A página inicial deve conter:
a) Título do artigo, em português (ou espanhol) e inglês, sem abreviaturas; que
deverá ser conciso, porém informativo;
b) Nome de cada autor - sem abreviatura, afiliação institucional e região
geográfica (cidade, estado, país);
c) Nome, endereço completo, telefone e e-mail do autor responsável;
d) Fontes de auxílio à pesquisa, se houver.
1389
Normas de Publicação
RESUMO E ABSTRACT
Para os artigos originais, os resumos devem ser apresentados no formato
estruturado, com até 350 palavras destacando: os objetivos, métodos, resultados
e conclusões. Para as demais seções, o resumo pode ser informativo, porém
devendo constar o objetivo, os métodos usados para levantamento das fontes
de dados, os critérios de seleção dos trabalhos incluídos, os aspectos mais
importantes discutidos, as conclusões e suas aplicações.
Abaixo do resumo e abstract, especificar no mínimo três e no máximo dez
descritores (keywords), que definam o assunto do trabalho. Os descritores deverão
ser baseados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) publicado pela Bireme
que é uma tradução do MeSH (Medical Subject Headings) da National Library
of Medicine e disponível no endereço eletrônico: http://decs.bvs.br.
Os resumos em português (ou espanhol) e inglês deverão estar em páginas
separadas. Abreviaturas devem ser evitadas.
TEXTO
Iniciando em nova página, o texto deverá obedecer à estrutura exigida para
cada tipo de trabalho (vide acima). Com exceção de referências relativas a dados
não publicados ou comunicações pessoais, qualquer informação em formato
de “notas de rodapé” deverá ser evitada.
AGRADECIMENTOS
Após o texto, em nova página, indicar os agradecimentos às pessoas ou
instituições que prestaram colaboração intelectual, auxílio técnico e ou de
fomento, e que não figuraram como autor.
REFERÊNCIAS
As referências devem ser numeradas consecutivamente, na mesma ordem em
que foram citadas no texto e identificadas com números arábicos, sobrescritos,
após a pontuação e sem parênteses.
A apresentação deverá estar baseada no formato denominado “Vancouver Style”,
conforme exemplos abaixo, e os títulos de periódicos deverão ser abreviados de
acordo com o estilo apresentado pela List of Journal Indexed in Index Medicus,
da National Library of Medicine e disponibilizados no endereço:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/linkout/journals/jourlists.cgi?typeid=1&
type=journals&operation=Show
Para todas as referências, cite todos os autores até seis. Acima de seis, cite os
seis primeiros, seguidos da expressão et al.
Alguns exemplos:
ARTIGOS DE PERIÓDICOS
Donckier V, Loi P, Closset J, Nagy N, Quertinmont E, Lê Moine O, et al. Pre­
con­di­tioning of donors with interleukin-10 reduces hepatic ischemia-reperfusion
injury after liver transplantation in pigs. Transplantation. 2003;75:902-4.
Papini H, Santana R, Ajzen, H, Ramos, OL, Pestana, JOM. Alterações
metabólicas e nutricionais e orientação dietética para pacientes submetidos a
transplante renal. J Bras Nefrol. 1996;18:356-68.
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PARTE DE UMA HOMEPAGE
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AMA Office of Group Practice Liaison; [aproximadamente 2 telas]. Disponível
em: http://www.ama-assn.org/ama/pub/category/1736.html
Obs: Dados não publicados, comunicações pessoais, deverão constar apenas
em “notas de rodapé”. Trabalhos enviados para a revista devem ser citados
como trabalhos no “prelo”, desde que tenham sido aceitos para publicação.
Deverão constar na lista de Referências, com a informação: [no prelo] no final
da referência, ou [in press] se a referência for internacional.
TABELAS, FIGURAS, E ABREVIATURAS
• Tabelas: Devem ser confeccionadas com espaço duplo. A numeração deve
ser seqüencial, em algarismos arábicos, na ordem que foram citadas no texto.
Devem ter título, sem abreviatura, e cabeçalho para todas as colunas. No rodapé
da tabela deve constar legenda para abreviaturas e testes estatísticos utilizados.
Devem ser delimitadas, no alto e embaixo por traços horizontais; não devem
ser delimitadas por traços verticais externos e o cabeçalho deve ser delimitado
por traço horizontal. Legendas devem ser acompanhadas de seu significado.
No máximo, quatro tabelas deverão ser enviadas.
• Figuras: (gráficos, fotografias, ilustrações): As figuras devem ser enviadas no
formato JPG ou TIF, com resolução de 300dpi, no mínimo. Ilustrações extraídas
de outras publicações deverão vir acompanhadas de autorização por escrito do
autor/editor, constando na legenda da ilustração a fonte de onde foi publicada.
As figuras deverão ser enviadas em branco e preto.
• Abreviaturas e Siglas: Devem ser precedidas do nome completo quando citadas
pela primeira vez. Nas legendas das tabelas e figuras, devem ser acompanhadas
de seu significado. Não devem ser usadas no título.
LIVROS
Gayotto LCC, Alves VAF. Doenças do fígado e das vias biliares. São Paulo:
Atheneu; 2001.
Murray PR, Rosenthal KS, Kobayashi GS, Pfaller MA. Medical microbiology.
4th ed. St. Louis: Mosby; 2002.
CAPÍTULOS DE LIVROS
Raia S, Massarollo PCB. Doação de órgãos. In: Gayotto LCC, Alves VAF, editores.
Doenças do fígado e das vias biliares. São Paulo: Atheneu; 2001. p.1113-20.
Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid
ENVIO DO MANUSCRITO
Os trabalhos devem ser enviados para:
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01311-300 – São Paulo – SP
(Tel/Fax.: 011-3283-1753)
JBT J Bras Transpl. 2010; 13:1329-1392
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