OS TRATADOS INTERNACIONAIS COMO FONTES DO DIREITO Autor: Osvaldo José Rebouças Auditor Fiscal do Tesouro Estadual-sefaz/ce Doutorando Ciencias Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA) Abril de 2009 SUMÁRIO 1. Resumo..............................................................................................................................3 2. IntroduÇÃO.......................................................................................................................5 3. O conceito de Direito.........................................................................................................8 4. AS FONTES DO DIREITO...........................................................................................12 4.1. Conceito.................................................................................................................................12 4.2. Classificação das fontes do direito .....................................................................................15 A Constituição...........................................................................................................................17 A lei...........................................................................................................................................18 Outras espécies de legislação....................................................................................................21 5 – OS TRATADOS INTERNACIONAIS COMO FONTES DE DIREITO...................34 5.1. Os tratados internacionais ..................................................................................................34 5.2. A Comunidade Européia.....................................................................................................37 5.3. O Direito Comunitário.........................................................................................................38 5.4. Direito Internacional............................................................................................................40 5.5. Os tratados internacionais e sua aplicação no Brasil........................................................42 6 – CONCLUSÕES.............................................................................................................45 7 - BIBLIOGRAFÍA...........................................................................................................47 1. RESUMO Este estudo tem como objeto verificar a possibilidade jurídica de se classificar como fontes de direito interno o tratado internacional. É certo que não se tem uma classificação com caráter absoluto de fontes de direito e os doutrinadores, de acordo com sua tendência filosófica, científica ou política elaboram suas classificações, no mais das vezes, as mais díspares possíveis. Primeiro, deve-se definir com que classificação se vai trabalhar. Algumas delas como a adotada por Kelsen e Del Vecchio, eliminam este problema, apresentando como única fonte do direito a lei. Outros adotam classificações tradicionais, dividindo-as em fontes materiais e fontes formais, e, a partir dessa classificação, relacionam quais institutos se enquadram em um ou outro tipo. Para se alcançar o escopo pretendido, adotar-se-á neste estudo, a classificação tradicionalmente aceita por parte da doutrina, qual seja as fontes do direito podem ser materiais e formais e, a partir desse entendimento, se vai analisar cada uma delas e verificar como se pode compreender os tratados internacionais, neste contexto, como fontes de direito, tendo como fundamento o regime jurídico ao qual eles são submetidos. Palavras-chaves: direito; fontes de direito; classificação; regime jurídico; tratados internacionais; ordem jurídica interna; direito internacional; direito comunitário; Comunidade Européia. RESUMEN Este estudio tiene como objeto verificar la posibilidad jurídica de clasificarse el tratado internacional como fuentes de derecho. Es cierto que no hay una clasificación con carácter absoluto de fuentes de derecho y los doctrinadores, en acuerdo con su tendencia filosófica, científica o política elaboran sus clasificaciones, casi siempre las mas dispares posible. Primero se debe definir con que clasificación se va a trabajar. Algunas de ellas, como la adoptada por Kelsen y Del Vecchio eliminan este problema presentando cómo única fuente de derecho la ley. Otros adoptan clasificaciones tradicionales dividiendolas en fuentes materiales y fuentes formales y en partida de esa clasificación, relacionan cuáles institutos se encuadran en una u otra especie. Para alcanzarse el objetivo pretendido se va a adoptar en este estudio la clasificación tradicional acepta por la doctrina, o sea, las fuentes de derecho pueden ser materiales y formales y después de ese entendimiento se va a analizar cada una de ellas y verificar cómo se puede comprender los tratados internacionales en este contexto, cómo fuentes de derecho, tenendo en fundamento de validad el régimen jurídico al qual es subordinado. Palabras clave: derecho; fuentes de derecho; clasificación; régimen jurídico; internacionales; orden jurídica interna; derecho internacional; comunitario; Comunidad Europea. tratados derecho 5 2. INTRODUÇÃO O Direito objetivamente entendido como o conjunto de regras jurídicas que regula as relações da conduta humana é elemento inseparável da sociedade fundada num recíproco interesse de cooperação e numa necessidade mútua de defesa e assistência, e, como fruto da vida social que é, tem sua origem em fenômenos sociais decorrentes dessas relações. São as chamadas fontes do Direito, que equivale ao fundamento de validade da ordem jurídica. As fontes do direito enquanto nascedouro do disciplinamento de relações humanas não tem recebido um tratamento uniforme por parte da doutrina. Os doutrinadores divergem quanto à sua origem e classificação. Em cada sistema jurídico se elaboram classificações distintas para estas fontes, tornando, pois, qualquer estudo que se pretenda empreender acerca do tema, uma difícil e árdua tarefa, levando constantemente a uma análise parcial, ou, ainda que se pretenda mais aprofundada, sempre haverá que se adotar alguma classificação, com certo viés característico de cada corrente doutrinária. O trabalho de que ora se cuida tem como elemento nuclear a análise da utilização dos tratados internacionais como fontes do direito. Para realização de tal desiderato, serão inicialmente fixados os conceitos de direito comumente aceito e de fontes do direito. Assentados estes dois conceitos básicos será analisada uma classificação dessas fontes do direito, especialmente as fontes formais (ou primárias) e as fontes não formais (secundárias) de acordo com a corrente de pensamento adotada. 6 Após se discorrer sobre cada uma delas, a análise se volta para seu objetivo principal que é a verificação da possibilidade de se atribuir aos tratados internacionais a condição de fonte do direito. Para que se possa discorrer sobre o assunto dando este enfoque, necessário se faz que sejam analisados os conceitos de tratados internacionais em um contexto comunitário onde se impõem como elemento regulador de condutas sociais, bem assim sua natureza jurídica e conteúdo axiológico inserido no ordenamento jurídico das nações signatárias, de citados acordos enquanto elementos disciplinadores de relações internacionais. Por derradeiro, o estudo se volta para identificar a posição dos tratados internacionais na ordem jurídica interna e quais os efeitos de sua utilização enquanto instrumento regulador de relações jurídicas estritamente nacionais. A partir desta análise, serão examinados de que forma esses tratados são recepcionados pela ordem jurídica interna, qual sua natureza jurídica e como se harmonizam no sistema legal do país. Para se desenvolver este estudo deverão ser efetuadas pesquisas doutrinárias acerca do tema, compulsando-se autores nacionais e estrangeiros para se chegar a um conceito e classificação do tema adequados ao que se pretende. Também será analisado o processo legislativo relativamente aos tratados internacionais bem como sua posição em face, não somente da legislação interna, mas também sua moldura constitucional e o regime jurídico a que se subordina. Espera-se que, ao concluir o presente estudo, se tenha atingido os objetivos colimados e que, de alguma forma, ele possa contribuir, ora 7 incitando os pesquisadores a continuarem em sua permanente busca pela descoberta e demonstração da verdadeira natureza do instituto, ora trazendo mais luz e conhecimentos aos que se dedicam ao estudo do tema e àqueles que, como operadores do direito em sua labuta diária necessitam, no mais das vezes, manejar os tratados e convenções internacionais com mais segurança e consciência dos efeitos que deles irradiam, o que implica reconhecer ou não sua condição de fonte de direito na ordem jurídica interna, para disciplinar relações decorrentes da própria atividade humana em sua contínua e permanente evolução. 8 3. O CONCEITO DE DIREITO A palavra "Direito" (VENOSA, 2003), vem do latim directum, que corresponde à idéia de regra, direção, sem desvio. Os romanos denominavam-no de jus, diverso de justitia, que corresponde ao atual sentido de justiça, ou seja, qualidade do direito justo. Para Gusmão, o Direito pode ser compreendido em três sentidos: 1º, regra de conduta obrigatória; 2º, sistema de conhecimentos jurídicos; 3º faculdade ou poderes que tem ou pode ter uma pessoa, ou seja, o que pode uma pessoa exigir de outra. (GUSMAO, 2002) Outros juristas (NUNES, 2002), entende o Direito como um ideal sonhado por certa sociedade e simultaneamente um golpe que enterra esse ideal. É símbolo da ordem social e simultaneamente a bandeira da agitação, posto que se revigora na própria dinâmica vida. Como visto, o Direito não tem um conceito que seja o absolutamente correto; existem vários conceitos de acordo com a época e o nível das relações sociais que se desenvolvem e por ele são reguladas. Assim, não há uma definição plena do Direito. Como ensina DINIZ (2002), o grande problema que se apresenta é encontrar uma definição única, concisa e universal, que abranja as inúmeras manifestações em que se pode apresentar o Direito e que o revele como uma entidade pura, caracterizando sua essência de maneira que o demonstre com uma realidade diversa das tantas outras de uma existência plural. 9 A grande dificuldade que se apresenta é conseguir elaborar um conceito que seja universalmente aceito, que abranja de modo satisfatório toda a gama de elementos heterogêneos que o compõem. Pois para o Direito há uma variedade ampla de experiências (histórica, sociológica, antropológica, psicológica e axiológica) e tais experiências ainda que diferentes entre si, são complementares, manifestam-se em um mesmo plano e tem em comum um mesmo ponto de partida: o direito positivo. Observe-se que na perspectiva rotineira da sociedade, o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros, que são geralmente aceitos e adotados como elementos balisadores da conduta individual ou do próprio grupo, quando ocorrem manifestações de interesse coletivo. O Direito enquanto conjunto de regras de conduta impõe freios segundo os quais o fazer ou não fazer do homem deve sujeitar-se para que as relações sociais se processem com harmonia. O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua qualidade de ser social. (REALE, 1973, p.2) Coerente, pois, os ensinamentos de Aristóteles ao afirmar que onde houver homens agrupados, há direito (ubi societas, ibi jus). O direito é uma realidade histórica, é um dado contínuo provêm da experiência. Só há uma história e só pode haver uma acumulação de experiências valorativas na sociedade. Não existe direito fora da sociedade. (VENOSA, 2003, p. 30). 10 Ele refere-se ao todo social de uma determinada comunidade, como garantia de coexistência pacífica. Se efetiva quando torna a sociedade viva e orgânica enquanto grupamento concreto e coeso, que não se restringe a um amontoado desconexo de pessoas, mas forma uma ordem harmônica de cooperação, uma comunhão de fins que necessita ser racionalmente ordenada. Daí só existir Direito em sociedade, regulando suas relações e toda a dinâmica social que ocorre em seu interior, fixando regras de conduta e disciplinando comportamentos a serem adotados pelos seus membros. É inegável que o Direito, enquanto elemento norteador das ações humanas, disciplina condutas, impondo-se como princípio da vida social. Para que haja disciplina nas relações interpessoais, para que os comportamentos indesejados do homem não tornem a convivência inviável, necessita-se de uma ordenação, mínima que seja, imposta à sociedade como centro regulador de suas ações. “O direito positivo é o conjunto de normas estabelecidas pelo poder político, que se impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época”. (DINIZ,2002, p.7). Tem-se, por conseguinte, que a causa geradora do Direito é o direito natural, qual seja aquele inerente à vida e o arbítrio humano. São as necessidades sociais aliadas à vontade do homem que traduzem o conteúdo e o sentido dessas necessidades e transformam as regras que os desejos humanos impõem naquele sistema de normas impositivas e aceitas pelo grupo, denominado direito positivo. Como visto, não se encontra entre os estudiosos uma definição ou conceito de Direito que alcance todos os diversos matizes dos fenômenos 11 humanos que devem por ele ser disciplinados. Contudo, todos os conceitos têm uma convergência para um aspecto em comum: sua função é estabelecer limites à conduta humana. Não sem razão, o Prof. J. Afonso da Silva ensina que O Direito é fenômeno histórico-cultural, realidade ordenada ou ordenação normativa da conduta segundo uma conexão de sentido. Mesmo sendo um sistema normativo amplo, pode ser estudado por unidades estruturais que o compõem, sem perda de vista da totalidade de suas manifestações, que se destinam a regular e limitar os comportamentos sociais, qual seja, se pode analisar os fenômenos ocorridos sob o manto do direito em suas mais variadas formas. (SILVA, 2007, p.189) Contudo, para que o Direito possa alcançar seu objetivo necessário se faz uma imposição coativa de seus preceitos. Este é o sentimento expresso no positivismo jurídico, como se vê em Iering, ao afirmar que: A palavra direito é empregada em sentido duplo, tanto objetivo como subjetivo. No sentido objetivo, direito é o conjunto de leis fundamentais editadas pelo Estado, ou seja, o ordenamento jurídico da vida e, em sentido subjetivo, é a atuação concreta da norma abstrata no direito específico de determinada pessoa” (IERING, 2004, p.29). Explica, ainda, o jusfilósofo que o Direito não é mero pensamento, mas sim força viva. Por isso, a justiça segura, em uma das mãos, a balança, com a qual pesa o Direito e na outra a espada com a qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a fraqueza do Direito. Ambos se completam e o verdadeiro estado de direito só existe onde a força com a qual a justiça empunha a espada, é usada com a mesma habilidade para manejar a balança. E esta expressão metafórica é materializada na permanente ação do estado para manter a ordem jurídica, que implica uma luta contínua contra as transgressões da lei, já que somente a lei pode realizar o Direito, qual seja, um ato do poder público voltado para este fim. 12 Pode-se, por fim, entender o Direito, conforme ensina FRANÇA (1999), como o conjunto de regras sociais que disciplinam as obrigações e poderes, sancionadas pela força do estado e dos grupos intermediários com os quais se aparelha àquele, para impor o conjunto de regras postas pela e para a sociedade, regulando de forma adequada, suas condutas. 4. AS FONTES DO DIREITO 4.1. Conceito A expressão “fontes do direito” é empregada metaforicamente, pois fonte, em sentido vernacular, é a nascente de onde brota uma corrente de água. É uma expressão figurativa que tem mais de um sentido. E quem bem compreendeu e traduziu a expressão foi Claude du Pasquier, citado por Montoro, que o fez de maneira sintética e, ao mesmo tempo, concisa. Segundo referido autor, buscar a fonte do direito é como se alguém procurasse a nascente de um rio, que delimita o exato ponto em que as águas surgem das profundezas da terra dando origem a um curso d’água natural, qual seja o ponto de fluência, o lugar onde se passa de invisível a visível, onde sobe do subsolo à superfície. Assim sendo, afirma que fonte de regra jurídica é o ponto pelo qual ela sai das profundezas da vida social para aparecer à superfície do Direito. (MONTORO, 1999). A par dessa questão, um dos principais problemas que se enfrenta ao se empreender o estudo do Direito é precisamente de onde ele provém: leis escritas? Usos e costumes? Decisões judiciais? Fatores políticos, históricos, sociológicos? O Direito se confunde com a própria fonte em razão dos fatos que lhe dão origem e que ele disciplina. 13 Del Vecchio afasta o problema das fontes do direito afirmando, dogmaticamente, que o Estado é a fonte única de direito (positivismo jurídico). Encontra as fontes da ordem jurídica unicamente nas normas elaboradas pelos órgãos do poder público. Considera as fontes do direito como modos de manifestação da vontade social preponderante, qual seja aquela aceita pela maioria da população. Seguindo ainda o raciocínio positivista, KELSEN (1994) reduzindo o Direito à sua mais expressiva referência no âmbito da dogmática jurídica, afirma que a única fonte do direito é a norma, já consolidada e integrada ao ordenamento jurídico positivo. Ou seja, de acordo com o pensamento kelseniano, ao enfrentar a questão da fonte do direito, despreza qualquer fato social, moral ou político que tenha contribuído para o surgimento de uma regra. Apenas os aspectos jurídicos devem ser considerados para sua condição de norma, onde aquela superior (Constituição) é a fonte das normas gerais que regula a produção da norma inferior e assim sucessivamente, vale dizer, todo o sistema de produção normativa encontra fundamento de validade em uma hierarquia de normas. Ou seja, compreendendo-se as fontes do direito como método de criação jurídica original, onde toda norma superior regula a criação de norma inferior, tem-se como fundamento de validade jurídico-positivo de uma norma a constituição, norma hierarquicamente superior a todas. Por outro lado, o termo fonte também pode ser empregado em um sentido não jurídico, como fatos que influenciam a função criadora do direito tais como os princípios morais e políticos, as teorias jurídicas os pareceres de especialistas e outras manifestações culturais e sociais que 14 de forma indireta contribuem na criação da ordem jurídica, constituindo-se em fatores de importância secundária. Mas a história do Direito é bem mais complexa no que se refere à sua criação. Algumas fontes de direito desempenham um papel, ora secundário, ora capital, de acordo com a época em que são utilizadas. A jurisprudência, por exemplo, desempenhou um papel capital na formação e desenvolvimento do commum law inglês e um papel menos importante, embora não desprezível, nos outros direitos europeus. Já a doutrina, sobretudo a que foi construída com base no direito romano renascido na Baixa Idade Média e na época moderna, constituiu-se em importante instrumento de elaboração e de expressão do direito nestes períodos. Já o professor Miguel Reale assenta o seguinte entendimento sobre as fontes do direito: "designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa”. (REALE, 1973, p.130) Pode-se concluir, assim, que as fontes do direito são modos de formação e revelação das normas jurídicas, constituindo-se no ponto de partida da criação normativa. Na fonte está contida a norma jurídica em estado latente e inerte, sendo sua criação, a exteriorização de seu conteúdo jurídico, a origem primária do Direito, de maneira a se fazer possível e simplificada sua análise e compreensão enquanto elemento regulador das condutas sociais. E finalizando com BOBBIO (1999), tem-se que fontes do direito são aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento, em um sistema positivo, 15 faz depender a produção de normas jurídicas, regulando por inteiro seu processo produtivo até materialização como regra jurídica. 4.2. Classificação das fontes do direito 4.2.1. Noções gerais Os estudiosos neste tema também não manifestam um posicionamento uniforme em relação à classificação das fontes de direito. Surgem divergências, as mais variadas, na doutrina disponível. O já citado professor REALE (1993), classificou as fontes do direito com base na sua Teoria Tridimensional do Direito da seguinte forma: lei; jurisprudência; costume; e o ato negocial. Estas fontes representam os elementos centrais da elaboração jurídica, a própria matéria-prima a partir da qual se produzem as normas. De logo, o professor brasileiro entende que a doutrina não é uma fonte do direito propriamente dita, mas apenas um instrumento adicional, embora que de muita importância, que junto com outros modelos jurídicos formam as fontes direito. Outros autores como DINIZ (1991), incluem a doutrina como fonte de direito e somente reconhecem as fontes formais ou materiais e estatais e não-estatais. As fontes estatais dividem-se em legislativas (as leis, decretos, regulamentos, etc) e jurisprudenciais (sentenças, precedentes judiciais, súmulas, etc). Devem também ser acrescidas as convenções internacionais. Seguem-se as fontes não-estatais, que abrangem basicamente o direito consuetudinário (costumes), o direito científico (doutrina) e as convenções em geral. 16 E explicitando o sentido de fontes estatais do direito GUSMÃO (2002), afirma que são aquelas constituídas de normas escritas, vigentes no território do Estado, por ele promulgadas, no qual tem validade e no qual são aplicadas pelas autoridades administrativas ou judiciárias. Assim sendo, as fontes estatais tem sua aplicação notoriamente precisa, partindo-se do pressuposto de que, por ser criada e exercida pelo Estado, ou seja, seus representantes, à conduta contrária ao que a legislação prevê, associar-se-á uma sanção. No sistema jurídico-positivo as fontes estatais do direito assumem enorme importância, pois são os instrumentos de materialização da consciência coletiva. Contudo, as fontes não estatais também, mesmo nesses sistemas jurídicos, podem ser consideradas como elementos decisivos na consolidação e aplicação do Direito enquanto instrumento de harmonização e manutenção continuada da sociedade. 4.2.2. A Classificação adotada Contudo, para a realização do presente trabalho, fez-se a opção por adotar a classificação das fontes do direito tradicionalmente aceita pela doutrina pátria, (fontes formais e fontes materiais) conforme MONTORO (1999) ensina e seguir se demonstra: 4.2.2.1. Fontes formais As fontes formais são fatos que dão a uma regra o caráter de direito positivo e obrigatório. Classificam-se em: 17 a) A legislação Pode-se entender legislação em sentido amplo como aquele conjunto de normas editadas pelo poder competente, através de órgãos especiais criados para este fim, que representam toda a comunidade social e possuem autoridade para estabelecer em seu nome, regras de observância impositiva para todos. A legislação nos países de direito escrito e constituição rígida é a mais importante das fontes formais de onde brota o conjunto normativo, qual seja, a formulação do Direito é obra do legislador. Já nos países que adotam o sistema consuetudinário (os anglo-saxões, como por exemplo, a Inglaterra), há forte predominância dos costumes. E nos sistemas jurídicos onde predomina o direito escrito, a constituição sobrepõe-se a todas as demais normas integrantes do ordenamento. Ela define como se deve produzir outras normas, prescrevendo o conteúdo ou a forma que devem conter e qual a estrutura adequada a cada uma delas. A Constituição Para CANOTILLO, (1998), a definição do cosmos normativo tem como origem a constituição enquanto fonte de conhecimento. Apresenta claramente três funções como norma primária sobre a produção jurídica: a) identifica as fontes do direito do ordenamento jurídico; b) estabelece os critérios de validade e eficácia de cada uma das fontes; 18 c) determina a competência das entidades que revelam as normas de direito positivo. Constituem-se em verdadeiro conjunto de sobrenormas já que não tratam diretamente da produção normativa de condutas do indivíduo, mas apenas oferece os elementos e os fundamentos necessários a elaboração das regras jurídicas, pondo-os à disposição do aparelho estatal incumbido de veicular e ordenar as normas reguladoras das condutas sociais. A lei E neste contexto a lei é por excelência, a mais importante fonte do direito das que formam o conjunto da legislação. Ao ser prescrita a norma, ela passará a ser lei e será objetivamente uma forma de punição à atos ilícitos, ou será uma forma de se preservar boas condutas. A lei, portanto, é a forma pela qual, o Estado, por meio de seus representantes, impõe sua vontade para a ordenação harmônica da comunidade. A palavra lei, (VENOSA, 2003), é originaria do verbo legere = ler; ou decorre do verbo ligare, e vale esclarecer que legere também significa eleger, escolher. No entanto, pode representar não apenas normas jurídicas, mas também religiosas, cientificas, naturais, enfim, uma série de outras significações. É imperativo, ainda, lembrar, que a norma por si só não exige, nem proporciona direitos. Para que se tenha o direito exercível, é preciso que a prescrição tenha caráter legal, ou seja, deverá ser emanada do órgão 19 estatal competente para editá-la, após percorrer todo o processo legislativo estruturado para conceber a sua criação. A palavra lei tem o sentido compreensivo de toda norma geral de conduta que define e disciplina as relações de fato incidentes no direito e cuja observância o poder do Estado impõe coercitivamente, como são as normas legislativas, as costumeiras e as demais admitidas pelo legislador. (RÁO, 1952, p.202). A lei é instrumento contínuo de nascimento do direito, enraizado em sua essência. Se analisada sob a ótica de seu nascedouro, a lei é sempre certa e predeterminada. Há sempre um momento no tempo, e um órgão estatal do qual emana o direito legislado. Ainda, Canotilho, propõe uma definição de lei como uma norma ou um conjunto de normas de direito, relativamente gerais e pertinentes, na maior parte dos casos escritas, impostas por aquele ou aqueles que exercem o poder num grupo sóciopolítico mais ou menos autônomo. “A lei, como expressão de uma vontade jurídica consciente e deliberada constitui o grau mais elevado e mais perfeito de formação do direito positivo” (CANOTILHO, 1998, p. 326). A lei, então, é uma regra geral, não se dirige a um caso particular, mas a um numero indeterminado de indivíduos. No Direito atual da grande maioria das nações, as leis stricto sensu são atos emanados do poder legislativo e constituem apenas uma das categorias das leis lato sensu, que compreendem todos os atos normativos produzidos pela vontade soberana da nação, que edita regras gerais e permanentes do comportamento humano tais como os decretos, os regulamentos, etc., por meio das autoridades a quem foram atribuídas competências para a prática de tais atos. 20 A origem da lei, ou seja, de onde ela provem, não deixa qualquer dúvida, porquanto o órgão que tem competência para editá-la já está anteriormente previsto, com seu âmbito de atuação claramente definido no espaço e no tempo, o qual, diante de um complexo de fatos e valores, opta por uma determinadaa solução normativa com características de objetividade e que atenda aos interesses coletivos. Pode-se encontrar variados sentidos e classificações para as leis. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr. "lei no sentido formal, ou, lei formal é expressão que designa um modo de produção de normas, como examinamos até agora. Lei no sentido material, ou lei material, designa seu conteúdo" (FERRAZ JR. 2001). Já quanto à origem legislativa de onde promanam, as leis são federais, estaduais e municipais. Em relação à duração, as leis são temporais e permanentes e se analisadas sob o aspecto da amplitude ou ao alcance, são gerais, especiais, excepcionais e singulares. A lei, pois, como a principal fonte de direito, emana das necessidades sociais e normatiza as condutas que a sociedade considera serem úteis para regular e permitir a convivência entre os homens de maneira harmônica e eficiente, facilitando, destarte, sua evolução contínua e segura através dos tempos. É a mais importante das fontes formais, é a forma ordinária de expressão do Direito. Ela fixa as linhas fundamentais no sistema jurídico e serve de base para a solução dos problemas do Direito que surgem na rotina das sociedades. 21 Outras espécies de legislação O conceito de legislação, como visto, alberga ainda outras importantes espécies normativas, utilizadas como fontes do direito tais como: a) medidas provisórias: são normas que se encontram hierarquicamente em posição similar a da lei ordinária, embora não sejam leis. São expedidas pelo Presidente da República para atender os casos de urgência e relevância e situações graves, que estão a exigir do governo uma manifestação imediata. Posteriormente são submetidas ao Congresso Nacional, que poderá aprová-las ou rejeitá-las. Na hipótese de rejeição, o parlamento deverá regular as relações jurídicas dela decorrentes, já que enquanto não foi rejeitada ou apreciada pelo Congresso (no prazo de 60 dias), ela irradia efeitos jurídicos; b) decretos legislativos: são normas aprovadas pelo Congresso Nacional por maioria simples, sobre matéria de sua exclusiva competência (art. 49, da Constituição Federal); c) resoluções do Senado: tais instrumentos normativos têm força de lei ordinária por serem deliberações de uma das casas legislativas, ou, do próprio Congresso, sobre assunto de seu peculiar interesse (p. ex. licença ou perda do cargo por deputado ou senador); d) decretos regulamentares: são normas jurídicas gerais, abstratas e impessoais estabelecidas pelo Poder Executivo para dar plena 22 aplicabilidade a uma lei, detalhando suas disposições e explicitando sua execução no plano concreto. Ainda aparecem listadas por alguns autores como fontes do direito, as instruções ministeriais, as circulares, as portarias, etc. colocadas em níveis mais baixos na pirâmide da hierarquia normativa. Contudo, estas aqui comentadas, são as principais formas de manifestação da legislação, chamadas de normas primárias, pois revelam, de imediato, o direito positivo e por bastarem a si mesmas, no processo de formação do direito. b) Os Costumes O costume é a mais antiga fonte de direito. Nos povos primitivos inexistiam normas jurídicas escritas. O comportamento tradicional regula a conduta dos membros da comunidade e constitui a fonte substancial do direito. Com o decorrer do tempo, as leis escritas passam a ter predominância na formulação do Direito, mas o costume se mantem em todos os povos e constitui em todos uma das fontes formais do sistema jurídico de cada agrupamento humano. Com a evolução da sociedade, eles se desprendem, paulatinamente, das regras morais, religiosas, sociais etc. e se convertem em regras jurídicas distintas das demais, com sentido próprio e conteúdo de imposição. Os costumes são práticas continuas e repetitivas de uma coletividade, sendo com a sua habitualidade, tornados obrigatórios. Estes devem ser perceptíveis, palpáveis, não apenas realizados, mesmo porque, os costumes não são normas escritas e, como já citado, devem partir da conscientização coletiva. Formam um conjunto de usos de 23 natureza jurídica que adquiriram força obrigatória num grupo sóciopolítico dado, pela repetição de atos públicos e pacíficos durante um período de tempo relativamente longo. O costume brota da própria sociedade, da repetição de usos de determinada parcela do corpo social. Quando o uso se torna obrigatório, converte-se em costume enquanto comportamento social. Refletem de maneira imediata e autêntica, os desejos, as vontades e as aspirações de um povo e devem ser observados voluntariamente por todos, pois os comprometem sobremodo a particularidade, a insegurança e a incerteza de seus comandos imperativos. Já em sentido jurídico os costumes são uma repetição constante de determinados comportamentos na vida de uma comunidade acompanhada da convicção de sua necessidade, ao ponto de poderem os interessados exigir o respeito a esse comportamento pela força, em caso de transgressão. Costume jurídico, pois, segundo Conviello, é norma jurídica que resulta de uma prática geral, constante e prolongada, observada com convicção de que é juridicamente obrigatória (MONTORO, 1999). Vale dizer, é aquilo que a doutrina chama de convicção de obrigatoriedade, ou seja, a prática reiterada normalmente aceita pela comunidade como de cunho obrigatório. Os costumes para serem considerados costumes jurídicos devem revestir-se de determinadas características, quais sejam: 24 a) o uso praticado por longo tempo de forma constante e geral, aplicando-se a todos os casos compreendidos naquela espécie; b) necessidade e convicção de que ele é obrigatório, de que constitui uma regra ou preceito correspondente a uma necessidade jurídica individual ou de interesse coletivo. O costume jurídico surge no e do próprio seio da coletividade. Ele é fruto da prática social individualizada, caso a caso e nasce obrigatório porque as partes envolvidas assim o entendem e se auto-obrigam. Ele provem da convicção interna de cada partícipe de sua objetivação em fatos sociais particulares, que obriga a todos os que neles se envolverem. Formado com essa convicção de obrigatoriedade, pode-se tê-lo como legitimo e atualizado. (NUNES, 2002) Têm-se ainda algumas classificações para os costumes. São elas: secundum legem, praeter legem e contra legem. Veja-se cada uma das modalidades antes indicadas. a) secundum legem é exatamente aquele costume criado, erguido em lei que, no entanto, mantem suas características de costume propriamente dito; b) praeter legem é o que está referido no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, aquele que preenche lacunas. É um recurso muito útil ao juiz nos casos em que a lei é omissa; 25 c) contra legem é o que se opõe ao dispositivo de uma lei, denominando-se costume ab-rogatorio; ou seja, quando torna uma lei não utilizada, ao que se denomina desuso (VENOSA, 2003). O costume, assim, se apresenta como verdadeira norma jurídica cuja característica é ser criada espontaneamente pela consciência comum do povo e não editada pelo poder público. Há a convicção de ser juridicamente obrigatório. A lei representa uma fase posterior, mais evoluída de formação jurídica. O costume, então, se expressa como fonte originária de direito. c) A jurisprudência A expressão jurisprudência como fonte do direito tem o sentido de conjunto de decisões uniformes e constantes dos tribunais, resultante da aplicação de normas a casos semelhantes, constituindo uma norma geral aplicável a todas as hipóteses similares. Nessa mesma linha de entendimento (VENOSA, 2003), tem-se que é aplicado o nome jurisprudência ao conjunto de decisões dos tribunais, ou uma serie de decisões similares sobre uma mesma matéria. E estas decisões são formadas em decorrência da atividade rotineira desses tribunais, como manifestação viva e concreta do sistema normativo em funcionamento, sendo-lhe, ainda, reservado o importante papel de colmatar as lacunas do ordenamento, nos casos concretos de inexistência de norma específica para ser aplicada a um determinado caso com o qual guarde similitude. 26 A jurisprudência, pois, é um conjunto de normas jurídicas extraídas das decisões judiciárias. Em geral as decisões só valem entre as partes no processo; não enunciam normas jurídicas gerais e, mesmo que o façam na sua motivação, essas normas não têm força vinculativa erga omnes. No entanto, os juízes, sobretudo os juízes profissionais formados pela cátedra jurídica (em oposição aos juízes populares) têm tendência a interpretar a lei e o costume como o fizeram os seus antecessores, conservando as manifestações. Por outro lado, a segurança jurídica é função da autoridade reconhecida aos precedentes. Na Inglaterra, por exemplo, esta autoridade tornou-se considerável em virtude do princípio stare decisis, não é permitido aos juízes modificar a interpretação do direito fixado por certas jurisdições superiores (common law). Interessante a abordagem feita por KELSEN (1994), ao explicar que a aplicação do direito existe tanto na produção de normas jurídicas gerais por via legislativa ou consuetudinária como nas resoluções das autoridades administrativas e nos atos jurídicos negociais. Os tribunais aplicam as normas jurídicas gerais nas quais é estatuída uma sanção concreta: uma execução ou uma pena. Sob a perspectiva da dinâmica do direito o estabelecimento da norma individual pelo tribunal representa um estágio intermediário do processo que começa com a elaboração da Constituição e segue através da legislação e do costume até a execução da sanção. Neste processo normativo, o Direito se recria em cada momento, tanto na parte geral como para o individual. É um processo de individualização ou concretização sempre crescente. 27 Observe-se, por oportuno, que o papel da jurisprudência tem sido relevante no decurso dos séculos XIX e XX, realizando, por conseguinte, uma uniformidade real na interpretação das leis, uma segurança jurídica acrescida pela sua própria capacidade de fixação e uma adaptação constante às realidades da vida social. Outra importante função da jurisprudência no sistema normativo, para mantê-lo eficaz e em sintonia com os anseios e sentimentos da comunidade é fazer a atualização da interpretação da lei ao longo do tempo, em um processo permanente de modernização e criação do Direito, tornando-o sempre adequado às necessidades sociais e às aspirações de cada grupamento humano. d) A Doutrina Não é pacífico o entendimento de que a doutrina é fonte primária de direito. Alguns estudiosos como Miguel Reale não a consideram como tal. Não, ao menos como fonte formal; seria então fonte material. Veemna apenas como elemento auxiliar no processo de criação normativa. Já para outros autores como o Prof. Franco Montoro a doutrina se constitui como importante fonte de direito. Abstraindo-se a questão acima posta, o fato é que não se pode compreender a doutrina em termos absolutos. Ela tem que ser contextualizada no sistema jurídico para que se possa ter a dimensão de sua importância no conjunto normativo. Em Roma, na época do Imperador Adriano, a opinião de certos jurisconsultos tinha força obrigatória em determinadas situações (communis opinio doctorum). 28 Na idade medieval e até na idade moderna admitia-se a doutrina como fonte subsidiária da lei, quanto à obra de determinados autores (Ordenações Afonsinas, em relação às opiniões de Bartolo e Acúrsio). Atualmente a doutrina vem ganhando cada vez mais importância na formação do direito, seja através de construções teóricas e elaborações doutrinárias que atuem sobre a legislação e jurisprudência, seja pela investigação científica e descoberta de novas fontes como usos sociais obrigatórios e a multiplicidade de ordens jurídicas no dinamismo real da sociedade moderna. A obra dos juristas fornece subsídios para a elaboração de inúmeras disposições de lei e a inspiração de julgados que inovam e aperfeiçoam o Direito, em sua perpétua busca de realização da justiça. É da produção científica dos doutores que muitas vezes se tem a criação de ordens normativas novas, como por exemplo, o abuso de formas, os direitos sociais, as gerações de direitos de acordo com a matéria analisada, etc., constituindo-se em importante elemento de transformação e criação do direito moderno. A doutrina enquanto conjunto de princípios que serve de base a um sistema filosófico e cientifico, exerce papel fundamental como instrumento auxiliar para a compreensão do sistema jurídico em seus múltiplos e complexos aspectos. Conforme o entendimento de Nunes é com o manejo da doutrina que se torna possível entender e estudar o Direito com profundidade, ou seja, pelo esforço e concretude da obra grandiosa dos pensadores ao longo do tempo, possibilita uma contínua construção 29 científica com a manutenção de antigos vocábulos, pensamentos entendimentos e a criação de novos significados surgidos e da compreensão da realidade e da percepção clara dos fenômenos sociais surgidos em determinada época (NUNES, 2002). A doutrina é o conjunto de normas jurídicas, ainda que intrínsecas, formuladas por grandes juristas nas suas obras. Na realidade, os juristas, não investidos de um poder político ou judiciário, não podem criar normas jurídicas. Mas em certas concepções do Direito, pode-se constatar sua existência, mesmo que não formulado. Descobrem um Direito que se supõe preexistir às suas constatações. Neste caso, a doutrina pode desempenhar um papel considerável, como por exemplo, em certas épocas da história do direito romano. Como ensina GILISSEN (2001), a doutrina pode também contribuir para introduzir um direito estrangeiro como direito supletivo no ordenamento jurídico interno das nações. Foi precisamente o que aconteceu nos finais da Idade Média, quando a doutrina romanista, ou seja, as obras dos juristas formados nas universidades no estudo e análise de direito romano, fez penetrar e fixar uma parte deste direito na maior parte dos países. E o autor citado assenta que Por fim, a doutrina está na base da ciência do direito. Pelos seus esforços de classificação, de sistematização, de análise e de síntese, os juristas letrados fizeram do direito uma ciência. Muitas vezes, criou-se, deste modo, um “direito letrado”, um “direito dos professores”, um “Júristenrecht” (direito dos juristas), factor importante do progresso jurídico, mas também, por muitas vezes, causa de uma diferenciação cada vez mais marcada do direito teórico, por exemplo, o ensinado nas universidades, em relação ao direito realmente em vigor. (GILISSEN, 2001, p.28). 30 Portanto, hodiernamente, a doutrina tem ocupado posição de destaque no processo de criação e formação do direito, constituindo-se em importante instrumento de modernização e elemento indispensável na evolução e regulação dos sistemas normativos em consonância com as necessidades de cada povo em determinado espaço e período de tempo. 4.2.2.2. Fontes materiais As fontes materiais são representadas pelos elementos que concorrem para a formação do conteúdo ou matéria da norma jurídica. Geram o conteúdo ou a matéria do Direito. São assim denominadas porque, segundo TORRÉ (1957), as fontes materiais compõem os elementos e fatores que determinam o conteúdo das normas jurídicas. São elas: a) Realidade social É composta de dados de fato representada pelos aspectos sociológicos da atividade humana. A realidade social é o fator básico na elaboração do direito. É representada por problemas econômicos, sociais, religiosos, culturais, políticos, etc., que o Direito busca resolver. Todos estes aspectos influem poderosamente na elaboração e transformação das normas jurídicas. Por exemplo, um aspecto econômico que influiu enormemente na elaboração e modernização normativa foi a Revolução Industrial. Sob o aspecto religioso percebe-se uma forte influência no direito de família e em outros ramos do direito civil. Quanto aos fatores políticos, também se revelam criadores de sistemas normativos, vez que os modelos políticos (capitalismo, socialismo, etc.) geralmente são 31 acompanhados de um direito próprio, aplicável às relações sociais em determinado período. b) Valores São aqueles que o Direito procura realizar (aspectos axiológicos) para aplicar a justiça. Esta é utilizada como critério inspirador do direito. São valores que informam o sistema normativo como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, a busca de uma sociedade livre, justa e solidária, a justa indenização, igualdade de todos perante a lei, ditames da justiça social, etc., servindo como lume ao ordenamento jurídico. Assim é que Del Vechio, relembrando o jurista François Geny, afirma que no fundo, o direito não encontra seu conteúdo próprio e específico senão no conceito primário e fundamental de “justo”. Em todas as normas jurídicas, de forma mais ou menos perfeita, está presente essa exigência fundamental de justiça. Como visto, é a justiça que dá sentido ao direito e explica o conteúdo essencial das normas jurídicas. Portanto, estes valores são os vetores que informam e orientam o sistema jurídico de uma determinada comunidade de acordo com a concepção por ela adotada e calcada em um processo de evolução histórica das crenças, religião e sedimentados ao longo de sua evolução. costumes de seus membros 32 4.2.2.3. Outras fontes do direito Alguns autores ainda classificam as fontes do direito como primárias e secundárias, considerando como estas últimas a doutrina, a jurisprudência, a analogia, os princípios gerais de Direito e a eqüidade. Veja-se, então, estas espécies ainda não analisadas. a) Analogia A compreensão expressa por FERRAZ JR. (2001) em relação ao instituto é de que a analogia é forma típica de raciocínio jurídico pelo qual se estende a facti species de uma norma a situações semelhantes para as quais, em princípio, não havia sido estabelecida, ou seja, situações específicas não previstas no ordenamento e não reguladas pelo direito. Como o próprio termo já sugere, pode-se entender a analogia como uma forma de analise mais atenta e profunda de casos complexos. Trata-se de um processo de raciocínio lógico pelo qual o juiz estende um preceito legal a casos não diretamente compreendidos na ordem jurídica. O juiz procura compreender a vontade da lei, para aplicá-la aos casos que a letra do texto legal não havia disciplinado, ou seja, o aplicador do Direito busca uma norma válida que possa ser aplicada a casos semelhantes não regulados por outro comando. A analogia consiste, objetivamente analisando, em se aplicar a um caso não previsto a norma que rege outro caso semelhante. É necessário, contudo, que exista a mesma razão para que o caso seja decidido de igual modo. 33 Em síntese tem-se que o uso da analogia se dará quando houver à necessidade de uma interpretação mais complexa, para se preencher as lacunas existentes no ordenamento jurídico, já que é impossível se estabelecer regras jurídicas para normatizar toda uma variada gama de condutas humanas. b) Princípios gerais de Direito A idéia na qual se pode compreender os princípios gerais do Direito é, no contexto jurídico, aquela que os coloca como os elementos estruturantes de regulação de toda a conduta humana e sob a ótica metajurídica, reporta-se ao direito natural, aqueles elementos essenciais à própria existência do indivíduo. O entendimento firmado por VENOSA (2003), é que os princípios gerais de direito são regras oriundas da abstração lógica do que constitui o substrato comum do Direito. Os princípios são de grande importância para o legislador, como fonte inspiradora da atividade legislativa e administrativa do Estado. Estes princípios, sob uma ótica positivista, são aqueles historicamente contingentes e variáveis, que inspiraram a formação de cada legislação concretamente considerada e pairam no ordenamento jurídico como normas de sobredireito que norteiam e orientam toda a formação legislativa da comunidade. c) Equidade A compreensão que se pode extrair de eqüidade é a de que, enquanto o Direito regula a sociedade com normas que demonstram o 34 justo e o igualitário, a eqüidade irá adequar a norma a um caso concreto. É uma forma de manifestação de justiça que tem o condão de atenuar a aspereza de uma regra jurídica buscando torná-la justa e suavizando seu rigor. Assim sendo, é razoável se compreender a eqüidade como a forma do julgador de fazer a devida, a melhor e a mais coerente interpretação da lei, para aplicá-la ao caso concreto, tendo como resultado dessa aplicação, a mais correta e a mais justa solução que seria possível se obter nos quadrantes do Direito para regular especificamente a situação que se procura por a termo. 5 – OS TRATADOS INTERNACIONAIS COMO FONTES DE DIREITO Como pode ser observado, não há uma uniformidade entre os doutrinadores e estudiosos do Direito em relação a uma classificação pura das fontes do direito. Para efeito do estudo que aqui se desenvolve, adota-se posição doutrinária que inclui entre as fontes do direito os tratados internacionais. Neste tópico far-se-á uma análise da utilização dessas convenções como fonte produtora de conjuntos normativos no âmbito interno e internacional (soberania das nações). 5.1. Os tratados internacionais 5.1.1. Conceito Os tratados internacionais são acordos celebrados pelas nações para regular determinadas condutas. "Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos 35 jurídicos" (RESEK, 1984, p. 21). E lembra, ainda, o festejado autor, que a produção de efeitos jurídicos é essencial ao tratado, que deve ser visto na sua dupla qualidade de ato jurídico e de norma. O acordo formal entre Estados é o ato jurídico que produz a norma, e que, justamente por produzi-la, desencadeia efeitos de direito, gera obrigações e prerrogativas a todos impostas, observância obrigatória, caracterizando, na plenitude de seus dois elementos, o tratado internacional. 5.1.2. A Posição dos tratados na ordem interna A posição dos tratados internacionais na ordem jurídica interna é objeto de controvérsias e infindáveis polêmicas em razão de não haver uma hierarquização clara no topo da pirâmide entre as normas constitucionais, o direito internacional e o direito comunitário. Na falta de disposição constitucional expressa, via de regra, deverá ser considerada a superioridade hierárquico-normativa das normas constitucionais, em decorrência do princípio da natureza infraconstitucional dos preceitos de direito internacional. Esta conclusão deverá ser, hoje, abrandada pela permanência de um direito dos povos internacional cuja, observância se impõe como dever imperativo dos estados. Conforme afirma LAPATZA (2007) o estado considerado como um todo pode celebrar tratados internacionais que uma vez publicados, integram o ordenamento jurídico interno, ocupando nele um nível supralegal, já que as suas disposições só poderão ser revogadas ou suspensas na forma prevista nos próprios tratados ou de acordo com as normas gerais de direito internacional. 36 As disposições contidas nos tratados originam a modalidade do direito internacional conhecida com o nome mais adequado de direito supranacional. Deve ser qualificado como direito supranacional o direito comunitário isto é, o conjunto de comando normativos emanado de tratados e convenções internacionais. A hierarquia e o valor do direito comunitário perante o direito interno dos estados signatários continua sendo um problema em aberto porque faltam regras expressas para definir sobre conflitos de normas porque a problemática à resposta dessa questão em que medeia a ordem jurídica interna e ordem jurídica internacional é autônoma. Contudo GILISSEN (2001), afirma que em caso de conflito entre o tratado e a lei interna, ou seja, entre a ordem jurídica internacional e a nacional, é o tratado que se sobrepõe, obtendo primazia sobre a norma interna. Isso indica que os preceitos primários e secundários do direito têm aplicação imediata e preferente sobre as normas contrárias de direito interno, tendo por limites de aplicação os direitos fundamentais dos cidadãos e a estrutura da própria nação. E nessa linha de raciocínio tem-se que A execução/concretização da primazia de aplicação do direito comunitário obriga as autoridades e tribunais nacionais a, no caso de conflito entre o direito interno e o direito comunitário, darem prevalência a este último. O dever de interpretação do direito nacional em conformidade com o direito comunitário e o dever oficioso de não aplicação do direito interno desconforme com o direito comunitário constituem os dois instrumentos metódicos básicos para assegurarem o primado de aplicação do direito comunitário. (CANOTILHO, 1998, p. 919-920). 37 Na comunidade europeia parece se poder afirmar a doutrina da recepção automática das normas de direito internacional geral ou comum. Isso implica que estas normas são diretamente aplicáveis pelos tribunais e outras autoridades encarregadas de aplicar o direito. Não necessitando de qualquer transformação em lei ou outro acto de direito interno para poderem ser considerados incorporadas ao ordenamento interno as normas de direito internacional comum entram em vigor ao mesmo tempo que adquirem vigência na ordem internacional. (CANOTILHO, 1998, p. 814) Registre-se, também, que o princípio da integração (artigo 7/6 – exercício comum dos poderes necessários à construção da União Européia) e o princípio da capacidade funcional da Comunidade apontam preferência para a aplicação do direito internacional ou supranacional, prevalecendo sobre a ordem jurídica interna. 5.2. A Comunidade Européia Modernamente surgiram alguns blocos econômicos e políticos formados por nações com interesses comuns como a União Européia (bloco mais antigo) e o MERCOSUL (de formação mais recente e composto por países situados no cone sul). Por ser o bloco mais antigo vale registrar que a União Européia é resultado da unificação de três organizações distintas: a) Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), inaugurada pelo Tratado de Paris (18/4/1951); b) Comunidade Econômica Européia (CEE) atualmente CE, resultante do Tratado de Roma (25/3/1957); e a c) Comunidade Européia de Energia Atômica (EUROTOM). 38 Estas três comunidades foram unificadas e transformadas pelo Acto Único Europeu (17/2/1986) e posteriormente pelo Tratado de Maastricht (7/2/1992), passando a compor uma comunidade única formada por várias nações européias, sob a denominação de Comunidade Européia, dispondo de organização e estrutura próprias, inclusive e especialmente no que se refere ao conjunto normativo por ela editado através de tratados, convenções, regulamentos comunitários e diretivas comunitárias, formando um direito comunitário, decorrente de acordos celebrados entre as nações que compõem o bloco e de observância obrigatória para todos eles. 5.3. O Direito Comunitário O Direito comunitário é um direito supranacional que tem por instrumento de veiculação os tratados e convenções internacionais celebrados entre as nações que compõem a Comunidade. Nestes países, um poder supranacional pode para o futuro impor obrigações não apenas aos estados da comunidade, mas também diretamente aos particulares desses estados. Em caso de conflito entre o tratado e a lei interna, ou seja, entre a ordem jurídica comunitária e a nacional, é o tratado que obtém a primazia. Daí resulta que, além das leis, decretos e despachos nacionais, são também aplicáveis os regulamentos da CE nos países-membros da comunidade. Merece referência o Tratado de Roma de 29 de outubro de 2004, que estabeleceu uma Constituição para a Europa, onde tem como fundamento a decisão de “continuar la obra realizada em el marco de los 39 Tratados constitutivos de las Comunidades Europeas y del Tratado de la Unión Europea, garantizando la continuidad del acervo comunitário” (UNIÓN EUROPEA, 2004, p.9) e em seu artigo 1-5, item 2, estabelece que: Conforme al principio de cooperación leal, la Unión y los Estados, miembros se respetáran y asistirán mutuamente en el cumplimiento de las misiones derivadas de la Constitución. Los Estados miembros adoptarán todas las medidas generales o particulares apropiadas para aseguraren cumplimiento de las obligaciones derivadas de la Constitución o resultantes de los actos de las instituciones de la Unión. Los Estados Miembros ayudarán a la Unión en el cumplimiento de su misión y se absterán de toda medida que pueda poner en peligro la consecución de los objetivos de la Unión. (UNION EUROPEA, 2004, p. 18). Portanto, nos países que compõem a União Européia, o direito comunitário goza de posição hierárquica superior ao regramento legal interno, desde que naturalmente preservadas as individualidades, especialmente quando se trata de direitos humanos, até porque foi instituído e atribuído poder regulamentar ao o Conselho e a Comissão das Comunidades Européias previstas nos tratados. Além dos tratados e convenções internacionais como acima visto, a Comunidade edita também outros atos normativos de observância obrigatória por todos. Os instrumentos normativos principais são os regulamentos comunitários e as diretivas comunitárias, formando assim o conjunto normativo de direito comunitário ou supranacional, com aplicação impositiva entre os países signatários. Veja-se, a seguir, estas espécies normativas supranacionais: a) Regulamentos comunitários: tem natureza normativa e são fontes primárias do direito comunitário logo a seguir aos tratados. Não existem atos comunitários formados por leis. Eis suas características mais relevantes: 40 i) natureza e alcance geral; ii) obrigatoriedade em todos os seus elementos; iii) aplicabilidade direta em todos os estados-membros. Importante observar que os regulamentos são auto- aplicativos,operando diretamente no ordenamento jurídico interno sem necessidade de ato externo de execução. b) Diretivas comunitárias: são atos normativos que apresentam duas características distintas: a) vinculam os estados-membros a uma obrigação de resultado, deixando a estes a discricionariedade quanto à forma de alcançá-los; e b) permite regimes particulares nacionais: os princípios devem informar os resultados. 5.4. Direito Internacional A par dessa estrutura normativa acima demonstrada, tem-se ainda o direito costumeiro nas relações internacionais, qual seja, aquele constituído pelos usos e costumes internacionais com força obrigatória, bem como outras regras editadas pelos organismos internacionais. Na falta de legislador supranacional, o costume é e continua a ser a principal fonte de direito no domínio do direito internacional, tanto público como privado, ou no direito comercial. Uma parte do direito internacional consuetudinário foi, no entanto, reduzido a escrito sob a forma de tratado adotado num certo número de países. Eram pouco numerosos antes deste século, mas o número destes tratados cresce 41 continuamente. No entanto, apenas um pequeno número obriga a maioria das nações já que para os outros países, que não fazem parte do tratado, o conteúdo destes é muitas vezes considerado como direito consuetudinário. Um exemplo, entre outros, é o Tratado de Viena de 1971 sobre as relações diplomáticas. Também na área do comércio internacional têm grande relevância as codificações privadas emanadas de organismos internacionais. Vejase, por exemplo, a codificação privada ao serviço de corporações profissionais internacionais como a Câmara de Comércio Internacional e o Comitê Marítimo Internacional ou organismos especializados da O.N.U. como a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (C.N.U.D.C.I). Estas codificações privadas são mais maleáveis do que um tratado, pois permitem adaptações freqüentes segundo a evolução do costume. Assim são as “Normas de Varsóvia e de Oxford” de 1928 e de 1932, estabelecidas para a venda CIF pela Internacional Law Associatión, as Normas Uniformes relativas aos créditos titulados por documento, revistas em 1974, etc. Não é, de resto, raro neste domínio que uma norma de direito convencional seja derrogada por uma norma de direito consuetudinário mais recente. E demonstrando a importância e aplicabilidade dos tratados internacionais, com muita propriedade, CANOTILHO (1998, p. 492), afirma que: O estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, estabelecido pelo Tratado de S. Francisco de 1945 define, no seu art. 38º o costume “como...uma prática geral deste Tribunal: “usos aceites geralmente como consagrando princípios de direito”. 42 O costume internacional repousa sobre usos e sobre a opinio necessitatis ou seja, sobre a convicção do carácter obrigatório da norma. No domínio do comércio internacional, em que se recorre frequentemente à arbitragem, formou-se uma lex mercatoria universal, autônoma em relação aos direitos estatais. Portanto, a tendência moderna é cada vez mais a busca da uniformização das relações internacionais através de uma normatização sistemática e geral aplicável a todas as nações, com caráter supranacional e de observância impositiva por todos quantos a ela se sujeitem, respeitadas, de qualquer sorte, a soberania dos povos. 5.5. Os tratados internacionais e sua aplicação no Brasil 5.5.1. O regime jurídico O sistema jurídico brasileiro impõe um ritual próprio para a recepção dos tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja signatário. A Constituição Federal estabelece regime jurídico especial para inserção dos acordos internacionais no ordenamento pátrio. Inicialmente a Carta Magna estabelece que o Brasil rege-se nas suas relações por princípios, dentre eles: a) autodeterminação dos povos; b) igualdade entre os Estados; e c) cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Estabelece, também, no parágrafo único do artigo 4º, que a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações, de natureza ampla e com bases em interesses diversos como instrumento de realização da integração. 43 Prevê, ainda, o Estatuto Constitucional no parágrafo segundo do artigo 5º que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Ou seja, os acordos celebrados têm garantia constitucional de validez e aplicabilidade na ordem interna. E ainda para dar mais força aos tratados e convenções, deu-lhes dignidade constitucional ao assegurar no parágrafo terceiro do citado artigo 5º, o status de emenda constitucional, verbis: § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Tal procedimento, no entanto, não é privilégio somente do direito brasileiro. Várias nações, dentre elas a Argentina atribuem caráter supralegal aos tratados que cuidam de direito humanos. Leia-se a este propósito o texto a seguir: Con la reforma constitucional de 1994, los tratados internacionales de derechos humanos enumerados en el inc. 22 del art. 75, tienen jerarquía constitucional y, por tanto, rango superior al resto de los tratados no enumerados (aunque fuesen de derechos humanos)) y a la ley. (VEGAS, 1996, p. 40) Portanto, os tratados ou convenções internacionais celebrados pelo Brasil cujo objeto seja direitos humanos, caso sejam referendados pelo Congresso Nacional, por três quintos dos votos de seus membros, passam a equiparar-se a emenda constitucional, constituindo-se, pois, em norma integrante da Carta Maior do país. 44 O rito estabelecido para celebração dos tratados é o que segue: o Presidente da República celebra o acordo internacional, representando a República Federativa do Brasil (artigo 84, VIII); após a celebração, submete o tratado ou a convenção ao referendo do Congresso Nacional que resolve definitivamente sobre o acordo (artigo 49, inciso I, C.F); referendado o acordo através de Decreto Legislativo, o Presidente da República edita decreto ratificando o ato praticado pelo Congresso e inserindo na ordem jurídica interna os termos contidos no tratado que passam a ter vigência e eficácia no mundo jurídico pátrio. Demonstra-se que tal instrumento normativo tem natureza de legislação, qual seja, ele é introduzido no mundo jurídico seguindo um ritual legislativo que, uma vez cumprido, faz com que as regras postas no acordo internacional passem a disciplinar relações jurídicas surgidas na ordem interna, com caráter de observância obrigatória por todos que estejam sujeitos às leis nacionais. Resta claro, pois, como sobejamente demonstrado, que estes acordos internacionais, veiculados por meio de tratados ou convenções, ao cumprirem o ritual a eles reservados, revestem-se, induvidosamente da condição de legislação tendo, por conseguinte, validade e eficácia plenas no território nacional, com status de norma constitucional anteriormente visto, se revestido das formalidades próprias, ou de legislação ordinária, constituindo-se, pois, como uma das mais importantes (senão a mais importante) fonte de direito dos sistemas jurídicos positivos hodiernos que reservam a estes acordos, regime jurídico semelhante ao apresentado neste estudo. 45 6 – CONCLUSÕES O problema das fontes de direito tem trazido muitas discussões e criado diversas polêmicas sobre sua natureza e classificação. Como visto no presente estudo, os autores divergem quanto a estes aspectos das fontes, de acordo com a formação filosófica ou teórica de cada um. Alguns, como Kelsen, consideram que a única fonte de direito válida é a lei (onde uma norma de hierarquia superior serve de fundamento de validade para a norma imediatamente inferior, sendo a constituição, o fundamento de validade de todo o ordenamento positivo). Outros autores, como Miguel Reale, adotam uma classificação que não inclui a doutrina como fonte primária de direito, por lhe faltar estrutura de poder, mas apenas a compreende como elemento auxiliar destas, emprestando, todavia, importantíssimo papel no desenvolver da experiência jurídica e na dinâmica do ordenamento jurídico. No sistema jurídico pátrio os acordos internacionais podem ou não assumir a condição de fontes de direito. E, ainda, podem ser caracterizados como fontes primárias, com dignidade constitucional ou revestidas da condição de legislação, dependendo do rito a que sejam submetidos e da matéria de que tratam. E na hipótese de não serem aprovados pelo Poder Legislativo, não irradiam efeitos jurídicos na ordem interna, não se revestindo da condição de fonte de direito. Se a matéria objeto do acordo ou convenção internacional for direitos humanos e caso seja aprovado no Congresso Nacional com maioria de três quintos dos votos dos congressistas, nas duas casas 46 legislativas, o acordo se posiciona no ordenamento com status de norma constitucional, passando, pois, a inserir-se no ordenamento maior. Caso seja o acordo celebrado, aprovado submetendo-se ao rito ordinário de elaboração normativa, através de simples manifestação do Legislativo e com sua ratificação pelo Chefe do Poder Executivo através de decreto, os comandos normativos nele contidos assumem a condição de legislação e passam a irradiar efeitos jurídicos na ordem interna, disciplinando as condutas por ele normatizadas. Nestas internacionais hipóteses susocitadas, os assumem, induvidosamente, tratados a e condição convenções de fontes primárias do direito, pois seu conteúdo regula, por si próprio, os comportamentos que foram objeto da normatização e se inserem na ordem jurídica interna e, por serem de observância obrigatória, passam a regular as condutas de todos aqueles sujeitos ao ordenamento jurídico pátrio. É certo que esta é uma conclusão a que se chega neste estudo que não deve ser analisada com caráter absoluto, vez que outros estudos mais aprofundados ou a própria evolução do direito podem chegar a conclusões diversas dessa que aqui se expõe. Espera-se, todavia, que este trabalho possa servir de estímulo a estudiosos da matéria e novas pesquisas possam ser desenvolvidas e tragam novas luzes sobre este polêmico tema, de tanta relevância para a evolução do direito e, por conseguinte, da própria sociedade, realizando seu valor maior, a justiça. 47 7 - BIBLIOGRAFÍA BOBBIO, Norberto. 1999. 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