Encontro Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 COMO EXPLICAR A 'FALTA DE INTERESSE' DOS ALUNOS?1 RESUMO Ana Clara Bin Universidade de São Paulo - FE/USP [email protected] A falta de participação dos alunos, a falta de interesse pelos temas estudados, o não cumprimento das tarefas e as conversas entre colegas sobre assuntos que não tem relação com a aula, são queixas muito frequente de professores. O interesse e a participação dos alunos em diferentes níveis de escolaridade tem sido hoje uma das grandes preocupações no setor educacional. O presente trabalho procura refletir sobre o conceito de interesse, como construção histórica, sobre a óptica de John Dewey (1859-1952). John Dewey, principal expoente do movimento da Escola Nova, encabeça uma renovadora tendência teórica e prática para abordar questões de ensino, privilegiando a centralidade da criança e de seu aprendizado no processo pedagógico. Palavras-Chave: psicologia escolar e educacional; interesse; experiência; aprendizado; disciplina; ensino. ABSTRACT The lack of participation of students, lack of interest in the subjects studied, the non-fulfillment of the tasks and conversations among colleagues on matters unrelated to the class, are very common complaints of teachers. The interest and participation of students in different levels of schooling today has been a major concern in the educational sector. This work seeks to reflect on the concept of interest such as historical, on the optics of John Dewey (1859-1952). John Dewey, the leading exponent of the New School movement, leading a trend of renewal theory and practice to address issues of education, emphasizing the centrality of the child and their learning in the educational process. Keywords: Scholar and educational psychology; interest; experience; learning; discipline; teaching. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 07/02/2012 Avaliado em: 29/03/2012 Publicação: 04 de maio de 2012 1 O texto é adaptado de Infância e experiência no pensamento de John Dewey apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia. 117 118 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? 1. INTRODUÇÃO A falta de participação dos alunos, a falta de interesse pelos temas estudados, o não cumprimento das tarefas e as conversas entre colegas sobre assuntos que não tem relação com a aula, são queixas muito frequente de professores. O interesse e a participação dos alunos em diferentes níveis de escolaridade tem sido hoje uma das grandes preocupações no setor educacional. É comum encontrar em diferentes revistas, sites e blogs uma incontável lista de dicas sobre como motivar os alunos, diversas explanações de experiências bem sucedidas nas quais o interesse pode ser verificado e ainda uma série de tentativas de explicações para o desinteresse real ou aparente dos alunos durante as aulas. Este artigo tem como objetivo explorar a questão da “falta de interesse” dos alunos investigando teorias que possam explicá-la. Não se trata de verificar quando há ou não o interesse ou a falta dele, mas de compreender por meio de pesquisa bibliográfica os seus fundamentos e identificar elementos que estão em jogo quando afirmamos que os alunos “não tem interesse” pelas matérias estudadas. Portando esse questionamento, decidimos verificar quais pesquisas elegiam tema semelhante ao nosso e se elas compartilhavam de nossas dúvidas. Pudemos constatar um número reduzido de pesquisas sobre o interesse ou a falta de interesse dos alunos. Dentre as pesquisas encontradas podemos identificar uma grande diversidade de abordagens; porém, a maioria delas, está atrelada à psicologia escolar e psicologia do desenvolvimento humano. Sob esta ótica encontramos algumas investigações nas quais o termo volição é usado e pesquisado. Volição pode ser entendida como uma das principais funções psicológicas humanas e definida como um processo cognitivo pelo qual um indivíduo se decide a praticar uma ação em particular é um esforço deliberado. Há pesquisas que vinculam os processos volitivos aplicados às situações de ensino e aprendizagem. Do ponto de vista da Didática e das teorias pedagógicas, há diversidade de pesquisas sobre o tema, contudo, neste estudo decidimos ao explorar autores consagrados pela história das ideias pedagógicas e então apresentar o conceito de interesse sob a ótica de John Dewey no movimento da escola nova. Partindo do pressuposto de que a preocupação com o interesse dos alunos não é nova, mas já estava no debate de educadores norte-americanos do século XX, este estudo foca na busca da teoria que possa explicitar as causas da “falta de interesse” dos alunos pelas situações de ensino. Portanto, neste texto discutimos o conceito de interesse na educação, como construção histórica e buscamos na obra o americano John Dewey a teoria que explora o Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 119 tema do interesse e sua relação com os processos educativos, o autor oferece elementos consistentes para analisá-lo e explicá-lo. 2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TEMA DO INTERESSE NA OBRA DE JOHN DEWEY Podemos verificar que um dos conceitos basilares do pensamento de John Dewey sobre educação é a reflexão sobre a “natureza das matérias de estudo” e o lugar que estas ocupam na estrutura teórica do ensino e na sua prática. Para a educação formal de um grupo social complexo, importa perceber que “as matérias de estudo são os fatos observados, recordados, lidos, discutidos e as ideias sugeridas no desenvolver-se de uma situação que tenha um objetivo” (DEWEY, 1959, p. 199). Ocorre um processo de “seleção, formulação e organização” dos significantes que possuem sentido para que, desta forma, tais significantes ganhem ‘status’ de conteúdos passíveis de ensino. Para ilustrar sua análise, Dewey propõe pensarmos em um grupo social primitivo no qual os saberes essenciais, socialmente úteis, são transmitidos de uma maneira quase natural. A necessidade de determinados costumes para a vida prática determina que sejam transmitidos de geração em geração. Ritos e mitos são também alvos de certa transmissão cultural já que, embora mais subjetivos, também são fatores identitários de um grupo social. Tais proposições iniciais servem para sustentar que: “na educação não-formal ou assistemática a matéria do estudo encontra-se diretamente na sua matriz, que é o próprio intercâmbio social” (DEWEY, 1959, p.199). O objetivo de Dewey é sinalizar que há uma intrínseca relação entre as matérias e a vida social. O autor assume essa proposição como um fato e alerta que, embora pareça direta, a relação entre as matérias de estudo, proposta por uma educação, formal e a vida social não é tão óbvia e pode-se facilmente perdê-la de vista. Contudo a concepção deweyana de matérias de ensino remete a uma dimensão dupla. Se por um lado salienta a necessidade de buscar-se uma congruência com a vida social do indivíduo, por outro lado passa obrigatoriamente pelo entendimento de que há um distanciamento real entre as matérias e a experiência dos jovens. Visto que o aumento da complexidade dos grupos sociais torna a simples transmissão insuficiente, essa prática traduz-se em intuitos de ensino por intermédio de um o processo de extração das significações consideradas mais importantes e decorrente sistematização destas. Entretanto, esse processo pode resultar em um afrouxamento do elo da matéria de estudo com a cultura, o que torna a aprendizagem um fim em si mesmo. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 120 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? Para remediar tal efeito negativo, Dewey defende a ordenação das matérias de ensino, do currículo e do programa escolar. Ao discorrer sobre a natureza das matérias de estudo, Dewey demarca que professores e alunos as compreendem de maneiras totalmente distintas. Constata o autor acerca do tema: “O professor apresenta no estado atual, em ato, o que o aluno é unicamente in posse, potencialmente. Isto é, o professor já sabe as coisas que o estudante só agora está a aprender. Por isso, os problemas dos dois são radicalmente diversos” (DEWEY, 1959, p.202). Ter clareza de tal diferença é proposição primária a partir da qual se daria a estruturação de boas propostas de ensino. Em outras considerações a respeito do entender do aluno quanto às matérias de ensino. Como já dissemos, o aluno está principiando no conhecimento e convívio com as diferentes ciências que compõe o currículo e, portanto, a sua maneira de compreendê-las é significativamente particular. Para este sujeito iniciante a matéria é “fluida” e “escassa”. O aluno não possui a dimensão do todo e começa a entender as matérias que lhes são apresentadas através da associação e aproximação com suas ocupações pessoais. Daí decorre a seguinte compreensão: as matérias precisam ter relação com a vida social do indivíduo, então o professor deve colaborar para que seus alunos estabeleçam tais relações e, nesse contexto, o professor pode ser um facilitador. Posteriormente, com especial riqueza, Dewey tece considerações sobre o que significa, ou o que para ele deveriam significar as matérias de ensino para o professor. Primeiramente, o professor deve ater-se a uma análise do currículo, pois este é um compêndio das matérias já organizadas e, portanto, traduz aquilo que se considera importante transmitir às novas gerações. Ignorar tal organização é dedicar-se ao desnecessário trabalho de buscar as significações sociais das matérias de estudo que já estão dadas no currículo, visto que o professor já sabe aquilo que o aluno ainda irá aprender, necessariamente cabe aos mestres a incumbência de ter um alto domínio da matéria que irão ensinar. Para Dewey a compreensão do professor sobre as matérias de ensino reflete o modo pelo qual a sociedade organizou os conhecimentos produzidos. Desta maneira a função do professor aproxima-se do especialista, dos livros e das obras de arte. Certamente o material de trabalho do professor é o conhecimento produzido, cônscio de que a diferença entre o “estado atual” do conhecimento da humanidade e o “estado atual dos alunos” é imensurável. Outra base sobre a qual se estrutura o pensamento de John Dewey é a ideia de método. Talvez semelhante conceito seja um dos mais interessantes porque é aquele que reflete melhor as raízes filosóficas do autor aliadas à sua experiência de educador. Para Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 121 ele, “o domínio próprio do método seria a consideração dos meios pelos quais essa matéria possa ser apresentada ao espírito e gravada no mesmo” (DEWEY, 1959, p. 181). Partindo desta definição, Dewey demonstra um amplo conhecimento das possíveis implicações para prática educativa e discorre sobre esse tema de reconhecido protagonismo no cenário educacional da atualidade. Dewey traça uma trajetória que parte da ação da inteligência sobre os conhecimentos de uma determinada ciência. Para tanto, a ideia de método é a “consideração dos meios com os quais o espírito possa ser externamente levado a entrar em contato com essa matéria, de modo a facilitar sua aquisição e sua posse” (DEWEY, 1959, p.181). Deste modo, pensar o método para Dewey é lançar o olhar para o aprendizado das matérias de estudo. Porém o processo de aprender não ocorre de uma maneira espontânea, mas, sobretudo quando o educando é conduzido pelo mestre. Alertando para o risco que se corre ao enveredar-se – em suas palavras – por uma “pretensa ciência dos métodos de ensino”, Dewey, em certa medida, preconiza um debate sobre a pedagogia. Ora, o autor reconhece que entendê-la como uma simples reunião ou prescrição de métodos é reduzir o seu significado e esvaziar a sua utilidade. Para ele, a raiz de tal conflito encontra-se justamente em um falso entendimento: considerar matérias e métodos como “fases” distintas do processo de ensino. Segundo Dewey, método e matérias de estudo são conceitos indissociáveis. A natureza de ambos garante essa firme conexão. Tal característica pode ser facilmente identificada se usarmos o recurso de pensar no oposto desta proposição, ou seja, a completa dissociação entre matéria e métodos. É comum ouvir: “aquele professor sabe muito a matéria, mas não sabe 'passar’”. Este é um bom exemplo de quando o senso comum detecta o divórcio entre matérias e métodos em algumas situações da educação formal. Uma vez consolidada, a prática que estabelece uma bifurcação entre as matérias e métodos acarreta graves problemas. Dewey destaca ao menos quatro sintomas que são herança de semelhante concepção errônea. O primeiro grande mal está posto quando há um aceleramento das experiências de tal maneira que não há tempo suficiente para que a criança compreenda a lógica do encadeamento, das etapas sucessivas, enfim, o método. Não atentar para a qualidade da experiência em curso é, deste ponto de vista, uma grande falha do professor que acaba prescrevendo os métodos. No entanto, Dewey não exclui terminantemente a possibilidade de se prescrever métodos. Segundo ele, essa prática é até indicada, especialmente quando os alunos estão demasiadamente presos ao uso de seu próprio raciocínio. Isto é, deve-se avaliar, em cada caso, a necessidade de manter ou questionar a maneira de pensar de seus Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 122 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? alunos com vistas a uma elevação da qualidade da experiência e do aprendizado; pois, para o aluno, método é parte do ato de aprender. A segunda consequência negativa é promovida à proporção que o professor presume que não há relação entre a matéria e o método, e dirigindo suas ações no sentido de criá-las, o faz de uma maneira desastrosa. O mestre apela então para diferentes soluções: para a exigência do empenho resignado do aluno; para ameaças de consequências desagradáveis caso não ajam como se espera; ou ainda pode se dedicar a excitar a sensação de prazer. Em “A criança e o currículo” Dewey descreve e nomeia todas essas versões respectivamente nas teorias do esforço, disciplina e interesse. O terceiro dessa série de males assenta-se na constatação de que a concepção do professor sobre matéria e método interfere diretamente também nas atitudes do aluno. Os alunos respondem à maneira pela qual a matéria lhe é apresentada. Quando um professor propõe matérias sem um deliberado esforço para que os alunos encontrem nelas meios para realizarem atividades posteriores, informa pelo tratamento dado as matérias, que são um fim em si mesmo. Desta feita, os alunos passam a acreditar que as matérias de estudo são apenas coisas que obrigatoriamente têm que aprender. Dewey pregava que os métodos deveriam deslocar o eixo do processo de aprender abandonando esse que reafirma as matérias como uma ‘obrigação’. Isso se torna um fardo excessivamente angustiante para os alunos. A simples tentativa de mudar esse foco transporta as matérias de estudo a uma condição mais elevada; a criança busca nelas respostas a questões de seu interesse e por essa via se dá o ensino ativo. A última grande complicação, apresentada por Dewey, refere-se mais especificamente ao “fazer pedagógico”. Ao diferenciar em seu pensamento matéria e método, este último torna-se uma atividade meramente burocrática. Há uma indesejável mecanização das ações do professor que se torna um mero executor de tarefas. No modelo tradicional de ensino matéria e método não alcançam significado algum senão o de serem tarefas para alunos e professores. Com propriedade Dewey utiliza-se da figura do artista e do processo de criação artístico como imagem que irá traduzir com uma maior clareza a ideia de método em educação. Na arte cabem o improviso, a inspiração e as aptidões inatas do artista. No entanto essas particularidades depuram-se por meio de um pleno conhecimento dos diferentes tipos de materiais, das técnicas recorrentes, de métodos acumulados e de sucessivos exercícios até que o artista consiga reinterpretar as informações e experiências em busca do resultado que idealizou. Assim, não desprezando nenhuma dessas variáveis, Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 123 é possível encontrar um estilo próprio e promover inovações criativas características do fazer artístico. Em educação podemos comprovar a existência de métodos “clássicos” - no sentido de terem sido experimentados e assim é revelada uma dimensão coletiva dos métodos de ensino. Tais métodos não “escravizam”, mas servem para orientar o trabalho dos professores. Poupa-lhes o trabalho de sempre “(re)inventar”. Os métodos revelam, em certa medida, a caracterização de uma dimensão “científica” do trabalho do professor: Revela-se ainda outra característica do trabalho do mestre que tem em si algo de subjetivo. Da mesma maneira que o fato de dominar diferentes técnicas de pintura e métodos de lidar com os materiais não garante, em si, um artista ou uma obra artística, no fazer pedagógico também não basta o domínio dos métodos. Em ambos os casos os processos são repletos de múltiplos fatores que os compõem e determinam. Por essa perspectiva podemos afirmar que Dewey nutre alta expectativa em relação ao trabalho do professor. Salientava que os professores não deveriam procurar um método fixo, mas que, com maleabilidade e iniciativa pudessem ir testando, criando um repertório de suas próprias experiências; assim revela-se outra dimensão do método: a dimensão artística no sentido de acenar a individualidade e criatividade do sujeito. É importante sublinhar que a preocupação de Dewey não era prover os mestres de recursos para iludirem os alunos para que estes não soubessem que estão aprendendo lições. A ideia defendida é a que sustenta a responsabilidade do professor em organizar as atividades a fim de que cada aluno possa perceber a relação da matéria de estudo com alguma atividade pessoal sua que estaria em curso. Do ponto de vista histórico, o período conhecido como do “movimento das Escolas Novas” é, de fato, o ponto de maior proliferação de métodos em toda a história da pedagogia. Educadores renovados como Montessori, Decroly, Cousinet, Kilpatrick entre outros; desenvolveram uma série de técnicas que julgavam garantir um ensino centrado no aluno. No entanto, Luzuriaga sublinha que os métodos são é apenas um viés possível para o estudo de tão ampla temática, porém não é o único. Com efeito, Dewey se destaca por compreender, por uma base sólida, quão longe vão as ações pedagógicas que ele reprovava. Busca entender a origem das práticas que condenava; para então sugerir uma proposta para a educação das crianças e jovens que corrobora com seus princípios. Entretanto, o intento de Dewey não era propor um método. Dedicou-se ao estudo da temática do ensino e considerava o método um dos pilares na construção da educação que julgava ideal para sociedade em que vivia visando o progresso social. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 124 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? 3. INTERESSE E DISCIPLINA Distintos conceitos que se agregam a esses primeiros – matéria e método - como fundamentos da teoria deweyana sobre educação são interesse e esforço. É possível encontrar, nos mais recentes estudos sobre a obra de John Dewey, muitas divergências na extração das significações, na interpretação da obra e na eleição de aspectos considerados como mais relevantes dentre as contribuições do autor para a filosofia e para a educação. No entanto, há um aparente consenso quanto ao conceito de interesse como um dos pontos cruciais da teoria. Interesse é, sem dúvida, algo inerente à prática educativa sob o ponto de vista dos educadores progressistas. O tema do interesse, bem como seus desdobramentos, percorre grande parte da obra de John Dewey. O autor busca realizar um meticuloso estudo abordando aspectos extremamente amplos; o que torna a compreensão e o mapeamento de suas ideias um empreendimento bastante árduo. Em um primeiro ensaio, o autor apura semântica e etimologicamente a palavra interesse. A proposição inicial infere que as palavras interesse, objetivo, intenção, propósito, motivação, têm significados correlatos. A diferença é apenas de força expressiva: “a significação velada em uma série de palavras acha-se clara na outra” (DEWEY, 1959, p.137). A citação acima traz novamente o cuidado com a linguagem e expressa uma preocupação do autor em estabelecer, expressar e esclarecer os seus princípios; é certamente uma atitude louvável que caracteriza sua extensa obra tornandoa referência para profissionais do ensino em diversos locais e épocas e colocando-a em lugar de destaque na história da educação. Dewey busca diferentes usos para a palavra interesse e detecta três significados nos seus usos corriqueiros. Porém a intenção não é invalidá-los, pelo contrário, recorre a essas explicações como suporte para compreender as interpretações educacionais do termo, já que, como se sabe, as interpretações informais de alguma maneira permeiam a construção dos pensamentos em educação. A impressão que o autor transmite é que importa compreender a lógica que há nos usos informais do termo interesse para então lhe atribuir um novo significado, e, enfim, recontextualizá-lo no campo educacional. O primeiro significado exemplifica-se pela expressão: “o interesse de alguém é a política”. Mesmo enunciando o objeto do interesse (política), é possível compreender que há uma totalidade da situação, sintetizada na percepção da mesma como um desenvolvimento ativo. O segundo significado é quase uma inversão do primeiro. Quando dizemos que tal pessoa irá “cuidar de seus interesses”, estamos inaugurando Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 125 outra maneira de ver a situação, um modo que se centra nas conseqüências da ação. É a dimensão dos resultados previstos e desejados, ou, nas palavras de Dewey, “o ponto em que tal assunto afeta a pessoa” (DEWEY, 1959 p. 138). Já a terceira compreensão possível concretiza-se na expressão “estar interessado”; e consiste em considerar como ponto de vista, a pessoa. Nessa última forma, ressalta-se o valor da propensão emocional, isto é, o grau de envolvimento emocional da pessoa em determinada situação. Assim, o autor avalia os usos informais da palavra interesse e acrescenta a estes olhares o significado epistemológico da palavra: aquilo que está entre. O ponto em comum entre todas essas perspectivas é que, quase sempre, a palavra interesse é empregada para exprimir a qualidade da relação entre uma pessoa e um material. Quer no âmbito da comunicação informal, quer nas produções que expressam o pensamento educacional, esse é um dos traços que caracteriza inicialmente o interesse: é, efetivamente, relativo à atitude ou ações: A atitude de quem toma parte em alguma espécie de atividade é, conseguintemente, dupla: há o cuidado, a ansiedade pelas futuras conseqüências, e a tendência para agir, no sentido de assegurar as melhores e evitar as piores conseqüências. Há uma palavra para exprimir essa atitude: é interesse. (DEWEY, 1959, p.136). Ampliando essas ponderações iniciais, Dewey define: “Interesse significa que o eu e o mundo exterior se acham juntamente empenhados em uma situação em marcha” (DEWEY, 1959, p.137). Nota-se que a ideia de interesse somente se sustenta ao derivar, como já explicitado, de um princípio de atividade humana. Só é possível tecer considerações sobre o interesse quando se tem previamente convencionado que tratamos de um indivíduo ativo, o agente que é responsável pelas atividades vitais. Ora, uma ação não se constitui por fases, é uma situação única e homogênea. Mas, se fosse possível subdividir os aspectos de uma ação, chegaríamos a dois fundamentais: o interesse pessoal e a previsão objetiva. Portanto, as unidades mínimas da ação são: os interesses pessoais e a previsibilidade. O primeiro conta com aspectos volitivos e é relativo às emoções, e o segundo ao intelecto. Vida e Educação não corresponde a nenhuma obra que foi estruturada como um livro por John Dewey. É um compêndio organizado por Anísio Teixeira há a transcrição de um artigo intitulado “Interesse e esforço”. Nesse estudo Dewey nomeia duas grandes categorias: os interesses diretos e os indiretos. A partir daí percorre uma série de características de ambos os grupos de interesses, quase que criando outras subcategorias. Os interesses diretos são aqueles produzidos por atividades nas quais há fim em si mesmas. Um exemplo disso são os jogos e brinquedos. Quando uma criança se envolve em atividades dessa natureza não há qualquer interesse ulterior senão a própria ação presente do jogo. Portanto, o interesse que emerge é do tipo direto. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 126 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? No outro tipo de interesse, aquele considerado indireto, coisas ou situações que antes eram indiferentes ou repulsivas tornam-se interessantes. Dewey toma como exemplo desse fenômeno a teoria musical e a técnica manual, que podem ser totalmente desinteressantes se vistas como saberes isolados. Porém, “tornam-se fascinantes quando o aluno percebe o seu lugar e função no desenvolvimento perfeito do seu gosto pelo canto e pela música. Tudo depende, portanto, dessas relações e da percepção delas” (DEWEY, 1980, p.161). Assim, o interesse indireto é mediado pela percepção das relações entre as diversas atividades e o contexto maior na qual se inserem. Não há dúvida de que o interesse é a principal mola propulsora da ação. Porém, este não é suficiente para garantir que uma situação chegue ao seu fim ou que tenha êxito. Dewey pondera que há muitos obstáculos entre o início e a conclusão de uma ação. No que concerne às características da vontade, podem existir posturas pessoais que não concorrem para o bem de levar o interesse ao fim. Três exemplos possíveis são as posturas de obstinação, teimosia ou vontade fraca; em todas essas os imprevistos do caminho farão a pessoa desistir. No entanto, a previsão do percurso é um grande trunfo para levar uma situação a seu termo. Desta forma Dewey situa outro aspecto muitíssimo relevante nesse processo: a disciplina. Segundo o autor, a disciplina é capacidade de ação e, portanto, contém os mesmos elementos básicos da ação. Emoção enquanto vontade e previsibilidade como trabalho da inteligência devem estar em permanente congruência. Uma pessoa é disciplinada na medida em que exercitou apesar de suas ações e a empreendê-las resolutamente. Acrescente-se a este dom uma capacidade de resistência, sem uma empresa inteligentemente escolhida, à distração, às perturbações e aos obstáculos e tereis assim a essência da disciplina. Disciplina significa energia à nossa disposição; domínio dos recursos disponíveis para levar avante a atividade empreendida. Saber o que se deve fazer e fazê-lo prontamente e com a utilização dos meios requeridos, significa ser disciplinado, quer se trate de um exército, quer de um espírito. A disciplina é positiva. Humilhar o espírito, domar as propensões, compelir à obediência, mortificar a carne, fazer um subalterno executar um trabalho desagradável – estas coisas são ou não disciplinadoras, na medida em que desenvolverem a compreensão daquilo que se tenha em vista, e em que dêem perseverança para a ação. (DEWEY, 1959, p. 141). Vê-se que os aspectos volitivos são também utilizados por Dewey de forma emblemática para conceituar a disciplina. Assim, na disciplina estão implícitas as mesmas unidades encontradas na ação que são o interesse e a antevisão. Disciplina não é possível sem interesse e interesse não é possível sem disciplina. Ambos os aspectos estão em intersecção em um projeto educativo e jamais em pólos opostos. 4. INTERESSE E DISCIPLINA NA EDUCAÇÃO Há diferentes formas de se interpretar interesse na educação e, para cada interpretação encontrada, há também uma maneira correspondente de se organizar a prática educativa. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 127 E todas elas são, em alguma medida, ecos dos usos cotidianos da palavra interesse. A compreensão mais recorrente é a de que o interesse deve ser o início do processo e corresponde à primeira interpretação coloquial citada. Dessa dimensão de processos ativos decorrem as ideias de que não é possível planejar conteúdos escolares sem que estes estejam em relação estreita com os interesses dos alunos. Vale lembrar que o interesse dos alunos é dissipado, fluido, pode inclusive não ter nenhuma relevância para sua vida social; mas o sujeito inexperiente assim não o sabe. Levada ao extremo, esta hipótese beira à defesa de um espontaneísmo educacional completamente ilógico já que, educação pressupõe necessariamente uma intencionalidade. Outra interpretação possível é um pouco mais sofisticada e considera a perspectiva de que não é qualquer interesse da criança que deve possuir “carga didática”. Então a solução está em um professor hábil para selecionar quais interesses infantis correspondem a equivalentes sociais. Podemos ainda acrescentar mais uma forma de interpretar o interesse na educação. Tal interpretação exprime uma prática recorrente, porém menos radical. É aquela que entende o interesse como um “método” para se apresentar matérias de ensino aos alunos. Segundo Dewey, se é preciso tornar as coisas interessantes, é porque estas não são interessantes em si. Assim, vemos que o interesse como método distancia-se bastante da raiz da palavra interesse. Para o autor, essa é a forma mais depreciativa de se entender o interesse na educação. Relaciona-se a terceira significação descrita dos usos informais da palavra interesse, aquela que enleva as emoções. Uma prática assim permanece na mera excitação de prazeres pessoais que são efêmeros e, portanto, não educativos. Segundo Dewey o significado cotidiano que mais enriquece a perspectiva educacional do interesse é aquele relativo à etimologia: “estar entre”. Na educação significa que em uma ponta está o início e na outra o final do processo de aprendizagem. Assim, interesse refere-se a tempo de aprendizagem. Para Dewey o verdadeiro significado de “tornar as coisas interessantes” não é organizar as matérias em função do interesse dos alunos. Ao contrário, os alunos precisam compreender o papel da matéria na realização de atividades do seu interesse: Se foi preciso torná-lo interessante, isto significa que do modo por que foi apresentado não se relacionava com os fins e capacidades atuais: ou que se existia relação, esta não foi percebida. Torná-lo interessante levando-se alguém a compreender a conexão existente, é coisa de simples bom senso; e torná-lo interessante por meio de expedientes estranhos e artificiais, é merecer todos os maus nomes, com que tem sido chamada a teoria do interesse na educação. (DEWEY, 1959, p.139). Sob o olhar de Dewey, a segunda interpretação advinda do senso comum – aquela que considera os resultados – é deixada de lado na educação. Desta forma perde-se a imprescindível noção de “prospecção” para os agentes do processo educativo. Podemos Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 128 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? deduzir que o autor sublinha, por meio dos exemplos referentes ao uso cotidiano da palavra interesse, aclarar a sua compreensão acerca do interesse e a complexidade da interpretação e do uso do termo no meio educacional. 5. O INTERESSE IDEAL Como vimos, disciplina para Dewey é força de vontade aliada ao trabalho da inteligência. E o “desenvolvimento da inteligência” é um dos objetivos da educação, então a disciplina nunca foi excluída deste processo. Para o autor, a escola tradicional negativizou o conceito de disciplina; considera a disciplina apenas como aplicar-se a alguma coisa com o único fim de exercitar-se. Assim, reduziu o conceito a algo equivalente a uma “disciplina da vontade”. Tal interpretação é diametralmente oposta ao que Dewey defende como disciplina, ou seja, uma capacidade de realização que envolve a mente e o espírito. Diante desse quadro, no qual disciplina e interesse estão unidos, Dewey apresenta o que considera ser o seu ideal de interesse. Aquilo que ele idealiza como interesse pode ser exemplificado nas atividades artísticas; tal ideal transcende as preocupações escolares e resulta de questões sociais. Dewey constata um cisma tradicionalmente constituído e que se nos traduz diferentes níveis do sistema escolar. De um lado, a educação elementar, com um caráter estritamente utilitário; de outro, a educação de nível superior, com um caráter disciplinador ou cultural. Para ele essa incompatibilidade lança luz sobre a existência de dois tipos de indivíduos: “o indivíduo prático” e “o indivíduo teórico”. Essas duas categorias não advêm de simples condições naturais, mas é fruto da divisão da sociedade em uma classe trabalhadora e outra classe ociosa. Na primeira enquadra-se o indivíduo prático que se ocupa das “artes industriais” e possui um intelecto “não liberal”. Na segunda classe está o indivíduo teórico e culto que possui a “arte refinada” em interação com suas capacidades. Deste modo, há um estado permanente de rompimento entre interesse e intelecto. Para além desta restritiva divisão, na arte, interesse e intelecto estão fundidos: Os modelos de educação liberal e educação para atividades cotidianas são, com efeito, impostos pela organização da sociedade já descrita. Até então Dewey apenas descreve o que vê na sociedade de seu tempo sem, contudo, traçar qualquer juízo valorativo quanto às diferentes “classes” de indivíduo ou de educação decorrentes destes e postas na sociedade. Posiciona-se quanto à função da instituição dentro daquela norma que julgava estabelecida. Trata-se, na verdade, de analisar as atribuições sociais da escola que, necessariamente, dialogam com tal composição social. Para Dewey, a escola muda e é Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 129 mudada pelas condições sociais, de maneira tal que não pode esquivar-se do modelo social imposto, mas pode contribuir para melhorá-lo em suas condições. A ideia é que a educação, partindo das “verdadeiras concepções de interesse e disciplina”, promova um maior contato com atividades das duas naturezas (utilitárias e culturais). Para Dewey esse objetivo passava pela reorganização de todo o sistema de ensino e apresentava-se, naquele momento, como um grande desafio. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A natureza da criança, bem como as alternativas para melhor educá-la, são temas que, historicamente, assumem um importante papel na agenda de nossa sociedade. As categorias de criança e escola têm tido lugar de destaque nas investigações dos campos da filosofia, da história e da educação. O sentimento de infância – como se sabe – é uma construção histórica e social. A clássica teoria de Philippe Ariès identifica os fatores que compuseram a emergência social do sentimento de infância. Ariès identifica, como característica marcante do período medieval, o fato de que as crianças e os adultos conviviam nos mesmos espaços e compartilhavam o mesmo universo cultural. Assim, uma diferenciação clara entre a infância e a idade adulta até então não era estabelecida. Contudo, durante todo período medieval, a participação das crianças no mundo dos adultos é limitada. Podemos dizer que essas maneiras distintas de conceber a infância denotam o reconhecimento da sociedade quanto à peculiaridade dos jovens. Tal reconhecimento redundaria na especificidade dos cuidados e instrução das crianças. Por essa via, pode-se constatar que o conceito de infância não foi sempre o mesmo ao longo da história. Ao estabelecer uma sintética comparação entre as possíveis maneiras de se considerar a infância, pode-se passear pela concepção de criança como adultos em miniatura; até a ideia de um ser totalmente frágil e que devia ser protegido e guardado do mundo. Nesse sentido, a obra de Rousseau tem um papel preponderante no quadro geral da história. O autor articula distintos pensamentos acerca da infância presentes nos séculos que o antecederam. O legado rousseauniano é extremamente significativo, pois culminaria no moderno sentimento de infância. Partindo do conceito de um hipotético estado natural, Rousseau delineia, ao longo de sua obra, um pensamento sobre a natureza da infância. Para além da investigação filosófica da natureza humana, o autor busca caracterizar cada idade; ou seja, oferece parâmetros para observar a criança não mais pela perspectiva do adulto, mas Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 130 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? estabelecendo critérios próprios da infância e explicitando-os em tratado pedagógico. Eis o traço pelo qual podemos conceber o pensamento rousseauniano como precursor da teoria de Dewey. É evidente que a premissa do pensador norte-americano era reconhecer a criança com especificidades diferentes do adulto para então formular uma proposta de educação. John Dewey estabelece um quadro comparativo entre o mundo escolar e o mundo infantil. A criança teria a afeição e emoção como unidade da vida e seu mundo seria pequeno e pessoal. Em contrapartida o mundo escolar seria impessoal, especializado, dividido e classificado. Diante do aparente descompasso entre o mundo escolar e o mundo infantil, Dewey sublinha a necessidade de conciliação entre a criança e a experiência do adulto para que se transcorra o processo educativo. Estudando o modo pelo qual a obra de Dewey desenvolve conceitos, é possível considerar que o autor corrobora a ideia de uma sensibilidade social concernente à infância, à juventude (de uma maneira geral) e questiona à acepção de aluno (de uma maneira particular). A intersecção originalmente oferecida por Dewey à correlação entre educação e vida trouxe consequências importantes para problematizar as acepções então correntes de aluno-criança. Nesse sentido podemos afirmar que Dewey continua e amplia as propostas inovadoras de Rousseau, estendendo a ideia de infância como etapa da vida que tem valor em si mesma. Na obra de John Dewey, contrapor-se à escola tradicional é mais do que considerar a infância como parte integrante da vida: o autor procurava estruturar o que supunha ser uma alternativa para a educação; repensando, assim, o lugar social a ser ocupado pela criança em seu processo de aprendizagem em uma instituição escolar. O que está em debate é a ideia de aluno e não de criança. Como vimos, considerar a criança e seus interesses estava na pauta do debate pedagógico do início do século XX. Dewey sublinha o papel de destaque desempenhado pela experiência no processo do aprendizado; dessa forma, concebe o ato pedagógico basicamente como uma problematização da experiência, acompanhada por indagações e pela reflexão acerca de temas e de problemas, que – postos por uma experiência – desafiam ativamente o estudante no ato de conhecer que é mediado pelo interesse. Contudo, para Dewey, o intuito da educação não é organizar-se em função do interesse dos alunos. Ao contrário; os alunos precisam compreender o papel dos objetos de estudo na realização de atividades do seu interesse. Além disso, considera que disciplina e interesse estão unidos. Disciplina, para Dewey, é força de vontade aliada ao trabalho da inteligência. E o desenvolvimento da inteligência é um dos objetivos da educação; então a disciplina nunca foi excluída deste processo. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 131 A observação e a experiência seriam acompanhadas pela elaboração de hipóteses que, verificadas, poderiam reconstruir ativamente a experiência tomada no ponto de partida, superando, por sua vez, a mesma situação primeira – dado que o conhecimento inscrito na mesma experiência é reelaborado pela investigação intelectual -, possibilitando que o aprendizado viesse, portanto, a acontecer. Portanto, segundo essa teoria, a falta de interesse dos alunos localiza-se na natureza das matérias de estudo e na relação com os métodos utilizados para ensiná-la. Nessa perspectiva tornar mais interessante, não é tornar mais fácil, menor ou mais palatável, mas ajudar os alunos a encontrar significados para as suas experiências, curiosidade e alegria pelo desenvolvimento intelectual. A leitura de estudos sobre a linguagem didática e discursos educacionais ocupam um lugar de destaque nesse trabalho e trouxeram pelo menos duas grandes contribuições para a leitura e interpretação da obra de John Dewey. Em primeiro lugar, pudemos pensar que os discursos educacionais, geralmente formulados em esferas ética e prática, possuem certos nuances que podem passar despercebidas a um olhar que não esteja tão atento. Tal consideração proporcionou o entendimento de que seria imprescindível ler a obra de Dewey, porque será fundamental verificar o contexto no qual apareceram suas formulações, sobretudo sem subverter sua lógica a uma interpretação simplista ou até mesmo anacrônica. Israel Scheffler, ao teorizar sobre a “Linguagem da Educação” utiliza Dewey e sua obra como exemplos do conceito de slogan. O seguinte excerto é esclarecedor: Assim, pode-se ter a clareza quanto à necessidade buscar certo afastamento das interpretações mais recorrentes presentes nos “slogans” e “definições” atribuídos á Dewey. As amplas reflexões que o autor propõe sobre a natureza humana e sobre a condição da sociedade soam como respostas às demandas educacionais. Trata-se de ter em mente que o traçado do pensamento filosófico de diferentes autores em diversas épocas encontra na educação terreno fértil, por ter a característica de buscar sempre respostas novas. Além disso, diante de tais apontamentos, pudemos optar por buscar a lógica interna da obra de Dewey. Outro interessante dado que contribuiu para os rumos desse trabalho foi, a saber, da impossibilidade lógica de se criticar aquilo que posteriormente teria se configurado como “slogans”, já que, como afirma Scheffler: Ninguém defenderá o seu slogan favorito como uma estipulação útil ou como um reflexo exato das significações dos seus termos constituintes. É ocioso, portanto, criticar um slogan por inadequação formal ou por inexatidão da transcrição do uso. (SHEFFLER, 1974, p. 46). Utilizar como referência teórica os estudos da linguagem didática foi importante para abrir a perspectiva para uma meta-reflexão. Certamente, afastar um possível encantamento pelos postulados deweyanos e manter parcimônia ao tomar contato com as Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 132 Como explicar a 'falta de interesse' dos alunos? críticas históricas ao autor foram tarefas que se constituíram em um árduo exercício reflexivo. Os pressupostos oriundos de tal “reflexão sobre a reflexão” instauraram uma preocupação central ao longo de todo estudo: buscar o equilíbrio entre a supervalorização e crítica exacerbada das ideias de John Dewey e cuidar para não forjar uma análise prescritiva e pobre em forma e conteúdo. De fato, o pensamento deweyano vem sendo historicamente criticado diante de frequentes interpretações de que a orientação de seu pensamento abre um campo para certo espontaneísmo educacional, que o cerne de sua teoria admite restrições quanto à função do professor no processo educativo; e, por fim, que o resultado da aplicação de seus conceitos culminaria em uma total anulação do papel da cultura adulta e dos conteúdos escolares que recorrentemente fizeram parte do currículo, etc. Como se pode observar ao longo da construção dessa análise, o problema da escola, da educação, da infância e da democracia, envolve uma grande sobre as quais há uma gama de interpretações divergentes e não resolvidas que fomentam novas investigações. Resta-nos a certeza de que o movimento da Escola Nova marcou presença no cenário educacional. Sobre o alicerce dos princípios de Dewey construiu-se uma escola distinta daquela que existia até então e que se acreditava ser urgente renovar. John Dewey deixou registrado na história da educação e das ideias pedagógicas a crença na democracia como a melhor maneira para a convivência e construção das relações humanas, e na busca por uma educação que se pautasse por esse princípio. Enfim, tais ideias podem estar sujeitas à crítica e refutação; embora, sem dúvida, tenham configurado um roteiro de temas relevantes para enfrentamento dos problemas teóricos e práticos que ainda mobilizam o território da educação e ainda hoje são questões centrais da Didática. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N.; VISALBERGUI, A. História da Pedagogia. Volume IV. Lisboa: Livros Horizonte, 1981. p. 813-827. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p. 377-405; 509-593. DEWEY, John. Democracia e educação. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1959. ______. El niño e el programa escolar. Buenos Aires: Editorial Lozada, 1959. ______. Experiência e educação. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1976. ______. Mi credo pedagogico. Trad. Lorenzo Luzuriaga. Buenos Aires: Centro Editor da America Latina, 1977. Disponível em: <http://presencias.net/indpdm.html?http://presencias.net/educar/ht1050b.html>. Acesso em: 10 jul. 2006. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133 Ana Clara Bin 133 DEWEY, John. A arte como experiência. In John Dewey. Col. Os pensadores. São Paulo:Abril Cultural, 1980. LUZURIAGA, Lourenzo. La Educación Nueva. Buenos Aires: Editorial Losada, 1967. MORANDI, Franc. Educação e modernidade: natureza cultura e sociedade. Filosofia da Educação. Bauru: Edusc, 2002. p. 79-93; 88-109; 11-144. SCHEFFLER, Israel. A linguagem da educação. São Paulo: Edusp, 1974. SUCUPIRA, Newton. John Dewey: uma filosofia da experiência. Recife: MEC – INEP – Centro regional de pesquisas educacionais do Recife, 1960. Ana Clara Bin Pedagoga, Mestranda do Programa de Pósgraduação da Faculdade de Educação da USP FEUSP – área de Didática, Teorias de ensino e Práticas escolares. Encontro: Revista de Psicologia Vol. 14, Nº. 20, Ano 2011 p. 117-133