ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO E CONTROLE FRANCISCO JURUENA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA E CONTROLE EXTERNO A VINCULATIVIDADE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS À LUZ DO PRINCÍPIO DA JURISDIÇÃO UNA MARILÚCIA RODRIGUES PORTO ALEGRE 2008 RESUMO Aborda o tema dizente com a revisão das decisões do Tribunal de Contas pelo Poder Judiciário à luz do sistema brasileiro de unidade jurisdicional. Analisa a função e as competências reservadas à Instituição pelas diversas Constituições republicanas, buscando situá-la na estrutura orgânica do Estado brasileiro a partir da significação renovada da teoria da separação de Poderes. Tece considerações a respeito da natureza jurídica das decisões lançadas nos “processos de contas” (sic). Examina o instituto da res judicata, notadamente da coisa julgada administrativa, e suas imbricações com a eficácia e a vinculatividade dos atos decisórios da Corte de Contas. Procede à pesquisa jurisprudencial e doutrinária a respeito do controle judicial da atuação do Tribunal de Contas. Alega que o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional deve ser lido com temperamentos quando se trata de competências privativas da Corte de Contas, sob pena de desprestígio desta Instituição, cuja existência revela-se essencial para o Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: Tribunal de Contas. Decisões. Controle judicial, Limites. SUMMARY It boards the subject concerning the revision of Court of Accounts decisions by the Judiciary in the light of the Brazilian system of jurisdicional unity. It analyses the function and the competences reserved to the Institution for several republican Constitutions, looking to situate it in the organic structure of the Brazilian state from the renewed signification of the separation of Powers theory. It weaves considerations as to the legal nature of the decisions launched in the "processes of counts” (sic). It examines the institute of the res judicata, especially of the administrative judicial estoppel, and his conjugation with the efficiency and attachment of the Court of Accounts decisional acts. It proceeds to the jurisprudencional an doctrinal inquiry about the judicial control of the Court of Accounts acting. It alleges that the beginning of the non separation of the jurisdicional protection must be read with temperaments when it refers to the Court of Accounts private competences, under the penalty of discredit of this Institution, which existence turns out to be essential for the Democratic State of Right. Key words: Court of Accounts. Decisions. Judicial control. Limits. RÉSUMÉ Cette monographie aborde le thème disant avec la révision des décisions du Tribunal de Comptes par le pouvoir Judiciaire à la lumière du système brésilien d'unité juridictionnelle. Il analyse la fonction et les compétences réservées à l'Institution par les diverses Constitutions républicaines, en cherchant à placer dans la structure organique de l'État brésilien, à partir de la signification renouvelée de la théorie de la séparation de Pouvoirs. Il développe des considérations concernant la nature juridique des décisions lancées dans lês “procédures de comptes” (sic). Il examine l'institut du res judicata, notamment de la chose jugée administrative, et leurs imbrications avec l'efficacité et l’obligatoriété des actes décisoires de la Cour de Comptes. Il procède à la recherche jurisprudentielle et à la doctrinaire concernant le contrôle judiciaire du rôle du Tribunal de Comptes. Il allègue que le principe d'accès universel à la justice doit être lu avec des tempéraments quand il s'agit de compétences privatives de la Cour de Comptes, sous peine de décréditement de cette Institution, dont l'existence se révèle de l'essentiel pour l'État Démocratique de Droit. Mots-Clés: Tribunal de Comptes. Décisions. Contrôle judiciaire. Limites. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................11 1 O REGIME CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS NO BRASIL: DE 1891 A 1967..............................................................................................................12 2 O TRIBUNAL DE CONTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ................18 3 O TRIBUNAL DE CONTAS À LUZ DA SIGNIFICAÇÃO RENOVADA DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES ........................................................23 4 A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS .......28 5 O INSTITUTO DA COISA JULGADA NO CONTEXTO DO TRIBUNAL DE CONTAS ...................................................................................................................32 6 A VINCULATIVIDADE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS SOB A ÓTICA DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA..................................................................37 7 A VISÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DA REVISIBILIDADE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS PELO JUDICIÁRIO ...................................................44 8 CONCLUSÃO ........................................................................................................50 REFERÊNCIAS.........................................................................................................52 11 INTRODUÇÃO Desde a criação do Tribunal de Contas, ainda no limiar da República, realizam-se acirrados debates acerca das competências da Instituição e das possíveis fricções com a atuação dos Poderes estatais, especialmente do Judiciário. A presente monografia pretende articular a questão da vinculatividade das decisões do Tribunal de Contas com a concepção brasileira do sistema de jurisdição una. A escolha do tema deve-se à constatação de que, há algum tempo, tem aumentado, consideravelmente, o número de ações judiciais – ajuizadas desde o Supremo Tribunal Federal até as instâncias inferiores da Justiça – cujas causas de pedir visam à desconstituição dos julgados emanados da Corte de Contas. Para atingir nosso desiderato, procederemos à análise da evolução históricoconstitucional da Instituição, de 1891 até 1988, o que se revela imprescindível para, dentre outros objetivos, situá-la no mecanismo de separação de Poderes do Estado. Serão examinadas questões acerca da natureza jurídica das decisões da Corte de Contas e da coisa julgada administrativa frente ao monopólio jurisdicional. Um dos títulos será dedicado à pesquisa de jurisprudência, visando a demonstrar a postura do Judiciário em relação aos atos decisórios do Tribunal de Contas. Outro, destinado à análise das diversas concepções doutrinárias sobre o tema escolhido. Tentaremos demonstrar que a solução a ser dada à questão deve ser buscada no próprio texto constitucional, na medida em que é dele que defluem as competências do Tribunal de Contas e o princípio da inafastabilidade da jurisdição. A conclusão a que se chegará será aquela tida por nós como a mais consentânea com a importância do papel do Tribunal de Contas no exercício do controle externo, indispensável que é para o Estado Democrático de Direito. 12 1 O REGIME CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS NO BRASIL: DE 1891 A 1967 O surgimento do Tribunal de Contas, aqui entre nós, foi contemporâneo à instalação do regime republicano. Ainda no governo provisório de Marechal Deodoro da Fonseca, por meio do Decreto n° 966-A, de 7 de novembro de 1890, restou criada a Instituição, com o objetivo de examinar, revisar e julgar todas as operações concernentes à receita e à despesa da República.1 Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, pondo à mostra os motivos do referido Decreto, ponderou: É, entre nós, o sistema de contabilidade orçamentária defeituoso em seu mecanismo e fraco de sua execução. O Governo Provisório reconheceu a urgência inadiável de reorganizá-lo; e a medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias – contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil (BRASIL. Tribunal de Contas da União, 1999, p. 269). Contudo, ainda que aprovado, ao Decreto não foi dada execução. A constitucionalização do Tribunal de Contas somente veio a ocorrer por meio do art. 89 da Constituição de 1891, que o instituiu2 para liquidar as contas da receita e 1 2 A preocupação com o zelo pela correta aplicação do dinheiro público remonta ao período do Brasil-Colônia. Wremir Scliar (2007, p. 161) menciona que, durante a ocupação holandesa, em Pernambuco, chegou a existir uma Câmara de Contas, também denominada Conselho de Finanças, a qual possuía funções administrativas e judiciárias. No Império, houve tentativas, bastante combatidas, de implantação de um órgão específico para o controle das contas públicas. Em 1826, Felisberto Caldeira Brandt e José Inácio Borges submeteram ao Senado projeto de criação de um Tribunal de Contas e, anos mais tarde, em 1845, outra proposição, no mesmo sentido, foi feita pelo Ministro Manuel Alves Branco. Embora nenhuma das idéias tenha logrado êxito, a última acabou servindo de inspiração para Rui Barbosa, tanto que por ele reverenciada na Exposição de Motivos do Decreto de 1890. “[...] em artigo publicado no jornal A imprensa, edição de 10 de dezembro de 1900, Rui Barbosa criticou a Carta – que, segundo a História, é obra quase toda sua – por instituir um órgão que já havia sido criado. Dizia ele que deveria ela expressar ‘é mantido’ em lugar de ‘é instituído’, posto que o Tribunal era preexistente à Constituição” (SILVA, A., 1999, p. 38). 13 despesa e verificar a respectiva legitimidade, antes de serem prestadas ao Congresso. O Ministro do Tribunal de Contas da União Ivan Luiz, tentando explicar o motivo de o legislador constituinte de 1891 ter preferido o verbo instituir ao verbo criar, procedeu ao seguinte raciocínio: [...] de imediato se aperceberam os constituintes de 1891 de que o decreto do Governo Provisório, de 7 de novembro de 1890, que criara o Tribunal pela mão de Rui, não seria forma permanente que correspondesse à importância de suas funções, ademais, de o deixar exposto às vicissitudes e às paixões do poder, assim como à arremetida destruidora dos que não se conformassem com uma vigilância superior, politicamente neutra, sobre a aplicação de recursos compulsoriamente tirados do povo (SILVA, A., 1999, p. 39). As primeiras atribuições constitucionais do Tribunal de Contas foram percucientemente analisadas por Wremir Scliar: Liquidar as contas da receita (dos ingressos que aportam aos cofres públicos como patrimônio) e da despesa (a saída de recursos financeiros) é técnica eminentemente de registro de contabilidade pública. Verificar a legalidade das contas, contudo, implica juízo de valor como prestação judicialiforme, realizada por um órgão cuja denominação, para polêmica permanente, nasce com o nome de Tribunal. Contas prestadas de receita e despesa, como já observado, referemse ao relato ou relatório da desincumbência do mandatário outorgado para as competências a ele atribuídas. A verificação de legalidade é, sem dúvida, o aspecto de competência do nascente Tribunal de Contas mais importante e de relevo constitucional na história do Tribunal de Contas no Brasil. Antes de serem prestadas contas ao Congresso Nacional, após a liquidação e a verificação de legalidade, traduz procedimento constitucional e que irá se refletir na adequada conceituação da natureza do Tribunal de Contas, tormentosa e polêmica, como a própria denominação – Tribunal – do órgão de controle externo (SCLIAR, 2007, p. 164). Para Agnello Uchôa Bittencourt (1955, p. 10), o Tribunal de Contas representou, “em suas características gerais, uma adaptação, ao nosso regime 14 constitucional, de idéias e normas emprestadas” de três cortes de contas: italiana, francesa e belga3. Essa leitura, evidentemente, arrima-se nos motivos declinados para a edificação do Tribunal, porquanto, Rui Barbosa, à época, mencionou que nos sistemas italiano e francês e na legislação da Bélgica existiam “elementos de valor inestimável e de impreterível necessidade no mecanismo da instituição” que os republicanos tinham em mira (BRASIL. Tribunal de Contas da União, 1999, p. 275). Em 1934, a Instituição foi enquadrada como órgão de cooperação nas atividades governamentais, tendo-lhe sido reservada a competência constitucional para acompanhar, diretamente ou por meio de delegações, a execução orçamentária, registrar previamente as despesas e os contratos4, julgar as contas dos responsáveis por bens ou dinheiros públicos e apresentar parecer prévio sobre as contas do Presidente da República, para posterior encaminhamento à Câmara dos Deputados. Foi no capítulo reservado ao Poder Judiciário que o Tribunal apareceu no art. 144 da Constituição outorgada de 1937. Apesar de terem sido mantidas todas as demais atribuições de controle externo conferidas pela Carta anterior, coerentemente com o regime então vigente, não houve qualquer referência ao parecer prévio sobre as contas presidenciais5. Na prática, então, era o próprio Presidente da República que aprovava, por meio de decreto-lei, as suas próprias contas de gestão, após elas terem sido submetidas a parecer do Tribunal. Examinando a posição assumida pelo Tribunal de Contas na Constituição do Estado Novo, referiu Pontes de Miranda: 3 4 5 Odete Medauar (1993, p. 114), referindo-se à tipologia do controle financeiro externo, explica que “o tipo italiano e o tipo belga consistem em fiscalização efetuada antes da realização da despesa; no modelo italiano o veto prévio acarreta impedimento, absoluto ou relativo, à despesa, no sentido de proibir ou suspender, respectivamente o ato submetido ao controle (veto absoluto e veto limitado). No modelo belga só ocorre veto limitado, configurando, então, fiscalização prévia admonitória [...] O tipo francês caracteriza-se pela fiscalização ‘a posteriori’, após a realização da despesa”. A negativa de registro implicava suspensão da execução até o Poder Legislativo se manifestar. Contudo, havia a faculdade de a despesa ser realizada, em algumas situações, após despacho do Presidente da República, o que impunha o registro sob reserva do Tribunal de Contas, com possibilidade de interposição de recurso ex officio para a Câmara dos Deputados (SCHNORR, 2003, p. 189). Wremir Scliar (2007, p. 66) menciona que a “declaração do artigo 144 durou apenas até 1938, quando o Estado Novo, já instaurado desde novembro de 1937, cerceou o Tribunal de Contas da União e por igual os estaduais, que vinham sendo criados, inclusive o do Rio Grande do Sul, em julho de 1935, por decreto do interventor Flores da Cunha”. 15 A que poder pertencia o Tribunal de Contas na Constituição de 1937? Ao Poder Executivo, não; porque fiscalizava a execução orçamentária, julgava as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos e julgava da legalidade dos contratos celebrados pela União. Ao Poder Legislativo, também, não, porque estava longe de ser simples auxiliar na tomada de contas do Poder Executivo, e até lhe esvaía tal função nos textos de 1937. Ao Poder Judiciário, se bem que de modo especial, como função, sim; como órgão, não. Era um tribunal e julgava. Não importa o caráter à parte que teve; isso não lhe tirava a função de julgar. Tanto quanto ao Tribunal de Contas de 1934, ao Tribunal de Contas de 1937 reconhecêramos função judiciária (MIRANDA, 1953, p. 338). Na Constituição de 1946, o Tribunal de Contas passou ao capítulo destinado ao Poder Legislativo, dentro da seção do Orçamento. O legislador reservou-lhe a competência para acompanhar e fiscalizar diretamente, ou por delegações criadas em lei, a execução do orçamento, julgar as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos, incluídos os administradores de entidades autárquicas, a legalidade dos contratos e das aposentadorias, reformas e pensões. Além de ter restaurado a regra acerca da prestação de contas do Presidente da República, previu que o recurso ex officio a ser interposto pelo Tribunal, no caso de despesa registrada sob reserva, teria como destino o Congresso Nacional. A Carta de 19676, e a denominada “Emenda nº 1, de 1969”, deu ao Tribunal as seguintes atribuições: apreciar as contas do Presidente da República, mediante parecer prévio, desempenhar as funções de auditoria financeira e orçamentária; realizar inspeções, caso necessário; julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos e a legalidade, para fins de registro, das concessões iniciais de aposentadoria, reforma e pensões; assinar prazo razoável para que os órgãos da Administração pública adotassem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, no caso de ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, aposentadorias, reformas e pensões; sustar os atos impugnados, no caso de não-atendimento, os quais poderiam ser executados por ordem do Presidente da República, ad referendum do 6 Nessa época, a fiscalização financeira e orçamentária da União passou a contar com o sistema de controle interno do Poder Executivo e com os regramentos contidos em duas importantes legislações: o Decreto-Lei nº 200/67 e a Lei Federal nº 4.320/64. 16 congresso. Por outro lado, aboliu o registro prévio das despesas e contratos e o sistema de delegações7. Interessante a assertiva lançada a respeito das funções do Tribunal de Contas após o Golpe Militar de 1964: Ao suprimir o registro prévio das despesas, a Constituição de 1967 dotou o Tribunal de Contas da União de uma arma muito mais abrangente, eficaz e poderosa, que correspondeu à inspeção in loco, gerando, dessa forma, agilidade no controle das contas públicas, abandonando-se, conseqüentemente, o exame apenas formal (SIQUEIRA, 1999, p. 194). Ao longo da história das Constituições brasileiras, o Tribunal de Contas foi, pouco a pouco, ampliando suas atribuições8. Hoje, é considerado órgão essencial para o Estado Democrático de Direito, especialmente porque atua como um guardião do princípio republicano da prestação de contas. Por esse motivo, sua esfera de atuação, com o advento da Constituição de 1988, teve um considerável alargamento, bem traduzido em decisão prolatada no Supremo Tribunal Federal: [...] com superveniência da nova Constituição ampliou-se, de modo extremamente significativo, a esfera de atribuições dos Tribunais de Contas, os quais foram investidos de poderes jurídicos mais amplos, em decorrência de uma consciente opção política feita pelo legislador Constituinte, a revelar a inquestionável essencialidade dessa instituição surgida nos albores da República. A atuação dos Tribunais de Contas assume, por isso, importância fundamental no campo do controle externo e constitui como natural decorrência do fortalecimento de sua atuação institucional, tema de irrecusável relevância. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADIN 215 MC/PB. 7 8 Na Emenda Constitucional n. 7, de 1977, foi substituído o verbo “julgar”, que precedia a expressão “a legalidade das concessões iniciais”, pelo verbo “apreciar” e possibilitado ao Executivo rejeitar as impugnações do Tribunal de Contas. Não se pode afirmar, peremptoriamente, tomando emprestada a expressão de Pontes de Miranda (1953, p. 339), que o Tribunal de Contas é instituição de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e de 1988, porquanto, embora delineado precipuamente nos textos das Constituições, inúmeras leis e regulamentos esparsos, no compasso dos preceptivos constitucionais, atribuíram, e seguem atribuindo, novos encargos ao órgão, todos eles direcionados à melhoria do controle das contas públicas. Cita-se, pela importância, a Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, que, ao estabelecer normas de finanças públicas para a responsabilidade fiscal, reservou importantes atribuições ao Tribunal de Contas. 17 Rel. Min. Celso de Mello. 07/06/1990. Tribunal Pleno. DJ de 03/08/1990, p. 7.234). Incontroverso é que, considerada a evolução constitucional brasileira, o Tribunal de Contas, a partir de 1988, “fez integrar em sua agenda atribuições cada vez mais voltadas ao exame do impacto da ação governamental sobre a sociedade, assumindo, desde logo, as feições de Tribunal do Século XXI” (SILVA, A., 1999, p. 137). 18 2 O TRIBUNAL DE CONTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 O controle externo adquiriu novos contornos na atual Constituição. Ao lado de ter sido estendido a toda a sociedade – pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre bens, dinheiros e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária –, também passou a contar com um novo referencial para a fiscalização da gestão dos recursos públicos: o exame da legitimidade e da economicidade.9 Carlos Roberto Siqueira Castro, tecendo comentários sobre as competências para a efetivação do controle externo atribuídas ao Tribunal de Contas no ordenamento vigente, assevera: [...] a nova constituição alude, por expresso, às entidades da Administração direta e indireta, bem como à generalidade dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, como, ainda, às contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital a União participe, além da reverência categórica à aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo ou ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município. A par dessa ampliação do âmbito de fiscalização a ser exercida pela Corte de Contas, a Lei Maior de 1988 torna extensiva a própria substância do controle externo, a ponto de deixar explícito que essa atividade não se circunscreverá, doravante, à mera apreciação da legalidade formal da administração dos valores públicos, de molde a abranger, sobremais, o exame quanto à legitimidade e economicidade dos atos de ordenação da despesa pública [...] (CASTRO, 1997, p. 47). A atual matriz constitucional reserva – dentro do título da Organização dos Poderes, no capítulo do Legislativo, na seção da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária – seis artigos, e vários incisos, para o Tribunal de Contas, por meio 9 O controle externo não atua somente após a ocorrência dos fatos, realiza-se em concomitância com a atuação administrativa e, em alguns casos, até mesmo antes. Do mesmo modo, não se circunscreve ao exame da legalidade, legitimidade e economicidade, na medida em que deve averiguar se a Administração Pública pautou suas ações pelos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência e todos os outros resguardados, implícita ou explicitamente, pela Constituição Federal. 19 dos quais elenca a função, as competências, a forma de organização e as garantias de seus membros10. No rol dos poderes instrumentais para o exercício da função de controle externo, legados ao Tribunal de Contas pelo art. 71 da Carta Magna, constam: I- apreciar as contas anualmente prestadas pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar do seu recebimento; II- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; III- apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como as concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV- realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e demais entidades referidas no inciso II; V- fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado consultivo; VI- fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou ao Município; VII- prestar informações solicitadas ao Congresso Nacional, por qualquer de suas casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre os resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII- aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano ao erário; 10 A Lei Maior, no artigo 73, destina ao Tribunal de Contas o exercício de competências reservadas ao Judiciário (art. 96), dentre elas, as de eleger seus órgãos diretivos, elaborar regimento interno, organizar suas secretarias e serviços auxiliares, prover os respectivos cargos públicos. Também determina, no § 3º do mesmo preceptivo, que os Ministros do Tribunal de Contas da União terão vencimentos, vantagens, garantias, prerrogativas e impedimentos idênticos às dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Apesar de não estabelecer, expressamente, os poderes de fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, por meio do artigo 75, manda aplicar, no que couber, aos órgãos congêneres da Federação, as normas destinadas ao Tribunal de Contas da União. 20 IX- assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X- sustar, se não atendido, a execução de ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI- representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. Prevêem, ainda, os preceptivos constantes dos §§ 1º e 2º do retrocitado artigo que o ato de sustação de contrato será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis, cabendo ao Tribunal de Contas decidir a respeito apenas no caso de não terem sido efetivadas medidas no prazo de noventa dias. Não se pode deixar de dar destaque, também, às previsões constantes dos dois parágrafos do art. 74 da Carta Magna: a primeira determina aos responsáveis pelo controle interno que dêem ciência ao Tribunal de Contas de irregularidades e ilegalidades; a segunda possibilita que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato denuncie a prática de fatos ilegais ou irregulares perante a Instituição. Nesta, segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “fica patenteado que a ordem jurídica brasileira tem nos Tribunais de Contas um instrumento de cidadania ativa” (MOREIRA NETO, 2001, p. 20). Na doutrina, existem várias teorias que classificam as competências do Tribunal de Contas, dentre as quais sobressai, pela abrangência, a adotada por Maria Silvia Zanella Di Pietro (1996, p. 30). Segundo essa autora, o controle externo compreende as “funções” (sic) constitucionais de fiscalização (art. 71, incisos III, IV e VI), consulta (art. 71, inciso I), informação (art. 71, inciso VII), julgamento (art. 71, inciso II), ouvidoria (art. 74, §§ 1º e 2º), sancionatória (art. 71, inciso VIII) e corretiva (art. 71, incisos IX e X).11 Hélio Saul Mileski caracteriza as competências constitucionais do Tribunal de Contas como: 11 Com a devida vênia, discorda-se, em parte, da classificação dada pela doutrinadora, eis que, para a melhor doutrina, a emissão de parecer prévio (inciso I do art. 71 da Constituição Federal) consiste num pronunciamento técnico a respeito das contas do chefe do Executivo. Não configura, portanto, uma consulta. Esta atribuição, por seu turno, prevista em legislação ordinária, constitui instrumento manejado com o fito de esclarecer os jurisdicionados sobre assuntos dizentes com a atividade fiscalizatória do Tribunal. 21 Próprias porque são peculiares aos procedimentos de controle. Trata-se de competências que envolvem atividades autênticas de controle, com a finalidade de vigiar, acompanhar e julgar a regularidade dos atos de atividade financeira controlados. Exclusivas porque são competências constitucionais destinadas tãosomente para o Tribunal de Contas e não podem ser exercidas por nenhum outro órgão o Poder, mesmo o Poder Legislativo. Embora o controle externo esteja a cargo do Legislativo, a Constituição estabeleceu o Tribunal de Contas como órgão executor desse controle, dando-lhe exclusividade de atuação para o exercício dessa função. Indelegáveis porque são competências que envolvem atividade de controle da atividade financeira do Estado, sendo por isso de exercício privativo do Poder Público, cuja execução também é privativa do Tribunal de Contas, não podendo ser delegadas a qualquer dos Poderes ou a outra organização, pública ou privada. São competências que só podem e devem ser exercidas diretamente pelo Tribunal de Contas, sem a possibilidade de delegação a terceiros (MILESKI, 2003, p. 255). Cabe, aqui, aparar uma aresta no que concerne à competência para a emissão de parecer prévio sobre as contas do chefe do Executivo e para sustação de contratos. Ambas são exercidas em cooperação com o Legislativo. A primeira – de extensa margem discricionária, pois abrange o aspecto da legitimidade – tem caráter técnico-opinativo, e pode ser afastada, tão-somente, pela maioria qualificada dos legisladores no caso dos Municípios. A segunda é de incumbência do Legislativo, ressalvada a hipótese supletiva do § 2º do art. 71 da Carta Magna. Quanto às demais atribuições, o Tribunal as exerce por si, não em “auxílio” do Parlamento. Por isso, gozam da prerrogativa de auto-executoriedade. Embora não conste de modo expresso na Constituição, a doutrina e a jurisprudência dominante reconhecem, com base na teoria dos poderes implícitos, que o Tribunal de Contas pode assegurar a efetividade das suas deliberações, em hipóteses comprovadas de situações de lesividade, atual ou iminente, por meio da adoção de medidas cautelares.12 Do mesmo modo, pelo enunciado nº 347 da Súmula do STF, é dada à Instituição a prerrogativa de, no exercício de suas atribuições, apreciar a constitucionalidade de leis e de atos do poder público. 12 Em voto proferido no Mandado de Segurança nº 24.510, impetrado no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Celso de Mello asseverou: “ A atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciadas no art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe que lhe reconheça, ainda que por implicitude, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas cautelares vocacionadas a conferir real lesividade, atual e iminente, ao erário [...]” 22 Interessante trazer à baila, no final desde tópico, a asserção de Carlos Ayres Britto a respeito da formatação constitucional do Tribunal de Contas: [...] É dizer: os Tribunais de Contas têm quase todo o seu arcabouço normativo montado pelo próprio Poder Constituinte. Assim, no plano da sua função, como respeitantemente às suas competências e atribuições e ainda quanto ao regime jurídico dos agentes que o formam. Com efeito, o recorte jurídico-positivo das Casas de Contas é nuclearmente feito nas pranchetas da Constituição. Foi o legislador de primeiríssimo escalão quem estruturou e funcionalizou todos eles (os Tribunais de Contas), prescindindo das achegas da lei menor. É só abrir os olhos sobre os 6 artigos e os 40 dispositivos que a Lei das Leis reservou às Cortes de Contas (para citar apenas a seção n.º IX do capítulo atinente ao Poder Legislativo) para se perceber que somente em uma oportunidade é que existe menção à lei infraconstitucional. Menção que é feita em matéria de aplicação de sanções (inciso VIII do art. 71), porque, em tudo o mais, o Código Supremo fez questão de semear no campo da eficácia plena e da aplicabilidade imediata (BRITTO, 2002, p. 106). Perfilhando a mesma visão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, tem-se que, apenas por intermédio da leitura atenta dos dispositivos constitucionais, podese identificar as diretrizes básicas para a atuação do Tribunal de Contas e também aquilatar o grau de autonomia e de independência desta Instituição em face dos Poderes da União e dos demais órgãos de índole constitucional.13 13 “[...] não se pode deixar de registrar que há uma imensa área de trabalho reservada com exclusividade aos tribunais de contas. Essa exclusividade, decorrente do texto constitucional, é reconhecidamente necessária para que seja possível o exercício do controle externo independente [...]” (RIBAS JUNIOR, 2006, p. 53). 23 3 O TRIBUNAL DE CONTAS À LUZ DA SIGNIFICAÇÃO RENOVADA DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES Embora a doutrina da separação de Poderes seja reverenciada por todas as Constituições modernas, a sua concepção original “ficou distanciada no tempo, para ser revista em relação aos fatos que a acompanharam” (SALDANHA, 1963, p. 79), tanto que, atualmente, as justificativas para sua adoção não são exatamente aquelas declinadas por Montesquieu14. Hoje, o que se almeja, quando se defende a idéia de separação, é aumentar a eficiência do Estado15 por meio da distribuição das funções estatais16 entre órgãos especializados (DALLARI, 2002, p. 215). Esta mudança de paradigma talvez tenha ocorrido em decorrência da alteração nas estruturas de poder nas sociedades políticas atuais, em que se tornou necessária a criação de órgãos capazes de exercer as novas atribuições decorrentes do redimensionamento do Estado. Nessa perspectiva, deve-se conceber que há outros entes estatais, além do Legislativo, Executivo e Judiciário, que, por serem manifestação do Poder político, têm realce constitucional. Sobre eles, discorre, muito apropriadamente, Diogo de Figueiredo Moreira Neto: 14 15 16 “Montesquieu foi o responsável por conceber a teoria como um sistema composto de um Legislativo, um Executivo e um Judiciário, harmônicos e independentes entre si. Em sua obra, defendeu a existência de funções intrinsecamente diversas e inconfundíveis, mesmo quando confiadas a um só órgão. Segundo ele, o ideal seria a existência de um órgão próprio para cada função, considerando indispensável a organização do Estado em três Poderes “(MONTEIRO, 2008, p. 937). O professor alemão Otto Kimminich, dissertando sobre a jurisdição constitucional e o princípio da separação de Poderes, assevera: “O controle recíproco, a limitação e moderação do poder do Estado dele resultante não têm por escopo o enfraquecimento ou a incapacitação do Estado para o cumprimento de suas funções, mas visam, sobretudo, à proteção do indivíduo e à preservação de seus direitos e interesses no complexo emaranhado de normas e dos órgãos incumbidos de sua aplicação” (KIMMINICH, 1989, p. 23). “Existem várias outras funções estatais que se agregam às «tradicionais constitucionalizadas – a normativa, a administrativa, e a jurisdicional –, novas outras funções constitucionais, como a para-normativa, a para-administrativa, a para-jurisdicional, a fiscalizadora, a provocativa, a participativa, a defensiva (häberliana) e tantas outras mais que venham a ser caracterizadas na lei ou na doutrina juspublicista contemporâneas, como, no Brasil, a importante função consultiva vinculada da advocacia pública [...]” (MOREIRA NETO, 2001, p. 8). 24 [...] podem ser, assim, conceituados genericamente como formas estruturais estáveis destinadas à expressão do poder estatal [...] Devem ser necessariamente criados e estruturados por normas jurídicas, com natureza de normas ônticas, que poderão ser constitucionais ou infraconstitucionais; será, porém, exclusivamente pela constitucionalização que em alguns deles se concentrarão certas específicas funções tidas como essenciais à existência do Estado, entre elas distribuindo do modo mais definido e minudente que for possível o exercício do poder público, daí situarem-se no vértice da ordem jurídica. (Destaques no original) (MOREIRA NETO, 2001, p. 8). Dentre as funções do Estado brasileiro que, mesmo não estando inseridas na fórmula clássica da tripartição, revelam-se essenciais para a organização política, destaca-se a de controle externo17, a ser exercida pelo Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas. O espaço reservado para a Corte de Contas na ordem constitucional é externo à estrutura dos Poderes do Estado, segundo boa parte dos doutrinadores. Dentre eles, podemos citar Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, cujo posicionamento alinha-se às já consagradas lições de Castro Nunes e Rui Barbosa: Os Tribunais de Contas, instituição criada após o advento dessa teoria, situam-se de permeio entre os Poderes, fiscalizando todos. Constituem organismos autônomos não sujeitos à hierarquia, decorrendo daí que a natureza de algumas de suas funções não podem enquadrar-se à força no âmbito da ortodoxa tripartição (FERNANDES, 2002, p. 8). 17 “As atividades de controle interórganos despontam, assim, não só entre nós, mas também nas nações do mais destacado desenvolvimento político-constitucional, como essenciais ao Estado Democrático de Direito. É digno de nota, nesse sentido, que Karl Loewenstein, o festejado mestre da Universidade de Muniche, em sua magistral Teoria da Constituição, inclui a função de controle dentre as mais relevantes na visão pós-moderna da Teoria do Estado neste fim de século [...] Há de se incluir nesse elenco de atribuições de controle interórganos a competência para o exercício do controle externo, a cargo do Congresso Nacional, a ser concretizado com o auxílio indispensável do Tribunal de Contas [...]” (CASTRO, 1997, p. 44). 25 Ricardo Lobo Torres é um dos que vizualizam o Tribunal de Contas à luz da significação renovada da teoria da separação de Poderes: O esquema da separação de poderes tornou-se falho e insuficiente para fundamentar a classificação orgânica do Tribunal de Contas. Indispensável e necessária para garantia das liberdades, nem sempre a rígida separação dos poderes se presta para classificar órgãos do estado, principalmente porque a noção de poder não absorve a função estatal em seus aspectos materiais e formais. A caracterização orgânica do Tribunal de Contas dependerá da respectiva ordem constitucional e da elaboração doutrinária, controvertida e confusa. [...] O Tribunal de Contas, ao nosso ver, é órgão auxiliar dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como da comunidade e de seus órgãos de participação política: auxilia o Legislativo no controle externo, fornecendo-lhe informações, pareceres e relatórios; auxilia a Administração e o Judiciário na autotutela da legalidade e no controle interno, orientando a sua ação e controlando os responsáveis por bens e valores públicos. [...] O Tribunal de Contas, por conseguinte, tem o seu papel dilargado na democracia social e participativa e não se deixa aprisionar no esquema da rígida separação de poderes (TORRES, 2000, p. 355). Existe uma porção da doutrina que situa o Tribunal de Contas na estrutura do Poder Legislativo. Esse fato demonstra a confusão existente entre a função de controle externo, a ser exercida por ambos os órgãos, e a própria natureza do Tribunal de Contas, cujo auxílio prestado ao Parlamento não implica qualquer nível de hierarquia ou subordinação. Há autores que suscitam a hipótese de inserção no âmbito do Judiciário. A polêmica nasce, especialmente, no próprio texto constitucional, na medida em que o legislador constituinte, ao lado de utilizar o vocábulo «Tribunal» e «jurisdição» em preceptivos reservados ao Tribunal de Contas, também previu como uma das competências da Instituição o «julgamento» das contas. A essa controvérsia, importante resposta é dada por Odete Medauar: Caracteriza-se como Poder Judiciário? A consulta ao art. 92 da Constituição Federal, que arrola os órgãos desse Poder, permite concluir pela negativa, pois aí ausente está a menção a esse ente. Tanto não integra o Poder Judiciário que o art 73, da Constituição Federal determina a aplicação ao Tribunal de Contas, no que couber, 26 das disposições do art. 96, relativas à eleição de seus dirigentes, organização de seus serviços e elaboração de regimentos internos; o § 3º do mesmo artigo concede as garantias, prerrogativas e impedimentos dos integrantes do Poder Judiciário. Se detivesse a natureza de órgão do Poder Judiciário desnecessários seriam preceitos desse teor. Assim, o Tribunal de Contas não integra o Poder Judiciário, nem lhe está subordinado (MEDAUAR, 1993, p. 141). Marçal Justen Filho (2005, p. 26), como poucos, vai além, ao dizer que, no Brasil, o Tribunal de Contas, assim como o Ministério Público, pode ser reputado como Poder, porque recebe, por parte da Constituição Federal, um tratamento que lhe assegura autonomia estrutural e identidade funcional. Este posicionamento nos parece equivocado, uma vez que, se a própria Constituição Federal estabelece a tripartição, não se pode, frente à disposição constitucional, aventar a existência de um, no caso, dois Poderes em separado. Ao discorrer sobre a posição do Tribunal de Contas na Constituição anterior, Celso Antônio Bandeira de Mello anotou: [...] não nos parece que a circunstância de ter sido mencionado, no texto constitucional, que são Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário implique significar que só há três blocos orgânicos. Está dito na Lei Maior que há três manifestações sobranceiras do poder do Estado, e que elas, por certo, correspondem os blocos orgânicos co-respectivos. Mas, nesta proposição não há, do ponto de vista lógico, asserto excludente da idéia de outro conjunto orgânico que, por sua função controladora, fiscalizadora, não haja sido caracterizado com este designativo – “Poder” –, mas que corresponda, também, a um bloco orgânico de posição absolutamente autônoma, no sistema constitucional. E efetivamente calha ao Tribunal de Contas esta posição autônoma porque é o órgão fiscalizador da nação, é o órgão fiscalizador do país. Este órgão tem que ter, só por isso, dada a peculiaridade de seus misteres e especificidade de suas funções, uma posição própria no sistema constitucional. Não há estranhar, pois, que se diga, como eu e outros dizem, que o Tribunal de Contas, inobstante exerça um tipo de funções que é, por sem dúvida, auxiliar do Poder Legislativo, persista sendo um todo orgânico, que tem a sua identidade fisionômica nascida no texto constitucional, em alheamento à estrutura de cada um desses três Poderes (MELLO, 1982, p. 122). 27 Com efeito, o Tribunal de Contas não faz parte de nenhum dos Poderes. Por uma questão de discricionariedade do legislador, é eminentemente constitucional, autônomo e independente, com competências exclusivas e indelegáveis, bem delimitadas pela Constituição Federal. Instituição sui generis, na dicção de Castro Nunes e Pontes de Miranda, com incumbência de exercer o controle externo em auxílio ao Legislativo, auxílio este que se lê no sentido de colaboração, porque não há se falar em qualquer nível de subordinação ao Parlamento.18 A inserção entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário talvez possa ser explicada pelo fato de ser nota essencial do nosso constitucionalismo a independência e harmonia dos Poderes, premissa que não estaria assegurada se a fiscalização de recursos públicos não ficasse a cargo de um órgão técnicoespecializado, dotado de autonomia administrativa e financeira. Isso tudo porque o controle do exercício do Poder, no Estado Democrático de Direito, não pode prescindir da independência dos órgãos que exercem a função controladora. Embora o elenco de atribuições constitucionais satisfaça todos os critérios de identificação do Tribunal de Contas como uma das “estruturas políticas da soberania” (CANOTILHO apud MOREIRA NETO, 2003, p. 65), e baste para demonstrar que a solução não é enquadrá-lo dentro do mecanismo clássico da divisão de Poderes, existe, ainda, muita polêmica acerca da natureza jurídica das decisões emanadas desta Instituição. 18 Segundo Salomão Ribas Junior (1996, p. 52), “a relação de dependência que muitos autores vêem na organização formal entre o Tribunal de Contas e o Parlamento, na realidade, fica abalada com um exame mais aprofundado da estrutura do Estado e das funções dos seus órgãos. E a subordinação que outros procuram ver entre Tribunal de Contas e o Parlamento (na Alemanha, no Brasil e em outros países) vira fumaça pela simples leitura dos dispositivos constitucionais e legais.” 28 4 A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS Inúmeros debates são travados, em nível doutrinário e jurisprudencial, a respeito da natureza jurídica das decisões emanadas pelo Tribunal de Contas. Como alguns doutrinadores e julgadores tentam enquadrar a Instituição em um dos Poderes republicanos, existem duas correntes que se destacam a respeito da matéria: a primeira afirma que as decisões são de caráter administrativo, a segunda, que as decisões têm marca jurisdicional. A elas se juntam posições intermédias, algumas buscando pontuar a discussão a partir da leitura das competências reservadas ao Órgão. Vários autores conferem características jurisdicionais a certas competências do Tribunal de Contas. Segundo Luís Manoel Gomes Junior (2003, p. 24), Roberto Rosas é o que defende a posição mais radical ao alegar que a natureza judicante das decisões do Tribunal de Contas estaria presente na apreciação das contas dos responsáveis por bens ou dinheiros públicos e, também, quando da apreciação dos contratos, aposentadorias e pensões. Seabra Fagundes (1979, p. 137), em que pese reconhecer o caráter híbrido da Instituição, declara que, no julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis, é delegada ao Tribunal de Contas a apreciação jurisdicional de certas situações individuais, o que implica investi-lo no parcial exercício da função judicante, não em razão do emprego da palavra “julgamento”, mas pelo sentido definitivo da manifestação da Corte. Do entendimento de que as decisões emanadas da Corte de Contas têm natureza jurisdicional também compartilham Victor Nunes Leal (apud FERNANDES, 2003, p. 124) e Jarbas Maranhão (2002, p. 86). No caso deste autor, a opinião devese ao fato de ele entender que o Tribunal de Contas é uma jurisdição especial, peculiar, fora da jurisdição comum. Importante crítica em relação à controvérsia é feita por Henrique Eugênio Barros Hermida e Jair Lins Netto: O argumento da existência de jurisdição dos Tribunais de Contas se basearia na interpretação literal do texto constitucional, nem sempre 29 o critério mais adequado ao perfeito entendimento das normas contidas na lei maior, como informa Luís Roberto Barroso, não levando em conta que, em razão das transações entre as diversas forças partidárias nem sempre a constituição agasalhará princípios de incontendível pureza doutrinária – ser um documento popular e um documento jurídico a um só tempo – descontada a vivaz agressão ao sentido e alcance das normas constitucionais vigentes, merece prestigiado, no particular o entendimento esposado pelo Dr. Ivan Barbosa Bigolin que a impropriedade absoluta da palavra jurisdição para este caso dos tribunais de contas [...] e que somente pode ter sido empregada pela própria constituição em sentido caseiro doméstico, algo como de acepção alegre ou despreocupada ou informalíssima, mas jamais em sentido técnico jurídico (HERMIDA; NETTO, J., 2005, p. 2). A maioria dos doutrinadores defende a natureza puramente administrativa das decisões dos Tribunais de Contas. É o caso de Odete Medauar (1993, p. 142). Essa autora aduz que nenhuma das atribuições do Tribunal de Contas caracteriza-se como jurisdicional, pois ausente nas decisões da Instituição o caráter de definitividade ou de imutabilidade dos efeitos inerentes aos atos jurisdicionais. Destaca-se, também, a posição de José Cretella Júnior, o qual, ao lado de afirmar que não vislumbra, no desempenho da Corte de Contas, autor, réu, propositura de ação, provocação para obter prestação jurisdicional, inércia inicial e integração com o Poder Judiciário, pondera: Os juristas, que pretendem defender a posição que atribui natureza jurisdicional às decisões do Tribunal de Contas, raciocinam globalmente, sem analisar uma a uma cada atribuição, para verificar e concluir, dessa análise, que as atribuições dessas Cortes, pela forma e pelo conteúdo, são de natureza administrativa [...] (JÚNIOR, J. 1988, p. 14). Hélio Saul Mileski (2003, p. 256) é um dos que dá à questão uma solução intermediária, na medida em que alega que o julgamento realizado pelo Tribunal de Contas tem caráter administrativo, mas com a qualificação do poder jurisdicional administrativo, estabelecida. que deriva de competência constitucional expressamente 30 Por sua vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1996, p. 33) aduz que a decisão do Tribunal de Contas coloca-se a meio caminho entre a decisão jurisdicional e a função administrativa, porquanto tem fulcro constitucional e se sobrepõe às decisões emanadas das autoridades administrativas. Tentando colocar um ponto final na polêmica, frisa Jair Lins Netto: E preciso insistir que a polêmica sobre a natureza jurídica das decisões tomadas pelos Tribunais de Contas, na esfera de suas competências constitucionais, não tem, a meu ver, nos dias atuais, a relevância que se lhe atribuiu outrora, bastando lembrar que tais cortes, de feição constitucional, além de serem relevantes pareceristas sobre a situação financeira, econômica e patrimonial das entidades da administração pública em nível federal, estadual ou municipal, podem valer-se de critérios extensíssimos, inacessíveis, às vezes até ao Poder Judiciário [...] (NETTO, 1997, p. 229). Para nós, destaca-se, por atual e de relevante contribuição ao debate, o posicionamento de Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Segundo ele, desimporta retomar a questão dizente com a “natureza jurisdicional do julgamento das contas dos administradores públicos, pois o problema juspolítico da natureza jurídica nada tem ver diretamente com o mecanismo clássico da tripartição de poderes” (2003 p. 66). Com bastante precisão, esse autor traduz a sua percepção sobre as Cortes de Contas: [...] não se deverá buscar a solução em um enquadramento de determinado órgão independente em qualquer um dos três Poderes orgânicos tradicionais, pode-se dá-lo como superado, desde que apreciado à luz das soluções contemporâneas, com subsídios doutrinários expostos no conceito de policentrismo institucional, para usar a feliz expressão de CANOTILHO, resta agora perquerir, nessa linha, a natureza das funções por elas exercidas. Neste ponto há que se proceder a um exame casuístico das funções que lhes são atribuídas em diversos ordenamentos nacionais, conforme, aliás, a orientação de SPANHA MUSSO, ao se referir a órgãos que no seu desempenho portem ou garantam valores políticoconstitucionais do Estado, uma vez que tais funções serão as que caracterizarão, em última análise, a natureza jurídica desses tribunais e conselhos [...] (MOREIRA NETO, 2003, p. 66). 31 Partindo dessa exegese, o renomado doutrinador procede a um exame pontual de cada uma das competências constitucionais do Tribunal de Contas, classificando-as, basicamente, como técnicas ou políticas, dependendo do tipo de atuação de controle.19 Reforçando essa tese, a proposição de Carlos Ayres Britto (2001, p. 189) de que os processos instaurados pelos Tribunais de Contas têm sua própria ontologia; são “processos de contas, e não processos parlamentares, nem judiciais, nem administrativos” (grifos no original). Nesse diapasão, tem-se que os atos decisórios das Cortes de Contas, assim como não podem ser encaixados, forçosamente, dentro da categoria dos atos jurisdicionais stricto sensu ou dos atos administrativos, também não devem ser considerados num todo, pois cada uma das competências constitucionais implica um tipo diferente de atuação do controle externo (opinativa, técnica, política, declaratória, etc.). A questão acerca da natureza jurídica das decisões não é apenas acadêmica, na medida em que, para muitos, tem conseqüências práticas importantes no que concerne, especialmente, a maior ou a menor efetividade do controle externo e aos limites de revisibilidade judicial. 19 Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 67), ao examinar pontualmente a natureza das atribuições constitucionais do Tribunal de Contas constantes do art. 71, faz a seguinte divisão: incisos I, II e VI, natureza técnica e política; inciso VII, declaratória, incisos III e V, técnica; inciso IV e X, política, inciso VIII, atuação autônoma; inciso IX, atuação vinculada pelo motivo da legalidade; e inciso XI, natureza mandamental e técnica. No caso dos parágrafos 1º e 2º, a atuação é política apenas quando a Corte é reinvestida de poder decisório, diante da omissão do Poder Legislativo e Executivo. 32 5 O INSTITUTO DA COISA JULGADA NO CONTEXTO DO TRIBUNAL DE CONTAS Para equacionar a questão acerca da autoridade e da vinculatividade das decisões da Corte de Contas – o que interessa para o presente trabalho –, é preciso adentrar no tema, talvez o mais controvertido na doutrina, concernente à coisa julgada. Já de início, revela-se importante destacar as considerações feitas por Rosane Heineck Schmitt sobre esse importante instituto: A estabilidade das relações sociais está intimamente vinculada à certeza jurídica, à segurança jurídica, o que significa que as relações de Direito entre os indivíduos devem estar asseguradas pela certeza, entendida como garantia de que uma determinada relação jurídica retrata, efetivamente, a verdade, caracterizando a ‘gewissheit’ dos alemães – a certeza – que é uma das qualidades da verdade. Essa certeza deve ser garantida pelo Estado, porque a ele cabe fornecer os meios para a obtenção da paz social, o que só se faz possível através do ordenamento jurídico, e a certeza no Direito, nas relações jurídicas, se concretiza através da garantia constitucional da segurança jurídica, de que é espécie a coisa julgada. A coisa julgada é, assim, instrumento da paz social estabelecida pelo Estado, paz que não se atingiria se a possibilidade de discutir relações jurídicas fosse ilimitada. (Grifos no original) (SCHMITT, 2006, p. 205) Ovídio Batista da Silva (2002, p. 480) conceitua a coisa julgada como sendo a “virtude própria de certas sentenças judiciais, que as faz imune às futuras controvérsias, impedindo que se modifique, ou discuta, num processo subseqüente, aquilo que o juiz tiver declarado como sendo a ‘lei no caso concreto’”. Juan Carlos Hitters concebe a res judicata como: [...] la influencia que ejerce cierta providencia sobre las posibles declaraciones posteriores de cualquier otro órgano; y podríamos definirla como la inatacabilidad de una sentencia una vez que há quedado firme e ejecutoriada. No se trata solo de una mera repercusion negativa del fallo, esto es la imposibilidad de un nuevo 33 proceso sobre los mismo, sino también de una verdadera funcuión positiva de aquél, es decir, la prohibición de que en outro pleito se decida de modo opuesto a lo ya fallado (HITTERS, 2001, p. 93). A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 6º, § 3º, define coisa julgada, ou caso julgado, como a decisão judicial de que já não caiba recurso. Por sua vez, o Código de Processo Civil, no artigo 467, denomina de coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Vislumbra-se, então, que há diferença entre coisa julgada material e coisa julgada formal. Esses conceitos jurídicos podem ser facilmente assimilados com a lição de Rozangela Motiska Bertolo: O estudo doutrinário do instituto da coisa julgada aborda o tema nos aspectos formal e material, o primeiro representando a estabilidade adquirida pela decisão no processo no qual foi proferida, ou seja, na mesma relação processual, o segundo significando a imutabilidade da decisão projetada para fora do processo, promovendo a estabilidade definitiva da coisa julgada, tornando a sentença indiscutível entre as partes, impedindo que, em processos futuros, haja novos procedimentos sobre o decidido (BERTOLO, 2006, p. 294). Quando, no âmbito da Administração, não há possibilidade de mudança da decisão lançada pela autoridade administrativa, afirmam alguns doutrinadores que se está diante da coisa julgada administrativa (NASSAR, 2004, p. 51). Esse posicionamento é defendido com ênfase por José Cretella Júnior (apud GUALAZZI, 1992, p. 204), cujo magistério resume-se no seguinte: a res judicata administrativa é mais restrita que a res judicata judicial; há todo interesse de manutenção das decisões administrativas, atos juridicamente qualificados ou de relevância jurídica; ficam fora do campo da coisa julgada todos os atos que não geram situações jurídicas individuais e aqueles que, por motivos de interesse público, precisam ser periodicamente reajustados; são inatacáveis os atos administrativos atingidos pela prescrição e decadência na esfera judicial. 34 Parcela expressiva da doutrina pátria, no entanto, sustenta a inexistência de coisa julgada na esfera administrativa. Para eles, o que ocorre, simplesmente, é o trâmite máximo de uma decisão, ou o esgotamento das fontes recursais, no âmbito da Administração Pública, “inibindo-se, apenas a essa e não ao Judiciário a apreciação do fato já decidido” (FERNANDES, 1999a, p. 152). Sobre a matéria, Hely Lopes Meirelles declarou textualmente: Essa imodificabilidade não é efeito da coisa julgada administrativa, mas é conseqüência da preclusão das vias de impugnação interna (recursos administrativos) dos atos decisórios da própria administração. Exauridos os meios de impugnação administrativa, torna-se irretratável, administrativamente, a última decisão, mas nem por isso deixa de ser atacável por via judicial. (Grifos no original) (MEIRELLES, 1990, p. 582). Também Ovídio Baptista da Silva: [...] a coisa julgada [...] é um fenômeno peculiar e exclusivo de um tipo especial de atividade jurisdicional. Se nem todo o ato, ou processo jurisdicional, produz coisa julgada, é certo que não a produzem os atos dos demais poderes do Estado (Executivo e Legislativo). No sistema jurídico brasileiro, pode-se afirmar que este princípio decorre do preceito constitucional que permite, a qualquer caso, a revisão, pelos órgãos do Poder Judiciário, de qualquer ofensa aos direitos individuais (art. 5º da CF). (SILVA, O., 2002, p. 389). O repúdio dos doutrinadores à expressão “coisa julgada administrativa” devese ao fato de o Brasil adotar o sistema inglês ou da jurisdição una, o qual tem como bandeira a inafastabilidade do controle jurisdicional.20 20 “O principal argumento favorável a esse sistema apóia-se na vigência do estado de Direito, onde todos, inclusive o Estado, se submete ao império da lei, cabendo ao Poder Judiciário a função de aplicá-la ao caso concreto por determinação constitucional. Além disso, há a idéia pautada na noção dos “checks and balances”, ou freios e contrapesos, onde há uma inter-relação entre os poderes, permitindo-se o controle de parte a parte” (DI PIETRO JUNIOR, 2007, p. 535). 35 A unitariedade de jurisdição, que se arrima, aqui entre nós, no princípio consagrado pelo artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, difere do contencioso administrativo, também chamado de sistema francês. Nesta modalidade, faz-se possível a coisa julgada administrativa, na medida em que ela implica “existência paralela de duas ordens de jurisdição: a jurisdição ordinária ou comum e a jurisdição administrativa, destinada, em princípio, a julgar litígios que envolvam a Administração Pública” (MEDAUAR, 1993, p. 161).21 Vale sopesar, e isso será relevante para o desenredo deste trabalho, que os sistemas administrativos caracterizam-se “pela predominância da jurisdição comum ou da especial, e não a exclusividade delas, para o deslinde contencioso das questões afetas à Administração” (MEIRELLES, 1993, p. 48). Alguns doutrinadores cogitam que as decisões do Tribunal de Contas no Brasil configuram a res judicata administrativa, a exemplo de Toshio Mukai22. Outros, como Eduardo Lobo Botelho Gualazzi 23 e José Cretella Júnior, afirmam que se cuida de matéria prejudicial em relação à cognição judiciária. Contudo, a questão deve ser analisada com cautela quando se fala nesta Instituição. Abordando o tema, Maria Silvia Zanella Di Pietro obtempera: Já no caso do Tribunal de Contas, a situação é um pouco diversa, quer quando comparada com a função jurisdicional, quer quando comparada com a função puramente administrativa. Existem alguns pontos de semelhança de diferença com as duas funções. [...] Contudo, apesar das semelhanças com a função administrativa, não se pode colocar a decisão proferida pelo Tribunal de Contas no mesmo nível que uma decisão proferida por órgão integrado na Administração Pública. Não teria sentido que os atos controlados 21 22 23 “[...] o sistema do contencioso administrativo, também denominado de sistema francês, admite que um órgão, não integrante do poder judiciário, portanto, da esfera administrativa, declare o direito aplicável ao caso concreto, inibindo a reapreciação do mesmo fato por aquele poder. Resulta desse sistema, a existência de coisa julgada administrativa formal e material. Os doutrinadores pátrios, todos, admitem que não existe sistema puro em nenhum país. Ora, o corolário natural do confronto dessas duas premissas é inarredável: de algum modo, os países admitem a coisa julgada administrativa” (FERNANDES, 2003, p. 121). Toshio Mukai (1999, p. 515) entende que as decisões dos Tribunais de Contas que fazem coisa julgada administrativa, após a tramitação de todos os recursos administrativos cabíveis (previstos nos seus regimentos internos), são todas aquelas previstas na Constituição Federal, com exceção das hipóteses dos incisos I, VII, XI e § 1º do art. 71. “Outrossim, em relação à Administração Pública e à própria cognição do Poder Legislativo, as decisões do Tribunal de Contas, no Brasil, eventualmente configuram a denominada ‘coisa julgada administrativa’” (GUALAZZI, 1992, p. 204). 36 tivessem a mesma força que os atos de controle (DI PIETRO, 1996, p. 33). Essa posição é a mais consentânea com a conformação constitucional do Tribunal de Contas. Se, pela leitura atenta da Carta Maior, não se pode afirmar que ele é Instituição puramente administrativa ou jurisdicional stricto sensu, como já se afirmou nas linhas precedentes, também não se pode dizer que suas decisões fazem coisa julgada, ou res judicata administrativa, na acepção jurídica de tal expressão. Propõe-se, então, que, em se tratando do Tribunal de Contas – órgão eminentemente constitucional, com competências próprias, exclusivas e indelegáveis –, os atos decisórios devem ser tidos como definitivos, obrigatórios e insuscetíveis de questionamento pelos jurisdicionados, após esgotados os meios de impugnação previstos nas normas internas da Instituição.24 Corrobora essa assertiva o fato de as decisões de que resulte imputação de débito ou de multa terem eficácia de título executivo (art. 71, § 3º, Constituição Federal). Não é, todavia, a estabilidade das decisões dentro da esfera de contas que se pretende averiguar, mas sim sua eficácia exógena, para além da jurisdição do Órgão controlador. Isso implica examinar, mais detidamente, a questão da ingerência do Poder Judiciário nos atos decisórios do Tribunal de Contas. 24 Até mesmo o parecer prévio que rejeita as contas do chefe do Executivo, “tem eficácia jurídica própria por imperativo constitucional até eventual rejeição pelo Legislativo por maioria qualificada” (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, Terceira Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 70025267626. 09/10/2008. Desembargador-Relator Paulo de Tarso Sanseverino. DJ de 27/10/2008). 37 6 A VINCULATIVIDADE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS SOB A ÓTICA DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA A fim de examinar a postura do Judiciário em relação às decisões do Tribunal de Contas, procedeu-se a uma pesquisa na base informatizada de jurisprudência de alguns Tribunais, utilizando como critérios de busca os vocábulos “decisão”, “Tribunal” e “Contas”25. Após o resultado, destacou-se, para trazer à análise, os acórdãos que, a nosso ver, guardam maior identidade com o tema escolhido para este trabalho. Sobre a revisibilidade judicial das decisões emanadas das Cortes de Contas, existem quatro julgamentos históricos, comumente referidos pelos doutrinadores e julgadores. Como a transcrição de cada um tornar-se-ia por demais extensa e, quando mais não seja, cansativa, optamos por trazer à colação a Ementa de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que faz referência a tais decisões: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM". DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. EFEITOS. [...] 2. Ademais, a Eg. Corte de Contas, acolhendo o pronunciamento do Parquet junto àquele Tribunal, afastou o caráter ilícito de grande parte dos fatos noticiados na peça vestibular, o que, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, impede o seu reexame na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade manifesta, o que não se verifica no caso em exame (RE nº 55.821-PR, rel. Ministro Victor Nunes Leal, in RTJ 43/151; Resp nº 8.970-SP, rel. Ministro Gomes de Barros, in RJSTJ 30/378, respectivamente). Em julgado publicado na RSTJ, volume 30, pp.395/7, assinalou o eminente Ministro Gomes de Barros, quando do julgamento do REsp nº 8.970/SP, verbis: "III - Sustentam os recorrentes ser impossível a reapreciação judicial de atos administrativos, cuja regularidade foi atestada pelo Tribunal de Contas. 25 O motivo de terem sido escolhidas apenas as ementas de acórdãos em que constam, expressamente, tais vocábulos, deve-se à dificuldade de selecionar e classificar as decisões judiciais, dado o grande volume de ações ajuizadas com a pretensão de desconstituir os julgados dos Tribunais de Contas. 38 Trazem, em socorro de sua tese, afirmação de que o Acórdão recorrido destoa da Jurisprudência tradicionalmente consagrada no Supremo Tribunal Federal. Como paradigma, citam o Acórdão relativo ao MS nº 7.280, do qual relator o saudoso Min. Henrique D'Ávila, resumido nesta ementa: "TRIBUNAL DE CONTAS - Apuração de alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos – Ato insuscetível de revisão perante a Justiça comum – Mandado de Segurança não conhecido. Ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, o Tribunal de Contas pratica ato insuscetível de revisão na via judicial a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade manifesta" (fls. 3.881). Em seu relatório, o saudoso Ministro transcreveu o Parecer do então Procurador-Geral da República - o igualmente saudoso Ministro Carlos Medeiros Silva, in verbis: "Conforme decidiu o Pretório Excelso, no Mandado de Segurança nº 6.960 (sessão de 31 de julho de 1959, decisão unânime, relator o Sr. Ministro Ribeiro da Costa), não cabe mandado de segurança contra decisão do Tribunal de Contas que julgou contas de responsáveis por dinheiros públicos. Disse, então, o Sr. Min. Ribeiro da Costa: "a decisão sobre a tomada de contas de gastos de dinheiros públicos, constituindo ato específico do Tribunal de Contas da União ex vi do disposto no artigo nº 77, II, da Constituição Federal, é insuscetível de impugnação pelo mandado de segurança, no concernente ao próprio mérito do alcance apurado contra o responsável, de vez que não cabe concluir de plano, sobre a ilegalidade desse ato, salvo se formalmente eivado de nulidade substancial, o que, na espécie, não é objeto de controvérsia" (fls. 3.968). No voto, com que conduziu o Tribunal Pleno, o Ministro Henrique D'Ávila observou: "Na realidade o Tribunal de Contas quando da tomada contas dos responsáveis por dinheiros públicos, pratica ato insuscetível de impugnação na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal ou ilegalidade manifesta. Na espécie o que o impetrante impugna é o mérito da decisão do Tribunal de Contas. Entende ele que não existia o apontado, ou seria menor do que o apurado. O assunto, é evidente que não pode ser tratado através processo expedito do mandado de segurança. Só pelos meios mais regulares é que poderá o impetrante demonstrar o contrário, ou invalidar a apuração feita pelo Tribunal de Contas União." (Fls. 3.968/9). Como se percebe, o Supremo Tribunal Federal não reconhece na decisão do Tribunal de Contas a força da coisa julgada material. A Corte admite se reveja acórdão de Tribunal de Contas, "em seu aspecto formal" ou em caso de "ilegalidade manifesta". Esta velha jurisprudência veio a ser confirmada em acórdão conduzido pelo saudoso Ministro Victor Nunes Leal, e reduzida a ementa nestes termos: "TRIBUNAL DE CONTAS. Julgamento das contas de responsáveis por haveres públicos. Competência exclusiva, salvo nulidade por irregularidade formal grave (MS 6.960, 1959), ou manifesta ilegalidade aparente (MS 7.280, 1960)" (RTJ 43/151). 39 Merece destaque, neste aresto, a manifestação do saudoso Ministro Barros Monteiro, nestas palavras: "A segunda questão, de serem preclusivas e insuscetíveis de apreciação pelo Judiciário as decisões do Tribunal de Contas, eu acolho, com reservas, diante do preceito do artigo 150, § 4º, da CF, que reproduziu o dispositivo da Constituição anterior, segundo o qual não se pode subtrair da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão do direito individual. Mas, feita essa ressalva, estou de pleno acordo em que não se pode chegar a outra conclusão senão àquela do acórdão mencionado pelo eminente Ministro Victor Nunes, do qual foi Relator o Ministro Henrique D'Ávila, e que, exprime o pensamento deste Tribunal. As decisões do Tribunal, de Contas não podem ser revistas pelo Poder Judiciário, a não quanto ao seu aspecto formal." (RTJ 43/157). Destes pronunciamentos resta clara uma constatação: é impossível desconstituir o ato administrativo ungido pela aprovação do Tribunal de Contas, sem rescindir a decisão deste colegiado. E, para rescindila, é necessário que nela se apontem irregularidades formais graves ou ilegalidades manifestas. [...] 3. Agravo de instrumento conhecido e provido. (Grifos no original) (SANTA CATARINA, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4º REGIÃO. TERCEIRA TURMA. AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO, PROCESSO Nº 2002.04.01.019240-0. 03/12/2002, RELATOR: THOMPSON FLORES LENZ. DJ DE 12/02/2003). No mesmo panorama, o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa é do seguinte teor: ADMINISTRATIVO. AGENTE POLÍTICO. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS RELATIVOS AO TERÇO SOBRE FÉRIAS. JULGAMENTO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS. EFEITOS 1. Não se mostra possível o pagamento de um terço sobre férias do Chefe do Executivo, inexistindo previsão na lei local para semelhante vantagem pecuniária. O julgamento das contas pelo Tribunal de Contas é matéria insuscetível de reexame na via judiciária. Admite-se o pagamento de multa, em valor que atende o princípio da proporcionalidade, por expressa disposição legal (Lei 11.424/00, art. 33, VII). 2. APELAÇÃO DESPROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70012429858. 21/09/2005. QUARTA CÂMARA CÍVEL. 24/10/2005). 40 Sobressai, nesse julgado, a postura prudente do Desembargador-Relator Araken de Assis: A rigor, tal assunto escapa a reexame na via judiciária sem infração ao art. 5º, XXXV, da CF/88. E isso porque os julgamentos do Tribunal de Contas, para os efeitos do art. 71 da CF/88, no tocante à regularidade das contas, assume caráter jurisdicional, obrigado aos demais órgãos judiciários, consoante a clássica lição de ATOS GUSMÃO CARNEIRO (Jurisdição e competência, n. 82, p. 13, São Paulo: Saraiva, 1982). Hoje em dia, porém, mostra-se largamente predominante a tese de que, contrapondo-se à Administração (Legislativo e Executivo) e Jurisdição (Judiciário), tudo é sindicável na via judiciária – tese acerca da qual manifesto sérias reservas – razão por que do controle da legalidade passou-se ao controle da conformidade (da resolução administrativa com as leis e a Constituição, notadamente com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade). No recém publicado acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro-Relator Joaquim Benedito Barbosa Gomes assim se referiu às decisões do Tribunal de Contas: Não cabe ao TSE analisar o acerto ou o desacerto da decisão proferida pelo Tribunal de Contas para, por exemplo, aprovar contas julgadas irregulares, ou vice-versa. Mas esta Casa, desde que rejeitadas as contas, só pode como deve proceder ao devido enquadramento jurídico do vício constatado, interpretando-o como sanável ou insanável (cf. Acórdãos nos 26.942, rel. min. José Delgado, de 29.09.2006; 24.448, rel. min. Carlos Velloso, de 07.10.2004; 22.296, rel. min. Caputo Bastos, de 22.09.2004). (BRASIL, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PLENÁRIO. PROCESSO Nº 30295. MINISTRO-RELATOR JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES. 14/10/2008). Sobre a possibilidade de revisão dos atos decisórios emanados do Tribunal de Contas, traz-se à colação outras decisões do Tribunal de Justiça gaúcho: 41 Primeira: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. PRESIDENTES DA CÂMARA DE VEREADORES. PAGAMENTO DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL ADMINISTRATIVO APONTANDO AS ATIVIDADES COMO INSALUBRES. CONTRATAÇÃO DE ASSESSOR JURÍDICO. CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. [...] A apreciação das contas da Câmara Municipal pelo Tribunal de Contas do Estado não exclui o exame de sua legalidade ou constitucionalidade pelo Poder Judiciário, tendo em vista que o TCE não exerce jurisdição e não têm competência para anular atos lesivos ao patrimônio público, exercendo, tão-somente, função auxiliar do Poder Legislativo, nos termos do art. 5º, inciso XXXV, c/c o art. 71, inciso X e parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal. Negaram provimento aos apelos. Unânime. (RIO GRANDE DO SUL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. APELAÇÃO CÍVEL Nº 70021237250. 26/03/2008. DESEMBARGADOR-RELATOR ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA. DJ DE 14/04/2008). Segunda: APELAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CDA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS. 1. Os atos do Tribunal de Contas, por serem de natureza administrativa, estão sujeitos à apreciação do Judiciário, como ocorre com os atos administrativos em geral. VOTO VENCIDO. [...]. AFASTARAM, POR MAIORIA, A PRELIMINAR SUSCITADA, DE OFÍCIO, DE ILEGITIMIDADE DA JUSTIÇA COMUM, E, À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS. (RIO GRANDE DO SUL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. APELAÇÃO CÍVEL N. 70023312440. 09/04/2008. VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL. DESEMBARGADORA-RELATORA LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO. DJ DE 05/05/2008). 42 O Superior Tribunal de Justiça parece compartilhar do mesmo entendimento, conforme se depreende da seguinte ementa de acórdão: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDICAÇÃO DE PRÁTICA DE IRREGULARIDADES ADMINISTRATIVAS. APROVAÇÃO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. JULGAMENTO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. VINCULAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. EXCLUSÃO DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DO PEDIDO. [...] 4. O fato de o Tribunal de Contas da União ter aprovado as contas dos recorrentes não inibe a atuação do Poder Judiciário, visto que não se trata de rejulgamento pela Justiça Comum, porque o Tribunal de Contas é Órgão Administrativo e não judicante, e sua denominação de Tribunal e a expressão julgar, ambas são equívocas. É o TCU um conselho de contas sem julgá-las, sentenciando a respeito delas. Apura a veracidade delas para dar quitação ao interessado, entendo-as como prestadas, a promover a condenação criminal e civil dele, em verificando o alcance. Não há julgamento, cuja competência é do Poder Judiciário. 5. A decisão que aprecia as contas dos administradores de valores públicos faz coisa julgada administrativa no sentido de exaurir as instâncias administrativas, não sendo mais suscetível de revisão naquele âmbito. Não fica, no entanto, excluída de apreciação pelo Poder Judiciário, porquanto nenhuma lesão de direito pode dele ser subtraída. 6. O art. 5º, inciso XXXV da CF/88, dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". 7. A apreciação pelo Poder Judiciário de questões que foram objeto de pronunciamento pelo TCU coaduna-se com a garantia constitucional do devido processo legal, porquanto a via judicial é a única capaz de assegurar ao cidadão todas as garantias necessárias a um pronunciamento imparcial. [...] 10. Recurso especial não provido. (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL Nº 472399. MINISTRO-RELATOR JOSÉ DELGADO. 26/11/2002. DJ DE 19/12/2002, p. 351). Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal: Não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, não possuam teor de coercibilidade. Possibilidade de impor sanções, assim como a lei disciplinar. Certo está que, na hipótese de abuso no 43 exercício dessas atribuições por agentes da fiscalização dos Tribunais de Contas, ou de desvio de poder, os sujeitos passivos das sanções impostas possuem os meios que a ordem jurídica contém para o controle de legalidade dos atos de quem quer que exerça parcela de autoridade ou poder, garantidos, a tanto, ampla defesa e o devido processo legal. (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE 190.985, REL. MIN. NÉRI DA SILVEIRA. 14/02/1996, DJ DE 24/08/01). Efetivamente, inúmeros julgados de Tribunais Pátrios, inclusive da Suprema Corte, vêm apreciando, diuturnamente, as decisões emanadas do Tribunal de Contas.26 O resultado da pesquisa realizada, em que pese apontar para a existência de dissenso sobre a matéria, consegue demonstrar que predomina o entendimento entre os julgadores de que, apenas em caso de lesão ou ameaça de direito, revelase inafastável a tutela jurisdicional em face das decisões lançadas pelo Tribunal de Contas. 26 Destaca-se, dentre as matérias examinadas pelo Judiciário, aquela dizente com a apreciação da legalidade dos atos de admissão de pessoal e das concessões de reformas, aposentadorias, reformas e pensões (art. 71, inciso III, da Constituição Federal), porquanto, recentemente, foi escolhida pelo Supremo Tribunal Federal para ser objeto do enunciado n.º 3 de Súmula Vinculante: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão." 44 7 A VISÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DA REVISIBILIDADE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS PELO JUDICIÁRIO A ingerência do Poder Judiciário nas decisões emanadas do Tribunal de Contas é tema bastante controvertido também entre os doutrinadores pátrios. Adianta-se que os diversos posicionamentos sobre a quaestio têm como ponto de partida ou o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional ou a natureza jurídica do Tribunal de Contas e de suas decisões, entendimento este, repita-se, não pacificado. A preocupação antiga e crescente quanto à revisibilidade dos atos da Cortes de Contas, segundo Sebastião Baptista Affonso, advém de perspectivas diferenciadas: De um lado, preocupa a eventual perpetuação de erros, injustiças ou violação de direitos porventura emergentes das suas decisões, se fossem irreversíveis. Por outro lado, todavia, é muito mais preocupante, ainda, a inoperância dos seus julgados ou a possibilidade ilimitada de serem revistas as suas decisões, a tornar inócua tão nobre função de controle (AFFONSO, 1996, p. 20). Na doutrina existente sobre a matéria, chama a atenção, em primeiro lugar, a tese defendida por Seabra Fagundes. Esse doutrinador insere, entre as hipóteses restritas de exceção ao monopólio jurisdicional do Poder Judiciário, a que se refere à competência atribuída ao Tribunal de Contas para o julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis. Justificando seu posicionamento, assevera: [...] se a regularidade de contas pudesse dar lugar a nova apreciação (pelo Poder Judiciário), o seu pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo. Sob esse aspecto restrito [...] a Corte de Contas decide conclusivamente. Os órgãos do Poder Judiciário carecem de jurisdição para examiná-lo (FAGUNDES, 1979, p. 138). 45 Antes disso, Pontes de Miranda, calcado no teor das Constituições brasileiras, já argumentava que a função de julgar as contas mostrava-se hialina desde o texto constitucional de 1934, de modo que a única exegese é a de que implicaria bis in idem o fato de Tribunal de Contas julgar e outro juiz as rejulgar depois (MIRANDA, 1967, p. 250). A essas posições doutrinárias, agrega-se a lição de Ruy Cirne Lima: [...] nem antes nem depois das decisões do Tribunal de Contas, enquanto às contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos, toca, aos Juízes e Tribunais comuns, pronunciar-se sobre o fato sujeito, ou quem lhe seja o autor. A eficácia exclusiva e terminativa das decisões do Tribunal de Contas, nessa matéria, não é mais, no entanto, do que uma aplicação do princípio de independência e harmonia dos poderes políticos [...] (LIMA, 1963, p. 246). Raimundo Menezes Vieira, repetindo a lição de Vítor Nunes Leal, argumenta que a disposição constitucional do artigo 5°, inciso XXXV, não obstaculiza o entendimento de que o julgamento pelo Tribunal de Contas torna prejudicial e definitivo o pronunciamento deste órgão, porque, no caso, a redução de competência do Poder Judiciário resulta da Constituição, e não da lei (VIEIRA, 1990, p. 105). Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, tomando emprestada a expressão de José Cretella Júnior, menciona que ao Judiciário cabe apenas o “patrulhamento das fronteiras da ilegalidade”, vedado o exame quanto à conveniência e oportunidade. Nesse sentido, afirma: A doutrina guarda uniformidade nesse sentido, mas por que motivo pretendem alguns rever judicialmente as decisões dos julgamentos do Tribunal de Contas? Julgar é apreciar o mérito; portanto, mesmo que a Constituição não utilizasse expressamente o termo julgar, ainda assim uma decisão dessa Corte seria impenetrável para o Poder Judiciário. Se a maculasse manifesta ilegalidade, como qualquer sentença, poderia até ser cassada por meio de mandado de segurança, mas nunca, jamais, se poderia permitir ao magistrado substituir-se nesse julgamento de mérito. O juiz também deve conter sua atuação nos limites da lei, e foi a Lei Maior que deu a competência para julgar as contas a uma Corte, devidamente 46 instrumentalizada e tecnicamente especializada (FERNANDES, 2002, p. 1). Dizendo algo semelhante, porém, em outras palavras, Carlos Ayres Britto: Algumas características da jurisdição, no entanto, permeiam os julgamentos a cargo do Tribunal de Contas. Primeiramente, porque os TCs julgam sob critério exclusivamente objetivo ou da própria técnica jurídica (subsunção de fatos e pessoas à objetividade da normas constitucionais e legais. Segundamente, porque o fazem com a força de coisa julgada que é própria das decisões judiciais com trânsito em julgado. Isso quanto ao mérito das avaliações que as Cortes de Contas fazem incidir sobre a gestão financeira, orçamentária, patrimonial, contábil e operacional do Poder Público. Não, porém, quanto aos direitos propriamente subjetivos dos agentes estatais e da demais pessoas envolvidas em processos de contas, porque aí, prevalece a norma constitucional que submete à competência judicante do Supremo Tribunal Federal a impetração de habeas corpus, mandado de segurança e habeas data contra atos do TCU [...]. Por extensão, caem sob a competência dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, conforme a situação, o processo e o julgamento das mesmas ações constitucionais contra atos dos demais Tribunais de Contas (BRITTO, 2002, p. 105). Daniel Francisco Mitidiero, quando se refere ao julgamento do Presidente da República pelo Senado Federal e ao julgamento realizado pelo Tribunal de Contas, afirma que, em ambos os casos, não há que se falar em jurisdição, porquanto não há irreversibilidade externa dos provimentos. Aduz, para tanto: Quanto ao Tribunal de Contas, embora suas decisões, no mais das vezes, tenham inclusive eficácia de título executivo (art. 71, § 3º, CFRB), ao Poder Judiciário se mostra igualmente possível, com base na cláusula da inafastabilidade da jurisdição [...], rever as decisões (MITIDIERO, 2005, p. 88). 47 Na mesma linha, Odete Medauar, a qual assevera: [...] qualquer decisão do Tribunal de Contas, mesmo no tocante à apreciação de contas dos administradores, pode ser submetida ao reexame do Judiciário se o interessado considerar que seu direito sofreu lesão; ausente se encontra, nas decisões do Tribunal de Contas, o caráter de definitividade ou imutabilidade dos efeitos, inerentes aos atos jurisdicionais (MEDAUAR, 1993, p. 142). Vislumbra-se que as posições doutrinárias, na grande maioria, não consideram isoladamente as competências do Tribunal de Contas no exame da questão afeta ao controle judicial. E, quando o fazem, costumam restringir-se a considerações sobre a atribuição de julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis (inciso II do artigo 71 da Constituição Federal). Wremir Scliar é um dos poucos que examina a quaestio juris a partir de uma análise casuística das competências constitucionais reservadas à Corte de Contas. Prova disso é a seguinte asserção: Destaca-se, ainda, por ser Instituição de Estado com inscrição constitucional, que as competências enumeradas na Carta Federal atribuem ao parecer prévio, julgamento das contas, apreciação de atos de admissão e inativação, auditorias, fiscalizações, informações, aplicação de sanções, sustação de atos e representações um caráter eminentemente técnico-pericial, insuscetível de reapreciação quanto ao mérito, em qualquer Poder. A jurisdição una, adotada na Carta de 1988, entretanto, não permite admitir rejulgamento das decisões do Tribunal de Contas em matéria de parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo nem a decisão em julgamento sobre as contas dos demais responsáveis, exceto no que colidirem com a Constituição Federal e legislação infraconstitucional, ressalvado, entretanto, o mérito técnico da decisão do Tribunal de Contas. O julgamento se restringe à lesão de direito individual (SCLIAR, 2007, p. 201). Interessante para agregar ao debate a preocupação de Sebastião Affonso com a revisão dos atos decisórios do Tribunal de Contas pelas várias instâncias judiciais: 48 [...] a despeito de haver a atual Constituição estabelecido uma ampliada gama de competências, próprias e exclusivas das Cortes de Contas (art. 70, 71 e 75), sabe-se que as suas deliberações, em última análise, podem acabar sendo obstaculizadas, por alguma modalidade de decisão judicial, seja atacando-as na sua fonte geradora, pelo mandado de segurança, seja neutralizando os seus efeitos, pelos embargos à execução das suas condenações. No caso do uso mandamental, a prerrogativa de função do órgão confere foro privilegiado, o que assegura maior dose de equilíbrio, mas nos demais casos, a execução dos julgados das Cortes de Contas, em regra geral, podem ficar na dependência de decisão monocrática de juízo de primeiro grau de jurisdição, o que causa uma aparente subversão na ordem hierárquica de valores. Isso sem falar das implicações daquelas outras demais ações ordinárias ou especiais, que também podem afetar a eficácia das decisões, tomadas pelas Cortes de Contas (AFFONSO, 1996, p. 129). Em evento realizado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o JuizCorregedor Antônio Vinícius Amaro da Silveira, ao comentar sobre as competências e atribuições do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas, ponderou: O Poder Judiciário, em função desta possibilidade de intervenção, tem sido frequentemente chamado a intervir em atribuições que, ao meu ver, são atribuições alheiras. Isso preocupa demais; em nome da democratização, o Judiciário acabou absorvendo competências restritas. [...] Este raciocínio estende-se perfeitamente à seara pública. É isto que também – hoje falando como cidadão – preocupa, pois há que se verificar se as atribuições imputadas às instituições são ou não são verdadeiras. Elas existem ou não existem? Tenho um posicionamento particular, e acho que, neste sentido, não há muita dissonância na jurisprudência, no sentido de priorizar as atribuições constitucionais. Faço-o norteando-me em função da competência e atribuição do Tribunal de Contas, justamente para limitar esta atividade jurisdicional muito no que concerne à formalidade dos atos administrativos. [...] ou nós acreditamos nas nossas instituições ou não acreditamos e negamos a democratização. A partir do momento em que estabelecemos a existência e a necessidade de instituições, e aqui me refiro especialmente ao Tribunal de Contas, temos que dar a esta instituição a sua necessária autonomia, de modo que acho muito perigosa, e creio que, no geral, os juízes pensam assim, a interferência numa atividade eminentemente técnica, como é a do Tribunal de Contas (In RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, 2007. p. 20). 49 Já adiantando parte da conclusão deste trabalho, tem-se que a postura deste Magistrado revela-se bastante útil para o equacionamento da questão acerca das fricções entre o Poder Judiciário e o Tribunal de Contas, exatamente porque aponta para uma posição de autocontenção judicial (self restraint). Esse posicionamento moderado é mais um reforço à doutrina, nos parece, majoritária, que defende a hipótese de o Poder Judiciário sindicar atos emanados do Tribunal de Contas, tão-somente, em casos de lesão ou ameaça a direito. 50 8 CONCLUSÃO O Tribunal de Contas, desde a época em que foi concebido, tem relevo constitucional. É Instituição que se insere entre os Poderes do Estado, e exerce, com autonomia e independência, a importante função inerente ao Estado Democrático de Direito: o controle externo. Para o exercício de tal mister, atua, algumas vezes – não sempre –, em cooperação com o Legislativo, sem a este estar vinculado. Da posição constitucional do Tribunal de Contas decorre a sua natureza jurídica: não se trata de órgão singelamente administrativo nem de órgão jurisdicional: é um Tribunal sui generis, como tantos já disseram. Pela força normativa da Constituição, decide, motu proprio, os assuntos que lhe são afetos, sendo que suas decisões têm força vinculante para os jurisdicionados, e somente podem ser reexaminadas pelo Poder Judiciário em casos de lesão ou de ameaça a direito. Com efeito, se, de um lado, a Constituição, no contexto do sistema da jurisdição una, resguarda o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, ela mesma reserva ao Tribunal de Contas competências exclusivas, próprias e indelegáveis, que não podem ser afastadas nem restringidas, sob pena de burla ao princípio da divisão de “Poderes” (sic) estatais. A disposição contida no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, deve ser lida com temperamentos, pois não é possível que as decisões da Corte de Contas – órgão que detém expertise para fiscalizar os recursos públicos sob a óptica da legalidade, da legitimidade e da economicidade – sejam submetidas ao controle indiscriminado do Poder Judiciário. Neste viés, a política judicial, diante de eventual controvérsia, deve ser de autocontenção (self restraint), para que não se instale a desarmonia entre as funções estatais. Os juízes e Tribunais precisam limitar sua atuação ao exame da existência de lesão ou ameaça a direito, sendo a eles defesa a substituição do mérito, ou a investigação da denominada “justiça” da decisão, sob pena de desprestigiamento do Órgão de Contas, cuja existência, volta-se a frisar, é essencial para a Democracia. 51 Com efeito, não há como fazer outra exegese que não aquela que busque conciliar três regramentos constitucionais: o que prevê a função e as competências do Tribunal de Contas, o que assegura ao Judiciário o monopólio da jurisdição e, por fim, o que enumera os direitos e garantias fundamentais. Essa, a postura cautelosa que se espera do Judiciário. Por outro lado, o Tribunal de Contas também deve ter consciência dos seus limites jurídico-constitucionais. Precisa adotar um posicionamento consentâneo com a vontade da Constituição, observando, com o maior rigor possível, os princípios fundamentais, especialmente o devido processo legal, a fim de evitar que suas decisões causem prejuízos a direitos, e, por isso, sejam revisadas pelo Poder Judiciário. Essa orientação torna-se imprescindível para o convívio harmonioso entre o Poder Judiciário e o Tribunal de Contas e, quando mais não seja, para a própria legitimidade democrática de ambas as Instituições. 52 REFERÊNCIAS ABREU, Rogério Roberto Gonçalves de. Limites do Controle Judicial dos atos dos Tribunais de Contas. L & C: Revista de Direito e Administração Pública, Brasília, n. 66, p. 14-17, dez. 2003. AFFONSO, Sebastião Baptista. Eficácia das Decisões dos Tribunais de Contas. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano 14, n. 24, p. 129-133, jan./jun. 2006. ______.Tribunais de Contas no Contexto do Poder Judiciário. 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