CONTROLE AUTOMÁTICO DA VENTILAÇÃO Eduardo Bancalari (EUA) 7º Simpósio Internacional de Neonatologia do Rio de Janeiro, 24 a 26 de junho de 2010 Realizado por Paulo R. Margotto, Prof. do Curso de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS)/SES/DF [email protected] www.paulomargotto.com.br Vou falar sobre novos avanços na automação do cuidado respiratório, usando basicamente a tecnologia já disponível na maioria dos equipamentos respiratórios que comumente usamos nas nossas Unidades. Todos vocês aqui trabalham na beira do leito e sabemos como é demorado fazer os ajustes nos ventiladores nos neonatos com insuficiência respiratória, como a FiO2 para manter os bebês dentro de uma faixa razoável de oxigenação arterial e de PaCO2. Esta é história da ventilação mecânica (VM) que iniciou no final dos anos 60. Afinal é um ventilador que foi inicialmente projetado para adultos e foi modificado posteriormente para uso em recém-nascido (RN). Hoje temos uma ampla gama de equipamento para terapia ventilatória e muitas vezes ficamos confusos sobre qual utilizar. Infelizmente, muitas vezes temos que usar equipamentos disponíveis nas nossas Unidades Neonatais que não são projetados para o uso neonatal (são apenas modificações de sistemas usados em adultos). Apesar de todo este avanço nos equipamentos de cuidados respiratórios, ainda temos uma grande incidência de displasia broncopulmonar (veja no eslide a seguir) e é o que nos move a avançar neste campo. Esta é uma doença que está claramente associada com a prematuridade e ainda está claramente associada com a ventilação mecânica. BPD: bronchopulmonary dysplasia Existem vários novos avanços. Hoje vou me concentrar no uso de algoritmos dentro do equipamento que ajudam a enfermeira, o médico ou o terapeuta respiratório para controlar o paciente. Vou falar um pouco de ventilação dirigida para volume, a ventilação minuto dirigida e o controle automatizado da concentração de O2 inspirado. VENTILAÇÃO DIRIGIDA PARA VOLUME Até pouco tempo e até hoje, a maioria dos respiradores neonatais são feitos com limite de pressão, Por quê? Usar uma pressão constante nos permite minimizar o efeito do extravasamento (escape) do tubo endotraqueal. Quando começamos a ventilar os RN nos anos 70, um dos primeiros ventiladores era ventiladores de volume. Então a idéia de usar volume não é nova, muito pelo contrário, é muito antiga. O problema é que como usamos tubo traqueal sem cuff, o uso da estratégia de volume é muito limitado devido ao extravasamento que ocorre e é por isto que acabamos usando pressão constante, pois basicamente compensa o extravasamento até certo ponto. A desvantagem em usar a ventilação limitada por pressão é que se as características mecânicas pulmonares mudarem, mantendo a mesma pressão, você acaba tendo um volume corrente totalmente diferente (o RN fica mais rígido porque está brigando com o ventilador, ou porque o pulmão desenvolve edema pulmonar e você mantém a mesma pressão e o volume será muito menor). Por outro lado, se você der surfactante, a complacência melhora muito rapidamente e mantendo a mesma pressão, o volume corrente (VC) será muito maior. Esta é a principal desvantagem de usar uma estratégia de limite de pressão. Assim há um esforço em desenvolver um sistema que pode usar a ventilação dirigida a volume no neonato. Veja eslide a seguir. VT: volume tidal (volume corrente); CL: complacência pulmonar; R: resistência Há várias estratégias para tentar dar um volume relativamente constante para os RN e há vários nomes diferentes que na verdade se referem à mesma coisa. Há vários métodos de empresas diferentes para o sistema. Alguns ventiladores mudam a duração da expiração para tentar manter um VC constante, outros mudam o fluxo inspiratório para tentar aplicar um volume constante e outros usam ajustam a pressão com base no VC medido para tentar aplicar um VC relativamente constante. O método mais preciso na verdade é aquele desenvolvido pela Draeger, chamado garantia de volume (VCvolume guarantee), embora acho melhor dirigido para volume, pois na verdade ele não garante exatamente um volume constante, embora tenta, mas nem sempre consegue. Veja eslide a seguir O que o sistema faz basicamente é: medir o fluxo, integrar o sinal com o volume (então você mede VC constantemente e depois se o RN fica mais rígido porque briga com o ventilador ou porque as características do pulmão mudaram, o VC cai e o ventilador detecta a diminuição do VC expiratório e com base nesta queda, começa aumentar a pressão inspiratória máxima (PIM) para tentar restabelecer o VC mais uma vez). Então vejam aqui que se o VC cair, a pressão aumenta e o VC restabelecido e depois a MAP (mean airway pressure - pressão média das vias aéreas) começa a baixar automaticamente. Portanto o ventilador basicamente faz o trabalho, ajustando a pressão inspiratória máxima (PIM) para tentar manter um VC constante. Aqui temos dados de um estudo que publicamos há vários anos com o Dr. Herrera, um fellow nosso e mostrando o que ocorre com o uso de SIMV convencional e SIMV + VG com VC diferentes (4,5ml/kg e 3 ml/kg) na ventilação e troca gasosa em um grupo de RN de muito baixo peso se recuperando de insuficiência respiratória aguda. O que é interessante é que isto nos ensinou como esta estratégia pode ser usada basicamente para fazer o desmame automático. À medida que usamos volume menor e ele se torna insuficiente para os pacientes, eles aumentam automaticamente o VC da respiração espontânea da sua atividade respiratória. Então, se o volume aplicado pelo respirador for menor, o RN faz mais esforço e aí compensa, aumentando o VC espontâneo. Outra coisa que observamos foi que à medida que nos dirigíamos para volumes correntes menores a MAP era menor como esperado. Outro ponto, que é uma das vantagens em ventilar o paciente dirigido para volume é que a proporção de respirações excessivas no caso de VC ACIMA DE 7 ml/kg vejam que diminui bastante quando usamos o foco no volume. Então esta estratégia pode manter o VC quando o RN se torna mais rígido e por outro lado, pode desmamar o ventilador e aumentar a atividade respiratória do paciente. Outra vantagem desta estratégia: evita um esforço de VC porque sempre que o RN tem um profundo esforço respiratório o ventilador imediatamente nas respirações posteriores diminui a pressão, tentando evitar a hiperexpansão e VC grandes. Portanto, com esta estratégia houve desmame automático do suporte ventilatório e aumento do esforço respiratório espontâneo. Não houve diferença entre os grupos quanto à saturação de oxigênio, PaCO2 transcutânea, FiO2, embora a PaCO2 transcutânea tenha sido levemente maior no grupo SIMV+VG 3,0 (volume corrente de 3 ml/Kg). Vejam os eslides a seguir para melhor compreensão. Effects of volume-guaranteed synchronized intermittent mandatory ventilation in preterm infants recovering from respiratory failure.Herrera CM, Gerhardt T, Claure N, Everett R, Musante G, Thomas C, Bancalari E.Pediatrics. 2002 Sep;110(3):52933.Artigo Integral. Outra possibilidade de VC dirigido seria tentar REDUZIR OS EPISÓDIOS DE HIPOXEMIA. Isto nos ocorreu baseado em um estudo publicado há alguns anos. Bolívar JM et al (Mechanisms for episodes of hypoxemia in preterm infants undergoing mechanical ventilation. Bolivar JM, Gerhardt T, Gonzalez A, Hummler H, Claure N, Everett R, Bancalari E. J Pediatr. 1995 Nov;127(5):767-73) foi o primeiro autor a descrever o mecanismo para os episódios de hipoxemia nos RN pré-termos em ventilação mecânica e nos interessou basicamente em descobrir qual era o mecanismo por trás destes episódios de hipoxemia tão comuns nestes RN em VM. O que observamos neste estudo e um achado consistente é que todos estes episódios eram induzidos pelo aumento da pressão intratorácica que medimos aqui com um cateter esofágico, produzindo uma queda repetida do VC; então os RN contraíam o abdômen, aumentavam a pressão intratorácica (expiração forçada, reduzindo a capacidade funcional residual, o volume pulmonar), o que eliminava o VC. Vemos que o fluxo praticamente desaparece aqui, produzindo hipoventilação com queda na saturação de O2. Este tipo de mecanismo de episódios de hipoxemia é altamente consistente. Vamos ver que a maior parte dos pacientes que desenvolvem estes episódios de hipoxemia durante a VM tem a mesma seqüência de eventos (exalação ativa que causa diminuição no volume pulmonar, seguido de diminuição da complacência do sistema respiratório e aumento da resistência respiratória, resultando em hipoventilação, devido à redução do volume corrente, a despeito da ventilação por pressão positiva contínua). O que especulamos é que os RN ficam mais rígidos, pois brigam com o respirador, causando uma queda no VC. Veja o eslide a seguir. Talvez usando a ventilação dirigida para volume onde a pressão aumenta automaticamente. poderíamos reduzir o número e a duração destes episódios de hipoxemia. A Dra. Valentina Polimeni, nossa fellow da Itália fez um pequeno estudo onde ela incluiu alguns pacientes com episódios de hipoxemia freqüente e estudou por 4 horas em ventilação mecânica convencional e em outro período, ventilação dirigida a volume e depois voltou ao SIMV. O que ela observou neste estudo é que o número de episódios ocorrendo nestes RN no SIMV ou na ventilação dirigida a volume era basicamente o mesmo. Agora o que mudou foi a duração dos episódios que se tornaram mais curtos na ventilação dirigida a volume. Assim, olhando a proporção de tempo de saturação de O2 abaixo de 75% foi muito inferior na ventilação dirigida a volume em relação ao SIMV, reduzindo o tempo total de saturação abaixo de 75% de 39 minutos/dia para 17 minutos/dia. Então, outra utilidade da ventilação dirigida a volume seria a redução da duração da hipoxemia. Possivelmente a vantagem mais notável desta ventilação dirigida a volume é que esta estratégia na medida em que o RN melhora o esforço respiratório, a função pulmonar melhora, consegue gerar um VC normal, o ventilador consegue chegar até o CPAP. Ao invés de nós fazermos o ajuste com a melhora do RN, a própria máquina reduz as pressões de forma automática. Lembro que isto pode durar horas a dias. Veja eslide a seguir. Effects of volume-targeted synchronized intermittent mandatory ventilation on spontaneous episodes of hypoxemia in preterm infants. Polimeni V, Claure N, D'Ugard C, Bancalari E. Biol Neonate. 2006;89(1):50-5. Epub 2005 Sep 8. Biol Neonate. 2006;89(1):50-5. Singh et al, no Reino Unido, compararam a eficácia e a segurança da ventilação controlada a volume versus ventilação limitada a pressão nos RN de muito baixo peso (600 e 1500g, com idade gestacional entre 24 a 31 semanas) com doença da membrana hialina. Observem que os RN abaixo de 1000g alcançaram os critérios de extubação muito mais cedo quando ventilados com controle de volume em comparação com a ventilação limitada a pressão. Então, isto demonstrou de maneira eficaz que com o uso da ventilação controlada a volume podemos retirar o RN mais rapidamente da ventilação mecânica. Assim, a justificativa deste tipo de ventilação voltada para volume é que oferece um VC mais consistente e produz uma redução da duração de episódios de hipoxemia (Mechanical ventilation of very low birth weight infants: is volume or pressure a better target variable? Singh J, Sinha SK, Clarke P, Byrne S, Donn SM. J Pediatr. 2006 Sep;149(3):308-13). Veja o eslide a seguir. As limitações da estratégia de ventilação voltada ao volume e a razão pela qual ainda não foi implementada de forma rotineira em todas as Unidades, são os vazamentos. Desde o início é foi problema. Em adulto usa-se tubo com cuff e assim sabemos o volume que é administrado ao pacientes. Agora, nos nossos bebes não podemos usar estes tubos com cuff devido ao risco do dano traqueal. Então o vazamento varia entre pacientes, podendo ser pequeno ou maior, dependendo da posição do pescoço e de outras variáveis. Assim, o problema principal nesta estratégia de volume é a possibilidade de vazamento (sempre que usarmos o modo controlado onde ajustamos o volume administrado pela máquina, não sabemos exatamente quanto do volume entra no paciente em comparação quanto que vaza pelo tubo endotraqueal). Assim, é essencial que tenhamos um pneumotacógrafo junto ao paciente para medir com exatidão o que chega ao RN e não quanto a máquina administra, ao usar este tipo de estratégia ventilatória. Outro ponto crucial: medir e fazer os ajustes na máquina com base no VC expiratório e não no VC inspiratório, porque durante a inspiração à medida que aumenta a pressão nas vias aéreas é quando ocorre maior extravasamento. Na expiração o volume é menor e a maior parte do gás passa pelo pneumotacógrafo e vai nos dar uma idéia exata do volume real que o RN recebe. Assim, sempre usar o volume expiratório para fazer os ajustes. Veja o eslide a seguir. CONTROLE AUTOMATIZADO DA VENTILAÇÃO MINUTO Vamos agora falar um pouco sobre a ventilação minuto dirigida. Até agora falamos da possibilidade do controle automatizado do VC e a outra possibilidade seria o controle automatizado da ventilação minuto. Já que medimos continuamente o VC e sabermos da freqüência respiratória (FR), é fácil que o ventilador possa multiplicar estas variáveis e nos dar a ventilação minuto. Há alguns anos, juntamente com Nelson Claure, engenheiro biomédico que faz parte do nosso grupo de suporte ventilatório automatizado, pegamos um ventilador e obtivemos os sinais de ventilação mecânica espontânea e medimos a ventilação minuto total. Desenvolvemos um algoritmo onde a FR mecânica seria ajustada para cima ou para baixo, dependendo se a ventilação mecânica total medida estivesse acima ou abaixo de um valor pré-estabelecido. Basicamente, a idéia é esta. Quando temos um prematuro em ventilação mecânica, a idéia é que ele respire espontaneamente e não mais precisamos controlar a respiração. Infelizmente a respiração espontânea é variável. Aqui, estes picos maiores são os ciclos do respirador mecânico. Esta porção mais estreita é o fluxo que o RN acrescenta pela sua própria atividade respiratória. Aqui o RN respira de maneira ativa e aqui ele pára de respirar. Isto é o que ocorre com os pacientes. Há um drive respiratório irregular. Estes RN podem estar hiperventilando, pára e pode estar hipoventilação, podendo haver dessaturação se a ventilação cair muito e depois ele começa novamente a ventilar. Qual é a nossa resposta a esta atividade respiratória inconstante? Aumentamos a FR ACIMA QUE O RN NECESSITA para que durante os episódios de hipoventilação ele receba um suporte mecânico suficiente para que não haja hipoxemia. O resultado final é que em geral usamos mais assistência ventilatória que o RN necessita. Então a idéia com esta ventilação minuto mandatória é que o ventilador só fará o necessário. Se ele respirar espontaneamente de forma ativa, o respirador vai baixar à freqüência mínima que podemos colocar (2-5/minuto). Se o RN pára de respirar e a ventilação minuto cai abaixo de um nível pré-estipulado, então a máquina vai aumentar a freqüência e o RN começa a respirar e a máquina abaixa a freqüência novamente e assim por diante. A ventilação mecânica dos RN pré-termos frequentemente mostra flutuações na ventilação espontânea durante o desmame devido a um inconsistente drive respiratório e mudanças agudas na mecânica respiratória. Estas flutuações frequentemente levam os clínicos a usar maiores taxas do ventilador ou maior pressão inspiratória máxima com o objetivo de prover suficiente ventilação, atrasando o processo de desmame. Portanto, há um constante ajuste da FR no respirador para tentar manter uma ventilação minuto relativamente constante. Vejam os eslides a seguir. Quando colocamos os RN na ventilação minuto mandatória, a FR da máquina é muito mais baixa do que rotineiramente usamos e o volume minuto é mais baixo e assim, reduzimos o volume de assistência respiratória oferecida de maneira automática. Agora, quanto à troca gasosa, não há qualquer mudança. Assim, a ventilação minuto dirigida garante a VENTILAÇÃO MINUTO PRÉ-ESTABELECIDA DE FORMA AUTOMÁTICA. Estes resultados foram mostrados a partir de um sistema experimental que desenvolvemos na nossa Unidade e Draguer acabou de lançar uma nova versão que inclui este algoritmo no ventilador e já está já disponível comercialmente. Vejam o eslide a seguir. Nelson Claure deu um passo além: ele combinou ambas as estratégias, ventilação dirigida ao volume e a ventilação minuto mandatória. Assim, o ventilador simultaneamente ajuste a PIM para manter um VC constante e simultaneamente ajuste A FR também para ajustar a ventilação minuto. Testamos este dispositivo em um animal, onde conseguimos produzir apnéia, injetando uma dose aguda de propofol e produzimos um sistema respiratório mais rígido, insuflando um manguito no tórax e testamos como o sistema iria responder se ocorresse apnéia no animal; a pressão média das vias aéreas não muda, mas a FR do ventilador aumenta muito. Aqui estarmos simulando um episódio hipoxêmico em que o bebê começa a brigar com o ventilador e vejam que a máquina imediatamente aumenta a pressão para tentar restabelecer um VC pré-determinado. Vejam que combinando as duas estratégias (o controle de volume e a ventilação minuto mandatória) você pode manter a ventilação minuto de maneira muito mais precisa do que usamos somente uma das duas estratégias ou o uso do modo convencional, em que não ocorre a compensação automática. Esta combinação pode ser efetiva na redução da severidade dos episódios hipoxêmicos nos RN prematuros ventilados, podendo ser útil para acelerar o desmame da ventilação mecânica (Targeted minute ventilation and tidal volume in an animal model of acute changes in lung mechanics and episodes of hypoxemia. Claure N, Suguihara C, Peng J, Hehre D, D'Ugard C, Bancalari E. Neonatology. 2009;95(2):132-40). Veja eslide a seguir. Targeted VT: ventilação dirigida a volume;Target V´E:ventilação minuto mandatória Assim, é provável que no futuro acho que o novo Draguer vai combinar a ventilação com controle de volume com a ventilação minuto mandatória. Basicamente estamos dando uma responsabilidade cada vez maior para o aparelho, para o computador dentro deste novo ventilador para fazer os ajustes automaticamente para nós. Acredito que o mais importante é que muitas alterações na mecânica ocorre muito agudamente e não podemos ter um terapeuta respiratório todo o tempo para fazer estes ajustes e muitas vezes, demoramos no desmame do paciente à medida que ele melhora. CONTROLE AUTOMATIZADO DA CONCENTRAÇÃO DE OXIGÊNIO O último ponto que quero discutir é o controle automatizado da concentração de O2 inspirado. Aqui vemos como é comum que o RN apresenta hiperoxemia. Este é um estudo que publicamos há vários anos com Flynn J que mostra uma a associação clara entre a TcPO2 e o excessivo alto risco de retinopatia da prematuridade (ROPretinopaty of prematurity) e hoje sabemos desta associação. Este é um estudo de Tin et al, estudo epidemiológico usando dados retrospectivos de várias Unidades do Reino Unido mostrando mais uma vez que as Unidades que usam metas de saturação mais alta tem maior incidência de ROP. Os autores compararam os desfechos entre as UTI Neonatais com 2 alvos de saturação de oxigênio (SatO2): 88-98% e 70 a 90% (RN <28 semanas entre 1990-1994). Igualmente, a DBP e a ROP ocorreram significativamente mais na UTI com alvo de SatO2 entre 8898%, além de maior tempo de ventilação entre os sobreviventes. Resultados Alvos de Saturação de Oxigênio ROP: retinopatia da prematuridade BPD: displasia broncopulmonar CP: paralisia cerebral (Pulse oximetry, severe retinopathy, and outcome at one year in babies of less than 28 weeks gestation. Tin W, Milligan DW, Pennefather P, Hey E. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2001 Mar;84(2):F106-10.Artigo Integral). Veja eslide a seguir O estudo BOOST (Benefits Of Oxygen Saturation Targetin) da Austrália também demonstrou dano pulmonar com maior alvo de saturação; os pacientes foram randomizados para 32 semanas de idade gestacional pós-concepção para uma saturação de 91-94% x 95-98%. Esta diferença relativamente pequena teve importância na diminuição da ROP e importante diminuição na incidência de displasia broncopulmonar (46%x 64%). Então oxigênio provavelmente também está envolvido na patogênese da displasia broncopulmonar (Oxygen-saturation targets and outcomes in extremely preterm infants. Askie LM, Henderson-Smart DJ, Irwig L, Simpson JM. N Engl J Med. 2003 Sep 4;349(10):959-67. Artigo Integral). Vejam o eslide a seguir. O alto nível de O2 produz dano ocular. A retina é uma janela para o cérebro. Há uma preocupação recente que o excesso de O2 esteja associado com dano neurológico nestes RN. Por outro lado, há evidências de que estas flutuações na saturação também ocorrem no cérebro, como medido pela espectroscopia infravermelha. Estes RN não tem a capacidade de autocompensação e sempre que a saturação cai no sangue, também cai no cérebro. Assim, pelo menos em teoria, é provável que episódios de hipoxemia tem relevância neurológica também. O problema é que ao administrarmos O2 é que ficamos entre a cruz e a espada: se damos O2 demais temos várias complicações associadas com a toxicidade com o oxigênio e por outro lado, se o RN ficar hipoxêmico podemos ter várias conseqüências indesejáveis. Então, a questão é como manter estes RN dentro de uma faixa razoável. A pergunta é: qual é a faixa razoável? Até hoje não sabemos a faixa ideal para os prematuros muito pequenos e esperamos com mais estudos, possamos ter uma idéia melhor. Este é um estudo que fizemos há alguns anos em que uma enfermeira pesquisadora ficava 24 horas/dia à beira do leito e ela tinha que fazer 29 ajustes em média/hora para tentar manter a saturação dentro da faixa pré-determinada e mesmo ficando ali o dia inteiro ela não conseguia realizar 100% das vezes. Imagine, você fazer 30 ajustes/hora e cada ajuste leva mais que 2 minutos. É algo totalmente impossível. Não dá para deixar alguém ali fazendo este ajuste. Isto foi demonstrado em várias publicações (Closed-loop controlled inspired oxygen concentration for mechanically ventilated very low birth weight infants with frequent episodes of hypoxemia. Claure N, Gerhardt T, Everett R, Musante G, Herrera C, Bancalari E.Pediatrics. 2001 May;107(5):1120-4). Hagardorn et al, em 2006, avaliaram a precisão da manutenção do RN dentro de uma faixa pré-determinada em 14 Centros Neonatais. Vejam que somente 48% das vezes os RN estavam dentro da meta determinada considerada adequada naquela Unidade; 16% das vezes, abaixo da meta e 36% das vezes acima da meta (Achieved versus intended pulse oximeter saturation in infants born less than 28 weeks' gestation: the AVIOx study. Hagadorn JI, Furey AM, Nghiem TH, Schmid CH, Phelps DL, Pillers DA, Cole CH; AVIOx Study Group. Pediatrics. 2006 Oct;118(4):1574-82.Artigo Integral) Isto representa muito bem o que ocorre na maioria das Unidades Neonatais. As enfermeiras ficam mais seguras mantendo valores acima da meta, pois são mais preocupadas com a hipoxemia do que com a hiperoxemia.O que acontece é que o RN flutua, aumenta a FiO2 e o RN é mantido por um longo tempo numa FiO2 alta.Veja eslide a seguir. Se o piloto automático pode dirigir um jumbo sem que o piloto precise mexer nada nos controles, deveria ser fácil fazer algo semelhante com os RN. Ao invés de ter uma enfermeira na beira do leito ajustando a FiO2, poderíamos controlar isto automaticamente. Desenvolvemos um sistema que consegue controlar a concentração de O2 inspirado automaticamente. Tenho um conflito de interesse pois temos uma patente para controlar automaticamente a concentração de O2 inspirada. Basicamente o sistema faz o seguinte: ele usa um sinal do oxímetro de pulso. O sinal é alimentado no sistema de computador incluído no ventilador que por sua vez ajusta automaticamente a concentração de O2 inspirada, assim como você faria à beira do leito para tentar manter a oxigenação dentro da faixa pré-determinada que você pode selecionar. Você decidi qual é o alvo que você quer que o aparelho controla. Aqui temos um exemplo: à esquerda com uma enfermeira clínica fazendo o trabalho de rotina- há muita flutuação e sempre que a saturação cai, a FIO2 é aumentada e fica por 4 horas. Quanto passa para o controle automático, ocorre um número muito maior de flutuações, pois o algoritmo responde a cada mudanças quando a Saturação sai da faixa pré-determinada. O número de episódios de dessaturações é o mesmo ou até maior quando estava no sistema automatizado. Esperávamos que o sistema evitasse hipoxemia também, mas foi uma expectativa insensata, porque quando o RN está hipoxêmico, ele está hipoventilando porque bloqueia o ventilador e não importa o quanto de O2 você der, este episodio hipoxêmico não passa enquanto a ventilação não for restabelecida. O percentual de hiperoxemia foi muito reduzido no sistema automatizado.Vejam o eslide a seguir. No resumo dos dados, o tempo dentro da meta (88-95%) melhorou muito, mas está longe do perfeito, mas o que foi mais impressionante foi a maior redução no tempo acima da meta. O tempo em hipoxemia severa (abaixo de 70%) foi significativamente menor no automatizado do que no manual. Assim, o sistema é muito eficaz para eliminar ou reduzir o tempo em que o RN passa em hiperoxia e não é tão eficaz para reduzir o tempo que passa na hipoxia.Vejam os eslide a seguir. Outra questão: a incidência de episódios hipoxêmicos foi mais comum no sistema automatizado. Ficamos surpresos e tivemos dificuldade inicialmente para entender. Hoje temos a resposta: o algoritmo automatizado mostrado aqui na linha verde tende a reduzir a FiO2 para trazer a saturação no meio da faixa. Então, libera a FiO2, enquanto a enfermeira tende a manter o RN dentro da extremidade superior da faixa, pois teme mais hipoxemia do que hiperoxemia. Assim, ela tende a manter o RN mais hiperoxigenado. Veja eslide a seguir. Há dados da literatura que mostram que o número de episódios hipoxêmicos aumenta quando o RN é mantido numa faixa menor de saturação-87-91% x 94-96%. Se você mantém o RN numa saturação mais baixa, ele tende a entrar nestes episódios hipoxêmicos do que se você mantê-lo numa saturação mais alta. Então, basicamente é isto que os enfermeiros aprendem. E é por isto que eles mantém os RN numa faixa de saturação maior. Em resumo este ajuste automatizado aumenta o tempo numa faixa pré-estabelecida e reduz em muito numa faixa de hiperoxemia, aumentando a freqüência de dessaturações que vai depender da meta de saturação selecionada para o paciente. Reduz muito a carga de trabalho dos enfermeiros. Há limitações: se o sinal que chega do oxímetro do pulso estiver errado, o ajuste da FiO2 será inadequado. Lembrar que o cuidado com o paciente não pode ser substituído pelo sistema automatizado, como um tubo dobrado, com oclusão total (neste caso, ele não precisa de mais de FiO2, precisa sim de que alguém que vá lá e desdobre o tubo) Observem esta imagem onde os pilotos dependem totalmente do piloto automático! Nota: Dr.Paulo R. Margotto Consultem: 1-Automated adjustment of inspired oxygen in preterm infants with frequent fluctuations in oxygenation: a pilot clinical trial.Claure N, D'Ugard C, Bancalari E.J Pediatr. 2009 Nov;155(5):640-5.e1-2. Comentários em: (J Pediatr. 2009 Nov;155(5):606-8. (Automated adjustment of oxygen in ventilated preterm infants: Tune in, ROP out? Colm P.F. O´Donnel, Dublin, Ireland) “Ajuste automatizado do oxigênio nos recém-nascidos pré-termos: Sintonize e ROP fora?”) O ajuste automatizado da FiO2 melhorou a manutenção da SatO2 dentro do alvo escolhido e reduziu a hiperoxemia. Estes resultados devem ser analisados em períodos mais longos com condições clínicas padrões e eventualmente, no âmbito de ensaios clínicos randomizados com poder para detectar efeitos clinicamente importantes no prognóstico. 2- N. Claure. Automated Regulation of Inspired Oxygen in Preterm Infants: Oxygenation Stability and Clinician Workload.Anesth. Analg., December 1, 2007; 105(6S_Suppl): S37 - S41. [Abstract] [Full Text] [PDF].Artigo Integral 3- M. S. Urschitz, W. Horn, A. Seyfang, A. Hallenberger, T. Herberts, S. Miksch, C. Popow, I. Muller-Hansen, and C. F. Poets Automatic Control of the Inspired Oxygen Fraction in Preterm Infants: A Randomized Crossover Trial Am. J. Respir. Crit. Care Med., November 15, 2004; 170(10): 1095 - 1100. [Abstract] [Full Text] [PDF]. Artigo Integral 4-Automated respiratory support in newborn infants. Claure N, Bancalari E.Semin Fetal Neonatal Med. 2009 Feb;14(1):35-41 As modalidades ventilatórias atualmente disponíveis não se adaptam às necessidades que mudam frequentemente no bebê prematuro ventilado. Os modos ventilatórios recentemente desenvolvidos têm o potencial de rápida adaptação às mudanças drive respiratório e as características mecânicas do bebê prematuro. Os resultados preliminares dos estudos de viabilidade indicam importantes benefícios a curto prazo. Os efeitos destes modos de apoio em resultados a longo prazo ainda necessitam ser comprovados. . Os dados fisiológicos obtidos durante a utilização destes modos aumentam ainda mais a nossa compreensão das necessidades específicas, as condições e eventos que ocorrem durante a assistência ventilatória mecânica em prematuros. O oxigênio suplementar é uma terapia essencial para o bebê prematuro. No entanto, seus efeitos colaterais são significativos. O controle automatizado da FiO2 permite a manutenção da oxigenação, reduzindo a exposição ao oxigênio suplementar. Os resultados preliminares com este tipo de apoio sugerem controle do oxigênio e menor carga de trabalho dos profissionais. Esta forma de apoio ainda precisa ser testada em condições de rotina clínica e somente ensaios clínicos maiores poderão determinar seu efeito no resultado a longo prazo, nas doenças respiratórias e oftalmológicas e sobretudo, do desenvolvimento neurológico nos recém-nascidos pré-termos. COMENTÁRIOS A ventilação automatizada dirigida para volume permite fornecer ao recém-nascido um volume corrente relativamente constante, de acordo com as mudanças da mecânica pulmonar, permitindo um desmame mais rápido. Todos nós sabemos que a displasia broncopulmonar é uma doença que ocorre principalmente nos pré-termos extremos e a duração da ventilação mecânica está claramente associada com a sua ocorrência. Outra vantagem da ventilação dirigida para volume foi a diminuição da duração dos episódios hipoxêmicos que ocorre nos RN no ventilador (estes episódios originam da briga do recém-nascido com o respirador, causando uma queda do volume corrente). Portanto, à medida que a função pulmonar melhora, a máquina consegue gerar um volume corrente constante, reduzindo as pressões de forma automática. A associação da ventilação dirigida para volume com a ventilação minuto mandatória, demonstrou ser efetiva na redução dos episódios hipoxêmicos e na menor duração da ventilação mecânica nos recém-nascidos pré-termos. O uso da automação no controle da FiO2 administrada ao recém-nascido ventilado proporcionou, principalmente, menor percentual de ocorrência de hiperoxemia, além de aumentar o tempo numa faixa pré-estabelecida do alvo de saturação e redução do trabalho dos profissionais no controle da saturação de oxigênio. No entanto, segundo O´Donnell quanto à automação do controle da FiO2 nos RN ventilados, não devemos sai correndo para comprar esta tecnologia, uma vez que torna-se necessário a realização de ensaio randomizado com suficiente poder para detectar diferenças significativas nos resultados clinicamente importantes. Seria intrigante saber se o controle automatizado da FiO2 beneficiaria não somente os RN ventilados cronicamente e dependentes de O2. Paulo R. Margotto Brasília, 17 e setembro de 2010 Gravado, reproduzido, digitado, pesquisado e corrigido por Paulo R. Margotto