OBJETO: Solicita análise técnica deste CAO sobre a situação dos

Propaganda
PRONUNCIAMENTO nº 05/2015
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO Nº 0046.14.038371-5 (numeração CAOP) - a
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO Nº 0043.14.000395-5 (numeração de origem)
INTERESSADA:
Promotoria de Cornélio Procópio
OBJETO:
Solicita análise técnica deste CAO sobre a situação dos
pacientes portadores de insuficiência renal crônica, que
necessitam do medicamento cinacalcete, 30 mg (mimpara).
1. RELATÓRIO
O ilustre Promotor de Justiça da Comarca de Cornélio Procópio solicita
análise técnica deste Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à
Saúde Pública relativamente aos casos de pacientes que são portadores de
insuficiência renal crônica e que necessitam do medicamento cinacalcete, cuja
dispensação é negada pela Secretaria de Estado de Saúde.
O caderno procedimento foi encaminhado ao setor médico do CAOP
Saúde Pública, cujo pronunciamento do doutor Douglas do Lago Westphal traz
considerações pertinentes ao tema.
É o sucinto relatório.
2. Considerações CAOP
a) As regras gerais sobre o funcionamento da assistência farmacêutica
Antes de se enfrentar o problema de fundo – necessidade (ou não) de
administração do medicamento cinacalcete aos portadores de doença renal crônica – ,
é necessário rememorar as regras gerais que disciplinam a assistência farmacêutica
no âmbito do Sistema Único de Saúde.
De acordo com o art. 196 da Constituição da República, “A saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Tratando especificamente do sistema público de saúde (portanto, do
Sistema Único de Saúde), o art. 198 da Constituição estabelece ser diretriz do referido
1
sistema o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais” (inciso II).
A Lei nº 8080/90 – Lei Orgânica da Saúde –, dando concretude ao
dispositivo constitucional, esclarece que esse “atendimento integral” inclui a
“assistência farmacêutica” (art. 6º, I, d).
Na medida em que a “assistência farmacêutica” como expressão da
integralidade que deve guiar o SUS deu margem à judicialização intensa, em que se
pleiteiam medicamentos para os mais diversos agravos, a Lei nº 12.401/11 alterou a
Lei nº 8080/90, com vistas a disciplinar a assistência farmacêutica. Essa disciplina
está contemplada no art. 19-M e seguintes da Lei nº 8080/90.
De forma bastante objetiva, vê-se que a nova lei visou estabelecer
contornos (rectius: limites) para a assistência farmacêutica. De acordo com esses
dispositivos, para as doenças que contam com Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas – PCDT elaborados pelo Ministério da Saúde, só seriam dispensados os
medicamentos previstos no referido PCDT (art. 19-M). Para as que não possuem
PCDT, as prescrições estariam limitadas às relações de medicamento (nacional,
estadual e/ou municipal) – art. 19-P.
Além dessas limitações, tem-se que os dispositivos de lei foram
regulamentados pelo Decreto nº 7.508/11, cujos artigos 28 e 29 prevêem:
Art. 28.
O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe,
cumulativamente:
I - estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS;
II - ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular
de suas funções no SUS;
III - estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital
ou municipal de medicamentos; e
IV - ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS.
§ 1o Os entes federativos poderão ampliar o acesso do usuário à assistência
farmacêutica, desde que questões de saúde pública o justifiquem.
§ 2o O Ministério da Saúde poderá estabelecer regras diferenciadas de acesso a
medicamentos de caráter especializado.
Art. 29.
A RENAME e a relação específica complementar estadual, distrital ou
municipal de medicamentos somente poderão conter produtos com registro na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.
De forma bastante sintética (e, por ora, literal), tem-se que, de acordo
com os dispositivos legais e regulamentares antes citados, a “integralidade” da
2
assistência seria dotada dos seguintes contornos: (a) necessidade de que o paciente
seja atendido pelo SUS; (b) necessidade de que o médico que prescreve o
medicamento o faça no exercício das funções no SUS; (c) necessidade de que a
prescrição esteja em conformidade com os protocolos clínicos e diretrizes terapêutica
e, na ausência desses, com as relações de medicamentos; (d) que a dispensação
ocorra por intermédio das unidades indicadas pelos próprio SUS; e (e) que o
medicamento conte com registro na ANVISA.
b) A atuação ministerial em matéria de assistência farmacêutica: a leitura da
disciplina legal acerca da matéria
Como é evidente, os dispositivos que estabeleceram os contornos da
assistência farmacêutica devem ser interpretados à luz da Constituição. Isto é, é
necessário ler os dispositivos legais a partir das regras constitucionais, conferindo-lhes
interpretação compatível com o Texto Constitucional.
Logo, passa-se a examinar, um a um, os requisitos para acesso à
assistência farmacêutica acima enumerados.
As duas primeiras previsões – no sentido de que o paciente esteja
atrelado ao Sistema Único de Saúde e que o médico prescreva a medicação no
exercício das funções vinculadas ao SUS – são compatíveis com o Texto
Constitucional.
É que a “integralidade” é uma diretriz do sistema público de saúde, nos
termos do art. 198, II, da Constituição. Logo, para que se possa invocá-la, é
necessário que o paciente esteja inserido em tal sistema.
A condição de usuário e a origem do receituário são aferidos, de modo
relativamente fácil, quando as prescrições são oriundas de atendimentos realizados
em nível de atenção básica. É que, nesses casos, os receituários são usualmente do
próprio Poder Público, com a inscrição da Secretaria Municipal de Saúde e da Unidade
Básica de Saúde de referência.
Quando o atendimento ocorre em nível de atenção especializada, essa
verificação pode tornar-se mais difícil. É que, para várias especialidades, o Poder
Público não reúne condições de prestar diretamente o serviço e, então, firma contratos
ou convênios com hospitais e clínicas para prestar esse atendimento. Esses hospitais
e clínicas nem sempre realizam atendimento 100% (cem por cento) SUS, de molde
que também podem receber pacientes oriundos da iniciativa privada (planos de saúde,
atendimentos particulares etc.).
3
No caso concreto, constata-se que essa situação pode ocorrer.
É que, examinando os receituários apresentados, constata-se que são
originários da Clínica de Rins – NEFRONOR. Consultando-se a ficha de tal clínica
junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES (cópia anexa),
constata-se que a referida clínica atende pacientes originários do SUS, de planos de
saúde privados e pacientes particulares.
Assim, e se não houver certeza quanto à realização do atendimento
especializado por intermédio do SUS, sugere-se que o paciente seja indagado, já no
momento em que busca o auxílio da Promotoria de Justiça, se realiza (ou não)
atendimento por intermédio do SUS.
Caso ainda remanesça dúvida, pode-se indagar ao médico que
prescreveu o fármaco se:
a. se o paciente realiza o atendimento especializado por intermédio do SUS; e
b. se a prescrição ocorreu em razão de atendimento realizado por intermédio do
SUS/no exercício das funções junto ao Sistema Único de Saúde.
A terceira das previsões - necessidade de que a prescrição esteja em
conformidade com os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas e, na ausência
desses, com as relações de medicamentos – exige maiores digressões.
É que a interpretação literal dos dispositivos que a preveem envolveria
afirmar que somente aquilo que está previsto nos PCDTs ou em relações de
medicamentos pode ser disponibilizado. Ocorre, no entanto, que essa limitação à
integralidade não consta do Texto Constitucional. A previsão do art. 198, II, da
Constituição da República não contempla nenhuma ressalva, não autorizando que lei
ordinária limite a eficácia da diretriz fixada constitucionalmente.
Daí se compreender que “Os Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas (PCDT) são elementos organizadores da prestação farmacêutica, e não
limitadores. Assim, no caso concreto, quando todas as alternativas terapêuticas
previstas no respectivo PCDT já tiverem sido esgotadas ou forem inviáveis ao quadro
clínico do paciente usuário do SUS, pelo princípio do art. 198, III, da CF, pode ser
determinado judicialmente o fornecimento, pelo Sistema Único de Saúde, do fármaco
não protocolizado.” (Enunciado nº 04, da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho
Nacional de Justiça).
Esse enunciado – apresentado e defendido pela equipe do CAO-Saúde
Pública do MPPR por ocasião da referida jornada – sintetiza a ideia já presente no
4
julgado da Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, proferido depois de audiência
pública realizada no STF.
Tal como constou do voto do Ministro Gilmar Mendes, embora os
protocolos clínicos devam ser privilegiados, há de se reconhecer que eles são a regra
geral e pode haver situação específica de certos pacientes que não respondem
adequadamente ao tratamento ali preconizado. Assim, em tais situações, admitir-se-ia
a intervenção judicial com vistas ao fornecimento do medicamento.
Confira-se:
“Essa conclusão [de prevalência dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas ditados
pelo SUS] não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário ou de a própria
Administração decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a
determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o
tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio
Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos
protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar
que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que
permite a sua contestação judicial.” (AgRg na STA 175, Pleno, DJ 30.04.2010).
Assim, e uma vez esgotadas as opções terapêuticas disponíveis no
SUS, seria possível exigir judicialmente a dispensação de certo medicamento.
Logo, depois de verificar se o atendimento prestado ao usuário ocorreu
por meio do SUS, é necessário demonstrar que o protocolo clínico previsto para a
doença foi esgotado e, caso esse não exista, que houve a tentativa de utilização dos
medicamentos previstos nas relações de medicamento.
No entanto, não basta demonstrar que se utilizou tudo aquilo que o SUS
disponibilizava. Também é necessário comprovar que o medicamento que se pleiteia
tem eficácia para tratar o quadro clínico apresentado pelo paciente.
Para tal comprovação, sugere-se indagar ao médico que assiste o
paciente esse dado. A Promotoria de Justiça de Curitiba normalmente vale-se dos
seguintes questionamentos que eventualmente podem ser utilizados pelo colega:
a. qual(is) a(s) doença(s) que acomete(m) a pessoa do paciente, com identificação
do CID;
b. se, no tratamento médico até aqui realizado, já foram ou não esgotadas todas as
alternativas dos medicamentos constantes da Relação Nacional de Medicamentos,
bem como de fármacos previstos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
do Ministério da Saúde para o tratamento da moléstia da paciente;
c. em caso negativo, se há viabilidade de substituição do fármaco pela prescrição de
medicamento padronizado;
5
d. em caso positivo, quais os motivos da exclusão dos medicamentos previstos nos
regulamentos citados, em relação à pessoa do paciente (refratariedade, reações
adversas, etc), com menções expressas às eventuais utilizações anteriores dos
fármacos protocolizados, sem resposta adequada;
e. quais os benefícios do medicamento prescrito no caso concreto;
f. a apresentação de estudos científicos eticamente isentos e comprobatórios dessa
eficácia (revistas indexadas e com conselho editorial), e
g. manifestação sobre possíveis vínculos, formais ou informais, do prescritor com o
laboratório fabricante do remédio em comento.
Relativamente ao quarto dos requisitos – necessidade que a
dispensação ocorra por intermédio de unidade indicada pelo SUS –, trata-se de
exigência normalmente cumprida mesmo para demandas judiciais. Aliás, no âmbito da
própria Secretaria de Estado de Saúde, funcionam farmácias especiais, que são
responsáveis pela dispensação do medicamento deferido judicialmente.
É bem verdade que, há pouco tempo, o próprio Poder Público buscou
desconsiderar a vigência dessa norma, pleiteando fosse autorizado o depósito de
valores em ações judiciais que visavam à dispensação do medicamento. Em relação a
esse tema, já houve posicionamento contrário do CAOP (ver, a respeito, o ofício
circular nº 02/2014, disponível em: http://www.saude.mppr.mp.br/modules/conteudo
/conteudo.php?conteudo=257).
Por fim, a exigência de que haja registro do medicamento na
ANVISA é compatível com a noção de que o medicamento que se busca judicialmente
não deve ter caráter experimental, mas eficácia comprovada no tratamento de
situações clínicas semelhantes àquelas apresentadas pelo paciente. Assim, corrobora
com a interpretação conforme que se deve dar aos artigos 19-M e 19-P da Lei nº
8080/90 e artigo 28, III, do Decreto nº 7.508/11.
Caso haja dúvida quanto à existência (ou não) do registro do
medicamento, o dado pode ser consultado no site da ANVISA por intermédio do
seguinte link: http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/Consulta_Produto/rconsulta_produto
_internet.asp.
Para o caso concreto, consultou-se o registro de medicamentos com o
princípio ativo cloridrato de cinacalcete e verificou-se a existência de medicamentos
registrados junto à ANVISA.
Diante desses dados, vê-se que pode haver intervenção ministerial para
tutelar direitos individuais indisponíveis em matéria de assistência farmacêutica. Para
isso, é necessário verificar se (a) o paciente é usuário do SUS e realiza o tratamento
6
por seu intermédio; (b) a prescrição médica deriva de médico vinculado ao SUS no
exercício de funções atreladas ao referido sistema; (c) ocorreu o esgotamento das
opções terapêuticas disponibilizadas pelo SUS (isto é, o paciente já utilizou os
medicamentos previstos em PCDT ou nas listagens de medicamentos); e (d) há
comprovação de eficácia do medicamento prescrito (a ser aferida pela justificativa
técnica apresentada pelo médico prescritor e por meio da existência de registro na
ANVISA).
c) A prescrição do medicamento cloridrato de cinacalcete
A doença renal crônica envolve a paulatina perda da função renal. Essa
perda da função renal tem por consequências a retenção de fósforo (hiperfosfatemia),
a deficiência de calcitriol (hipocalcemia) e, em decorrência dessa deficiência, o
estímulo da produção do parato-hormônio ou hormônio da paratireóide (PTH).1
O hiperparatireoidismo secundário é, portanto, agravo de saúde que se
apresenta associado à doença renal crônica (especialmente quando está já se
encontra em estágio avançado), caracterizado por índices elevados de PTH (paratohormônio).
Os sintomas dessa doença associada são dores ósseas e
articulares, mialgia e fraqueza muscular. A ausência de tratamento para esse agravo
específico implica o aumento do número de fraturas, a apresentação de deformidades
ósseas, aparecimento de “tumor marrom”, calcificações de partes moles e ruptura de
tendões.2 Tudo isso em paciente que já apresenta doença renal crônica em estágio
avançado e, normalmente, já realiza diversas sessões semanais de hemodiálise.
Como esclarecido pelo Setor Médico deste CAOP-Saúde
Pública, os PCDTs atualmente em vigor (PCDT para a hiperfosfatemia na insuficiência
renal crônica – Portaria SAS/MS 225/2010 e PCDT para a osteodistrofia renal –
Portaria SAS/MS 69/10) preveem a administração, dentre outros, dos seguintes
medicamentos: sevelâmer, alfacalcidol, calcitriol e desferroxamina.
1
SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para
tratamento do hiperparatireoidismo secundário em pacientes com doença renal crônica.
2 SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para
tratamento do hiperparatireoidismo secundário em pacientes com doença renal crônica.
7
Como se vê, a administração de cloridrato de cinacalcete não
está prevista nos referidos protocolos.3 Assim, o medicamento padrão utilizado para a
regulação do PTH (e, portanto, para o controle do hiperparatireoidismo secundário) é o
calcitriol. No entanto, a administração dessa substância depende do prévio controle
dos níveis de cálcio e fósforo no organismo.
Se esse controle não ocorre, o paciente não pode receber o
calcitriol. E, portanto, o hiperparatireodismo secundário segue sem tratamento,
criando-se o risco de que os agravos decorrentes do descontrole da doença –
aumento do número de fraturas, a apresentação de deformidades ósseas,
aparecimento de “tumor marrom”, calcificações de partes moles e ruptura de tendões –
sejam vivenciados pelos pacientes.
Veja-se que a própria Secretaria de Estado da Saúde reconhece
que “de acordo com as informações iniciais levantadas na reunião, 30 % dos pacientes
em diálise podem desenvolver hiperparatireoidismo secundário e que cerca de 5%
deles teriam indicação do uso de paricalcitol e/ou cinacalcet, pois podem apresentar
refratariedade ao uso das drogas padronizadas” (ofício da SESA enviado à Promotoria
de Justiça de Curitiba)4.
Diante desses dados, há evidências de que o cloridrato de cinacalcete é
medicamento elegível para o tratamento de pacientes refratários à administração do
calcitriol. Isso porque, conforme esclarece o Setor Médico deste CAOP-Saúde Pública,
“é o único produto que atua no receptor de cálcio (CaR) das células paratireoides, o
principal regulador da secreção de PTH, reduzindo a liberação do hormônio ao mesmo
tempo controlando simultaneamente os níveis de Ca e P” (fl. 63).
Veja-se, ainda, que o medicamento em questão possui registro na
ANVISA, conforme extrato anexo.
O critério técnico sugerido para se saber se seria (ou não) o caso de
ajuizar demanda em favor de determinado paciente envolveria investigar se o paciente
preenche os critérios para utilização do medicamento preconizados pela Sociedade
3
Como esclarecido no parecer do Setor Médico, a atualização do PCDT para hiperfosfatemia na
insuficiência renal crônica está em consulta pública para atualização. Ao final de 2013, a inclusão isolada
do cloridrato de cinacalcete no rol dos medicamentos disponibilizados pelo SUS recebeu parecer contrário
da CONITEC (Relatório nº 73, de outubro de 2013). No entanto, a referida Comissão admitiu que ser
“necessária a revisão dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas de Osteodistrofia Renal e
Hiperfosfatemia do MS, momento em que serão avaliados todos os medicamentos disponíveis no
mercado para compor o algoritmo de tratamento de hiperparatireoidismo secundário e distúrbio mineral
ósseo associados à doença renal crônica”.
4 A despeito desse dado, em correspondência posterior, o Estado do Paraná afirma que não promoverá a
dispensação administrativa do fármaco.
8
Brasileira de Nefrologia. Os referidos critérios constam do parecer médico anexo,
especialmente à fl. 63.
Assim, como sugestão, o colega pode solicitar a remessa do prontuário
médico do paciente relativamente ao último ano de atendimento no serviço
especializado de nefrologia, bem como formular indagação adicional ao médico
assistente, solicitando que encaminhe:
a.
cópia
e/ou
informação
dos
exames
laboratoriais
recentes:
níveis
de
paratohormônio, cálcio e fósforo;
b. demonstração de que a prescrição está de acordo com os critérios da Sociedade
Brasileira de Nefrologia, declarando que:
- o paciente mantém níveis de PTH intacto > 300 pg/ml nas situações:
- mesmo após controle do Ca e P;
- com controle do Ca, porém com P persistentemente elevado;
- com Ca elevado e P controlado;
- com persistência de Ca e/ou P elevados;
- contraindicação cirúrgica (paratireoidectomia) devido a elevado risco
cardiovascular;
Com vistas a tutelar a situação de pacientes que estão nessa situação,
a Promotoria de Justiça de Curitiba tem ajuizado ações individuais em favor dos
pacientes, demonstrando estarem eles incluídos na situação preconizada pela
Sociedade Brasileira de Nefrologia.
A opção do ajuizamento de ações individuais deriva da tendência de
haver maior êxito em demandas individuais para dispensação de medicamentos
quando se compara tais resultados às ações coletivas ajuizadas com o mesmo fim.
De toda a forma, há experiência positiva na Comarca de Guarapuava,
em que houve o ajuizamento de ação coletiva com o seguinte pedido final (ACP
0012865-87.2013.8.16.0031, 2ª Vara Cível de Guarapuava):
5) o julgamento de procedência do pedido, de molde a condenar o Estado do
Paraná, sob pena de multa diária a ser fixada em nível suficiente para compelir o réu
ao cumprimento da determinação, a:
5.1) fornecer o medicamento cinacalcete, na quantidade e pelo tempo em que haja
prescrição médica subscrita por médico especialista vinculado ao serviço de
referência em nefrologia do Sistema Único de Saúde, aos pacientes XXXXXXXX;
5.2. fornecer o medicamento cinacalcete, na quantidade e pelo tempo em que haja
prescrição médica subscrita por médico especialista vinculado ao serviço de
referência em nefrologia do Sistema Único de Saúde, a todos os pacientes da
Comarca de Guarapuava que apresentem quadro clínico com as seguintes
características cumulativas:
9
(a) diagnóstico de hiperparatireodismo secundário atestado por médico especialista
vinculado ao serviço de referência em nefrologia do Sistema Único de Saúde;
(b) paratormônio (PTH) em nível superior a 500 (quinhentos), atestado por médico
especialista vinculado ao serviço de referência em nefrologia do Sistema Único de
Saúde; e
(c) ausência de controle dos níveis de fósforo e/ou cálcio atestado por médico
especialista vinculado ao serviço de referência em nefrologia do Sistema Único de
Saúde.
Em tal demanda, houve a concessão da antecipação de tutela e não
houve recurso pelo Estado do Paraná. Ainda não houve sentença de mérito (a petição
inicial e a decisão liminar estão disponíveis no link “referências práticas”,
“medicamentos” do site deste CAOP).
No entanto, em relação a essa demanda, algumas notas devem ser
lançadas: (a) o pedido foi construído a partir das informações prestadas pela médica
responsável pelo único serviço de referência em nefrologia daquela Comarca, razão
pela qual há pequena discrepância entre o conteúdo dos pedidos e os critérios
lançados pela Sociedade Brasileira de Nefrologia; (b) houve pedido individual em face
dos pacientes que já haviam procurado o auxílio do Ministério Público e em relação
aos quais se comprovou que preenchiam os requisitos lançados na inicial (portanto,
todas as providências aqui sugeridas em relação aos casos individuais foram adotadas
para os pacientes nomeados na inicial); (c) a demanda foi ajuizada antes de haver o
parecer da CONITEC contrário à incorporação do medicamento (ver nota 3, acima).
3. Conclusão
O cloridrato de cinacalcete é medicamento não previsto em PCDT ou
relações de medicamentos do SUS. No entanto, pode vir a ser indicado para pacientes
que apresentem hiperparatireoidismo secundário associado à doença renal crônica
que hajam esgotado o arsenal terapêutico do SUS sem o controle da doença e/ou que
se mostrem refratários à utilização dos medicamentos padronizados.
Essa indicação levará ao necessário ajuizamento de demanda judicial,
pois o Estado do Paraná firmou posição de que não dispensará administrativamente
esse fármaco.
Para o ajuizamento da demanda, sugere-se ao colega que:
a. investigue se o paciente recebe o atendimento especializado por
intermédio do SUS e se o medicamento foi prescrito por médico no exercício das
funções junto ao SUS;
10
b. verifique se o paciente mostrou ser refratário ao medicamento
disponibilizado pelo SUS;
c. investigue se o paciente insere-se dentre os critérios preconizados
pela Sociedade Brasileira de Nefrologia para a administração do cloridrato de
cinacalcete.
Para que possa reunir tais informações, sugere-se seja encaminhado
ofício ao serviço de nefrologia responsável ao tratamento do paciente, solicitando que:
a. envie cópia do prontuário médico do paciente naquele serviço
(podendo-se limitar a solicitação de documentação ao último ano de tratamento);
b. inste o médico responsável pelo tratamento do paciente a responder
os seguintes questionamentos:
(1) o paciente realiza o atendimento especializado por intermédio do SUS?;
(2) a prescrição ocorreu em razão de atendimento realizado por intermédio do
SUS/no exercício das funções junto ao Sistema Único de Saúde?.
(3) qual(is) a(s) doença(s) que acomete(m) a pessoa do paciente, com identificação
do CID?;
(4) no tratamento médico até aqui realizado, já foram ou não esgotadas todas as
alternativas dos medicamentos constantes da Relação Nacional de Medicamentos,
bem como de fármacos previstos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
do Ministério da Saúde para o tratamento da moléstia da paciente?;
(5) em caso negativo, há viabilidade de substituição do fármaco pela prescrição de
medicamento padronizado?;
(6) em caso positivo, quais os motivos da exclusão dos medicamentos previstos nos
regulamentos citados, em relação à pessoa do paciente (refratariedade, reações
adversas, etc)? Favor mencionar expressamente as eventuais utilizações anteriores
dos fármacos protocolizados sem resposta adequada;
(7) quais os benefícios do medicamento prescrito no caso concreto?;
(8) O paciente atende aos critérios de inclusão preconizados pela Sociedade
Brasileira Nefrologia, quais sejam, o paciente mantém níveis de PTH intacto > 300
pg/ml nas situações:
- mesmo após controle do Ca e P;
- com controle do Ca, porém com P persistentemente elevado;
- com Ca elevado e P controlado;
- com persistência de Ca e/ou P elevados;
- contraindicação cirúrgica (paratireoidectomia) devido a elevado risco
cardiovascular?
(9) Apresentar estudos científicos eticamente isentos e comprobatórios dessa
eficácia (revistas indexadas e com conselho editorial), e
11
(10) Apresentar manifestação sobre possíveis vínculos, formais ou informais, do
prescritor com o laboratório fabricante do remédio em comento.
Quanto ao instrumento a ser utilizado, a experiência vivenciada por este
CAOP permite afirmar que há maior chance de êxito com a utilização de demandas
individuais, embora haja demandas coletivas (até aqui) bem sucedidas.
Na expectativa de que as considerações tecidas tenham contribuído
para o encaminhamento das questões, este Centro de Apoio permanece à disposição
para quaisquer esclarecimentos e/ou debates que se fizerem necessários.
Restitua-se à origem por ofício, acompanhado dos seguintes
documentos: (a) parecer técnico elaborado pelo Setor Médico do CAOP Saúde
Pública; (b) PCDT elaborado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia; (c) ofício
da SESA relativamente ao medicamento; (d) extrato do CNES relativo à Clínica
de Rins Nefronor; (e) extrato da ANVISA relativo ao registro do medicamento.
Curitiba, 20 de janeiro de 2014.
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública
12
Download