ÁGUAS COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL E RESPONSABILIDADE CIVIL Adriano Luiz Hermes1 RESUMO: A água, fonte de vida, imprescindível para sobrevivência dos seres vivos, em especial do homem é um direito humano fundamental. Até pouco tempo, a água e era vista como um bem inesgotável e o homem pouco se importava em tomar precauções para assegurar sua existência, todavia, com o uso desregrado e desmedido deste bem natural o que se tem visto é uma maior preocupação do poder público em proteger este bem difuso. Para garantir a existência das futuras gerações o Estado tem criado mecanismos visando coibir a prática de ações danosas contra os recursos hídricos, seja a poluição, seja seu uso em excesso, sem a necessária outorga, ou modificações nos cursos d’água, dentre outras muitas ações ou omissões que possam refletir na qualidade da água. Desta forma aquele que por ação ou omissão, independentemente de culpa, causar dano a qualquer recurso hídrico deverá responder, seja na esfera administrativa ou jurídica, civilmente e/ou penalmente, na área cível, foco do presente trabalho, poderá ser condenado a pena pecuniária ou a obrigação de fazer ou não fazer, considerando inclusive a possibilidade concessão de danos materiais e/ou morais para pessoas ou empresas que tenham sofrido prejuízo, devido a dano causado por outrem ao bem ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente. Águas. Direitos Humanos. Constituição Federal. Responsabilidade Civil. ABSTRACT: Water, source of life, essential for survival of living beings, especially man is a fundamental human right. Until recently, the water and was seen as an inexhaustible well and the man did not care to take precautions to ensure their existence, however, with the rampant use of this very natural and unconscionable what we have seen is a major concern of the government in protect this very diffuse. To ensure the existence of future generations the state has created mechanisms aimed at curbing the practice of harmful actions against water resources, as pollution, overuse of words, without the necessary grants, or changes in water courses, among many other actions or omissions that may reflect on the quality of water. Thus one who by act or omission, regardless of fault, cause damage to any water resource must respond, either in administrative or legal, civilly and / or criminally, in the civil area, the focus of this study, may be sentenced to a monetary penalty or obligation to do or not do, including the possibility of granting damages and / or moral for people or businesses who have suffered loss due to damage caused by others and the environment. KEYWORDS: Environment. Waters. Human Rights. Federal Constitution. Liability. 1 Bacharelando em Direito, X [email protected]. Termo, pela AJES, Faculdade do Vale do Juruena. E-mail: SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A água como um direito humano fundamental; 3 Responsabilidade Civil por danos à água; 4 Considerações Finais; 5 Referências. 1 – INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo demonstrar de forma clara e objetiva o patamar de direito humano fundamental atribuído à água, dada sua relevância e imprescindibilidade para existência da humanidade. Hodiernamente como tem sido o tratamento dispensado aos cuidados com a preservação e o modo de utilização, os efeitos que surtiram até então, com a aplicação de normas que tutelam o bem jurídico em estudo, as águas. Verificar, ainda que de forma sucinta, quais os tipos de degradação dos recursos hídricos, de que forma tem sido combatido o uso irracional das águas, bem como os problemas decorrentes de sua má utilização. Explicitar os meios competentes utilizados para prevenir, bem como para reprimir danos causados às águas, a possibilidade do ingresso de ação civil pública, competência para tal ação, bem como de litisconsortes e, ainda, a possibilidade de reparação de danos materiais e morais devidos à pessoas prejudicadas pelo dano causado ao meio ambiente. Por fim, analisar a possibilidade de conciliar os avanços tecnológicos e científicos com a preservação do meio ambiente, a qualificação da água com um bem difuso, de uso comum do povo, cabendo a todos o dever de protegê-la, utilizando-se para tanto dos meios juridicamente disponíveis, de forma que aquele que causou algum dano seja obrigado a repará-lo e aquele que está na iminência de causar dano ao meio ambiente seja reprimido, assegurando, dessa forma uma salutar qualidade vida a esta e as futuras gerações. Águas como um Direito Humano Fundamental e Responsabilidade Civil 2 – A água como um direito humano fundamental O tema do presente trabalho diz respeito à responsabilidade inerente a todos os seres humanos no que se refere à proteção e conservação das águas. Matéria essa que hodiernamente tem ganhado maior relevância, dada a escassez que alguns países já enfrentam deste bem natural, até mesmo o Brasil, que embora seja detentor do maior aquífero do mundo o Alter do Chão, que recentemente foi descoberto por cientistas que a quantidade de água é pelo menos duas vezes maior que aquela do aquífero que era considerado como maior do mundo 2. Outrossim é detentor também de parte do segundo maior aquífero do planeta, o Guarani, que se espalha pelo Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, ainda assim, sofre com a falta de água em determinadas regiões eis que, embora exista abundância, grande parte de toda essa água está concentrada principalmente na região do Estado do Amazonas, Pará e Amapá (Aquifero Alter do Chão), bem como nos Estados onde está situada parte do aquífero guarani, sendo eles, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso. Assim, a região nordestina é a que mais sofre com a escassez de água potável, dada a ausência de quantidade suficiente de fontes naturais de recursos hídricos naquela localização geográfica dessa forma, sendo a água essencial para vida cabe ao Estado criar políticas para preservar, utilizar de forma consciente e justa, bem como instituir penalidades para aqueles que causarem prejuízo ela. O conceito de água encontra-se detalhadamente definido pelo mestre Celso Fiorillo3: A água é uma substancia formada por duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio (H2O). Existe na biosfera na forma líquida (salgada e doce), sólida (doce). A sua forma líquida (mares, rios, lagos e igarapés) constitui cerca de 97,72% da encontrada na biosfera, sendo que, destes, somente 0,014% referem-se à água doce superficial. No 2 ASSAIAG, Daniela. Aquífero Alter do Chão é o maior reservatório de água do planeta, Jornal Hoje. 01/05/2010, disponível em < http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2010/05/aquifero-alter-do-chao-e-o-maior-reservatorio-de-agua-doplaneta.html> acesso em 15/08/2013. 3 SOUZA, Luciana Cordeiro de. Águas e sua proteção. Curitiba: Juruá, 2009, p. 39/40 apud FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável, p. 286. estado sólido (gelo e calotas polares), encontra-se o percentual de 2,25 na biosfera. No estado gasoso é encontrada na percentagem de 0,03 na biosfera. É essencial à vida porque sem ela não existe respiração, reprodução, fotossíntese, quimiossíntese, habitats e nichos ecológicos para a maioria das espécies existentes. A sua ausência ou contaminação implica forma de poluição cujas consequências não são outras senão degradar a própria vida. Dessa forma, ante o conceito acima exposto, verifica-se que embora haja água em abundancia, grande parte não é própria para o consumo humano, bem como que essas reservas são distribuídas de forma geograficamente desigual, eis que em alguns locais há mais água que o necessário, levado em conta a quantidade populacional, enquanto outras sofrem com a ausência de água para as necessidade básicas, por isso importancia da água para existência da vida, sendo esta, portanto, integrada aos direitos humanos fundamentais. Quando se fala de Direitos Humanos Fundamentais, em suma, refere-se ao direito mínimo, necessário para a vida digna da pessoa, tendo como marco desses direitos a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Deste modo, que sem água não há vida, resta cristalina a classificação dá água como um direito humano fundamental. Nesse sentido, segundo artigo publicado em obra de autoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. A falta de água tratada, de coleta de esgoto e lixo, que ainda afeta milhões de pessoas, a degradação do ambiente, o desmatamento na Amazônia e o sofrimento da população do semiárido com a seca são dívidas que o Estado brasileiro começa a resgatar. (...) Um dos setores mais exigidos é o do saneamento básico, o abastecimento de água, a coleta e tratamento de esgotos e de lixo. As doenças decorrentes da deficiência de saneamento básico que mais atingem a população brasileira são dengue, malária, hepatite, febre tifoide, febre amarela, leptospirose, verminoses, diarreia e moléstias da pele4. Não bastasse a importância da água como fonte de hidratação, produção de alimentos e higiene pessoal, o que extraímos do texto acima, é que saúde está intimamente ligada com a qualidade da água, eis que, se não for devidamente tratada, antes e depois do uso, pode acarretar uma série de doenças à população. Conforme consta na obra acima citada, Brasil Direitos Humanos5, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define saneamento como “o controle de todos os fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre o bem-estar físico, mental ou social”, ou seja, sobre a saúde. 4 Brasil Direitos Humanos, 2008: A realidade do país aos 60 anos da Declaração Universal – Brasília: SEDH, c 2008. p. 171. 5 Idem. Neste diapasão, dada a importância do bem ambiental em questão, cumulada com a forma desregrada e sem consciência com que se tem utilizado a água, para garantir a existência das futuras gerações, o Estado desenvolve mecanismos para controlar seu uso. Dentre outras previsões legais referente ao uso da água, há legislação específica concernente ao tema, qual seja, Lei 9.4233, que entrou em vigor no ano de 1997, conhecida como “Lei das Águas”, eu instituiu a política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Importante instrumento do direito, criado para assegurar o bem essencial à vida, a Política Nacional de Recursos Hídrico tem como objetivos: Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. A partir da análise do texto legal acima colacionado, verifica-se grande revolução no que diz respeito à importância que o legislador pátrio tem atribuído aos bens hídricos, tutelando a proteção das águas, bem como a prevenção de eventos que a ela possam causar danos, sejam de origem natural ou consequência do uso inadequado. Outra importante Lei relacionada ao assunto, é a 9.984/2000, que criou a Agência Nacional de Águas (ANA), Entidade Federal de implementação da política Nacional de Recursos Hídricos, Integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Quanto aos direitos fundamentais, conforme disposto na obra organizada e editada por Benjamin, Antonio Herman6, podemos verificá-los no art. 5º da Constituição da República de 1988, mas, trazendo a matéria constitucional para o cerne do presente trabalho, encontramos verdadeira relevância no art. 225, que assegura a todos o direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, assim considerando que á água integra o meio ambiente e que é imprescindível para a existência da vida, cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-la não só para a presente, mas também para as gerações futuras. 6 Direito Ambiental – Congresso internacional. I. Benjamin, Antonio Herman de Vasconcelos e, or. II. Título. p. 58. A Constituição Federal de 1988 inovou ao dedicar um capítulo exclusivo para o meio ambiente, demonstrando a importância de sua conservação e ressaltando que trata-se de um bem coletivo sendo dever do Estado, bem como da população defendê-lo e preservá-lo: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo‑se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê‑lo e preservá‑lo para as presentes e futuras gerações. Dessa forma, sendo a água integrante do meio ambiente, cabe aos poderes públicos, bem como a sociedade, prezarem pela sua proteção e um dos mecanismos criados pela Constituição da República, foi a necessidade de realização de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, qual se dará publicidade. 3 – Responsabilidade Civil por danos à água Inicialmente, para falarmos sobre responsabilidade civil, necessário se faz expor o conceito de tal instituto, o que é feito de maneira simples e objetiva pela festejada civilista pátria, Maria Helena Diniz. In verbis: A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato por elas mesmo praticado por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou simples imposição legal7. Ou seja, a responsabilidade civil é a obrigação de reparar um dano patrimonial ou moral, observados alguns requisitos quanto a quem deu causa ao dano. Todavia, necessário se faz para ocorrência de responsabilidade civil, a verificação de três pontos, quais sejam, ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade entre a primeira e a segunda. No caso em apreço, trata-se dos danos causados á água, nesse contesto, segundo Vladimir Passos de Freitas, em sua obra Águas, Aspectos jurídicos e Ambientais8, várias são as formas de contaminação da água doce, dentre outras, resíduos de produtos químicos, dejetos humanos, mercúrio lançado na exploração do garimpo, resto de óleo oriundo de postos de gasolina, que são escoados pelas galerias de água e, ainda, agrotóxicos das plantações que são levados pela chuva até os rios e às águas subterrâneas. O danos causados à água, não atingem determinada pessoa, mas sim, a população de uma forma geral, pelo que, discorre o referido autor acerca de danos coletivos: 7 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7. Responsabilidade Civil 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 51. 8 Freitas, Vladimir Passos de. Águas – aspectos jurídicos e ambientais. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 169. A ação civil pública tem por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer. Ela se destina à proteção do meio ambiente que, no conceito do art. 3°, inc. I da Lei 6.938, de 31.08.1981, é o “conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Por ser pública e tutelar interesses coletivos, as condenações não revetem para as vítimas diretas, mas sim, para a sociedade, através de um fundo gerido por um conselho federal ou Estadual, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados (Lei 7.347 de 24.07.1985, art. 13) 9. Vladimir Freitas elenca ainda, uma série de casos em que poderá por meio de Ação Civil Pública evitar ou mandar reparar danos causados à água doce, dentre eles, contaminação de águas subterrâneas pelo mau uso de agrotóxicos, escavação de poços artesianos sem outorga, causando prejuízos a um número indeterminado de pessoas, lançamento de produtos químicos por indústria em um rio, retirada de água para fins agrícolas em sem observar as normas que regem a matéria e uso indevido de produtos ou substancias tóxicas na agricultura, permitindo que estes alcancem o rio e o contaminem10. Podemos verificar as várias formas de causar danos à água, bem como o efetivo meio para que se tenha uma resposta estatal, determinando do dano hídrico causado ou obrigação de não fazer (quando se visa evitar o dano), ou obrigação de fazer (para reparar o dano). Diante de todos os legitimados para ingressar com a Ação Civil Pública, raríssimos são os casos em que o autor não é o Ministério Público, instituição esta que tem tomado a frente na luta pela proteção do Meio Ambiente e, tem conseguido muitas consquistas, seja na prevenção do dano ou na reparação, quando já ocorrido, corroborando, o trecho da obra editada por Telmo Antonio Dineli Estevinho. No Brasil, o direito ao acesso à justiça tem encontrado forte resposta na atuação do Ministério Público. Suas funções foram reforçadas com a Constituição de 1988, sendo que muitos promotores encaram sua missão como a de promover justiça, transformando-os em atores políticos relevantes, implementando os direitos de cidadania e aproximando-se da população. Há um forte voluntarismo entre os membros do Ministério Público, uma vez que muitos deles perceberam-se como instrumentos de efetivação da cidadania. Nesta instituição temos encontrado a amplificação do debate entre liberdade – o respeito às garantias individuais e ao processo legal e a igualdade, com a exigência de políticas positivas. Ao contrário, a atuação do Poder Judiciário é um tanto diferente do Ministério Público, pois este representa uma novidade na ordem jurídica brasileira: Diversas pesquisas realizadas junto aos promotores apontam uma forte convicção deles como atores políticos capazes de estimular a população a atuar na conquista de seus direitos; não é raro encontrarmos nas diversas apresentações estaduais dessa instituição programas de educação jurídica de grupos sociais específicos11. 9 Idem, p. 170 Ob. Cit. p. 170. 11 ESTEVINHO, Telmo Antonio Dinelli, Política, Ambiente e Diversidade Cultural VI Seminário do ICHS/UFMT. Ed. UFMT, 2007. p.83. 10 Diante disso, cientes de que, por vezes, o particular também sofre com o dano causado à água, surge a questão, se o particular pode ingressar juntamente com o ministério público ou qualquer das pessoas legitimadas para propor Ação Civil Pública, neste sentido, Vladimir Passos de Freitas, em consonância com o entendimento de Rodolfo de Camargo Mancuso, assevera que: Cremos que há um impedimento para se admitir o ingresso do cidadão como litisconsorte originário ou ulterior ou ainda assistente, no polo ativo: é que lhe faltaria, a nosso ver, interesse processual, já que o objeto da ação não lhe permite individualmente (nem poderá em execução, ser fracionada para que lhe seja atribuída sua quota-parte) 12. Embora não caiba ao sujeito comum, ou mesmo à pessoa jurídica, ingressar como litisconsorte na Ação Civil Pública, aquele que entender prejudicado pelo dano causado à água, poderá recorrer ao judiciário para reaver seu prejuízo, seja ele de cunho material ou moral, conforme disciplina a Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu art. 5° , inciso V, senão vejamos: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; Em consonância com a Carta Magna é o entendimento do código civil que determina em seu art. 927: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará‑lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Assim, não ficará sem guarida aquele que experimentou algum tipo de prejuízo, ainda que de ordem exclusivamente moral, tendo em vista que a legislação pátria prevê a reparação do dano causado. Importante ainda frisar que conforme dispões o artigo supra, a obrigação de reparar independe de culpa nos casos especificados em lei, o que, amolda-se ao presente caso, tendo em vista que a responsabilidade civil por danos ambientais independe de culpa, bastando para tanto provar o fato e a autoria, conforme determina o art. 14 §1° da Lei 6.938/81. Nesse diapasão, é o estudo de Édis Milaré que afirma: A responsabilidade civil objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. 12 Freitas, Vladimir Passos de. Águas – aspectos jurídicos e ambientais. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 171 apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública, p. 166. Assim, resta claro o dever daquele que causou o dano, seja de reparar, seja de indenizar, independentemente de ter agido com culpa ou dolo, uma vez verificado a ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade, terá de arcar com o prejuízo que causou. Ainda, em relação a responsabilidade jurídica por dano ambiental pode se estender as esferas penal, cível e administrativa, nesse contesto é o estudo da Profª. Maria Helena Diniz: A responsabilidade no campo civil é concretizada em cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer e no pagamento de condenação em dinheiro. Em geral, essa responsabilidade manifesta-se na aplicação desse dinheiro em atividade ou obra de prevenção ou de reparação do prejuízo.13. Importante trazer a baila a doutrina de Nelson Nery Júnior que ensina que mesmo que esteja dentro dos limites estabelecidos em lei e que tenha cumprido rigorosamente aquilo que a legislação exige, ainda assim causar dano, estará configurado o dever de indenizar: Ainda que haja autorização da autoridade competente, ainda que a emissão esteja dentro dos padrões estabelecidos pelas normas de segurança, ainda que a indústria tenha tomado todos os cuidados para evitar o dano, se ele ocorreu em virtude da atividade do poluidor, há o nexo causal que faz nascer o dever de indenizar14. Em que pese a água ser um bem difuso e o dano causado a ela atingir a coletividade, em alguns casos podemos verificar a existência de um dano maior experimentado por uma ou mais pessoas, como é caso do pescador profissional que vê o rio onde exerce sua profissão, poluído por um derramamento de óleo, ou emissão de substâncias poluidoras, os julgadores pátrios tem entendido no sentido de conceder danos materiais e/ou morais, conforme recente julgados brasileiros15. Nesse contesto, verificado o dano, de ordem material ou moral, experimentado pela parte, ainda que não tenha atingido diretamente seu patrimônio, se sofreu prejuízos com o dano causado ao meio ambiente, terá o direito de reaver daquele que o causou, como é o caso da pessoa que tem seu sustento advindo do turismo em determinada praia e após um derramamento de óleo naquele local, fica por determinado tempo impróprio para visitação, acarretando prejuízo de ordem financeira. Assim, caberá ação de danos materiais, cumulada com lucros cessantes. Importante ainda frisar a questão da solidariedade na reparação do bem ambiental degradado,tendo em vista que em algumas ocasiões somente com o emprego deste instituto jurídico será possível alcançar a reparação integral do bem. 13 SOUZA, Luciana Cordeiro de. Águas e sua proteção. Curitiba: Juruá, 2009, p. 39/40 apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, p. 391. 14 Ob. Cit. p. 70 apud NERY, Nelson. Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública, p. 175. Tal instituto revela-se importante na medida em que, quando houver mais de um envolvido na degradação do bem ambiental, todos responderam solidariamente, isto é em conjunto de forma que da pena for pecuniária, todos serão devedores do valor integral da dívida. Caso prático trazido pelo doutrinador Édis Milaré, diz respeito a um dano ambiental, a degradação de um rio próximo de um complexo industrial, onde se pode identificar o dano, mas não é possível identificar o autor Nesse contesto, com supedâneo no art. 225, caput, Constituição Federal, o meio ambiente pertence a todos, sendo assim, sendo, desta forma dever de todos protegê-lo, tendo, resaltando que a responsabilidade civil em matéria ambiental é objetiva, do tipo risco integral. Desta feita, a aplicação jurídica do exemplo supra, todos os proprietários das indústrias responderiam, caso não fosse possível discriminar qual deles ensejou o dano ao curso d’água, competindo ao poder público, bem como a população em geral providenciar o necessário para que a lei seja aplicada à aquele que incorrer na norma ambiental, causando dano ao bem difuso. Ainda, insta salientar a possibilidade daquele que arcou com o pagamento integral do valor estabelecido, ingressar com ação em desfavor dos devedores solidários, de forma a reaver a parte que lhe é de direito. Grande inimigo da conservação do meio ambiente, atualmente é o desenvolvimento feito de forma desregrada, sem a devida observação dos dispositivos legais, que visam amenizar o impacto ambiental, para que a humanidade possa desenvolver-se sem prejudicar aquilo que é fundamental para sua própria existência, a água, bem como todo os demais recursos naturais. Quanto a isso, discorre Luíz Paulo Sirvinskas que para falarmos de meio ambiente ecologicamente equilibrado, necessário se faz levar em conta o binômio: desenvolvimento (art. 170, VI, da CF) versus meio ambiente (art. 225, caput, da CF), assim: Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendose adequadamente ás exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão natural dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material. O equilíbrio ecológico não significa a inalterabilidade das condições naturais. Busca-se, no entanto, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre os vários bens que compõem a ecologia (populações, comunidades, ecossistemas e biosfera). É bom ressaltar que equilíbrio ecológico não se confunde com sociedade ambientalmente equilibrada (art. 5º, V, da Lei n. 9.795/99); o primeiro refere-se aos aspectos do meio ambiente natural, cultural, artificial e do trabalho; já o segundo descreve as cidades como sociedades urbanas ambientalmente equilibradas, no sentido de sociedades urbanas sustentáveis16. Sirivinskas assevera ainda que, a finalidade é a qualidade de vida, cabendo ao poder público procurar alcançar com união a felicidade da população com o bem comum e superar a estreita visão quantitativa que atualmente é expressa na cultura. Ou seja, a busca que se tem é aquela expressa na própria Carta Magna, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por tanto, há uma fusão entre o Meio Ambiente e o direito à vida, pelo que, tem-se o Meio Ambiente como um Direito Fundamental. Ante o acima relatado, constata-se que o direito à água de qualidade, necessária para existência da vida, considerada parte integrante do meio ambiente, é um direito difuso, ou seja todos tem o dever de protegê-la, dado seu caráter coletivo, bem como trata-se de direito humano fundamental. Ainda, corroborando com a afirmação do direito ao meio ambiente como direito fundamental, assevera Sirvinskas que o art. 225 da Constituição Federal é, em suma, uma compilação dos vinte e seis princípios da Declaração de Estocolmo de 1972, os quais visam efetivar o equilíbrio ecológico do meio ambiente, senão vejamos: Os vinte e seis princípios contidos na Declaração de Estocolmo de 1972 foram, na sua totalidade, encapados pelo art. 225 da CF. Esses princípios têm por escopo dar efetividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida do homem. Ressalte-se que a sadia qualidade de vida não está explicitamente inserida no art. 5º da CF, no entanto, trata-se de direito fundamental a ser alcançado pelo Poder Público e pela coletividade. Cuida-se de direito ou interesse difuso que deve ser protegido para que “todos” possam usufruí-lo. Assim, os recursos naturais devem ser racionalmente utilizados para a subsistência do homem, em primeiro lugar, e das demais espécies, em segundo. A responsabilidade pela preservação do meio ambiente não é somente do Poder Público, mas também da coletividade. Todo cidadão tem o dever de preservar os recursos naturais por meio dos instrumentos colocados à sua disposição pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional17. Desta feita, em consonância com o entendimento do mestre Luiz Carlos Sirvinskas, cabe a todos e a cada um valer-se dos meios cabíveis para proteger a água para esta e para as futuras gerações, tarefa esta que deve ser desempenhada primordialmente pelos poderes públicos, através de políticas de conscientização e repressão àqueles que degradam o meio ambiente. 16 SIRVINSKAS, Luís Paulo, Manual de Direito 17 Ob. Cit. p. 70/71. Ambiental, 6ª. ed., Saraiva, 2008, p. 70. Todavia, diante da inércia do poder público, cabe ao cidadão, como detentor do direito difuso que é água, procurar o órgão competente para que sejam tomadas as providências necessárias para que cesse o dano e haja reparação, bem como para prevenir, fato lesivo ao meio ambiente que esteja na eminência de ocorrer. Nesse sentido, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, ao doutrinar a respeito do direito fundamental a sadia qualidade de vida aponta nova realidade jurídica ao disciplinar bem que não é público e muito menos particular, trata-se na realidade, de bem difuso, cuja responsabilidade pela sua conservação é de todos. O art. 225 da Constituição Federal, reitere-se, ao estabelecer a existência jurídica de um bem que se estrutra como se uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, configurou nova realidade jurídica, disciplinando bem que não é público nem muito menos, paritcular. Esse dispositivo fixa a existência de uma norma vinculada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reafirmando, ainda, que todos são titulares desse direito. Não se reporta a uma pessoa individualmente concebida, mas sim a uma coletividade de pessoas indefinidas, o que demarca um critério transindividual, em que não se determinam, de forma rigorosa, os titulares do direito. O bem ambiental é, por tanto, um bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda, um bem essencial à qualidade de vida. Devemos frisar que uma vida saudável reclama a satisfação dos fundamentos democráticos de nossa Constituição Federal, entre eles, o da dignidade da pessoa humana, conforme dispões o art. 1º, 18. Nesse diapasão, no que diz respeito aos bens essenciais a sadia qualidade de vida, Fiorrilo aduz que, a estrutura de bem ambiental deve ir além de bem de uso comum do povo, essencial á sadia qualidade de vida. Daí questionarmos: em nosso ordenamento, quais os bens essenciais a sadia qualidade de vida que são verificados? Sintetiza, ainda, o ilustre doutrinador, que a resposta encontra-se no próprio ordenamento constitucional, mas precisamente nos fundamentos da República Federativa do Brasil, enquanto um Estado Democrático de Direitos, sendo eles: à garantia da dignidade da pessoa humana. Isso importa afirmar que ter uma vida sadia é ter uma vida com dignidade, devendo para tanto serem observados os preceitos constitucionais. E para tanto, necessários se faz a observância da satisfação de alguns valores (mínimos) fundamentais, descritos no art. 6º da Constituição Federal, exigindo-se do Estado a prestação destes direitos, mediante recolhimento de tributos, conceder: educação, saúde, 18 66. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 8ª Ed. Saraiva. 2007. p. trabalho, moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos indispensáveis ao desfrute de uma vida digna19. 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Após trilhar o caminho do presente estudo, percebe-se o quão valiosa é a água, bem como pode-se constatar quais as atitudes devem ser tomadas para assegurar a existência e a qualidade deste bem para esta e para as futuras gerações. No que diz respeito a importância, restou claro a qualificação da água como um direito humano fundamental, eis que, demonstrada de diversas formas a sua importância para a vida humana, partindo desde a hidratação corporal, preparação de alimentos, higiene pessoal, até a irrigação de lavouras, dentre outras infinidades de serventias essenciais para a existência da vida. Outro ponto importante tratado neste breve estudo, foi a forma como o Estado tem se posicionado frente à necessidade de impor regras e limites no uso indiscriminado da água, prevendo a aplicação de sanções, como a reparação do dano causado, em alguns casos há ainda, além da responsabilidade cível e/ou administrativa, a responsabilidade criminal, quando além do dano praticado, o agente incorrer em alguns dos dispositivos descritos como crime ambiental. Importante ressaltar ainda, a possibilidade de dano moral ou material destinado à pessoa que sofreu com dano e não ao poder público, por dano causado ao meio ambiente, quando, além do prejuízo coletivo (aqui entendido como prejuízo ao bem difuso), a pessoa responsável pelo fato, atinja um, ou mais indivíduos, causando-lhes danos de ordem moral e/ou material, estará obrigada a indenizá-la, conforme autoriza a nossa Carta Magna, bem como nosso diploma civil, assim tem entendido os juristas pátrios, conforme o julgado colacionado neste trabalho. Ainda matéria relevante, é a solidariedade, aplicada aos danos causados ao meio ambiente, o que facilita a reparação, eis que, com tal instituto, caso não seja possível verificar o autor do fato danoso, todos que tiverem contribuído de alguma forma para a degradação serão responsabilizados, bem como, cada um será responsável integral da obrigação e, caso 19 Ob. Cit. 66/67. venha a cumpri-la poderá buscar o ressarcimento daqueles que respondiam solidariamente, mas não exerceram seu dever. Por fim, ainda há que ressaltarmos a importância de um meio ambiente equilibrado, que concilie os interesses do desenvolvimento com a preservação da natureza, resguardando a fauna a flora e os recursos hídricos, bens fundamentais para existência da vida. Assim temos que o problema atual não é na legislação, mas sim cultural, mesmo que o direito tente corrigir, ou mesmo coibir práticas danosas ao Meio Ambiente, a principal chave para a exclusão da possibilidade de as futuras gerações não sofrerem com falta dos recursos oferecidos pelo Meio Ambiente, é uma mudança cultural, que deve começar na escola, na educação fundamental, conscientizando as pessoas, desde sua tenra idade sobre a necessidade de agir com cautela no que diz respeito ao consumo e o respeito de tudo aquilo que gira em torno do direito ambiental para que se possa garantir a todos, os direitos fundamentais relacionados ao Meio Ambiente. Referências Bibliográficas Ambiental – Congresso internacional. I. Benjamin, Antonio Herman de Vasconcelos e, or. II. Título. ASSAIAG, Daniela. Aquífero Alter do Chão é o maior reservatório de água do planeta, Jornal Hoje. 01/05/2010, disponível em < http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2010/05/aquifero-alter-dochao-e-o-maior-reservatorio-de-agua-do-planeta.html> acesso em 12/09/2013. Brasil Direitos Humanos, 2008: A realidade do país aos 60 anos da Declaração Universal – Brasília: SEDH, c 2008. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 7. Responsabilidade Civil 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. ESTEVINHO, Telmo Antonio Dinelli, Política, Ambiente e Diversidade Cultural VI Seminário do ICHS/UFMT. Ed. UFMT, 2007. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 8ª Ed. Saraiva. 2007. FREITAS, Vladimir Passos de. Águas – aspectos jurídicos e ambientais. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2007. SIRVINSKAS, Luís Paulo, Manual de Direito Ambiental, 6ª. ed., Saraiva, 2008. SOUZA, Luciana Cordeiro de. Águas e sua proteção. 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