TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO: HIPERATIVIDADE

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Revista de Educação
Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010
TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO:
HIPERATIVIDADE
Érika Stancoloviche Veiga
Universidade de Taubaté - Unitau
RESUMO
[email protected]
Este artigo aborda a hiperatividade de uma forma concreta, pois ela
virou moda, está na “boca” de médicos, psicólogos e, principalmente,
de educadores. Há que se apontar as consequências que uma sociedade
de controle como a nossa tem sobre o comportamento de nossas
crianças, controle esse, exercido desde os tempos de uma sociedade
disciplinar. Nesse estudo procurou-se conhecer as características de
uma sociedade disciplinar, assim como de uma sociedade de controle.
Além de ter uma visão da hiperatividade em meio à construção de uma
sociedade de controle e o quanto a escola favorece essa construção.
Perceber que as escolas são meios de propagação de controles exigidos
pela sociedade em que vivemos, é primordial para entender esse
processo.
Palavras-Chave: hiperatividade; controle; disciplinar; educadores.
ABSTRACT
This article reports the hyperactivity in a concrete manner, because
these days it became fashionable, it is discussed frequently by
physicians, psychologists and especially educators. It must be noticed
the consequences that a controlled society like ours has over the
behavior of our children, admitting that such control remains from the
ages of a disciplinary society. There was a strong effort to acknowledge
in this study the characteristics of a disciplinary society, as long as a
controlling society. Beyond having a viewing of the hyperactivity amid
the construction of a controlling society and how much school benefits
this construction. Realizing that schools are a way to spread the
demanded controlling by the society in what we live in, indeed it is
essential if we want to understand this process.
Keywords: hyperactivity; controlling; discipline; teachers.
Anhanguera Educacional Ltda.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
[email protected]
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Informe Técnico
Recebido em: 10/3/2010
Avaliado em: 29/8/2011
Publicação: 15 de outubro de 2011
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Transtorno do Déficit de Atenção: Hiperatividade
1.
INTRODUÇÃO
A hiperatividade tornou-se modismo e está na “boca” de diversos profissionais,
principalmente os da educação, que convivem por um maior período de tempo com as
crianças, porém, temos notado que nos dias atuais tem havido a tendência,
principalmente, nos ambientes escolares, de se buscar um controle e uma padronização do
comportamento infantil. Exigem-se das mesmas disciplina, silêncio, comportamentos
previsíveis, não agressividade e, principalmente, obediência.
Essa ambição de controle do comportamento infantil gera reações diversas nas
crianças: umas podem reagir da maneira que se espera, estando atentas às explicações do
professor; outras, no entanto, reagem ao contrário, tornam-se agitadas, ansiosas e, a esse
tipo de reação, rapidamente se oferece o rótulo de “hiperatividade”. O problema de
pesquisa, portanto, é como esse controle do comportamento (por parte da escola) pode
estar relacionado à produção de condutas hiperativas nas crianças.
Com isso, principalmente, nos estudos de Michel Foucault e Gilles Deleuze,
discutir sobre esse controle existente nos dias de hoje, como ele se apropria das crianças e
o quão importante ele se tornou na busca de “harmonizar” o comportamento dos
indivíduos em prol da estabilidade do controle exercido para nivelar as expressões
subjetivas e restringi-las a modos de existir que não incomodem as produções
educacionais e existenciais hegemônicas.
2.
A HIPERATIVIDADE EM MEIO À CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE DE
CONTROLE
Um dos grandes pensadores do século XX que contribuiu para maiores entendimentos
acerca das sociedades foi, sem dúvida, o francês Michel Foucault. Ele afirmou muitas
vezes não ser historiador, filósofo e nem mesmo inventor de novos métodos. Como ele
mesmo dizia:
[...] eu não estou nada certo de ter inventado um novo método, [...] o que faço não é
diferente do que se faz hoje, em muitos outros países [...] Mas, se me interessei – de fato,
me interessei profundamente – por esses fenômenos foi porque vi neles maneiras de
pensar e de se comportar, que são ainda as nossas. (FOUCAULT, 1971, p.13)
Como foi dito, Foucault não pretende ser um modelo a ser seguido, mas é através
de suas obras que procuraremos alguns embasamentos para nossa pesquisa monográfica.
Uma das temáticas estudadas por Foucault e de utilidade para a presente pesquisa referese ao que ele nomeou de sociedades disciplinares.
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2.1. Sociedades Disciplinares
O poder disciplinar veio “substituir” o poder pastoral e o poder de soberania,
hegemônicos ao longo de vários séculos em toda a Europa, sendo que o poder pastoral é
vertical, sacrifical e salvacionista. Já o poder de soberania é um poder de cunho religioso
exercido pelo soberano. Esse poder não pode ser salvacionista, nem piedoso, nem mesmo
individualizante. O soberano, portanto, não pode estar em todos os lugares ao mesmo
tempo. O poder disciplinar veio para solucionar esse déficit no poder soberano,
apresentando-se como saída econômica e eficiente para a crescente dificuldade de levar o
olhar do soberano por toda parte.
Esse disciplinamento vem, portanto, supor um dispositivo que obrigue, pelo jogo
do olhar, pela simples vigilância, um aparelho onde as técnicas que permitem ver
induzam a efeitos de poder e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente
visíveis àqueles a que se aplicam.
As sociedades disciplinares tiveram seu auge no século XX, surgindo através de
mudanças sociais que ocorreram nos séculos XVIII e XIX. Tiveram como característica
principal à utilização de novas formas de poderes mais sutis, porém, tão eficazes quanto
os poderes pastoral e o de soberania que as antecederam.
Seguindo essa reflexão sobre o disciplinamento e da vigilância que se expressam
como um dos instrumentos de controle, Foucault remete ao panoptismo, mostrando o
quanto essa máquina de observação possibilita que uns poucos fiscalizem enquanto a
maioria é vigiada. O panóptico, criado por Benthan, é caracterizado em Foucault (1987,
p.165-6) como tendo:
Na periferia uma construção em anel, no centro, uma torre; esta é vazada de largas
janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em
celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma
para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite
que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e
em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar.
Foucault remete ao panoptismo para falar sobre as sociedades disciplinares
porque esse mecanismo funcionava como uma espécie de laboratório de poder, pois
possuía mecanismos de observação individual, classificatória e modificadora, que
ganhava eficácia ao controlar o comportamento dos homens. O panóptico está presente
até hoje, em instituições como a escola, por exemplo. É claro que a arquitetura mudou,
mas, as funções ”panópticas” de vigiar, controlar e corrigir ainda são as mesmas. Segundo
Foucault, ele programa: “Ao nível de um mecanismo elementar e facilmente transferível,
o funcionamento de base de uma sociedade toda atravessada e penetrada por mecanismos
disciplinares” (FOUCAULT, 1987, p.172).
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Para Veiga-Neto, Foucault procurou com seus estudos:
Analisar as transformações que ocorreram na passagem do Antigo Regime para o Novo
Regime. A passagem de algumas instituições intituladas como instituições de seqüestro,
onde a escola é uma delas, passa-se dos suplícios, como castigos e violências corporais
para o disciplinamento que cria corpos dóceis. [...] o objetivo de Foucault é traçar uma
genealogia das relações entre o poder e o saber, para mapear a ontologia do presente, em
termos do ser-poder. (VEIGA-NETO, 2003, p.77).
Através desses estudos Foucault vem mostrar como a docilização e o
disciplinamento dos corpos se tornou mais econômica do que o terror. Nas palavras de
Veiga-Neto (2003, p.77) “se o terror destrói, a disciplina produz”. Em sua obra intitulada
Vigiar e Punir, Foucault (1987, p.141) afirma que:
A disciplina produz, a partir dos grupos que controla, uma individualidade dotada de
quatro características: é celular (pelo jogo da repartição espacial), é orgânica (pela
codificação das atividades), é genética (pela acumulação do tempo), e é combinatória
(pela composição das forças).
Assim, a disciplina tornou-se um fator essencial para moldar os corpos às
necessidades sociais existentes. Tornou-se, então, mais rentável vigiar do que punir e o
próprio Foucault (1987, p.118) afirmava que “[...] as disciplinas são métodos que
permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante
de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade”.
Foucault, citado por Silva (2003), nos diz, ainda, que o poder disciplinar:
Se exerce tornando-se invisível impondo aos que submetem um princípio de visibilidade
obrigatória. Na disciplina são os súditos que têm que ser vistos. Sua iluminação assegura
a garra do poder que se exerce sobre eles. É o fato de ser visto sem cessar, de sempre
poder ser visto, que mantém sujeitado o indivíduo disciplinar. (FOUCAULT a pred.
SILVA, 2003, p.12)
Para que esse poder possa ser exercido num bloco disciplinar faz-se necessário a
satisfação de uma série de condições: distribuição dos indivíduos em espaços
individualizados, classificatórios, combinatórios, isolados, hierarquizados, capazes de
desempenhar funções diferentes, segundo o objetivo específico que deles exige.
Na sociedade contemporânea, dita “pós-moderna”, os regimes disciplinares não
desaparecem. Ao contrário, se aperfeiçoam. Esse aperfeiçoamento da sociedade
disciplinar passou a ser chamado por Deleuze (2000) como sendo a invenção de uma
sociedade de controle.
2.2. Sociedades de Controle
Os dispositivos de poder que ficavam circunscritos aos espaços fechados nas instituições
disciplinares (como família, escola, quartel, a fábrica etc.) passam, com o desenvolvimento
da tecnologia e da mídia, a serem caracterizados pela fluidez, permitindo atirá-los em
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todas as esferas sociais abolindo esse confinamento existente nas sociedades disciplinares.
O confinamento, então, não desaparece, mas ele passa a ser amplificado para um universo
sem muros definidos.
Dada a transformação tecnológica, Gilles Deleuze, filósofo francês, irá propor a
sociedade de controle como uma forma atual de disciplinamento das produções
subjetivas. Assim, a sociedade de controle surgiu no final do século XX e vem, de acordo
com Deleuze (1998), substituindo as sociedades disciplinares que, como já dito, se
caracterizavam pelo “confinamento” dos indivíduos que passam de uma instituição
fechada para outra – da família para a escola e da escola para o exército ou a fábrica, por
exemplo. Deleuze constata, porém, que as instituições da sociedade disciplinar estão em
crise, seus muros estão caindo e, com isso, suas lógicas disciplinares ficaram generalizadas
como formas fluidas através de todo o campo social. Nas palavras de Deleuze, citado por
Alliez (2000, p.357): “Os túneis estruturais da toupeira estão sendo substituídos pelas
ondulações infinitas da serpente”.
As formas de moldagem fixas da sociedade disciplinar vão dando lugar a uma
modulação flexível, mutante, característica da sociedade de controle. E na sociedade de
controle, privilegia-se o controle do corpo e da subjetividade independente dos lugares
que esteja ocupando. Deleuze (1998) indica que o uso de senhas e códigos evidencia esse
controle, tornando-se necessários à soberania humana. Se as sociedades disciplinares são
reguladas por palavras de ordem, nas sociedades de controle encontramos o uso de
senhas marcando o acesso ou rejeição à informação.
De acordo com Deleuze o controle atua num espaço aberto, agindo diretamente
sobre os processos de subjetivação. Cardoso Jr. (2002, p.190) define os processos de
subjetivação nas seguintes palavras: “A subjetivação é um processo de composição de
modo de vida que se realiza no domínio dos encontros de corpos”. E “corpos”, aqui, não
são entendidos exclusivamente como corpos físicos, mas também o corpo da mídia, o
corpo da política, da economia, do desejo, etc.
Então, os processos de subjetivação na sociedade de controle invadem um amplo
espaço social por meio de aparatos literários, de mídia, profissionais liberais, educadores,
medicamentos, etc. Ou seja, não há como fugir aos modos de fabricação do bem-viver.
Quanto maior a população, maior se torna a necessidade de controle dos modos de
produção de subjetividade. Essa produção deixa de se restringir a núcleos de formação
disciplinar para se ramificar a modos de interagir com a mídia, com a moda, com as mais
diferentes estéticas. A escola e a família (sofrendo a interferência da mídia, dos
profissionais liberais, das dinâmicas que perpassam a economia mundial e cria modelos
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de trabalho e subjetividade etc.) perdem seus domínios disciplinares específicos para
serem, na sociedade de controle, transmissores de modos de subjetivação cada vez mais
uniformizantes que buscam localizar e neutralizar expressões de diferença. Os fluxos
modelizantes instauram limites de visibilidade para nosso comportamento, nosso modo
de pensar e agir, devido aos mecanismos que são utilizados para esse fim – como o
entretenimento oferecido pela mídia, produzindo subjetividades. A respeito disso,
Deleuze, citado por Alliez (2000, p.361), esclarece-nos que:
Da mesma maneira, talvez, com que Foucault reconheceu no panóptico o diagrama do
poder moderno e da sociedade disciplinar, o mercado mundial poderia fornecer uma
arquitetura de diagrama (mesmo não sendo arquitetura) para o poder imperial e a
sociedade de controle.
Na sociedade de controle as subjetividades continuam a serem produzidas na
fábrica social e, essa produção de subjetividade tende a não se limitar a lugares
específicos. Para Deleuze, novamente citado por Alliez (2000, p.369), o controle
caracteriza-se como sendo “[...] uma intensificação e uma generalização da disciplina, em
que as fronteiras das instituições foram ultrapassadas, tornadas permeáveis, de forma que
não há mais distinção entre fora e dentro”.
3.
DISCIPLINA, CONTROLE E TDAH
A escola é caracterizada por ser uma das grandes referências de sistemas disciplinares. As
crianças, cada vez mais, estão sendo disciplinadas a terem seus corpos e condutas
docilizadas para se adequarem às exigências sociais, principalmente às exigências de um
mercado que necessita de pessoas criativas, inventivas, dóceis e, principalmente,
produtivas. Desde o tempo em que Taylor, no início do século XX, estabeleceu as normas
para sua administração científica pautada na busca da excelência e Henry Ford
aperfeiçoou tal visão a partir da institucionalização das linhas de montagem e da
padronização dos materiais, que a procura pelo controle das condutas humanas tem sido
uma exigência cada vez maior por parte do mercado de trabalho. E para suprir tal
exigência de excelência, a preparação das pessoas tem início cada vez mais precocemente,
e os bancos escolares participam de uma maneira significativa na produção desse
“operário padrão” adequado às exigências de produtividades sociais.
Então, à medida que a sociedade se complexifica as produções disciplinares não
desaparecem, mas se transformam, flexibilizando a ação do domínio sobre os sujeitos. Os
sistemas fechados de contenção e subjetivação (família, prisão, escola) se flexibilizam e um
novo sistema de domínio passa a tomar forma..., um sistema que Deleuze chamou de
sociedade de controle. Não mais há um disciplinamento ostensivo, mas um controle
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generalizado de conduta, monitorado pela mídia e pelos agentes sociais (professores,
psicólogos, médicos, educadores, psicopedagogos, polícia, etc) e por uso de
psicofármacos, drogas que têm como objetivo controlar o comportamento (incluindo,
dentre estas, inclusive as de uso ilegal).
Uma das características que podemos ver nessa sociedade de controle, é que as
prisões, enquanto esferas de contenção, vão progressivamente perdendo sua eficiência
disciplinadora..., e as contenções passam a ter ramificações mais sutis. Como exemplo
temos que a multiplicação do uso de medicamentos controladores do humor é uma
característica marcante das sociedades de controle. Qualquer alteração, tristeza, agitação,
questionamento, desesperança..., e a pessoa é rapidamente convidada a tomar algum
medicamento que “equilibre” suas emoções em grau tolerável para a sociedade em que
convive. A impossibilidade de se estar triste ou de se quebrar regras estabelecidas torna-se
patente e significativa em nosso meio social. Uma sociedade em que os valores do
mercado, os valores de produtividade, acabam por condicionar seus agentes a práticas
que deem lucro e condená-los quando suas condutas e atitudes não se traduzem em
movimentos produtivos.
No que se refere à ação junto às crianças, temos que o mundo ocidental
contemporâneo exerce seu controle sobre os comportamentos, criando estereótipos que
tentam enquadrar a infância à determinada maneira de ser. Uma criança, na escola,
quando sentada e calada, é mais fácil de ser modulada a um universo social que prega a
produtividade e o pragmatismo. E nesse universo que exige de todos o máximo de
produtividade, aumenta-se a cobrança sobre a criança, intensificando igualmente o
estresse das mesmas o que resulta em comportamentos de agitação e baixa auto-estima. O
diagnóstico? Hiperatividade. O tratamento? Ritalina – a “droga” da hora. O resultado?
Crianças apáticas, dóceis e, sobretudo, incapazes de questionar. Essas crianças são
tratadas como anormais, diferentes, o que acaba negando, dessa forma, a diversidade que
nos legitima como espécie. Dessa maneira, segundo Veiga-Neto (2003), a sociedade de
controle é exercida ao nível da vida coletiva mediante a regulamentação, a normatização e
a classificação. A norma, além de individualizar, permite a comparação entre os
indivíduos. Com isso, através dessa comparação, os que “fogem” à regra, que não se
enquadram, são tidos como anormais. Com relação a anormalidade, Veiga-Neto (2003,
p.90) diz que “Chama-se de anormal aqueles cuja diferença em relação a maioria se
convencionou ser excessivo, insuportável. Tal diferença, passa a ser considerada um
desvio, isso é, algo indesejável, porque dês-via, tira do rumo, leva à perdição”.
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E, em seguida, Veiga-Neto (2003, p.90), conclui a respeito da questão da
normalidade e anormalidade argumentando que: “Não existe saúde nem doença em si,
mas apenas em relação a uma capacidade normativa”. Em outras palavras é a
normalidade que é o fator principal de distinção entre os indivíduos. Os que não se
adequam, e que por uma razão ou outra agem de maneira diferente da esperada (seja por
conta
de
determinantes
culturais,
genéticos,
ambientais,
relacionais
etc.),
são
caracterizados como anormais.
Portanto,
podemos
destacar
todas
as
organizações
sociais
produzem
subjetividades de forma que estas se enquadrem no modo de vida da sociedade, pois, o
poder moderno exerce-se na produção de modelos identitários e na captura da diferença
para dentro dos modelos vigentes, ou na repressão da mesma. Dessa maneira, na
sociedade de controle há uma produção de sucesso, de competência, de produtividade, de
felicidade e, aqueles que não se adequam, adaptam ou se normatizam, sofrem
conseqüências.
Situando nosso olhar sobre as escolas, temos que as mesmas são espaços
privilegiados de transmissão de valores e conhecimentos culturais, mas também são
espaços de aprisionamento das expressões subjetivas. Foucault fala sobre o contexto da
educação escolar, indicando que:
De forma crescente, a pedagogia tem enfatizado o autodisciplinamento, pelo qual os
estudantes devem conservar a si e aos outros sobre controle [...] É pelo exercício da
autoridade, ela mesma racionalmente legitimada como sendo educacionalmente
apropriada (e normalidade não pelo poder), que o comportamento acadêmico e social
das crianças é mudado. O poder, coercivo e opressivo, permanece de prontidão nos
bastidores, em caso de qualquer emergência. (FOUCAULT, 1994, p. 14-21)
Sabemos que nos dias de hoje, o disciplinamento das crianças na escola não se dá
mais através de aparatos físicos, como a palmatória. Porém, esse disciplinamento ocorre
através de meios “suaves”, algumas vezes imperceptíveis, característicos do controle que
é exercido sobre os alunos.
Há algumas décadas, a criança era aquela que tinha autorização para inventar
seu mundo, quebrar as regras dos adultos, subir em árvores, deixar a atenção flutuar, não
se ater em tarefas específicas, mas passear por entre as atividades. A infância não era
interesse de controle ostensivo por parte do mundo adulto. Porém, diante ao
aperfeiçoamento das exigências por excelência social e o aparecimento de um aparato de
profissionais liberais que pouco a pouco vão retirando das famílias o poder de dizer o que
é melhor para seus filhos, Guattari, pensador francês, irá salientar que, na nossa
sociedade, cada vez mais tem se diminuído os espaços em que a criança possa “ser
criança”. Ela já se encontra, desde o útero, atrelada a processos de iniciação típicas da
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sociedade de controle que já envolvem creches, psicólogos, pediatras, programas de TV,
sites na Internet, pedagogos, economistas domésticos, psicanalistas etc..., já anunciando
“como educar seu filho”. Mas educar especialmente em qual direção? Na direção de uma
sociedade ordeira, produtiva e rítmica.
A inserção crescente do número de crianças nas escolas, se por um lado
potencializa a socialização e a alfabetização, por outro tem produzido uma maior
necessidade de controle e padronização, padronização de uma infância que produza bom
rendimento e pouco questionamento. Como canta Gabriel Pensador (1998) em uma crítica
ao ritmo das escolas: “Mãe, tirei um dez, na prova me dei bem, tirei um cem, quero ver
quem me reprova. Decorei toda a lição, não errei nenhuma questão, não aprendi nada de
bom, mas tirei dez”.
É dentro desse contexto que nos localizamos quando nos reportamos ao estudo
da questão do transtorno de Déficit de Atenção Hiperatividade, também conhecido como
TDAH. Este é considerado, segundo Silva (2003), como sendo um “distúrbio” que atinge
de 3 a 5% das crianças em todo o mundo. Acredita-se que ele se dê graças a um
funcionamento alterado no sistema neurobiológico cerebral. Uma curiosidade sobre o
TDAH é a prevalência em crianças do sexo masculino, mas, não há nenhuma explicação
clara para esse fato. As possíveis causas do TDAH, de acordo com os autores pesquisados,
giram em torno da hereditariedade (o que promove, indiretamente, uma maior
culpabilização dos pais). Outras possíveis causas são: substâncias ingeridas na gravidez,
sofrimento fetal, exposição ao chumbo e problemas familiares. Nota-se que as dinâmicas e
políticas de subjetivação, implementadas pelas escolas, encontram-se suprimidas dessa
lista.
As crianças quando diagnosticadas com TDAH, geralmente possuem algumas
características em comum. Silva (2003, p.187-189), resume essas características da seguinte
forma:
-com freqüência mexem ou sacodem pés e mãos,
-se remexem no assento, se levantam da carteira;
-são facilmente distraídas por estímulos externos;
-têm dificuldade de esperar sua vez em brincadeiras ou em situações de grupo; -com
freqüência disparam respostas para perguntas que ainda não foram -completadas;
-têm dificuldade em seguir instruções e ordens;
-têm dificuldade em manter a atenção em tarefas ou mesmo atividades lúdicas,
freqüentemente mudam de uma atividade inacabada para outra;
-têm dificuldade em brincar em silêncio ou tranqüilamente;
-às vezes falam excessivamente;
-vivem perdendo itens necessários para as tarefas ou atividades escolares.
O que se vê nos dias de hoje é um aumento significativo no número de crianças
que são diagnosticadas como hiperativas e, para muitas delas, foram prescritos
estimulantes como solução para a falta de concentração nas atividades. E o mais
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interessante é a transposição de sentidos que está ocorrendo a respeito da infância:
personagens clássicos da literatura infanto-juvenil como Tom Sawyer, de Mark Twain, ou
o Menino Maluquinho, de Ziraldo, antes vistos como modelos de uma infância feliz, hoje
são abordados como representantes de uma infância doente pois, em ambos os casos, as
crianças retratadas contêm todos os sintomas do propagado TDAH.
Assim sendo, a hiperatividade vem se tornando um conceito que corre o sério
risco de ter virado modismo, sendo que crianças que antes eram consideradas peraltas,
avoadas, desorganizadas, são codificadas dentro das malhas de uma sociedade de
controle como TDAH. Trazem assim a suposta marca de uma herança genética e/ou
biológica que culpabiliza a família, e redime a escola de qualquer influência na produção
de tal “transtorno”. É nesse sentido que entendemos a produção do TDAH, como um dos
sintomas de uma sociedade de controle.
As definições sobre o que é o TDAH se tornam muitas vezes arbitrárias, mas
acabam por tentar neutralizar e mapear todos aqueles que seguem ritmos outros
esperados não apenas pela escola, mas pela sociedade. Há, então, todo um movimento de
reterritorializá-los marcando-os como doentes... doentes de um mal impalpável,
movediça..., “doença” de uma infância que resiste a muros... e que ainda insiste em
inventar suas próprias regras e ritmos. Não é mais uma questão de dizer que existe ou não
o TDAH..., mas sim de questionar se tantas crianças estão doentes, ou se todos estão por
demais ávidos por enquadrar e delimitar a experiência da infância dentro de uma
perspectiva padronizada de controle, cheia de “fases de desenvolvimento”, cheias de
“condutas normais”, cheias de “disciplina”.
4.
A ESCOLA E O TDAH
Para entendermos a escola dos tempos atuais faz-se necessário remetermos um pouco à
sua origem, e como se deu a formação do processo escolar no Brasil.
No final do século XIX início do século XX, no Brasil, iniciaram-se os modelos
institucionais de escolas que vigoram até hoje, onde a escola passou a ser pensada como
uma agência que tinha como finalidade apoiar a família. As famílias eram tidas como
incapazes para educarem suas crianças, pois não tinham tempo nem competência para
esse fim e, além disso, o Estado começou a querer controlar o processo educativo,
desqualificando a família. Sendo assim, a escola surgiu para auxiliar essas famílias,
liberando os adultos para exercerem outras funções na sociedade que viviam
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evidenciando, com isso, o espaço disciplinador que a escola exercia na formação de
cidadãos que sirvam a necessidade do Estado.
Sobre a família brasileira do século XIX, Cunha (2000, p.452-53) dizia que:
A instituição familiar naquela época era caracterizada como em permanente estado de
mau funcionamento, era dada como incompetente, incapaz, sem qualidades para educar
as crianças. Fazia-se urgente inseri-la nos padrões da normalidade.
Segundo Vidal (2000, p.497), foram muitas as mudanças que ocorreram, na área
educacional brasileira, no final do século XIX, início do século XX, dentre elas:
[...] a centralidade da criança nas relações de aprendizagem, o respeito às normas
higiênicas na disciplinarização do corpo do aluno e de seus gestos, a cientificidade da
escolarização de saberes e fazeres sociais e a exaltação do ato de observar, de intuir, na
construção do conhecimento do aluno.
Com o fim do Império e início da Primeira República, foram erigidas instituições
de ensino com o intuito de educar uma população brasileira eminentemente analfabeta e
fora da escola. E a década de 1920 foi um marco na era das grandes reformas em todos os
campos da educação escolar. Dentre as reformas havia a intenção de modernizar a
sociedade brasileira por intermédio da escola. Esse movimento que se iniciou na década
de 1920 e conhecido como escolanovismo ou Escola Nova.
Com essas mudanças o investimento na individualidade e singularidade da
criança por parte dos professores tornava-se a base da construção do conhecimento
infantil, cabendo à escola oferecer situações em que o aluno, através da observação e da
experimentação, pudesse elaborar seu próprio saber. A meta da Escola Nova era, segundo
Cunha (2000, p. 455-56):
Socializar crianças e jovens, ou seja, ensinar com o propósito de colocar o educando em
condição de responder aos requisitos da nova sociedade. O meio para obtenção desse
fim seria a compreensão metódica e objetiva das características psicológicas, biológicas e
sociais do individuo submetido à situação escolar.
O ideário escolanovista procurava equilibrar-se entre duas tendências: de um
lado, se supervalorizasse o indivíduo, transformaria a escola num laboratório de exaltação
das peculiaridades de cada educando; de outro, se privilegiasse a exigência da ordem
social, submeteria a indivíduo às ordenações da sociedade.
A partir daí que entendemos o caráter normatizador do Escolanovismo que, em
alguns momentos, foi incapaz de manter esse equilíbrio, essa dupla inclinação. Tendo
como base os preceitos originários da ordem médica e biológica, a Escola Nova continuou
com o processo de normatização das mentes e dos corpos dos educandos. A família
deveria, portanto, enquadrar-se nos princípios ditados pelo discurso educacional
renovador. Como, de acordo com Cunha (2000, p.457) “a nova configuração do mundo do
trabalho impedia as famílias de educarem corretamente seus filhos”, então, professores e
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especialistas diversos começaram a construir concepções sobre a escola ideal, a família
ideal e, principalmente, a criança ideal: aquela que deveria ser consciente, responsável,
compenetrada.Criança essa que teria tanto uma função dentro da ordem escolar quanto
também dentro das tendências da ordem mundial.
Nesse sentido, com a vitória cada vez mais globalizante do sistema liberal e
capitalista sobre as relações entre os povos e dos indivíduos entre si, houve a necessidade
crescente de os membros das famílias, incluindo aqui principalmente as mulheres, terem
que trabalhar fora do espaço doméstico. Reduziu-se, assim, a convivência familiar,
estimulando o Estado a assumir as rédeas de algumas dinâmicas familiares. Sendo assim:
“A educação das crianças deixou de ser responsabilidade dos pais e passou a alçada dos
poderes públicos constituídos” (CUNHA, 2000, p.457).
E a partir da década de 1930 a escola passou a “combater” a pobreza e suas
influências, principalmente no que se referia a uma pobreza intelectual, crenças não –
científicas, práticas familiares e sociais não legitimadas pelos saberes dominantes etc.,
uma vez que se acreditava que a pobreza material ocasionava a pobreza espiritual. Diante
disso, cabia à escola lutar contra a família e contra o próprio aluno, pois ambos eram
considerados como portadores de hábitos e crenças que não correspondiam aos “bons
ensinamentos” transmitidos pelos professores. Portanto, o papel da escola era, de acordo
com Cunha (2000: p.463) “Regenerar todos os que estivessem submetidos a condições
‘subculturais’, inserir crianças e jovens e mesmo adultos na trilha da normalidade para
que pudessem contribuir para o progresso do país”.
Já na década de 1950, o discurso renovador da Escola Nova dizia que a escola
teria como missão normatizar as famílias excluídas da modernização devendo, ela própria
ser normatizada. Nota-se, em tudo isso, um movimento das práticas escolares de conserto
das “más influências” trazidas pelo ambiente externo. Tornou-se necessário modelar os
corpos e os ritmos dos alunos e também das famílias, a fim de que eles adequassem ao
que era “correto” e socialmente esperado de uma pessoa socialmente produtiva. A escola
assume, então, um papel em muitos aspectos controladores (como, por exemplo, práticas
disciplinares, higiênicas etc.) e irá tender a conduzir pessoas para dentro de um padrão de
conduta socialmente esperado e desejado como sendo normal. Se por um lado a escola se
tornou um manancial de informações extremamente importantes, por outros ela também
se transformou em imprescindível dispositivo de controle das dinâmicas sociais.
Se antes, bastava-se que o sujeito nascesse em um grupo familiar que lhe
transmitisse informações e recursos laborais minimamente suficientes para ele se manter,
com a complexificação das relações sociais e econômicas encontramo-nos atualmente
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diante ao fato que a escola se tornou indispensável para a formação profissional e para a
integração da pessoa ao mundo da comunicação escrita que domina o cenário cotidiano.
No entanto, essa mesma escola encontra dificuldades no estabelecimento de suas metas
socializadoras e normatizadoras. Uma dessas dificuldades se mostra patente quando
observamos a emergência abusiva, nos meios escolares, do diagnóstico de TDAH
(Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade). O TDAH parece surgir como
diagnóstico emergente de uma escola organizada em modos de disciplinamento que
possui dificuldades de lidar com ritmos outros àqueles socialmente convencionados como
“normais” e exigidos tanto pela sociedade quanto pelo Estado. O poder disciplinar,
segundo Gore (1994, p.13) [...] ajuda a explicar a auto-regulação dos estudantes, que
mantêm seus comportamentos mesmo quando a professora deixa a sala de aula.
O corpo infantil, então, marcado pelo fantasma do diagnóstico de hiperatividade,
vai deixando de ser corpo de prazer, para ser corpo-máquina-reprodutiva..., com
necessidade de atenção direcionada para os interesses da escola. Assim, a escola exerce
um biopoder de definir os tempos do corpo, os ritmos do prazer e o movimento do
brincar. É só notar nas características comportamentais nas quais as escolas se referendam
para definir o TDAH, que veremos a perspectiva de imputar um ritmo ideal ao corpo. A
criança não pode mais balançar braços e pernas..., não pode mais interromper a fala do
colega e inventar suas próprias regras no brincar..., a criança não pode mais se
movimentar..., ela tem que aceitar o recinto fechado, tantas vezes gradeado..., tem que
aceitar o tempo das aulas e aceitar a ser “hiperativa” nos vinte minutos que lhe dão de
recreio.
É todo um preparo para o futuro, em que deverá aceitar o enclausuramento do
emprego, e ficar feliz por ter quinze dias de férias, para fazer o que quiser. Restringem-se,
então, as definições a respeito do TDAH mais à esferas do biológico. É um “transtorno”, é
um “déficit”, é uma “deficiência”, é uma “disfunção cerebral mínima...”, e controla-se o
corpo com um medicamento chamado Ritalina. A atenção se transforma, então, em um
problema eminentemente biológico. Poucos questionam sobre as políticas da escola, os
aprisionamentos da educação, as práticas de aprendizagem, a arquitetura dos espaços
escolares, a produção de subjetividade de um grupo, os impedimentos ao movimento, etc.
Retomando, então, os trabalhos de Michel Foucault, observa-se que este não
analisou detalhadamente as escolas, porém, não se pode negar que ele via nelas um meio
de propagação do poder disciplinar. Porém, parece que a escola diagnostica a ocorrência
de TDAH, no momento em que parece que a criança foge, dessa auto-regulação
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disciplinar, e impõe seu ritmo a tempos já institucionalizados, quebrando padronização e
instaurando dificuldades de controle no convívio.
O processo pedagógico que rege as instituições escolares corporifica relações de
poder entre professores e alunos, no que diz respeito às diferentes práticas pedagógicas:
seja a pedagogia do intelecto ou a pedagogia do corpo. Foucault denomina essas técnicas
de indução do comportamento de tecnologias do eu, os quais funcionam como regimes de
verdade. Remetendo-nos, então, ao TDAH, temos que modos de produção de verdades
vêm sendo construídos com relação ao comportamento das crianças na sala de aula. Essa
relação de verdade é tão profunda que as crianças que não seguem à regra são tidas como
anormais, evidenciando, com isso, a dificuldade das escolas em se relacionarem com as
diferenças existentes dentro do seu espaço, e de criar outros modos de existir dentro
processos educacionais. Assim, é mais fácil caracterizar crianças com comportamentos
fora dos padrões determinados e determinantes como sendo hiperativas do que assumir a
imensa dificuldade existente nessas instituições de lidarem com as diferenças de
comportamento e ritmos outros que não os já institucionalizados em uma relação de
poder e de saber.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração deste estudo permitiu chegar a algumas constatações referentes ao tema
analisado. A hiperatividade vem se tornando um conceito que corre o sério risco de ter
virado modismo, sendo que crianças que antes eram consideradas peraltas, avoadas,
desorganizadas, são codificadas dentro das malhas de uma sociedade de controle como
TDAH.
As definições sobre o que é o TDAH se tornam muitas vezes arbitrárias, mas
acabam por tentar neutralizar e mapear todos aqueles que seguem ritmos outros
esperados não somente pela escola, mas pela sociedade.
Os sintomas da hiperatividade se confundem com a falta de limite ou pela
superproteção que algumas crianças possuem. Essa indisciplina acaba sendo associada à
liberdade dada para as crianças, liberdade esta que a escola tenta controlar, pois, o
comportamento adequado de uma criança inclui disciplina e atenção.
Essa construção de verdades que regem a escola, entre elas de que a criança
quieta aprende mais, só vem aumentar os falsos diagnósticos de hiperatividade que
surgem ao longo dos anos. Essas construções de verdades são tão fortes e presentes nas
escolas que é mais fácil rotular uma criança que age por conta própria, desfazendo o
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controle exercido pela escola de anormal, do que admitir que algo está errado e deve ser
mudado.
Lidar com as diferenças é difícil, principalmente, quando elas relacionam-se a
comportamentos e ritmos outros dos já institucionalizados em uma relação de poder e
saber.
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Érika Stancoloviche Veiga
Mestranda em Educação. Possui Graduação em
Letras (Português / Inglês), Pedagogia_ Pós em
Supervisão Educacional e Psicopedagogia. Foi
professora da Faculdade Anhanguera de Taubaté
(Língua Portuguesa, Metodologia Científica,
Didática, Desenvolvimento Pessoal e Profissional,
Educação Infantil, Linguística Aplicada e TCC_
Trabalho de Conclusão de Curso). Professora da
Universidade de Taubaté (Psicologia da Educação
e Fundamentos da Educação Infantil). Tutora
Presencial do Curso de Pedagogia.
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