Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 5), 2000 Bayerl e cols Artigo Original Stents coronarianos em diabéticos Evolução Imediata de Pacientes Submetidos a Aneurismectomia de Ventrículo Esquerdo Wilson Luiz da Silveira, Adélio Ferreira Leite, Érica Coelho Garcia Soares, Max Weyler Nery, Antônio Fernando Carneiro, Vilmondes Gonçalves de Oliveira Goiânia, GO Objetivo - O aneurisma do ventrículo esquerdo é uma complicação do infarto agudo do miocárdio cujo tratamento preferencial é o cirúrgico, através de técnicas que visem a reconstrução da geometria da cavidade ventricular. Analisamos os resultados imediatos de um grupo consecutivo de pacientes submetidos à correção cirúrgica do aneurisma do ventrículo esquerdo. Métodos - Foram operados de janeiro/90 a agosto/99, 94 pacientes, com idade de 36 a 73 (média = 58,4) anos, 65 (69,1%) sexo masculino e 29 ( 30,8%) do feminino. A fração de ejeção pré-operatória variou de 0,22 a 0,58 (média = 0,52), e o aneurisma era ântero-lateral em (90,4%) dos casos. Encontravam-se em classe funcional III e IV 82 (87,2%) pacientes e, em classe funcional I e II, 12 (12,7%) pacientes. A causa mais freqüente foi a insuficiência cardíaca congestiva em 77,6%, isolada em 24,4% ou associada à insuficiência coronariana em 53,2%. Resultados - A evolução imediata revelou mortalidade de 7,4%, sendo o baixo débito cardíaco a causa principal. A saída de circulação extracorpórea foi feita sem dificuldade em 73 (77,6%) dos casos com 3,2% de mortalidade, e com necessidade de suporte inotrópico em 20 (21,3%) e um (1%) não saiu de circulação extracorpórea. Conclusão – A correção mostrou resultados bastante satisfatórios com relação a evolução imediata dos pacientes operados, com mortalidade maior nos operados com pior classe funcional. Palavras-chave: insuficiência coronariana, aneurisma do ventrículo esquerdo, revascularização do miocárdio, cirurgia cardíaca Hospital Santa Genoveva - Grupo CentroCardio - Goiânia Correspondência: Wilson Luiz da Silveira – Rua 9, nº 504/1301 – Setor Oeste – 74110-100 – Goiânia, GO Recebido para publicação em 24/9/99 Aceito em 17/5/00 Os aneurismas ventriculares são graves complicações do infarto do miocárdio transmural, com importante repercussão clínica (insuficiência cardíaca, tromboembolismo, angina de peito e arritmias), que acometem 5 - 30% dos pacientes, responsáveis por grande parte da mortalidade dos pacientes infartados, ocorrida com mais freqüência nas obstruções proximais da artéria interventricular anterior 1-3. O ecocardiograma transesofágico e a ventriculografia são os melhores métodos diagnóstico, por observar acinesia ou mesmo discinesia, durante a sístole ventricular, com abaulamento da cavidade, afinamento da parede, falta de trabéculas, a área de transição com a musculatura remanescente (colo) e eventual trombo intracavitário. O tratamento cirúrgico tem sido freqüentemente indicado com melhora da sintomatologia, qualidade de vida e sobrevida dos pacientes 4-6. A insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo arterial sistêmico e arritmias ventriculares são as principais indicações para a correção cirúrgica do aneurisma. Muitas vezes, no entanto, a correção do aneurisma é realizada concomitantemente com a revascularização do miocárdio, em pacientes anginosos. Este estudo analisa os resultados imediatos nos pacientes operados em nosso serviço, para tratamento cirúrgico do aneurisma do ventrículo esquerdo. Métodos No período de janeiro/90 a agosto/99, 94 pacientes foram submetidos a aneurismectomia do ventrículo esquerdo isolada ou associada a revascularização do miocárdio. Sessenta e cinco (69,1%) eram do sexo masculino. A idade média foi de 58,4 anos e variou de 36 a 73 anos. Ao exame clínico, 73 (77,6%) pacientes apresentavam sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva como dispnéia aos pequenos e médios esforços ou em repouso com ou sem edema de membros inferiores. Desses, 6 (6,4%) tiveram episódios de dispnéia paroxística noturna e 3 (3,2%), edema agudo dos pulmões. Vinte e três (24,4%) pacientes apresentavam sinais isolados de insuficiência cardíaca congestiva e 50 Arq Bras Cardiol, volume 75 (nº 5), 397-400, 2000 397 Silveira e cols Evolução imediata de pacientes submetidos a aneurismectomia (53,2%), sintomas de insuficiência cardíaca e angina de peito concomitante. Angina isolada foi encontrada em 20 (21,3%) dos casos. Setenta de três (77,6%) pacientes estavam medicados com digital, diuréticos ou vasodilatadores; 4 (4,2%) apresentavam síncope, dois associada a arritmia ventricular grave, observada em 17 (18,1%) pacientes. Na época da operação, 3 (3,2%) encontravam-se em classe funcional I, 9 (9,6%) em classe funcional II, 71 (75,5%) em classe funcional III, 11 (11,7%) em classe funcional IV, segundo classificação da NYHA. O aneurisma do ventrículo esquerdo era pós-infarto do miocárdio em 92 (97,9%) pacientes e em dois (2,1%) a etiologia era doença de Chagas. Oitenta e cinco (90,4%) pacientes tiveram infarto ântero-septal e lateral extenso e 9 (9,6%) em região inferior. O tempo entre o último episódio de infarto e a operação variou de 35 a 90 dias com média de 45 dias. A fração de ejeção média de pré-operatório era de 0,52%. A indicação cirúrgica foi devida a sintomas decorrentes da presença do aneurisma em 23 (24,4%) pacientes (dispnéia, insuficiência cardíaca congestiva, arritmia), por insuficiência coronariana com angina de peito em 18 (19,1%), e por associação de ambas em 50 (53,2%) pacientes. Em 3 (3,2%) pacientes a indicação foi por arritmia ventricular grave e sintomática. Em 64 (68,1%) a correção do aneurisma do ventrículo foi associada a revascularização do miocárdio, um (1%) troca da valva mitral, um (1%) associada a comissurotomia mitral e pulmonar e em 28 (29,8%) aneurismectomia isolada (tab. I). Com relação à técnica operatória, os pacientes foram operados através de toracotomia longitudinal e esternoto– mia mediana, circulação extracorpórea com cânula cavoatrial única no átrio direito, canulação da aorta ascendente. Foi realizada hipotermia sistêmica moderada de 28°C. A operação foi realizada, através de pinçamento intermitente da aorta, nos pacientes com aneurismectomia isolada e, combinada com cardioplegia sangüínea gelada na raiz da aorta, nos demais pacientes. As operações foram conduzidas, segundo a técnica descrita por Jatene 7, em 87 (92,5%) pacientes, utilizando prótese semi-rígida de Braile em 6 (6,4%) e remendo de pericárdio bovino em 1 (1%). Após o início da circulação extracorpórea, os pacientes eram mantidos em hipotermia de 32°C, com batimentos cardíacos preservados e pinçamento intermitente da aorta Tabela I - Cirurgias realizadas ascendente. A região aneurismática era identificada e a ventriculotomia esquerda, feita sobre a área de fibrose. Ainda com batimentos cardíacos presentes, a região de fibrose era delimitada por palpação digital. Foi realizado então, o pregueamento da região de fibrose do septo interventricular e, em seguida, cerclagem do colo do aneurisma com sutura em bolsa na região de transição entre a fibrose e a região contrátil. Eram passados pontos em U separados de fios ethicon 0 apoiados em tiras de teflon na região delimitada pela sutura em bolsa, fechando-se a ventriculectomia diretamente, sem uso de remendo. O excesso de músculo fibrosado era ressecado e a sutura reforçada com ponto de chuleio simples, utilizando-se os mesmos fios passados anteriormente. O ar era retirado através da ponta do ventrículo esquerdo e aspiração da aorta ascendente. Para os pacientes que receberam prótese semi-rígida de Braile a técnica era semelhante, diferindo na não utilização da sutura em bolsa na zona de transição e sim, ponto com etbond 2-0 em U separados, ancorados em almofada de teflon circundando a zona de transição. Com uso de medidor próprio, o diâmetro da prótese era escolhido cuidadosamente, observando-se o volume cavitário residual. Em seguida, os pontos eram passados na prótese e fixada no colo, constituindo a neoparede ventricular. A aba de pericárdio bovino era, então, suturada em sutura contínua com fio de etbond 2-0 para fortalecer a fixação e propiciar hemostasia. A porção aneurismática do ventrículo esquerdo não era ressecada e sim, suturada sobre a prótese. Os pacientes submetidos à revascularização do miocárdio, concomitantemente, eram resfriados até 28°C, após a correção do aneurisma, a aorta ascendente pinçada e a solução cardioplégica sangüínea gelada a 4°C infundida na raiz da aorta, sendo repetida a cada 20min. As anastomoses distais, artéria torácica interna esquerda - coronária ou safena-coronária eram realizadas. As anastomoses proximais safena-aorta eram realizadas com pinçamento intermitente da aorta. A pressão do átrio esquerdo foi monitorizada em todos os pacientes e o cateter de Swan-Ganz usado quando havia baixo débito cardíaco. As artérias que irrigavam a região do aneurisma foram revascularizadas sempre que as mesmas se mantinham pérvias. Vinte e nove (30,85%) pacientes receberam enxerto na região do aneurisma, todos em parede anterior, quer na artéria interventricular anterior ou em seus ramos diagonais. Na correção isolada do aneurisma de ventrículo esquerdo o tempo de circulação extracorpórea variou de 30 a 54min com pinçamento da aorta variando de 10 a 30min. Resultados Procedimento Nº % Aneurismectomia isolado Aneurismectomia + 1 ponte Aneurismectomia+ 2 pontes Aneurismectomia+ 3 pontes Aneurismectomia+ 4 pontes Aneurismectomia + troca de valva mitral Aneurismectomia + comissurotomia mitral e pulmonar 23 23 25 14 7 1 1 24,4% 24,4% 26,6% 14,9% 7,4% 1% 1% 398 Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 5), 2000 As características demográficas dos pacientes são semelhantes às de outros estudos da literatura, com maior prevalência para o sexo masculino e idade média acima de 50 anos. A idade avançada esteve relacionada a maior índice de mortalidade. Quanto ao quadro clínico e a indicação cirúrgica, a insuficiência cardíaca congestiva e angina de peito predominaram e a maioria dos pacientes estava em classe funcional III. Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 5), 2000 Bayerl e cols Stents coronarianos em diabéticos A parede anterior e as artérias que a irrigam estiveram acometidas em grande parte dos pacientes 85 (90,4%). A evolução imediata revelou mortalidade de 7,4%, sendo o baixo débito cardíaco a principal causa. A saída de circulação extracorpórea foi feita sem dificuldade em 73 (77,6%) pacientes, com 3,2% de mortalidade. Foi difícil, com necessidade de suporte inotrópico em 20 (21,3%), e um (1%) não saiu de circulação extracorpórea com mortalidade de 19%. Nos pacientes operados em classe funcional III, a mortalidade foi de 7%,em classe funcional IV 18,2% e nos pacientes operados na classe funcional I e II não houve mortalidade (tab. II). Discussão As técnicas invasivas no manuseio do infarto agudo do miocárdio (terapia trombolítica, angioplastia coronária e cirurgia) podem evitar ou reduzir a extensão da lesão miocárdica e a formação do aneurisma do ventrículo esquerdo. Porém, quando o paciente apresenta esta complicação e se mantém sintomático, o tratamento cirúrgico apresenta resultados melhores que o tratamento clínico, quanto ao alívio dos sintomas, melhora da qualidade de vida e sobrevida 5-13. A demora no diagnóstico e na intervenção cirúrgica reduz as chances de sobrevida e aumenta os riscos de complicações tardias 5. Sendo os aneurismas ventriculares complicações do infarto do miocárdio, com repercussão clínica importante, muitas técnicas foram propostas 14 para sua correção cirúrgica (plicatura, excisão e sutura, imbricação e interposição de patch). O tratamento cirúrgico do aneurisma do ventrículo esquerdo foi iniciado em 1944 quando Beck colocou sobre a fibrose um retalho de fascia lata, com a finalidade de reduzir a expansibilidade sistólica e prevenir a rotura. Likoff e Bailey 15, em 1955, realizaram uma ventriculoplastia fechada, usando um instrumento cirúrgico construído com esta finalidade. Alguns anos mais tarde, Bailey publicou seis casos com cinco sobreviventes tratados por esse método. Porém só em 1958, Cooley e cols. 16 realizaram a primeira ressecção de aneurisma pós-infarto do ventrículo esquerdo, usando circulação extracorpórea. Desde então, várias técnicas de correção foram propostas, com resultados conflitantes e variáveis, e mortalidade elevada em alguns estudos. Os aneurismas de colo largo continuavam com solução difícil, quando Jatene 7, em 1985, apresentou a técnica de reconstrução geométrica do ventrículo esquerdo, eliminan- Tabela II – Mortalidade de acordo com a classe funcional (CF) segundo a NYHA CF NYHA Nº Mortalidade Nº % I II III IV 3 9 71 11 0 0 5 2 0 0 7,04% 18,18% do fatores desfavoráveis à correção, como a não redução importante do volume ventricular, a supressão da área discinética septal e a manutenção da conformação elíptica ventricular. A eficácia deste tipo de reconstrução incentivou modelos semelhantes, usando-se próteses rígidas ou semi-rígidas para restaurar a geometria, principalmente quando o aneurisma ventricular constituía-se em indicação cirúrgica. Branco e cols. 17, em 1982, descreveram uma prótese de teflon e dácron com abas largas que apresentava forma rígida. Talvez a uma rigidez e o uso de grandes diâmetros, com o conceito de simplesmente fechar o aneurisma sem reduzirlhe o colo, tenham sido a causa da descontinuidade de seu uso. Braile e cols. 18, em 1991, apresentaram modelo semelhante de prótese constituída de material biológico (pericárdio bovino) preservado em glutaraldeído, montada sobre anel semi-rígido, permitindo a manutenção do volume diastólico e a ausência de distorção na sístole, com bons resultados clínicos. Recentemente Cooley e cols. 16,19 apresentaram a técnica de endoaneurismorrafia utilizando retalho de pericárdio bovino. Desde os primórdios da cirurgia cardíaca até os dias atuais, o tratamento cirúrgico do aneurisma do ventrículo esquerdo tem apresentado mortalidade elevada na maioria das casuísticas encontradas na literatura, variando de 2% a 19% (média de 9,9%) 9,15,20-33. Muitos fatores de risco foram identificados e associados à mortalidade elevada, porém a técnica usada na correção do aneurisma é certamente um fator importante no resultado cirúrgico imediato, associado ao estado pré-operatório do paciente. O resultado da correção depende de boa função cardíaca no período pré-operatório e está associada a reconstrução correta da cavidade ventricular esquerda 34,35. Neste sentido a técnica de Jatene 7, utilizada na maior parte dos doentes desta série, é adequada por permitir avaliar com precisão a extensão da lesão muscular e a massa muscular a ser ressecada, corrigir as distensões e discinesias septais, evitar suturas longas e lineares que deformam o coração e elimina, na maior parte dos casos, o uso de remendo para o fechamento da ventriculotomia. Resultado semelhante obtivemos com a prótese semi-rígida de Braile, que também elimina suturas lineares e, conseqüentemente, grandes deformidades ventriculares. Em estudo experimental de Nicolosi e cols. 36 pouca diferença hemodinâmica foi verificada entre a correção linear longa e o uso do remendo. A mortalidade hospitalar global da presente série foi de 7,4%, pouco abaixo da média encontrada na literatura (9,9%) e acima dos primeiros resultados apresentados por Jatene (4,3%) 7. As causas cardíacas estiveram relacionadas, direta ou indiretamente, a 85% dos óbitos, e o baixo débito cardíaco, por falência aguda do miocárdio, foi a principal causa, fato observado por outros autores 3,24,37. Vários autores 11,14,37,38 identificaram como fatores de risco a extensão da doença coronariana com lesão em três ou mais artérias, a extensão do infarto prévio refletido no 399 Silveira e cols Evolução imediata de pacientes submetidos a aneurismectomia estado clínico do paciente com classe funcional IV, presença de sintomas de insuficiência cardíaca congestiva importante com ou sem angina, função miocárdica severamente diminuída (fração de ejeção <0,30 e Pdf ventrículo esquerdo >25) e idade acima de 65 anos. Esses fatores de risco, isolados ou associados, estiveram presentes em todos pacientes que faleceram. Entre outros fatores de risco destacados freqüentemente, a taquiarritmia e a arritmia ventricular 21,39 estiveram presentes em apenas um paciente operado que faleceu no Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 5), 2000 2º dia de pós-operatório, porém associadas a outros fatores de risco como idade e insuficiência mitral aguda pós infarto do miocárdio. O remendo de pericárdio bovino foi usado apenas em um paciente no início da experiência e está relacionado a maior mortalidade em outros trabalhos 9,34. O estudo completo e o pré-operatório adequado dos pacientes, o esforço para afastar as causas que aumentam o risco operatório sempre que possível e a condução cuidadosa do período pós-operatório contribuem para a melhora dos resultados. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. Abrams DL, Edelist A, Luria MH, Miller AJ. Ventricular aneurysm: a reappraisal based on a study of sixty-five consecutive autopsied cases. Circulation 1963; 27: 164-9. 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