Múltiplos Aneurismas Coronarianos em Paciente com Síndrome

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Rev Bras Cardiol. 2012;25(5):406-409
setembro/outubro
Relato
de Caso
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Caffaro et al.
Múltiplos Aneurismas Coronarianos e Síndrome Coronariana Aguda
Relato de Caso
Múltiplos Aneurismas Coronarianos em Paciente com Síndrome Coronariana Aguda
Multiple Coronary Artery Aneurysms in a Patient with Acute Coronary Syndrome
Caroline de Faria Campos Caffaro1, Felipe Montes Pena2, Jamil da Silva Soares3, Carlos Augusto Cardozo de Faria4
Resumo
Abstract
Paciente do sexo masculino, 49 anos, foi admitido no
Serviço de Emergência com quadro de taquicardia
ventricular após síndrome coronariana aguda. A
estratificação não invasiva foi realizada, inicialmente,
com ecocardiograma transtorácico que evidenciou
aneurisma ventricular esquerdo e disfunção sistólica
moderada. Na análise segmentar observou-se acinesia
anteroapical. Evidenciou-se ainda regurgitação mitral
moderada e regurgitação aórtica leve. O paciente foi
submetido, a seguir, à cineangiocoronariografia que
evidenciou oclusão de artéria descendente anterior,
aneurisma em coronária direita, circunflexa, diagonal e
trombo organizado em ponta de ventrículo esquerdo.
Decidiu-se pelo tratamento clínico.
Male patient, 49 years, was admitted to the ER with signs
of ventricular tachycardia after acute coronary syndrome.
Non-invasive stratification performed initially with a
transthoracic echocardiogram showed a left ventricular
aneurysm and moderate systolic dysfunction. The
segment analysis showed anteroapical akinesis, as well
as moderate mitral regurgitation and mild aortic
regurgitation. The patient then underwent coronary
angiography that indicated occlusion of the anterior
descending artery, aneurysm in the right coronary artery,
circumflex, diagonal, and organized thrombus in the left
ventricle. Clinical treatment was selected.
Palavras-chave: Síndrome coronariana aguda;
Taquicardia ventricular; Aneurisma coronário;
Ecocardiografia
Keywords: Acute coronary syndrome; Tachycardia
ventricular; Coronary aneurism; Echocardiography
Introdução
Este artigo relata o caso de um paciente que deu
entrada em unidade de emergência com quadro de
arritmia ventricular complexa com posterior
identificação de múltiplos aneurismas coronarianos,
achado pouco usual.
Os aneurismas de artéria coronária (AAC) são uma
anomalia rara, adquirida ou congênita, por doença de
Kawasaki ou aterosclerose. A localização mais comum
é a artéria coronária direita, e é mais prevalente no
sexo masculino1,2. Desde o primeiro relato dos AAC3,
muitos investigadores têm descrito sua ocorrência em
diferentes artérias coronárias com diversas associações.
A associação entre o AAC e eventos cardiovasculares
é pouco descrita4.
Relato do caso
Paciente do sexo masculino, 49 anos, branco, agricultor,
natural de Campos dos Goytacazes procurou
atendimento em Serviço de Emergência com queixa
de precordialgia típica de caráter opressivo, irradiada
Curso de Especialização em Cardiologia - Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói, RJ - Brasil
Hospital Escola Álvaro Alvim - Campos dos Goytacazes, RJ - Brasil
3
Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Hospital Escola Álvaro Alvim - Campos dos Goytacazes, RJ - Brasil
4
Departamento de Medicina Clínica - Faculdade de Medicina - Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ - Brasil
1
2
Correspondência: Felipe Montes Pena
E-mail: [email protected]; [email protected]
Rua Mariz e Barros, 71 ap 601 - Icaraí - 24220-120 - Niterói, RJ - Brasil
Recebido em: 01/04/2012 | Aceito em: 04/07/2012
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para membro superior esquerdo, acompanhada de
tontura, sudorese fria e síncope. Na sua história prévia
referiu hipertensão arterial sistêmica há 18 anos,
fazendo uso irregular de medicamentos e episódio de
infarto agudo do miocárdio há nove anos. Referiu,
também, carga tabágica de 15 cigarros/dia e etilismo
de longa data. Ao exame físico apresentou-se sem
anormalidades, à exceção da frequência cardíaca de
300bpm.
O eletrocardiograma realizado à admissão demonstrou
taquicardia ventricular monomórfica sustentada.
(Figura 1). Foram solicitados exames complementares:
hemograma, avaliação da função renal, dosagem de
marcadores de necrose miocárdica e telerradiografia
do tórax, com anormalidade apenas na dosagem de
troponina. Realizada sedação venosa com midazolam
e posterior cardioversão elétrica com 200J, evoluindo
sem intercorrências e reversão da arritmia com
sucesso. O paciente se manteve estável
hemodinamicamente e sem queixas álgicas. Diante do
quadro apresentado e dos níveis de troponina de 2,0u/
ml, confirmou-se diagnóstico de infarto agudo do
miocárdio sem supradesnivelamento de ST.
No dia seguinte, optou-se pela transferência para
hospital, referência em doenças cardiovasculares. O
paciente foi então submetido a ecocardiograma
transtorácico, e apresentou ventrículo esquerdo (VE)
com imagem compatível com aneurisma apical,
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disfunção sistólica moderada, acinesia anteroapical,
insuficiência mitral moderada e regurgitação aórtica
leve. Posteriormente foram realizadas
cineangiocoronariografia e ventriculografia,
evidenciando: 1) oclusão de artéria descendente
anterior; 2) aneurisma em artérias coronária direita,
circunflexa e diagonal; 3) aneurisma apical em VE com
trombo intracavitário organizado (Figuras 2 e 3).
Figura 2
Pequeno aneurisma de artéria coronária circunflexa sem
comprometimento do lúmen.
Após a investigação realizada, iniciada terapêutica
medicamentosa com betabloqueadores, inibidores da
enzima conversora de angiotensina, estatinas,
Figura 1
Eletrocardiograma do paciente relatado, demonstrando taquicardia ventricular.
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clopidogrel e anticoagulação oral com cumarínicos,
devido ao trombo em aneurisma de VE, optando-se
assim pelo tratamento clínico.
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que 1,5 vezes o tamanho normal. A fisiopatologia dos
AAC é semelhante a dos aneurismas de grandes vasos,
em que há acometimento das três camadas da parede
vascular, resultando em aumento do estresse parietal
e dilatação subsequente. Estima-se que 50% dos
aneurismas coronarianos sejam secundários à
aterosclerose8.
A justificativa para o tratamento de aneurismas
coronarianos é baseada no conjunto de complicações
associadas a essas lesões. Estas geralmente incluem
angina, infarto do miocárdio e morte súbita. Outros
eventos adversos incluem trombose, tromboembolismo,
formação de fístulas arteriovenosas, vasoespasmo e
ruptura9,10.
Figura 3
Coronária direita isenta de lesões ateroscleróticas, mas com
formação aneurismática.
Discussão
Os aneurismas ventriculares são decorrentes da
expansão da área isquêmica e dilatação juntamente
com fibrose e comprometimento da contratilidade do
miocárdio, que ocorre em decorrência do infarto agudo
do miocárdio em 10% a 35% dos pacientes 5. As
principais consequências de um grande aneurisma são
falência ventricular esquerda, sintomas de congestão
pulmonar, tolerância ao exercício reduzida devido ao
baixo débito cardíaco e arritmias ventriculares.
Pacientes assintomáticos, com pressão diastólica final
do ventrículo esquerdo normal e sem doença
coronariana significativa, trombo ou arritmias
malignas devem ser tratados clinicamente, porque eles
têm uma taxa de sobrevida de 90% em 10 anos6. A
indicação cirúrgica por aneurismectomia pode ser
realizada quando a sintomatologia de baixo débito ou
arritmias malignas estiverem presentes e não
controladas clinicamente, estando contraindicada
quando a fração de ejeção <30%, houver falência do
ventrículo direito, hipertensão pulmonar, insuficiência
mitral de grau moderado a grave ou doença arterial
coronariana difusa não passíveis de revascularização7.
Essa estratégia não foi necessária no presente caso por
não ocorrerem sintomas de insuficiência cardíaca e a
arritmia ser bem controlada clinicamente.
Quanto aos AAC, muitas vezes referidos como
ectasias, são definidos como uma dilatação do
diâmetro de um segmento da artéria coronária maior
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A evolução dos pacientes portadores de AAC é
extremamente variável. Ainda que a maioria
permaneça assintomática, ocasionalmente há a
presença dos eventos descritos acima.
No paciente relatado, o evento de infarto agudo do
miocárdio que levou à formação de aneurisma
ventricular com trombo já organizado é anterior ao
evento agudo desta internação, e foi decorrente da
oclusão da coronária descendente anterior que
possivelmente, portadora de ACC, apresentou
evolução adversa de trombose com as consequências
descritas.
O manejo ideal do AAC ainda não está bem
estabelecido. É recomendado que os pacientes tenham
tratamento individualizado, de acordo com a
localização e o contexto clínico. No presente caso,
optou-se pelo tratamento clínico tanto dos ACC
quanto do aneurisma ventricular esquerdo. Deve ser
levado em consideração a alta característica trombótica
das duas situações aneurismáticas presentes neste
paciente, e o alto risco de novos eventos, sendo o tipo
de paciente no qual a indicação dos novos antiadesivos
plaquetários disponíveis no mercado podem fazer a
diferença na sobrevida livre de eventos.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo representa parte do Trabalho de Conclusão do
Curso (TCC) de Especialização em Cardiologia de Caroline
de Faria Campos Caffaro, pela Universidade Federal
Fluminense (UFF).
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