245 APENDICITE AGUDA Profa. Dra. Josimeire Batista Mehl A apendicite aguda é a causa mais freqüente de dor abdominal intensa que acomete os jovens. É rara antes dos dois anos de idade, e pouco freqüente acima dos sessenta anos. Seu tratamento, eminentemente cirúrgico, remonta ao século XVI e tem evoluído através dos tempos até a era atual das operações videolaparoscópicas. Inicialmente, pequeno exsudato neutrofílico pode ser observado ao longo das camadas da parede apendicular, os vasos subserosos estão congestos e a serosa, normalmente brilhante, assume um aspecto opaco, granuloso e avermelhado, identificado pelo cirurgião como apendicite aguda inicial ou catarral. Posteriormente, há aumento desse exsudato na camada muscular e depósito de placas fibrinopurulentas sobre a mucosa, ao que se segue a formação de abscessos na parede e ulcerações com focos de necrose supurativa na mucosa. Nesta etapa, a serosa recobre-se por exsudato fibrinopurulento e o processo é denominado apendicite aguda supurativa ou flegmonosa. Segue-se a esta última a apendicite gangrenosa que se caracteriza por extensas áreas de ulceração hemorrágica da mucosa e sua coloração esverdeada, além da coloração vinhosa de toda a parede, incluindo a serosa. A partir do estado descrito acima, dá-se a ruptura do apêndice cecal, o que pode ocasionar graves complicações locais ou até mesmo sistêmicas. Pode ocorrer abscesso localizado ou peritonite difusa. ANATOMIA PATOLÓGICA Apendicite aguda inicial (Grau 1): Congestão e edema de parede apendicular, aspecto opaco e granuloso; Apendicite aguda supurativa/flegmonosa (Grau 2): Depósito de fibrina sobre a mucosa, presença de exsudato, abscessos e úlceras; Apendicite aguda gangrenosa (Grau 3): Extensas áreas de ulceração hemorrágica em mucosa, pode haver ruptura do apêndice originando abscesso localizado ou peritonite difusa. 246 PREVALÊNCIA E INCIDÊNCIA A apendicite aguda é uma condição incomum nos extremos etários, com a incidência mais elevada na segunda e terceira década de vida. Acredita-se que cerca de 7% das pessoas nos países Ocidentais têm apendicite em algum momento de suas vidas. A incidência nos EUA vem caindo continuamente nos últimos 25 anos. Nos países em desenvolvimento, contudo, observa-se que a incidência vem crescendo em proporção aos ganhos econômicos e às mudanças no estilo de vida. ETIOLOGIA/FISIOPATOLOGIA Embora não seja demonstrável em todos os casos, a obstrução da luz do apêndice por um fecalito é o evento iniciador mais comum. Causas menos comuns incluem as neoplasias (tumores carcinóides, adenocarcinoma, sarcoma de Kaposi) e infecções (Enterobius vermicularis, citomegalovírus -CMV). Quando há obstrução do apêndice o muco normalmente secretado fica impactado, provocando distensão e trombose. O aporte sanguíneo é comprometido favorecendo a invasão bacteriana; a gangrena e a perfuração podem ocorre em aproximadamente 24 horas. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA APENDICITE AGUDA: APENDICITE CLÁSSICA: Início com dor abdominal difusa em cólica, mais localizada no mesogástrio (periumbilical), geralmente com vômitos e anorexia, que posteriormente tende a se localizar na fossa ilíaca direita. Pode ser acompanhada de alteração do hábito intestinal, a manifestação ocorre em pouco mais de 50% dos pacientes. APENDICITE PÉLVICA: A dor tende a se localizar no hipogástrio, sendo em alguns casos, acompanhada de tenesmo e sintomatologia urinária baixa (disúria e polaciúria), o que pode levar a um falso diagnóstico de patologia urinária baixa, com conseqüente tratamento inadequado e retardo na resolução da apendicite. toque retal se impõe nestes casos. O 247 APENDICITE RETROCECAL: A dor está presente no flanco direito e na região posterior do abdome, freqüentemente confundida com pielonefrite aguda, uma vez que a punho percussão positiva (Sinal de Giordano positivo), leucocitúria e hematúria costumam estar presentes. A dor à flexão ativa da coxa direita é característica. APENDICITE SUB-HEPÁTICA: Mais rara, podendo ser confundida com colecistite aguda. Sua evolução nos casos não diagnosticados pode levar a um abscesso sub-hepático ou sub-frênico. APENDICITE HIPERPLÁSTICA: Dor em fossa ilíaca direita, geralmente há mais de 5 dias, com bom estado geral e febre baixa, associada à massa palpável fixa, pouco dolorosa e sem descompressão abrupta. É a única forma de apendicite para a qual não se indica apendicectomia tão logo termine o preparo pré-operatório, podendo-se instituir antibioticoterapia e operar-se eletivamente. DIAGNÓSTICO EXAME FÍSICO O bom estado geral é a regra; no entanto, sepse e todos os seus comemorativos podem ser encontrados nos casos avançados que cursam com ruptura apendicular e peritonite. A palpação abdominal pode ser inconclusiva, mormente nos casos de posição retrocecal do apêndice e pélvica, ou pode revelar plastrão na fossa ilíaca direita. Podemos pesquisar alguns sinais que nos orientarão o diagnóstico: Sinal de Blumberg: dor na compressão seguida de súbita descompressão, na fossa ilíaca direita. Sinal de Rovsing: a manifestação dolorosa é verificada à compressão do hipocôndrio ou do flanco esquerdos, deslocando os gases em direção ao ceco. Sinal de Lennander: diferencial de temperaturas axilar e retal maior que 1º C. Os toques retal e vaginal são de grande auxílio nos casos de diagnóstico difícil e na exclusão de processos inflamatórios ginecológicos. EXAMES SUBSIDIÁRIOS 248 O diagnóstico de apendicite aguda é eminentemente clínico, porém dois exames básicos podem auxiliar: hemograma e urina tipo I. Com estes dois exames, confirma-se a origem infecciosa da dor abdominal (leucocitose) e afastam-se as alterações urinárias. Esses exames acompanhados de minuciosa pesquisa clínica permitem adequado diagnóstico na imensa maioria dos casos. Lembre-se de que o sedimento urinário alterado não afasta, de maneira absoluta, a apendicite aguda. Há outros exames que, com menor freqüência, auxiliam no diagnóstico. O exame radiológico simples pode mostrar a presença de um fecalito ou a distribuição anômala das alças do intestino delgado, quando estas se acumulam, devido ao processo inflamatório, no quadrante inferior direito do abdome. O exame ultra-sonográfico pode ajudar a firmar o diagnóstico ao observar líquido livre na cavidade abdominal ou até mesmo observar o próprio apêndice cecal espessado. O ultra-som normal, entretanto, não exclui por completo a hipótese de apendicite aguda. CONDUTA DO SERVIÇO O tratamento da apendicite aguda é cirúrgico e consiste na apendicectomia, na drenagem de eventuais abscessos e na limpeza da cavidade abdominal. A cirurgia deve ser indicada assim que o diagnóstico for feito. O paciente deve permanecer em jejum e receber, ainda no pré-operatório, hidratação, eletrólitos, antibióticos e glicose por venóclise. O adiamento do procedimento cirúrgico só deve ser feito se, estando o paciente séptico e em mau estado geral, ficar evidente que o mesmo terá menor risco cirúrgico após expansão volêmica e algumas horas de cuidados clínicos. Vários acessos para a execução da apendicectomia são utilizados atualmente, havendo prós e contras em cada um deles, devendo a escolha do acesso ser realizada caso a caso, levando em conta principalmente o biotipo do paciente, a fase de evolução da doença e também os recursos materiais e tecnológicos disponíveis. O acesso videolaparoscópico exige equipamento específico e pessoal treinado. O clássico acesso de McBurney consiste numa incisão oblíqua, na fossa ilíaca direita, em geral de 3 cm a 8 cm, executada na junção do terço médio com o 249 terço caudal de uma reta imaginária que une a cicatriz umbilical à espinha ilíaca antero-superior. Em casos suspeitos de graus avançados de apendicite, necrose extensa ou peritonite, deve-se optar por acesso longitudinal (incisão mediana infraumbilical) para adequado tratamento do processo infeccioso. A videolaparoscopia apresenta algumas vantagens sobre os métodos clássicos. Através da laparoscopia, é possível a observação de toda a cavidade abdominal, investigando outros diagnósticos e até mesmo promovendo a terapêutica destes. Pode-se aspirar secreções de toda a cavidade, sob visão direta. Quando o apêndice se apresenta em posição atípica, isso freqüentemente cria dificuldades para quem opera utilizando a incisão de McBurney. A videolaparoscopia permite a retirada do apêndice sob visão direta, mesmo que ele esteja localizado no hilo hepático ou no fundo de saco de Douglas. O apêndice infectado é retirado na videolaparoscopia dentro de embalagens plásticas especiais que impedem o contato com a reduzida incisão cirúrgica e diminuindo, em muito, a chance da infecção de ferida cirúrgica, deiscências de parede e hérnias incisionais. Porém, há que se considerar a disponibilidade e o custo do método. Não havendo abscessos de grandes proporções e tendo sendo possível uma boa limpeza, por qualquer acesso, pode-se dispensar a drenagem da cavidade abdominal. No entanto, a drenagem está sempre indicada para os abscessos localizados. ANTIBIÓTICOS: O uso de antibióticos deve ser profilático nas fases iniciais de apendicite empregando-se uma cefalosporina de primeira geração. Quando houver gangrena, abscessos e peritonite torna-se aminoglicosídeo e metronidazol à cefalosporina. terapêutico associando-se 250 RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA Avaliação inicial Sinais clínicos sugestivos Afastar diagnósticos diferenciais Confirmação do diagnóstico Sim Não Solicitar: Hemograma Urina I Raio-X 3 posições Reavaliar Cirurgia USG abdome total REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Andersson RE, et al. Repeated clinical and laboratory examinations in patients with an equivocal diagnosis of appendicitis. World J Surg 2000; 24: 479 2. Long KH, et al. A prospective randomized comparison of laparoscopic appendectomy with open appendectomy: clinical and economic analyses. Surgery 2001; 129: 390 3. Blomqvist PG, et al. Mortality after appendectomy in Sweden, 1987-1996. Ann Surg 2001; 233: 455 4. Carr NJ, et al. The pathology of acute appendicitis. Ann Diagn Pathol 2000; 4: 46