Pesquisa exploratória sobre a transferência de responsabilidade pelo paciente Exploratory research on patient-related transition: a social network analysis perspective Pesquisa exploratória sobre a transferência de responsabilidade pelo paciente Exploratory research on patient-related transition: a social network analysis perspective Antonio Sergio da Silva1 Aline Bento Ambrósio Avelar2 Milton Carlos Farina3 Resumo A mobilização de profissionais de saúde (atores), com diferentes competências, para a realização de transferências de responsabilidade pelos pacientes (TRP) entre setores do hospital, quando inadequada, oferece riscos para a saúde do paciente. A análise de redes sociais descreve a posição de um ator a partir de sua proximidade em relação ao centro de ação da rede, sob três perspectivas: a) centralidade de grau (degree), b) centralidade de intermediação (betweenness) e c) centralidade de proximidade (closeness). Esta pesquisa identifica os atores com maior centralidade na troca de informações durante uma TRP, em cinco hospitais privados, na cidade de São Paulo. Um questionário foi aplicado para os atores, identificados pelo método de snowball, durante 21 TRP escolhidas por conveniência. Os enfermeiros detiveram as maiores medidas de centralidade. Assim, especula-se sobre a importância desses profissionais na intermediação da troca de informações, dado que apresentou maior visibilidade e melhor acesso às informações durante as TRP. Palavras-chave: Análise de Redes Sociais. Profissionais de Saúde. Transferência da Responsabilidade pelo Paciente. Medidas de Centralidade. Método de Snowball. Abstract The mobilization of health professionals (actors) with different skills in the transfer of the responsibility of patients (TRP) between hospital sectors, when executed improperly, offers risks to the health of the patient. The social network analysis describes the actor’s position from its proximity to the center of action in the network from three perspectives: a) degree, b) betweenness and c) closeness. This research is aimed to identify those actors with the greatest centrality in the exchange of information during a handoff in five private hospitals in the city of São Paulo. A questionnaire was applied to the actors, identified as Snowball Method, from 21 handoffs chosen for convenience. As nurses detained the largest centrality measures, the importance of these professionals in brokering the exchange of information has been speculated, since they presented the greatest visibility and the best access to information during the TRP. Keywords: Social Networking Analysis. Health Care Professional. Handoff. Centrality Measures. Snowball Method. Mestre em Administração pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Médico Especialista em medicina intensiva com habilitação em pediatria. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Administração pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). E-mail: [email protected]. 3 Professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). E-mail: [email protected]. 1 Rev. FAE, Cu r it iba, v. 18, n. 1, p. 70 - 85, jan./jun. 2015 71 Introdução Os hospitais apresentam alto grau de envolvimento dos profissionais de saúde durante a transferência da responsabilidade pelo paciente (TRP) (BENHAM-HUTCHINS; EFFKEN, 2010). Por exemplo, a movimentação do paciente de uma unidade de emergência para uma unidade de terapia intensiva (UTI) ou de uma UTI para o centro cirúrgico. Durante essa movimentação, os profissionais de saúde transferem entre si a responsabilidade pela continuidade do tratamento do paciente. As TRP estão entre as causas mais comuns de erros relacionados aos pacientes nos hospitais (WACHTER, 2012). A Joint Commission International (2012) estima que a troca de informações sobre pacientes ou a transferência de pacientes entre setores de um hospital respondam por 80% dos eventos adversos graves que poderiam ser evitados. A mobilização de profissionais de saúde, com diversas competências, para a realização de transferências de pacientes entre setores do hospital, está entre as atividades que ocorrem no dia a dia dos hospitais. Durante essa ação, a perda ou a falta de uma informação significa uma mobilização inadequada de recursos e de pessoal, além de oferecer riscos para a saúde do paciente. Forster et al. (2003), por exemplo, relataram que cerca de 12% dos pacientes foram vítimas de eventos adversos que poderiam ser evitados após a alta hospitalar, sendo a maioria desses eventos associados a erros de medicações. O envolvimento dos atores (por exemplo, profissionais da área da saúde) durante as TRP pode ser investigado por meio da análise de rede social (ARS) (BORGATTI; FOSTER, 2003). A característica fundamental da pesquisa em ARS é o estudo das relações entre os atores: quem se conecta com quem e o que representa o aspecto essencial para a explicação dos padrões de comportamento. Aplicações com ARS têm despertado interesses na comunidade de pesquisadores das ciências sociais aplicadas nos últimos 70 anos (VALENTE, 2010). Na área de saúde pública, por exemplo, a ARS é aplicada para estudar a epidemiologia de doenças (PÉRISSÉ; NERY, 2007). Os avanços nas ciências da computação e na tecnologia da comunicação trouxeram grandes avanços para esta área. 72 Para fins desta pesquisa, uma rede social representa um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados. A análise de redes sociais estabelece um paradigma para estudar como os comportamentos, as atitudes ou as crenças e opiniões das pessoas se tornam dependentes das estruturas sociais nas quais elas estão inseridas, e não dos atributos das pessoas, tais como idade, gênero, classe social etc. (MARTELETO, 2001). Para a TRP apreende-se uma estrutura concreta com uma rede de relações e de limitações, entre profissionais da saúde, que direciona escolhas, orientações, atitudes, comportamentos e crenças sobre uma continuidade de cuidados sobre o paciente, seja para ratificação ou para retificação de seu diagnóstico e/ou seu plano terapêutico. Há diversas medidas para determinar quais atores ocupam o centro de uma rede social. A posição estrutural de um ator numa rede social influencia sua forma, seu conteúdo e sua função (MARTELETO, 2001). As três medidas mais comuns que abordam a posição de um ator em uma rede social, e que podem avaliar a troca de informações entre si, como por exemplo em uma TRP, são as A troca de informações sobre pacientes ou a transferência de pacientes entre setores de um hospital respondem por 80% dos eventos adversos graves que poderiam ser evitados. A realização de uma TRP [...] tem sido identificada como vulnerável e sujeita a déficit na qualidade da transferência de informação. medidas desenvolvidas por Freeman: degree, betweenness e closeness (VALENTE, 2010). A centralidade pode ser entendida como uma propriedade dos atores inseridos em uma rede social (WASSERMAN; FAUST, 1994). A centralidade é a posição de um indivíduo em relação aos outros. Mensurar a centralidade de um ator significa identificar a posição em que ele encontra-se em relação às trocas e à comunicação na rede social. Quanto mais central for um ator, melhor sua posição em relação às trocas e à comunicação, o que lhe traz maior poder na rede (MARTELETO, 2001). Boyer et al. (2010) utilizaram medidas de centralidade para identificar os atores com maior centralidade na rede de um hospital público francês, a fim de melhorar a qualidade dos serviços de saúde, fortalecendo a gestão de serviços de saúde. Neste trabalho, os médicos foram os atores mais centrais da rede. O artigo mostra como a ARS pode fornecer meios inovadores e úteis para entender a troca de informações e a colaboração entre os profissionais de um hospital. Esta pesquisa buscou responder a questão sobre qual ator melhor se posiciona durante uma TRP. Dito de outro modo, que ator apresenta maior visibilidade e maior prestígio (degree), tem acesso mais rápido às informações (closeness) e maior influência na troca destas informações (betweenness) durante uma TRP? A justificativa para a realização deste estudo decorre do fato de que a maioria dos erros nos serviços da saúde têm origem nas falhas da Rev. FA E , Curitiba, comunicação (WACHTER, 2012). Cabe ressaltar que este estudo se limita a caracterizar a troca de informações, sob a perspectiva da ARS, durante a TRP. A identificação dos atores com maior centralidade na TRP pode contribuir para elaborar estratégias que interfiram sobre a ocorrência dos erros decorrentes das falhas de comunicação. Os atores desta pesquisa foram descritos em função de seus papéis categóricos (por exemplo, mdc_UTI = médico da unidade de terapia intensiva; enf_PSC = enfermeiro do pronto socorro). A troca de atores durante os diferentes turnos de trabalho nos hospitais é frequente, mas o papel categórico dos atores que ocupam essas posições permanece o mesmo, além de estar vinculado a determinado departamento do hospital. Esta pesquisa está estruturada, além dessa seção de introdução, em uma seção sobre a revisão da literatura, uma sessão para descrição dos procedimentos metodológicos, uma seção sobre análise dos resultados e uma seção final sobre as considerações finais da pesquisa. 1 Revisão da Literatura Sob condições ideais, um paciente deveria estabelecer-se em um único local para receber a atenção de um mesmo grupo de profissionais de saúde até que sua saúde seja recuperada e/ ou melhorada. Entretanto, os profissionais de saúde exercem suas atividades em turnos de trabalho e, em algum momento, transferem a responsabilidade dos cuidados pelo paciente entre si. Assim, a transferência da responsabilidade e de cuidados clínicos entre os profissionais de saúde são eventos comuns (WACHTER, 2012). A realização de uma TRP implica na transferência da responsabilidade dos cuidados do paciente entre os profissionais de saúde. Tal atividade hospitalar tem sido identificada como vulnerável e sujeita a déficit na qualidade da transferência de informação. Os profissionais que recebem os pacientes necessitam de informações v. 18, n. 1, p. 70 - 85, jan./jun. 2015 73 exatas e oportunas para tomar decisões e prestar As relações influenciam o comportamento de cuidados sem falhas. Isso requer o livre fluxo de uma pessoa acima e além de suas características informações entre todos os profissionais envolvidos pessoais (VALENTE, 2010). Tais características na TRP (BENHAM-HUTCHINS; EFFKEN, 2010). (sexo, idade, formação educacional, etnicidade Ainda sob condições ideais, um profissional de saúde deveria acompanhar seu paciente (cliente) durante todo seu itinerário terapêutico (consultório, pronto socorro, laboratórios, clínica médica, centro cirúrgico etc). Entretanto, os pacientes nestas duas primeiras décadas do século XXI clamam pela opinião de diversas especialidades. Todos os atores envolvidos nesse itinerário criam transições e carecem da transferência de informações com acurácia. Desse modo, torna-se crítico para a TRP o modo como a informação flui entre os atores e entre os setores dos hospitais (WACHTER, 2012). Há pressões internacionais para implemen­ tação de uma abordagem padrão para a e o modo como se relacionam, ou seja, como exercem sobre outrem ou sobre certos fatos a formação de suas redes sociais (VALENTE, 2010). Sob esta perspectiva, a ARS pode fornecer meios úteis para analisar as interações entre os profissionais, de diferentes categorias, durante o cuidado dispensado aos pacientes. A ARS se torna particularmente interessante para compreender as trocas de informações, uma vez que fornece dados sobre o número de contatos e o fluxo de informação durante a TRP (BENHAM-HUTCHINS; EFFKEN, 2010). Não obstante, as características de uma pessoa são fatores importantes e podem, pelo menos em parte, determinar a sua rede social. A comunicação durante a TRP. Há diversos estudos ARS direciona seu foco para os tipos de relações na literatura cujo foco se direciona para a que as pessoas têm entre si. As redes sociais, em compreensão desse fenômeno, seja do ponto de geral, são caracterizadas por quem conhece quem vista estrutural, seja do ponto de vista das relações ou quem se comunica com quem dentro de uma entre os atores (WACHTER, 2012). comunidade, de uma organização ou de um outro Como o ambiente de cuidados de saúde grupo social qualquer (VALENTE, 2010). tornou-se mais complexo, a partilha de informações Um ator pode ser descrito, em uma rede clínicas do paciente entre vários provedores tornou- social, em relação às restrições ou oportunidades -se (BENHAM-HUTCHINS; que lhes são impostas. Um ator pode ter uma posição EFFKEN, 2010). O ambiente hospitalar, nesta estrutural mais favorável, mais oportunidades e segunda década do século XXI, é caracterizado poucas restrições. Dessa forma, um ator pode ter pela prestação de cuidados complexos através maior influência, conseguir melhores informações de pessoas que fazem intervenções pontuais ou ser o ponto de referência e atenção para outros (WACHTER, 2012) e que podem ou não influenciar atores em posições menos favoráveis e vice-versa as atitudes de outras pessoas (VALENTE, 2010). (HANNEMAN; RIDDLE, 2005). mais problemática Essa situação é repleta de oportunidades para as falhas de comunicação e pode levar ao aumento de erros médicos (JOINT COMMISSION INTERNATIONAL, 2012). 74 etc.) influenciam quem as pessoas conhecem Há posições específicas em uma rede social cuja maioria das pessoas direciona seu olhar para identificar quem se encontra no centro da rede social (VALENTE, 2010). A centralidade de um A ARS se interessa pela compreensão das ator permite entender seu posicionamento na relações entre os atores, isto é, pelas relações rede, de modo que se torna possível identificar entre os papéis categóricos que estes exercem. os atores detentores de maior poder, o que lhes confere tratamento diferencial e capacidades TRP, quanto maior a medida de closeness, maior a de conseguirem melhores resultados. O inverso rapidez com que a informação torna-se disponível também ocorre, de modo que também se torna para a tomada de decisão (FREEMAN, 1979). possível identificar atores que comprometem de modo negativo o fluxo de informações na rede (BRASS; KRACKHARDT, 2012). Estas três medidas capturam diferentes nuances da centralidade em uma rede social. O degree mede a extensão na qual um ator se É igualmente importante identificar pessoas conecta com outros atores, independentemente isoladas ou situadas na periferia da rede social, de sua posição ou localização na rede social. A com poucas conexões entre os demais, mas que medida do betweenness captura a função de podem ocupar posições importantes, atuando guardião (gate-keeping). Nesse caso, por exemplo, como pontes que conectam diferentes redes se um ator apresenta uma medida elevada de sociais (VALENTE, 2010). betweenness e, ao mesmo tempo, apresenta A ARS tende a descrever a posição de um ator em termos de sua proximidade em relação ao centro de ação da rede, sob três perspectivas: a) centralidade centralidade de de informação intermediação (degree), b) (betweenness) e c) centralidade de proximidade (closeness) (WASSERMAN; FAUST, 1994). de ligações (relações) de um ator com outros participantes de uma mesma rede. Desse modo, um ator que tem muitas ligações detém maior (WASSERMAN; informações para outros membros da rede social. Por outro lado, a medida closeness apreende um papel de comunicação, ou seja, um ator com níveis elevados de closeness é capaz de comunicar uma ideia para outros atores muito rapidamente. Estas medidas identificam os atores mais centrais, mas não significam necessariamente que estejam A medida degree expressa o número prestígio ideias divergentes, pode bloquear a difusão de FAUST, 1994). É a medida de centralidade mais utilizada e de mais fácil compreensão (VALENTE, 2010). Numa TRP, quanto maior a medida do degree, maior o poder de informação que o profissional terá para tomada de decisões sobre o paciente. perfeitamente correlacionadas (VALENTE, 2010). O padrão de relações entre os atores da rede social define suas posições na rede e fornece oportunidades ou restrições que afetam o fluxo de informações. Um determinado papel categórico pode ter acesso direto a quaisquer recursos que podem transitar na rede e controlar o fluxo dos recursos para outros atores. Na TRP, por exemplo, um ator com alto grau de centralidade poderá tomar decisões com menor probabilidade de O conceito de betweenness diz respeito à localização de um ator na rede, de modo que outros atores dependem dele para acessar os demais (WASSERMAN; FAUST, 1994). Um ator pode ser considerado como intermediário quando se liga a vários outros atores que não estão conectados diretamente. Numa TRP, quanto maior a medida de betweenness, maior a influência que o profissional tem para coordenar o fluxo de informações. erros em relação aos atores com baixo grau de centralidade. A ARS se fundamenta na teoria dos grafos, um ramo da matemática que estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto. Considere a FIG. 1, por exemplo, onde temos um grafo G (V, A), em que V são os vértices (atores) e A são as arestas (relações entre os atores). O ator 2 tem a maior medida de degree: cinco O conceito de closeness alude à menor conexões (atores: 1, 3, 4, 6 ,7), enquanto que o distância de um ator em relação aos demais da rede ator 1 tem a menor medida degree: uma conexão para ter acesso à informação (VALENTE, 2010). Na (apenas relaciona-se com o ator 2). As medidas Rev. FA E , Curitiba, v. 18, n. 1, p. 70 - 85, jan./jun. 2015 75 de degree são, respectivamente, para esses Paulo, tendo em vista a formulação de problemas atores, 5 e 1. Assim, o ator 2 tem maior poder de mais precisos para estudos posteriores. Assim, influência nesta rede do que o ator 1. Repare que a teve por objetivo proporcionar uma visão geral, informação pode se difundir rapidamente através algo aproximativo (GIL, 2011), acerca das TRP, da rede por meio dos atores 2, 3 ou 6 (closeness). cuja literatura é escassa, se existente, sob esta Os demais atores estão no máximo há dois perspectiva, na academia brasileira. passos de cada um desses atores para receber informações. Entretanto, a maior medida de betweenness é do ator número 2, que funciona como verdadeiro gate-keeper. Este ator, por razões políticas, por exemplo, pode dificultar ou facilitar a transmissão de informações através da rede social. Os atores 3 e 6 têm, ambos, 4 conexões diretas, de modo que a exclusão de qualquer um dos dois não afeta drasticamente o fluxo de informações na rede. Ao contrário, a rede apresenta algum grau de dependência do ator número 2. Sua exclusão afetaria o fluxo de informações na rede, deixando isolado o ator 1, e a informação poderia percorrer o caminho mais longo para chegar ao ator 7. O objetivo do questionário em uma ARS é coletar informações sobre os relacionamentos de cada pessoa que compõe uma rede social (PARKER; CROSS; WALSH, 2005). Especificamente, nesta pesquisa, o objetivo do questionário foi identificar os atores que trocaram informações sobre o paciente durante a TRP, cuja pergunta padrão para cada ator foi: “com quem você trocou informações sobre o paciente durante a TRP?”. A partir das respostas dos atores foi montada uma matriz de ordem quadrada, cujas linhas e colunas marginais contêm os atores da TRP. Os elementos a(ij) da matriz representaram os valores 1 ou 0, caso os atores tenham trocado ou não informações, respectivamente, entre si, durante as TRP (exemplo FIGURA 1 – Exemplo de rede social TAB. 1). Os dados, neste formato, foram analisados pelo software UCINET 6 for Windows (BORGATTI; 1 FOSTER, 2003). TABELA 1 – Exemplo de matriz de tabulação de dados 4 para análise de dados no UCINET Metodologia da Pesquisa Esta pesquisa teve caráter exploratório, cuja principal finalidade foi esclarecer conceitos e ideias (GIL, 2011) sobre a ARS aplicados à TRP em uma Rede Privada de Hospitais da Cidade de São 76 fst_UTI enf_UTI 6 FONTE: Os autores (2013) 2 enf_ENF 5 7 med_UTI 3 med_ENF 2 med_ENF 0 1 1 0 0 med_UTI 1 0 0 1 1 enf_ENF 1 0 0 1 0 enf_UTI 1 1 1 0 1 fst_UTI 0 1 0 0 0 FONTE: Os autores (2013) Em geral, procedimentos de amostragem e técnicas quantitativas de coletas de dados não são habituais em pesquisas exploratórias QUADRO 1 – Descrição dos papéis categóricos Abreviação Papel Categórico (GIL, 2011). Os autores aplicaram o método de mdc_ENF médico da enfermaria amostragem por snowball (amostragem em mdc_PSC médico do pronto socorro mdc_ESP médico especialista enf_ENF enfermeiro da enfermaria A amostragem por snowball pressupõe enf_PSC enfermeiro do pronto socorro que haja uma ligação entre os membros de enf_SVS enfermeiro supervisor ten_ENF técnico de enfermagem pessoas que se envolveram na transferência de um ten_PSC técnico de pronto socorro paciente da UTI para a enfermaria, em um mesmo frm_FRM farmacêutico da farmácia central ntr_SND nutricionista do serviço de nutrição e dietética aht_ADM hotelaria da administração rcp_ADM recepcionista da administração de serviços pcn_ADM paciente mfp_ADM membro da família do paciente por sua vez, indicou suas conexões (onda um) até aad_ADM assistente administrativo que foi alcançado um ponto de saturação (onda med_UTI médico da unidade de terapia intensiva bola de neve), usado, em geral, quando não se dispõe da lista dos membros de uma população de interesse. uma população dada pelo objeto de interesse (FAUGIER; SARGEANT, 1977). Por exemplo, as hospital, provavelmente trocaram informações entre si, em algum grau, em algum momento. O primeiro passo consistiu na identificação de algum sujeito que participou de alguma TRP durante o período de pesquisa. Este sujeito, denominado de semente da amostra, indicou as pessoas com quem trocou informações sobre esta TRP (onda zero) (BIERNACKI; WALDORF, 1981). Cada pessoa da onda zero indicada pela semente, n), no qual todas as pessoas envolvidas na TRP foram identificadas. Considerando tratar-se de um método não probabilístico, não se desconsegue fazer enf_UTI enfermeiro da unidade de terapia intensiva ten_UTI técnico de enfermagem da unidade de terapia intensiva fist_UTI fisioterapeura da unidade de terapia intensiva quaisquer inferências sobre a população, o que limita as conclusões da pesquisa. Durante o período de estudo foram pesquisadas 21 TRP, no segundo semestre de 2012, atendendo às especificações éticas do departamento de qualidade da instituição objeto gad_ADM outros outros fst_enf fisioterapeuta da enfermaria de estudo. asc_adm As TRP podem envolver vários setores de uma unidade hospitalar, e neste estudo foram gerente administrativo assistente social da administração de serviços FONTE: Os autores (2013) identificados 23 papéis categóricos (QUADRO 1). Rev. FA E , Curitiba, v. 18, n. 1, p. 70 - 85, jan./jun. 2015 77 Os atores envolvidos nas TRP partici­ param nesta pesquisa de modo voluntário, livre de coerção e de quaisquer formas de constrangimento, tendo suas identidades preservadas. Não houve conflitos de interesse no entorno desta pesquisa. 3 Análise e Discussão dos Resultados Os dados foram analisados através do software UCINET 6 for Windows, por meio de algoritmos (BORGATTI; FOSTER, 2003). O Alguns papéis categóricos apresentam repetidas vezes baixo degree, como o farmacêutico, o assistente administrativo, a nutricionista e a recepcionista da administração de serviços. diálogo entre médicos, enfermeiros e gestores é fundamental para o funcionamento efetivo do sistema de saúde, cuja diversidade cultural pode ser uma barreira para boas relações (ATUN, 2003). A medida degree centrality destaca os atores com maior visibilidade e que ocupam uma localização central na rede (WASSERMAN; FAUST, 1994). Analisando-se os resultados da medida degree na TAB. 1, pode-se observar que apenas a TRP 2 apresentou seis papéis categóricos com mesmo prestígio na TRP, ou seja, 20% dos possíveis contatos com os demais da rede, o que indica baixa comunicação com os demais papéis categóricos. Nessa movimentação não houve comunicação com o paciente, nem com o membro da família do paciente. O papel categórico que apresentou maior variação percentual foi o técnico de enfermagem. Na TRP 7 apresentou percentual de 80% dos contatos possíveis, enquanto que na TRP 10 o percentual dos contatos que poderia ter feito foi apenas de 7,14%, ou seja, baixa troca de informação com os demais papéis categóricos envolvidos (TAB. 2). 78 O enfermeiro da unidade de terapia intensiva emerge como o ator de maior prestígio, dentre as 21 TRP analisadas, pois em 42,9% das TRP este papel categórico obteve a maior medida de centralidade degree. Essa constatação deixa claro o prestígio desses atores em relação aos atores da enfermaria, que ocuparam uma posição mais periférica, seguido pelo enfermeiro do pronto socorro, com 28.6% do total das TRP analisadas. Verifica-se que esses atores comunicaram-se com quase a totalidade, ou pelo menos mais da metade de todos os envolvidos na movimentação do paciente. Alguns papéis categóricos apresentam repetidas vezes baixo degree, como o farmacêutico, o assistente administrativo, a nutricionista e a recepcionista da administração de serviços. Os valores em percentuais da comunicação desses papéis categóricos parecem adequados, uma vez que representam serviços de suporte que não lidam diretamente com a assistência aos cuidados de diagnóstico e tratamento do paciente. 25 50 25 4 20 20 20 40 20 5 75 25 38 6 60 40 60 60 60 8 40 9 7 11 10 13 50 13 40 22 36 7 29 43 43 10 20 10 13 38 13 10 13 11 40 60 22 17 43 71 43 43 29 38 23 8 33 78 11 25 21 11 55 36 57 71 64 30 20 60 10 13 13 22 57 44 8 8 11 33 8 22 56 33 11 20 outros gad_ADM 20 21 21 10 10 25 40 80 60 80 13 38 13 13 20 60 60 22 29 29 23 23 22 60 11 13 38 22 20 11 11 20 25 7 20 22 25 7 25 22 44 44 25 11 44 33 mfp_ADM pcn_ADM 13 44 33 19 20 40 11 8 20 20 16 23 20 20 20 18 14 20 15 21 rcp_ADM aht_ADM 38 80 14 15 80 63 13 14 0 20 80 14 asc_ADM 25 0 outros 25 7 20 fist_UTI 3 12 ntr_SND 20 ten_UTI 20 enf_UTI 2 10 frm_FRM 29 med_UTI 29 ten_PSC ten_ENF enf_SVS enf_PSC enf_ENF mdc_ESP 29 aad_ADM 1 mdc_PSC mdc_ENF Papel Categórico TABELA 2 – Centralidade de informação (degree) dos atores durante as 21 TRP 69 11 11 23 8 22 22 50 0 25 25 44 22 56 11 FONTE: Os autores (2013) A FIG. 2, para fins de ilustração, mostra o sociograma da medida de centralidade degree da TRP 10. O gráfico é o resultado de cálculos computacionais processados pelo UCINET 6 e indica como ocorre o fluxo de informações entre os atores. Os atores com a maior quantidade de contatos diretos, vide TAB. 2, (enf_UTI, 71; ten_UTI, 64; med_UTI, 57), são os elos mais importantes desta TRP. Observe, por exemplo, a assimetria de contatos entre o ten_UTI (64) e o ten_ENF (7) e entre o med_UTI (57) e o med_ENF (7). A área dos quadrados azuis é proporcional à medida de centralidade degree de cada ator. Rev. FA E , Curitiba, v. 18, n. 1, p. 70 - 85, jan./jun. 2015 79 FIGURA 2 – Sociograma (centralidade degree) da TRP 10. Saída UCINET 6, a partir de uma matriz quadrada asc_ADM fst_ENF mfp_ADM fst_UTI rcp_ADM mdc_UTI mdc_ENF enf_UTI ten_UTI ten_ENF aad_ADM ntr_SND enf_ENF outros frm_FRM FONTE: Os autores (2013) A responsabilidade de um ator que está demasiado imerso (embedded) nas relações sociais tem sido questionada por pesquisadores, de modo que esta situação lhe proporciona muita restrição para possibilidades de escolhas (UZZY, 1997). Também estão surgindo pesquisas sobre os riscos da hiperconectividade. Há um número ideal de conexões necessárias ou viáveis para manter a sustentabilidade de um desempenho dentro da rede? A hiperconectividade refere-se às restrições com que um ator se depara na quantidade de relacionamentos (e por implicação na quantidade de informação) que ele pode sustentar. Outro fenômeno, conhecido como overembeddedness, resulta num aumento da resistência do ator para abarcar trocas com atores desconhecidos (cuja propensão para cooperação se torna incerta) (UZZI; SPIRO, 2005). A liderança da TRP pelo ator com a maior centralidade pode ter maior probabilidade de sucesso na transição de cuidados. Entretanto, pode haver uma desvantagem potencial no excesso de exposição dentro da rede. À medida que aumenta a conectividade de um ator na rede, diminui os benefícios dos graus elevados de centralidade (SAMPSON, 2005; OWNER-SMITH; POWELL, 2003; MCFADYEN; CANELLA, 2004). A formação de uma equipe para a execução de uma TRP deve reduzir os riscos para uma transição de cuidados inapropriada de um paciente. Uma configuração balanceada entre os atores dos subgrupos pode ser mais adequada para assegurar uma melhor configuração e um melhor desempenho da equipe. As conexões são uma expressão de como o capital social possibilita acesso às informações (FERRIANI; CATTANI; BADEN-FULLER, 2009). 80 A TRP é um ambiente de comunicação e troca, em vários níveis. Os atores que recebem a maior quantidade de informações vinda da TRP tornam-se estratégicos e destacam-se dentre os demais, sejam como líderes ou como articuladores de movimentação. Os altos índices de centralidade da informação de um ator o torna ponto de referência na rede (MARTELETO, 2001). A medida de centralidade betweenness é uma medida que revela a habilidade de um único ator influenciar ou controlar a troca de informações entre os atores, isto é, a comunicação entre dois atores é intermediada por um terceiro ator. Os dois atores com maior influência na troca de informações (maiores intermediadores) são o enfermeiro do pronto socorro (enf_PSC), com 28,6% de todas as possíveis intermediações na comunicação, e o enfermeiro da unidade de tratamento intensivo (enf_UTI), com 23,8%, conforme TAB. 3. O papel do mediador implica em exercício de poder, de controle e de filtro para as informações que circulam na rede (MARTELETO, 2001). Nesta pesquisa, o enfermeiro, seja da UTI, enfermaria ou do pronto socorro, atua como ponte em relação aos demais atores, facilitando ou dificultando o fluxo de informações em seus setores. 0 17 0 4 0 0 0 10 0 5 61 0 11 6 40 40 60 0 40 8 10 9 0 11 0 0 0 0 0 0 0 0 0 22 22 1 4 3 0 20 0 0 18 0 22 0 60 22 17 0 36 17 0 0 32 3 0 22 65 0 0 40 25 0 0 69 2 30 24 28 38 20 89 0 0 0 22 21 24 0 0 0 3 0 33 6 0 24 outros gad_ADM 0 14 0 0 0 0 15 0 40 0 68 0 0 0 70 60 0 0 1 0 10 15 0 0 0 0 7 0 0 0 61 0 20 0 0 0 25 0 0 1 43 0 0 0 51 13 mfp_ADM pcn_ADM 0 56 78 3 0 20 1 19 0 0 0 0 0 0 16 4 0 0 0 18 0 20 15 21 rcp_ADM aht_ADM 7 15 14 0 0 0 20 43 13 25 0 asc_ADM 0 0 fst_ENF 0 7 0 fist_UTI 3 12 ntr_SND 0 ten_UTI 0 enf_UTI 2 10 frm_FRM 14 med_UTI 19 ten_PSC ten_ENF enf_SVS enf_PSC enf_ENF mdc_ESP 14 aad_ADM 1 mdc_PSC mdc_ENF Papel Categórico TABELA 3 – Centralidade de intermediação (betweenness) dos atores durante as 21 TRP 2 4 70 0 0 33 0 0 0 0 34 0 FONTE: Os autores (2013) Rev. FA E , Curitiba, v. 18, n. 1, p. 70 - 85, jan./jun. 2015 81 A medida de centralidade closeness indica quais atores apresentam menor distância em relação aos outros atores. Os atores que detiveram o melhor acesso à informação foram: o enfermeiro da unidade de tratamento intensivo, com 42,9% das 21 TRP; e o enfermeiro do pronto socorro, com 28,6% do total (TAB. 4). Os atores que não tiveram acesso algum à informação durante as TRP totalizaram 39,13% dos atores envolvidos. A centralidade de proximidade mede a independência de um ator em relação ao controle dos demais (MARTELETO, 2001). Esses atores transitam pela TRP e alcançam os demais com certa facilidade. 3 25 25 31 33 31 4 20 20 24 25 24 80 47 62 63 56 71 7 63 8 25 9 10 41 11 12 33 27 71 67 47 45 24 23 60 39 54 44 35 50 71 41 41 64 56 45 78 64 58 54 59 50 38 56 82 39 56 38 43 45 52 61 61 43 48 36 27 30 13 38 45 41 47 69 60 45 38 56 34 53 41 64 24 asc_ADM fst_ENF 24 64 56 67 78 74 53 48 71 43 56 83 71 83 36 53 27 29 45 71 71 13 31 25 50 39 52 50 36 35 41 33 29 32 32 54 50 53 63 41 50 45 outros gad_ADM fist_UTI ten_UTI enf_UTI 53 32 52 39 70 44 43 57 35 20 60 14 42 50 44 21 25 50 27 58 45 20 45 43 17 18 14 20 83 16 19 mfp_ADM pcn_ADM 47 56 83 14 21 rcp_ADM aht_ADM ntr_SND 53 38 83 32 13 15 frm_FRM 20 5 21 20 23 20 6 med_UTI 23 ten_PSC ten_ENF enf_SVS enf_PSC enf_ENF mdc_ESP 23 20 aad_ADM 1 2 mdc_PSC mdc_ENF Papel Categórico TABELA 4 – Centralidade de proximidade (closeness) dos atores durante as 21 TRP 52 50 76 54 50 45 50 44 36 47 69 43 FONTE: Os autores (2013) O envolvimento do paciente ou de um de seus familiares é importante para a redução de erros nas transições de cuidados. A existência de falhas nas transições de cuidados pode contribuir para o sucesso ou fracasso na estratégia de transição (RENNKE et al., 2013). Não obstante, o objeto de estudo desta pesquisa não está voltado para o papel do paciente durante as trocas de informações sobre a sua saúde. Observa-se os baixos graus de centralidade no entorno do paciente e de seus familiares, indicando o baixo acesso às informações sobre suas transferências entre os setores de um hospital. 82 Em contraste com os resultados da pesquisa de Boyer et al. (2010), os enfermeiros, e não os médicos, posicionaram-se, neste estudo, como os atores de maior centralidade nas TRP. Considerações Finais Esta pesquisa exploratória buscou responder a questão sobre qual ator apresenta maior visibilidade e maior prestígio (degree), tem acesso mais rápido às informações (closeness) e maior influência na troca destas informações (betweenness), durante uma TRP em uma rede hospitalar privada na cidade de São Paulo. O padrão de relações define a posição do papel categórico em uma rede social, além de fornecer oportunidades ou restrições que afetam O enfermeiro emergiu, neste estudo, como o ator com maior visibilidade e prestígio (degree), maior poder de acesso direto a quaisquer recursos (closeness), além de poder transitar na rede e controlar o fluxo dos recursos para outros atores (betweenness). o fluxo de informações. O enfermeiro emergiu, neste estudo, como o ator com maior visibilidade e prestígio (degree), maior poder de acesso direto a quaisquer recursos (closeness), além de poder transitar na rede e controlar o fluxo dos recursos entre para outros atores (betweenness). Ademais, o hospitalares, tais como UTI, emergência e centro enfermeiro que está transferindo o paciente para cirúrgico, podem contribuir, durante as trocas de outro setor do hospital tem maior domínio sobre as informações, para um melhor gerenciamento das informações em relação ao paciente do que aquele TRP e, por conseguinte, talvez, contribuir para a profissional que o recepciona no novo setor. redução dos erros associados a este processo. os profissionais de diversos setores Os resultados da aplicação da ARS, neste Dentre as limitações dessa pesquisa cestá contexto, sugerem que o enfermeiro possa ser o fato de que não foi verificada a relação entre as uma referência para as interações entre os demais habilidades de coordenação dos principais atores, atores envolvidos nas TRP, pois cabe como suas medidas de centralidade e a satisfação com a oportunidade de pesquisa, como um experimento qualidade da TRP. com o posicionamento do enfermeiro como principal agente de integração para assegurar um fluxo de informações assertivo nas TRP. Qual seria, então, o impacto que uma decisão como essa traria sobre a redução dos erros associados às TRP? Foram realizadas pesquisas exploratórias para analisar como diferenças e semelhanças Rev. FA E , Curitiba, v. 18, n. 1, p. 70 - 85, jan./jun. 2015 83 Referências ATUN, R. A. Doctors and managers need to speak a common. British Medical Journal, London, v. 326, n. 7.390, p. 655, 2003. BENHAM-HUTCHINS, M. M.; EFFKEN, J. A. Multi-professional patterns and methods of communication during handoffs. International Journal of Medical Informatics, Amsterdan, v. 79, p. 252-267, 2010. BIERNACKI, P.; WALDORF, D. Snowball sampling: problems and techniques of chain referral sampling. Sociological Methods & Research, Beverly Hills, v. 10, n. 2, p. 141-163, 1981. BORGATTI, S. P.; EVERETT, M. G.; FREEMAN, L. C. Ucinet for windows: software for social network analysis. Harvard, Analytical Technologies, 2002. BORGATTI, S. P.; FOSTER, P. C. The network paradigm in organizational research. 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