fitoterápicos: oportunidades, desafios e controle sanitário

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FITOTERÁPICOS: OPORTUNIDADES, DESAFIOS E
CONTROLE SANITÁRIO
Daiana Botelho Spindola¹
Pedro Canisio Binsfeld2
¹ Farmacêutica, Aluna do programa de Pós-Graduação em Vigilância Sanitária pelo Instituto de Estudos
Farmacêuticos e Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasília – DF. E-mail: [email protected]
² Orientador, Pós-Doutor em Biotecnologia e Biossegurança. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Vigilância Sanitária pelo Instituto de Estudos Farmacêuticos e Pontifícia Universidade Católica de Goiás, GO. Email: [email protected].
RESUMO
A vasta biodiversidade do Brasil aliada aos conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais possibilitam ao
país a oportunidade de estabelecer um modelo de desenvolvimento próprio e soberano na utilização de
fitoterápicos. Porém, existem inúmeros obstáculos que impedem o avanço significativo do país neste campo. O
objetivo do presente artigo de revisão é apresentar o potencial do Brasil e os principais desafios que o país
enfrenta para alcançar uma posição de destaque no mercado de fitoterápicos, e mostrar também, a segurança
destes produtos relacionada a complexidade de composição e a variabilidade decorrente da produção. Verificouse que apesar das dificuldades enfrentadas, há um discreto progresso no desenvolvimento de fitoterápicos no
Brasil. Vários fatores contribuem para esta mudança, como o aumento de publicações científicas e da
qualificação profissional, a maior interação entre indústrias e centros de pesquisa e, ainda a publicação da
Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos que visa desenvolver o setor e garantir o acesso seguro e
o uso racional dos mesmos. O avanço nas resoluções RDC nº 14/2010 e RDC nº 17/2010 proporcionam um
controle sanitário eficaz ao especificar parâmetros que garantam a segurança no uso, a eficácia na utilização e a
qualidade do produto. O fortalecimento do setor fitofármacos no Brasil pode ser uma estratégia para o aumento
de oferta de medicamentos na atenção básica de saúde e para gerar inclusão social e econômica, ao desenvolver a
cadeia produtiva e industrial dos fitoterápicos nas regiões menos favorecidas.
Palavras-Chave: Desenvolvimento fitoterápicos, Plantas Medicinais, Atenção Básica, Segurança.
ABSTRACT
The vast biodiversity of Brazil coupled with traditional knowledge about medicinal plants enable the country the
opportunity to establish a model of development itself sovereign in the use of herbal medicines. However, there
are numerous obstacles to the country's significant progress in this field. The aim of this review article is to
present the potential of Brazil and the main challenges facing the country to achieve a prominent position in the
market of herbal medicines, and also show the safety of these products related to compositional complexity and
variability resulting from the production. It was found that in spite of the difficulties, there is a slight progress in
the development of herbal medicines in Brazil. Several factors contribute to this change, such as the increase of
scientific publications and professional qualification, the greater interaction between industries and research
centers, and also the publication of the National Medicinal Plants and Herbal Medicines which aims to develop
the sector and ensure safe access and rational use of them. Advances in resolutions RDC n. 14/2010 and RDC n.
17/2010 provide an effective sanitary control to specify parameters that ensure the safety of use, the
effectiveness of usage and the quality of the product. The strengthening of the sector in Brazil phytochemicals
may be a strategy for increasing the supply of medicines in health primary care and to generate social and
economic inclusion, to develop the supply chain and manufacturing of herbal medicines in poorer regions.
Keywords: Development herbal, Medicinal Plants, Primary care, Safety.
1 INTRODUÇÃO
O uso de plantas como medicamento talvez seja tão antigo quanto o próprio homem e
fazem parte do processo evolutivo humano. O emprego de plantas medicinais foi o primeiro
recurso terapêutico utilizado pelos povos e vem sendo empregado em larga escala até hoje,
tendo relação cultural e tradicional de cada país. Com o passar dos anos a fitoterapia evoluiu e
aperfeiçoou-se e atualmente pode ser considerada como ciência (TOMAZZONI et al., 2006).
Em decorrência da influência da cultura africana, indígena e europeia, o uso de plantas
medicinais foi expressiva por um grande período da história do Brasil. Porém, a partir do
século XX, houve o crescimento do uso de fármacos sintéticos como consequência da
industrialização, da urbanização e do avanço da tecnologia. A medicina tradicional passou a
ser considerada como atraso tecnológico e foi substituída em parte pelos medicamentos
industrializados que possuíam a promessa de cura rápida e total (TOMAZZONI et al., 2006).
No entanto, este panorama está em processo de mudança. Dados da OMS indicam que
apesar da maioria da população dos países em desenvolvimento dependerem da medicina
moderna, 80% desta população ainda se vale de práticas tradicionais pelo uso de fitoterápicos.
E, no Brasil, os dados obtidos em levantamento realizado pelo Departamento de Comércio
Exterior mostram um aumento na exportação de plantas medicinais, nos últimos anos. Existe
atualmente um crescimento do consumo por medicamento a base de plantas em todo o
mundo. O aumento da demanda por fitoterápicos pode ser associado a uma alternativa mais
saudável e menos danosa de tratamento e a uma insatisfação da população relacionada ao não
acesso aos medicamentos industrializados (TOMAZZONI et al., 2006; BRASIL, 2007).
O Brasil detém a maior biodiversidade terrestre do planeta. A grandeza deste acervo
genético associado ao conhecimento tradicional e a diversidade étnica e cultural oferece ao
Brasil a oportunidade de desenvolver pesquisas com resultados em tecnologias e terapêuticas
apropriadas para o uso de plantas medicinais. O país tem o potencial de estabelecer, na área da
saúde, um modelo de desenvolvimento próprio e soberano baseado em fitoterápicos para
fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) (DAVID et al., 2004; BRASIL, 2006a).
Porém, há inúmeros fatores limitantes para que o Brasil desenvolva pesquisas com
plantas medicinais e fitoterápicos em escala mais expressiva. Entre as limitantes pode-se
destacar a ausência de políticas e legislação que permita o desenvolvimento do setor, poucas
parcerias pública-privada e entre as indústrias e as universidades, a ausência de uma política
de conservação que implemente o cultivo e manejo racional de espécies medicinais, baixo
número de grupos de pesquisa para a vasta biodiversidade brasileira, baixo número de
arranjos produtivos que envolvam toda a cadeia produtiva, e ainda o baixo número de
pesquisas para a determinação de doses e ensaios clínicos. Outra dificuldade encontrada é a
possível falta de qualidade sanitária do material vegetal, sendo esta irregular, sobretudo com a
contaminação microbiológica, além da presença de herbicidas e agrotóxicos (TOLEDO et al.,
2003).
Os fitoterápicos diferentes dos medicamentos alopáticos apresentam, frequentemente,
variações. Isto ocorre devido à complexidade de sua composição e à diversidade na qualidade
das drogas obtidas a partir de uma mesma espécie vegetal. Tal variabilidade está relacionada
com fatores referentes às condições do local de plantio, processo de coleta, manuseio e
processamento da matéria-prima. As possíveis alterações inerentes a sua origem justificam a
preocupação atual em relação à segurança dos fitoterápicos (KLEIN et al., 2009).
Neste sentido, o presente trabalho visa mostrar a importância da fitoterapia como uma
forma terapêutica reconhecida pela medicina, visto que esta ciência se desenvolve a cada ano
e apesar do Brasil ter oportunidade de ter uma participação destacada no mercado mundial,
ainda existem inúmeras dificuldades que o impedem de avançar e se aprimorar neste campo.
E também mostrar que a melhoria na produção, pesquisa e controle sanitário de
plantas medicinais aumenta a confiabilidade da sua utilização e pode propiciar a inclusão de
um maior número de fitoterápicos como opção terapêutica aos usuários do SUS. Fato que
melhora a atenção básica e proporciona ao paciente a opção de escolher o tratamento mais
conveniente.
2 METODOLOGIA
O presente trabalho é uma pesquisa qualitativa, de modalidade teórica e com análise
da bibliografia formal, discursiva e concludente. O método de abordagem indutivo foi
escolhido com procedimento monográfico, realizando uma revisão integrativa de literatura,
que constitui uma técnica de pesquisa que permite a busca, a avaliação crítica e a síntese das
evidências disponíveis sobre o tema abordado, sendo o produto final o estado atual do
conhecimento do tema, por meio da análise dos resultados (AZEVEDO et al., 2010).
A busca e a seleção do material de estudo basearam-se no levantamento das
publicações, com o objetivo de avaliar os fitoterápicos, as oportunidades e desafios de
controle. Com este propósito realizou-se uma revisão do acervo de documentos bibliográficos,
baseados em artigos científicos, teses e normas regulatórias sobre o tema pesquisado. A
consulta foi realizada em base de dados da Birene, por meio dos serviços da Medline, Scielo e
Lilacs, utilizando-se fitoterápicos e plantas medicinais como descritores de busca. Utilizou-se
também o sítio eletrônico da Biblioteca Central da Universidade de Brasília (UnB), além de
consultas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e ao Ministério da Saúde
pelos respectivos sítios eletrônicos, onde foram encontradas as políticas e regulamentações
brasileiras mais recentes sobre fitoterápicos.
O período da pesquisa foi delimitado do ano de 2002 a 2012. Este recorte temporal foi
escolhido em função da maior disponibilidade de bibliografia disponível, bem como, da
atualidade das políticas e normas vigentes no Brasil. Os dados foram tratados, categorizados e
discutidos segundo os objetivos da revisão integrativa (AZEVEDO et al., 2010).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pesquisa nas bases de dados e acervos bibliográficos revelou que há um grande
potencial de desenvolvimento de fitoterápicos no Brasil, ao mesmo tempo, em que muitos
autores fazem referências da importância do uso dos fitoterápicos para as práticas integrativas
na política de atenção básica do SUS. Ficou evidente também a intenção dos setores de
pesquisa científica e dos setores produtivos em participar mais ativamente do
desenvolvimento do setor de plantas medicinais e fitoterápicos.
3.1 Importância e evolução do uso de fitoterápicos
No Brasil, medicamento fitoterápico é definido na RDC nº 14/2010 como aquele
obtido utilizando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais, cuja eficácia e segurança
são validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos, de utilização, documentações
tecnocientíficas ou evidências clínicas. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos
riscos de seu uso (segurança), assim como pela reprodutibilidade e constância de sua
qualidade. Não podem ser incluídos no medicamento fitoterápico substâncias ativas isoladas,
de qualquer origem, nem as associações destas com extratos vegetais (BRASIL, 2010).
Há milhares de anos a humanidade vem utilizando os recursos da flora no tratamento
de diversas patologias. Registros encontrados das primeiras civilizações comprovam que a
busca por tratamento das principais doenças tem acontecido constantemente desde os
primórdios. Plantas, animais e minerais eram essencialmente os recursos terapêuticos
empregados pelos nossos ancestrais. Existem registros do uso de muitas plantas medicinais,
como a papoula (Papaver somnniferum), maconha (Cannabis sativa), babosa (Aloe vera), há
milhares de anos antes de Cristo. E relatos, do uso de plantas com finalidades terapêuticas por
volta de 3.000 a.C. na obra Pen Ts’ao do chinês Shen Nung (TUROLLA; NASCIMENTO,
2006; CALIXTO; SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
A partir do século XIX se iniciou a criação dos primeiros medicamentos com as
características que conhecemos atualmente, através da busca de princípios ativos presentes
nas plantas medicinais. O advento da química experimental foi um dos fatores determinantes
da revolução industrial e tecnológica, permitindo a síntese laboratorial de novas substâncias
orgânicas e a consequente produção acelerada de novos medicamentos (CALIXTO;
SIQUEIRA JUNIOR, 2008; FRANÇA et al., 2008).
Do mesmo modo, vários fatores como a produção de fármacos via síntese química, o
crescimento do poder econômico das indústrias farmacêuticas e a ausência de comprovações
científicas de eficácia das substâncias de origem vegetal aliada às dificuldades de controle
químico, físico-químico, farmacológico e toxicológico dos fitoterápicos, impulsionaram a
substituição das plantas medicinais por fármacos sintéticos. Além disso, à medida que
derivados mais puros e concentrados de plantas se tornaram disponíveis os médicos
priorizaram as drogas sintéticas e passaram a desconsiderar o papel importante da fitoterapia
(TUROLLA; NASCIMENTO, 2006; FRANÇA et al., 2008).
Nas últimas décadas o interesse pela fitoterapia teve um aumento considerável entre
usuários, pesquisadores e serviços de saúde. O aumento da demanda por fitoterápicos pode ser
associado a uma alternativa mais saudável e menos danosa de tratamento e a uma insatisfação
da população relacionada ao não acesso aos medicamentos industrializados. Grupos de
profissionais passaram a desenvolver esforços na revalorização do emprego de medicamentos
fitoterápicos, procurando-se o aprimoramento e a produção em escala industrial,
diferentemente das formas artesanais que caracterizaram os estágios iniciais de sua utilização
(TUROLLA; NASCIMENTO, 2006; ROSA et al., 2011).
Atualmente, os fitoterápicos são extensamente utilizados em todo o mundo. Na África,
por exemplo, 80% da população dependem do uso destes medicamentos, os quais representam
alternativas viáveis frente ao alto custo dos fármacos sintéticos. A comercialização de
fitoterápicos é responsável por uma parcela significativa do mercado mundial de
medicamentos. O comércio de medicamentos fitoterápicos vem crescendo a uma taxa anual
média de 15%, sendo mais evidente em alguns países europeus, como a Alemanha, asiáticos e
nos Estados Unidos (EUA). Estima-se que o mercado mundial de medicamentos fitoterápicos
é de US$ 43 bilhões por ano, e somente nos Estados Unidos este mercado represente US$ 5
bilhões anuais (TUROLLA; NASCIMENTO, 2006; BRITO, 2010).
Os compostos derivados de plantas além de serem empregados na terapêutica
moderna, tem um papel relevante para síntese de algumas moléculas mais complexas. Cerca
de 30% dos medicamentos disponíveis na terapêutica, são derivados direta ou indiretamente
de produtos naturais, notadamente das plantas. No caso de
fármacos com atividades
antitumorais e antimicrobianas, já comercializados ou em fase de pesquisa clínica, calcula-se
que cerca de 60% destes sejam de origem natural (TUROLLA; NASCIMENTO, 2006;
CALIXTO; SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
3.2 Uso dos fitoterápicos na atenção básica
Desde 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem destacando posição a
respeito da necessidade de valorizar a utilização de plantas medicinais no âmbito sanitário e
na atenção básica à saúde. Neste mesmo ano, na Declaração de Alma-Ata, a OMS
reconheceu que 80% da população dos países em desenvolvimento utilizam práticas
tradicionais nos seus cuidados básicos de saúde e 85% usam plantas ou preparações destas
(ROSA et al. 2011).
A fitoterapia se mostra como a medicina integrativa que mais cresce ao logo dos anos.
No Brasil, vários documentos vêm sendo elaborados, a fim de enfatizar o uso de fitoterápicos
na atenção básica no sistema de saúde pública com o intuito de priorizar a melhoria dos
serviços e o aumento da resolutividade. Existem programas estaduais e municipais de
fitoterapia. Em levantamento realizado pelo Ministério da Saúde no ano de 2004, verificou-se,
em todos os municípios brasileiros, que a fitoterapia está instituída formalmente em 116
municípios, de 22 unidades federadas (BRASIL, 2006b; SANTOS et al., 2011).
No âmbito federal, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, aprovada
por meio do Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006, tem como premissas o respeito aos
princípios de segurança e eficácia na saúde pública e a conciliação de desenvolvimento
socioeconômico e conservação ambiental, tanto no âmbito local como em escala nacional.
Esta política estabelece “diretrizes e linhas prioritárias para o desenvolvimento de ações pelos
diversos parceiros em torno de objetivos comuns voltados à garantia do acesso seguro e uso
racional de plantas medicinais e fitoterápicos em nosso país, ao desenvolvimento de
tecnologias e inovações, assim como ao fortalecimento das cadeias e dos arranjos produtivos,
ao uso sustentável da biodiversidade brasileira e ao desenvolvimento do Complexo Produtivo
da Saúde” (BRASIL, 2006a).
Em razão da eficácia e do baixo custo operacional da utilização de plantas medicinais
nos programas de atenção primária à saúde, a fitoterapia pode ser considerada uma integrativa
terapêutica muito útil e importante. A facilidade para adquirir essas plantas e a
compatibilidade cultural são fatores de extrema relevância para o progresso desta prática para
o SUS (SANTOS et al., 2011).
Porém, observa-se que a história do processo de institucionalização das práticas
integrativas e complementares tem encontrado no seu percurso obstáculos constantes
interpostos pela medicina socialmente hegemônica. Percebe-se uma atitude desfavorável dos
profissionais quanto ao uso de fitoterápicos, principalmente pela classe médica. Os médicos
acreditam que há falta de estudos clínicos comprovando eficácia, indicações, validade de uso,
dosagem e contraindicações dos medicamentos fitoterápicos, utilizando repetidamente a
expressão “medicina baseada em evidências” (ROSA et al., 2011).
A falta de conhecimento dos profissionais de saúde sobre a utilização de fitoterápicos
revela a importância do fortalecimento das políticas integrativas, da capacitação dos
profissionais e do investimento em programas de educação permanente, com vistas a
proporcionar um progresso na utilizações deste medicamentos. O desenvolvimento de
material técnico, incluindo os estudos pré-clínicos e clínicos e a validade de uso das plantas
medicinais ou medicamentos fitoterápicos selecionados para compor um programa,
contribuirá para amenizar a preocupação expressada pelos médicos com os critérios
científicos contemporâneos dessa terapia (ROSA et al., 2011).
A Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos tem por objetivo inserir os
fitoterápicos na prática do SUS e estabelece nas suas diretrizes a fomentação da pesquisa, do
desenvolvimento tecnológico e da inovação com base no incentivo de estudos sobre plantas
medicinais e fitoterápicos abordando a educação em saúde e a cadeia produtiva. Esta política
também propõe nas suas diretrizes a promoção da interação entre o setor público e a iniciativa
privada, universidades, centros de pesquisa e Organizações e, da formação técnico-científica e
capacitação no setor de plantas medicinais e fitoterápicos para produzir com qualidade
segurança e eficácia, aumentando assim o uso destes na atenção básica por meio das práticas
integrativas do SUS (BRASIL, 2006a).
3.3 Destacando a oportunidade do Brasil com o desenvolvimento dos fitoterápicos
O mercado internacional,
em
expansão há
duas décadas sem
sinais
de
enfraquecimento, deve ser considerado como indicador do espaço que os fitoterápicos e
suplementos alimentares ocupam em países da União Europeia (EU), Ásia e EUA. Neste
sentido, o Brasil apresenta vantagens, pois é um país diverso e tem em seus biomas quase um
terço da flora mundial. Possui mais de 50.000 espécies de plantas superiores (20-22% do total
existente no planeta), mais de 500 espécies de mamíferos, cerca de 3.000 espécies de peixes,
mais de 1.500 espécies de pássaros, mais de 500 espécies de anfíbios e milhões de espécies de
insetos e microrganismos. Em outras palavras há uma infinita variabilidade e potencial para
desenvolver medicamentos baseados nesta biodiversidade. Além disso, têm-se no país
abundantes conhecimentos tradicionais, que podem ser disponibilizados à sociedade
brasileira, desde que devidamente reconhecida. Em consequência disto, vem crescendo o
interesse pelos estudos das propriedades medicinais das plantas, entretanto o esforço é ainda
insuficiente. Observa-se também a possibilidade de transformar esta riqueza brasileira em
produtos para serem utilizados na atenção básica do SUS e para ampliar as receitas brasileira
pela exportação (VILLAS BÔAS; GADELHA, 2007; CALIXTO; SIQUEIRA JUNIOR,
2008;).
Em um levantamento realizado no período entre 1984 a 2004, baseado no número de
trabalhos publicados em periódicos internacionais, mostrou que o Brasil é o líder absoluto das
publicações internacionais na área de plantas na América Latina (41,6%). Foi evidenciado que
poucas áreas de pesquisa cresceram tanto no Brasil, como as pesquisas com plantas. As
publicações brasileiras na área de plantas teve um crescimento de 60 vezes neste período
analisado (CALIXTO; SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
Em razão dos avanços importantes em pesquisa realizadas na área de plantas, nota-se
no Brasil, especialmente na última década, um interesse crescente pelas indústrias
farmacêuticas nacionais em estabelecer parcerias com universidades e centros de pesquisa
com o objetivo de desenvolver fitomedicamentos com comprovação científica quanto a
eficácia, segurança e qualidade, baseado em estudos pré-clínicos e clínicos, conforme
estabelecido na RDC nº 14/2010 (CALIXTO; SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
Contudo, apesar de toda produção científica realizada, os esforços não resultaram
necessariamente em desenvolvimento tecnológico e nem em novos medicamentos. A ausência
de uma política para a inovação na área dos medicamentos de origem vegetal (fitoterápicos ou
fitomedicamentos) é a possível responsável (VILLAS BÔAS; GADELHA, 2007).
O desenvolvimento de uma droga inovadora (nova entidade química), que
normalmente está restrito a algumas indústrias multinacionais sediadas em poucos países
desenvolvidos, requer enormes investimentos, tempo longo de pesquisa e sofre altos riscos. Já
o desenvolvimento de um fitomedicamento com comprovação científica de segurança,
eficácia e qualidade, ao contrário, demanda muito menos recursos e consequentemente
menores riscos (CALIXTO; SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
Muitos aspectos, que aconteceram principalmente na última década, possibilitam ao
Brasil um progresso na área de desenvolvimento de medicamentos, inclusive dos
fitoterápicos. Pode-se mencionar a consolidação da Pós-graduação brasileira, como uma das
melhores do mundo, a aprovação da lei de patentes, a criação da ANVISA, o surgimento de
várias unidades de pesquisa clínica capacitadas para desenvolver estudos clínicos de
medicamentos dentro do padrão FDA, o aumento ainda que modesto da interação
universidade com empresa, estabelecimento de política governamental visando incentivar a
contratação de doutores nas empresas, a queda dos juros e da inflação (CALIXTO;
SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
O desenvolvimento do anti-inflamatório tópico Acheflan® (Laboratório Aché),
produzido a partir da planta Cordia verbenácea, totalmente desenvolvido no Brasil, registrado
na ANVISA em 2004 e lançado no mercado em 2005, é um exemplo bem sucedido. O
produto Acheflan® se tornou o mais prescrito pela classe médica brasileira dentre os antiinflamatórios tópicos (cerca de 44% das prescrições médicas). Acontecimento este que vem
estimulando outras indústrias farmacêuticas brasileiras, e atualmente existem algumas com
projetos já em estágios de pesquisa clínica avançada, cujos os medicamentos deverão entrar
no mercado nos próximos anos (CALIXTO; SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
Hoje, os medicamentos de origem vegetal representam claramente uma janela de
oportunidade para a indústria de medicamentos no Brasil. Além disso, também representa a
possibilidade de participar da elaboração de uma nova categoria de medicamentos
denominada fitoterápicos no Brasil, que são extratos vegetais padronizados e validados do
ponto de vista da sua eficácia, segurança e qualidade que tenham aceitação internacional e
com isso aumentar os espaços já conquistados pelo mercado exportador. Além disso, prover
medicamentos para as práticas integrativas do SUS, reduzindo o déficit de acesso da
população a medicamentos, bem como, frear o avanço rápido das importações de
medicamentos alopáticos, que consomem importantes divisas do Brasil (VILLAS BÔAS;
GADELHA, 2007).
3.4 Desafios e o mercado de medicamentos de origem vegetal
No plano internacional, a indústria farmacêutica é o setor que mais investe em
pesquisa, desenvolvimento e inovação. Normalmente, as plantas fabris, que mais agregam
valor econômico, no caso dos medicamentos com alto valor tecnológico agregado e sob
proteção patentária, se encontram nos países desenvolvidos. Ao contrário, para os
medicamentos tradicionais, fora do regime de proteção patentária, essas plantas fabris
costumam se encontrar nos países em desenvolvimento. Grandes empresas sediadas em países
industrializados, como Alemanha, França, Estados Unidos e Japão, vêm aplicando
competências científicas e tecnológicas no desenvolvimento de produtos derivados de plantas
medicinais, e se consolidando como líderes neste crescente e promissor mercado (FUNARI;
FERRO, 2005; ZUANAZZI; MAYORGA, 2010).
Na maioria das vezes a indicação de uso de determinada planta é oriunda dos países
em desenvolvimento e com emprego tradicional, e normalmente, não há uma partilha de
benefícios com o país de origem da matéria-prima ou com as comunidades tradicionais que
detinham o conhecimento (FUNARI; FERRO, 2005).
Apesar do avanço dos últimos anos, o Brasil ainda tem um conhecimento científico
limitado sobre o uso medicinal das plantas brasileiras e grande parte das empresas
farmacêuticas aqui instaladas não possuem cultura, infraestrutura e recursos humanos
capacitados para atuarem nas atividades de pesquisa e desenvolvimento. O país atualmente
possui limitada capacidade para gerar inovações na área de fitoterápicos de forma sistemática
e contínua, sendo este um grande desafio a ser superado (KLEIN et al., 2009; ZUANAZZI;
MAYORGA, 2010).
No atual contexto competitivo do setor farmacêutico brasileiro, o qual é dominado por
grandes empresas, empresas de pequeno e médio porte começam a se movimentar em busca
de novos produtos, ou de novas tecnologias. Entretanto, as inovações têm sido de baixa ou
média intensidade, sendo os fitoterápicos mais vendidos no mercado brasileiro, produzidos a
partir de espécies estrangeiras (FUNARI; FERRO, 2005; ZUANAZZI; MAYORGA, 2010).
Atualmente, muitas das plantas empregadas em terapêutica no Brasil, como, por
exemplo, hipérico, palmeto, equinácea, cratego, tanaceto entre outras, não são de origem
brasileira, algumas, eventualmente, podem ser cultivadas em nosso país. O Brasil é um
tradicional importador líquido em todos os segmentos da cadeia produtiva de plantas
medicinais. Como consequência, o Brasil apresenta uma dependência elevada de insumos
farmacêuticos e de uma parcela considerável de medicamentos essenciais para o sistema
nacional de saúde, comprometendo o acesso aos medicamentos e à regulação de mercado,
além de gerar um impacto negativo ainda maior na balança comercial do setor (ZUANAZZI;
MAYORGA, 2010).
Além disso, os custos de produção de um novo fitoterápico, nos dez primeiros anos
consistem de investimentos. Somente a partir do 11º ano com os custos desviados para a
produção e vendas a situação começa a mudar. E no Brasil, os investimentos em pesquisa e
desenvolvimento, no mercado de fitoterápicos, são ainda incipientes e restritos a reduzido
número de empresas (BRASIL, 2007; DAVID et al., 2004).
De acordo com a OMS, 11% dos 252 fármacos essenciais para a saúde humana são
exclusivamente de origem vegetal e aproximadamente 40% do mercado mundial de
medicamentos são oriundos direta ou indiretamente de fontes naturais (sendo 75% de origem
vegetal e 25% de origem animal e de microrganismos). O Brasil perde parte do faturamento
possível por ter uma indústria farmacêutica majoritariamente transformadora de matériaprima, atuando apenas nos últimos estágios da cadeia produtiva do medicamento. A cadeia
produtiva de plantas medicinais é altamente agregadora de valor. Esta cadeia produtiva
apresenta um preço médio de USD 41,10 por kg no comércio exterior, enquanto que um bom
referencial, que é a soja e derivados, tem valor de USD 0,23 por kg (ZUANAZZI;
MAYORGA, 2010).
A indústria farmacêutica pouco tem interesse no desenvolvimento de novas drogas
para o tratamento de “doenças negligenciadas”, tais como tuberculose, mal de chagas,
esquistossomose, leishmaniose, que afetam especialmente as populações de países em
desenvolvimento. Estas doenças afetam, sobretudo populações de países em desenvolvimento,
e apesar destes países reunirem 80% da população mundial, correspondem a apenas 20% das
vendas globais de remédios (ZUANAZZI; MAYORGA, 2010).
A OMS reconhece no conhecimento tradicional um importante instrumento no
desenvolvimento de novos fármacos. A condução de pesquisas a partir da indicação de plantas
utilizadas pelas comunidades encurta o percurso do desenvolvimento de uma nova droga, pois
os pesquisadores dispõem de uma indicação de qual atividade biológica esta droga poderia
apresentar, antes mesmo de iniciarem os estudos científicos. A grande tradição do uso de
plantas medicinais pela medicina popular unida a rica biodiversidade do Brasil podem ajudar
o Brasil a enfrentar mais este desafio e aumentar o estudo e o desenvolvimento de drogas para
tratar estas doenças que atingem diretamente o país (FUNARI; FERRO, 2005).
A produção de plantas medicinais como atividade agrícola no Brasil ainda é recente,
sendo desenvolvida de modo heterogêneo e descontínuo. Por consequência existem problemas
relacionados com a qualidade e a regularidade de oferta e, no caso de espécies nativas, ainda
predomina o extrativismo. Justificando o fato da maioria das indústrias utilizarem matérias-
primas importadas. O extrativismo produz mais problemas do que soluções para o setor,
devido a grande heterogeneidade de constituintes, adulterações por equívocos na identificação
botânica da espécie vegetal desejada e ameaça de extinção da espécie por colheitas
indiscriminadas (CARVALHO, 2011; ZUANAZZI; MAYORGA, 2010).
A produção sustentada de espécies de plantas medicinais, tanto cultivada quanto
explorada (extrativismo), vislumbra grande potencial de mercado, seja para uso artesanal ou
industrial, seja para o mercado interno ou externo. Esta produção se insere como uma
oportunidade econômica para produtores familiares (LOURENZANI et al., 2004).
Para as plantas medicinais contribuírem para o crescimento econômico satisfatório,
três eixos principais devem dirigir um projeto de desenvolvimento envolvendo produtos
naturais. O eixo agricultura (para diversos produtos), o qual deve atender demandas da
atividade agrícola, especialmente no manejo das culturas selecionadas, monitorar a qualidade
da matéria-prima ofertada, bem como na criar novas oportunidades para o agronegócio. O
eixo industrial (obtenção de produtos intermediários ou finais) responsável pelo
desenvolvimento de produtos inovadores, eficazes e seguros para os consumidores,
objetivando a inserção no mercado, em consonância com as prioridades nacionais em saúde. E
o eixo regulador que deve consistir no apoio à indústria e aos órgãos reguladores, na
diminuição de desvios de qualidade, na qualificação técnica e no próprio fortalecimento do
setor e, finalmente, participar intensamente da formação de recursos humanos em diferentes
níveis de qualificação enquanto estratégia de médio e longo prazo (ZUANAZZI e
MAYORGA, 2010).
Neste sentido, há oportunidades para todos os segmentos produtivos da cadeia
produtiva de plantas medicinais e dos fitoterápicos. É preciso, portanto, fortalecer as políticas
já existentes e integrar os atores de maneira a consolidar um setor fitofármacos no Brasil,
como parte da solução para o aumento da oferta de medicamentos para a atenção básica do
SUS, bem como, desenvolvimento da cadeia produtiva e industrial dos fitoterápicos, gerando
renda e desenvolvimento ao país (CALIXTO e SIQUEIRA JUNIOR, 2008).
3.5. Controle sanitário e a segurança dos fitoterápicos
O componente fundamental para que um medicamento fitoterápico seja aprovado e
registrado pelas autoridades sanitárias do Brasil é que o mesmo seja seguro. Em havendo
insegurança quanto a este aspecto da segurança, a ANVISA não poderá conceder o registro
como fitoterápico. Em estudo recente, verificou-se a existência de 512 registros de
medicamentos fitoterápicos no Brasil, sendo 432 simples e 80 compostos (PERFEITO, 2012).
A segurança depende sobretudo da garantia que efeitos adversos não comprometam a
terapêutica, ou mesmo, prejudiquem a saúde do usuário. Sabe-se que muitas plantas
medicinais apresentam substâncias que podem desencadear reações adversas, seja por seus
próprios componentes, seja pela presença de contaminantes ou adulterantes presentes nas
preparações fitoterápicas, exigindo por isso, um rigoroso controle de qualidade desde o
cultivo, coleta da planta, extração de seus constituintes, até a elaboração do medicamento
final (TUROLLA e NASCIMENTO, 2006; FRANÇA et al., 2008; CARVALHO, 2011).
Relatos de acidentes envolvendo a administração de plantas medicinais e fitoterápicos
que não tenham sido corretamente identificadas ou não apresentem boa qualidade têm se
tornados frequentes na literatura científica. Como exemplo, pode-se citar a ocorrência de
fibrose intersticial renal após a ingestão de fitoterápicos da medicina chinesa, que afetou ao
menos 70 pacientes belgas e 20 chineses, os quais foram submetidos a transplante renal e/ou
diálise. Nos Estados Unidos, a efedra, planta tradicionalmente usada para tratar congestão
respiratória, levou à morte de pelo menos 12 pessoas, além de provocar diversos ataques
cardíacos (CARVALHO, 2011).
Os fitoterápicos apresentam uma composição complexa e uma variabilidade na
qualidade das drogas obtidas. A qualidade e a composição dos princípios ativos das plantas de
uma mesma espécie vegetal é variável. Variabilidade esta que decorre de fatores referentes às
condições das etapas de produção, como por exemplo, a variedade química dos solos,
processo de coleta, manuseio, secagem, armazenamento, processamento da matéria-prima e
preparo dos fitoterápicos (KLEIN et al., 2009; FRANÇA et al., 2008).
Diante da grande importância e variabilidade dos medicamentos fitoterápicos,
autoridades regulatórias ao redor do mundo vêm apresentando uma preocupação com a
normatização dos medicamentos fitoterápicos objetivando a avaliação de aspectos
importantes, como a segurança, a qualidade e a eficácia do uso destes medicamentos.
(BRASIL, 2007; TUROLLA; MAYORGA, 2006).
No Brasil, a legislação para medicamentos fitoterápicos vem sofrendo modificações
nos últimos anos. A ANVISA vem elaborando normas para a regulamentação destes
medicamentos, desde a Portaria nº 6 de 1995, que estabeleceu prazos para que as indústrias
farmacêuticas apresentassem dados de eficácia e segurança dos medicamentos fitoterápicos,
passando pela RDC nº 17 de 2000 e pela RDC nº 48 de 2004, e a atualmente em vigor RDC nº
14 de 31 de março de 2010, que dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos
(TUROLLA; MAYORGA, 2006).
A RDC nº 14/ 2010 estabelece que para a obtenção de registro de um medicamento
fitoterápico faz-se necessário a realização de diferentes testes para validação do medicamento
de forma a garantir segurança no uso, eficácia na utilização e qualidade do produto. Esta
resolução baseia-se em critérios para a garantia da qualidade em fitoterápicos exigindo a
reprodutibilidade dos parâmetros aceitáveis para o controle físico-químico, químico,
microbiológico e biológica dos fitoterápicos. Sendo o último necessário para registro de
produtos importados ou quando não existirem estudos que comprovem a segurança préclínica. Os ensaios pré-clínicos e clínicos de segurança e eficácia deverão ser realizados
seguindo, como parâmetro mínimo, o "Guia para a realização de estudos de toxicidade préclínica de fitoterápicos" publicado pela ANVISA na RE nº 90, de 16 de março de 2004. Os
mesmos também deverão seguir as Boas Práticas de Pesquisa Clínica (BPPC) e as normas
vigentes para realização de pesquisa clínica (BRASIL, 2007; 2010).
A transformação de uma planta num medicamento deve priorizar a preservação da
integridade química dos princípios ativos e por consequência, a ação farmacológica do
vegetal, garantindo a constância da ação biológica desejada. Como as drogas vegetais
apresentam, frequentemente, variações, as exigências da RDC nº 14/ 2010 só podem ser
alcançadas se as empresas produtoras utilizarem-se de extratos padronizados de plantas
(KLEIN et al., 2009).
A identificação da droga vegetal é realizada baseada no padrão de referência o qual
pode ser uma substância definida quimicamente (por exemplo, um componente ativo
conhecido ou uma substância marcadora ou uma classe de compostos químicos presentes na
matéria-prima vegetal) ou um extrato padrão, o qual deve ser referenciado em relação a um
padrão primário, para comprovação da identidade e do teor de marcador (BRASIL, 2010).
Deve-se utilizar padrões de referência oficializados pela Farmacopéia Brasileira ou
outros códigos autorizados pela legislação vigente, ou ainda padrões de referência
devidamente caracterizados. Na inexistência de monografia contendo descrição da droga
vegetal em farmacopéias reconhecidas pela ANVISA, pode ser utilizado como referência, o
laudo de identificação emitido por profissional habilitado ou a descrição em publicação
técnico-científica indexada e perfil cromatográfico ou prospecção fitoquímica, item que
também consta na RDC nº 17 de 16 de abril de 2010 (BRASIL, 2010a/b).
Diferentes métodos podem ser usados para a padronização físico-química de
fitoterápicos, como cromatografias líquida e gasosa acopladas a espectrômetro de massas ou
ressonância magnética nuclear. A técnica acoplada CCD (cromatografia em camada delgada)/
densitometria empregando placas de alta eficiência (HPTLC) tem sido utilizada em análise,
tanto qualitativa quanto quantitativa, de ativos de drogas vegetais e seus extrativos (KLEIN et
al., 2009).
A padronização de fitoterápicos mostra ser um ponto complexo, visto que, na maioria
destes, a atividade é devida a uma mistura de constituintes e alguns deles ainda não
identificados. A fitoequivalência é um método que visa assegurar a uniformidade de ação de
um fitoterápico, através da determinação da atividade de um extrato com vários constituintes.
Após preparar um perfil químico (qualitativo e quantitativo) dos constituintes mais
significantes, utiliza-se métodos farmacológicos e clínicos. Espera-se, portanto, que outros
extratos com o mesmo perfil tenham atividades fisiológicas idênticas. Embora tais produtos,
em
vez
de
realmente
fitoequivalentes,
sejam,
de
fato,
farmacologicamente
ou
terapeuticamente equivalentes. Este termo está bem estabelecido na literatura e continua
sendo utilizado (DAVID et al., 2004).
A RDC nº 14/2010 e 17/2010 estabelecem que quando o medicamento fitoterápico
possuir associações de espécies vegetais em que a determinação quantitativa de um marcador
por espécie não for possível, poderá ser apresentado o perfil cromatográfico que contemple a
presença de ao menos uma substância característica de cada espécie do medicamento,
complementado pelo doseamento de pelo menos um marcador, desde que seja devidamente
justificado.
Além do uso de adequadas técnicas analíticas para caracterizar os medicamentos
fitoterápicos, a garantia de qualidade também exige o controle das matérias-primas vegetais
bem como processos e metodologias analíticas validadas. Um sistema apropriado de garantia
de qualidade deve ser aplicado na fabricação de medicamentos fitoterápicos, o qual deve ser
aliado à aplicação das Boas Práticas de Fabricação (BPF) e ser embasada na estrutura da
produção, minuciosamente planejada, desde o cultivo até a fase de dispensação (KLEIN et al.,
2009; BRASIL, 2010b).
Outros aspectos de qualidade das drogas de origem vegetal devem ser avaliados, como
a carga microbiana, a contaminação química por metais, pesticidas e outros defensivos
agrícolas e a ocorrência de material estranho, como terra, areia, partes vegetais, insetos e
pequenos vertebrados. Considera-se que os materiais vegetais normalmente podem conter um
número de propágulos de fungos e bactérias, pertencentes à microbiota natural ou
introduzidos durante a manipulação, e por isso, há especificação de níveis aceitáveis de
microrganismos nos materiais vegetais. É necessário um nível adequado de sanitização e
higiene em todas as etapas do processo de fabricação, para evitar alterações e reduzir qualquer
tipo de contaminação (KLEIN et al., 2009; BRASIL, 2010b).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que a inserção efetiva da fitoterapia como prática integrativa no Sistema
Único de Saúde brasileiro faz parte de políticas de governo e satisfaz grande parte da
população, visto que comparado aos medicamentos alopáticos, os medicamentos fitoterápicos
têm custos mais baixos e possuem uma maior facilidade no uso e na aquisição.
Diante da biodiversidade do Brasil, da importância da fitoterapia, do conhecimento
tradicional de plantas medicinais e da intenção favorável do governo na inserção destes
medicamentos, existe, atualmente, uma janela de oportunidades para que o Brasil tenha uma
participação destacada no mercado internacional e nacional. Entretanto, existem diversos
obstáculos que dificultam o progresso no acesso e no desenvolvimento de fitoterápicos no
país. É necessário que ocorra um avanço nas pesquisas e nos investimentos e, também uma
maior integração entre as indústrias farmacêuticas e com as universidades e com os centros de
pesquisas, fato que aumentará o embasamento científico e as informações, ainda carentes,
sobre a utilização, eficácia e segurança dos fitoterápicos.
As diretrizes da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos especificam
direções que podem ajudar a resolver parte das dificuldades enfrentadas pelo Brasil na
promoção do uso dos fitoterápicos. Além do investimento no setor, em pesquisas e na
capacitação de recursos humanos, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos
incentiva a agricultura familiar percebendo nesta prática uma estratégia para distribuir melhor
a renda e desenvolver regiões menos desenvolvidas, com a finalidade de diminuir a
desigualdade econômica e social que ainda predomina no Brasil.
Pela variedade inerente ao material vegetal e pela heterogeneidade e irregularidade da
atividade agrícola de plantas medicinais no Brasil, é compreensível a preocupação das
autoridades sanitárias em relação à segurança dos fitoterápicos. A RDC nº 14/2010 estabelece
que para obtenção de registro e consequente comercialização de fitoterápicos faz-se
necessário a comprovação da segurança, eficácia e garantia deste medicamentos através da
apresentação de inúmeros testes e documentos comprobatórios.
Apesar de todas as dificuldades presentes, observa-se um processo de evolução
favorável ao desenvolvimento de fitoterápicos no Brasil. Houve um aumento de publicações
científicas, qualificação profissional, avanços importantes na legislação e cresce a capacitação
e interesse das empresas brasileiras em transformar o capital latente da biodiversidade em
parte da solução do problema de oferta de medicamentos para a atenção básica do SUS e a
produção de riquezas para o país. Entretanto, tem-se ciência de que há muito por fazer, mas
hoje já é possível ser mais otimista em relação ao progresso e efetiva inserção dos
fitoterápicos no Brasil.
Além disso, o desenvolvimento deste campo pode reduzir as desigualdades sociais
existentes em nosso país e ampliar o acesso a medicamentos pela população. Não só como
medicamento, mas também, o cultivo de plantas medicinais em regiões menos favorecidas
representa uma fonte de renda que permitirá desenvolver regiões e gerar inclusão social e
econômica.
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