351 URGÊNCIAS NEUROLÓGICAS: O QUÊ O CIRURGIÃO GERAL DEVE SABER Prof. Dr. Marco Antonio Herculano As urgências neurológicas que todos médicos deveriam saber incluiriam as traumáticas de maneira geral, envolvendo os traumatismos cranianos e raquimedulares, as crises epilépticas, os acidentes vasculares cerebrais agudos, as compressões agudas dos nervos periféricos, como nas hérnias discais e a hipertensão intracraniana. Discorrer sobre esses assuntos demandaria vários capítulos, motivo pelo qual escolhemos apenas um tema que nos pareceu mais relevante, já que os traumatismos são freqüentemente abordados em diversas publicações e cursos. Os acidentes vasculares demandariam uma análise mais profunda, pois ainda são motivo de estudos mais acurados quanto a forma de tratamento e as compressões radiculares não representam riscos imediatos à vida. Dessa forma iremos nos ater ao estudo da hipertensão intracraniana. HIC – HIPERTENSÃO INTRACRANIANA Na prática diária das salas de emergência uma das situações de maior gravidade e que necessita rápido reconhecimento para chegar a resultados positivos em 87,5% dos casos, tratados clinica ou cirurgicamente, são as hipertensões intracranianas agudas, não traumáticas. Esses quadros atingem uma população jovem entre 15 a 45 anos e podem ter suas causas presumidas em 76% das vezes, como sugere a Tabela 1. O abuso de drogas, em especial as simpaticomiméticas como a cocaína, anfetaminas, fenilpropanolamina sempre devem ser considero em adultos jovens. O uso habitual do álcool (mais que três doses ao dia) aumenta, aproximadamente, em sete vezes o risco de HIC. 352 TABELA 1. Causas de Hipertensão Intracraniana (HIC) espontânea, em adultos jovens. Etiologia % MAV (malformação artério-venosa) rota 29,1 Hipertensão arterial 15,3 Aneurisma sacular roto 9,7 Abuso de drogas simpático-miméticas 6,9 Tumor 4,2 Intoxicação aguda com EtOH 2,8 Pré-eclâmpsia/ eclampsia 2,8 Trombose do seio sagital superior 1,4 Moya-moya 1,4 Crioglobulinemia 1,4 Indeterminada 23,6 FISIOPATOLOGIA Todo aumento de volume intracraniano leva à hipertensão intracraniana aguda, isto porque o cérebro está contido numa caixa óssea rígida e inelástica, não permitindo compensação da pressão. No interior da caixa craniana encontramos, além do cérebro, o líquido cefalorraquidiano (entre 120 a 140 ml, em condições normais), assim como aproximadamente 100 ml de sangue, necessários para a irrigação cerebral. Em condições fisiológicas a proporção entre esses componentes se mantém inalterada e o aumento de volume de cada um deles implica em diminuição compensatória dos outros. Assim, nas hemorragias intracranianas, a pressão aumenta agudamente motivada pelo extravasamento do sangue que pode se coletar em forma de um hematoma ou ficar difuso no liquido cefalorraquidiano. O mesmo acontece com o aumento do liquido cefalorraquidiano, por aumento de produção ou diminuição na reabsorção, nas hidrocefalias. Frente ao aumento da massa cerebral, por edema cerebral ou a presença de uma massa tumoral, ocorre, inicialmente, uma diminuição na quantidade de liquido cefalorraquidiano e com o aumento progressivo da pressão intracraniana ocorre diminuição da quantidade de sangue circulante, levando a um círculo vicioso com desequilíbrio agudo, quando atingido o limite da complacência cerebral. 353 A pressão intracraniana normal é de 5 a 15 mm de Hg, ou seja, 3 a 20 cm de água, variando de acordo com a respiração e batimentos cardíacos, oscilações sincrônicas conhecidas como pulso cerebral. Esse aumento de pressão intracraniana leva ao encravamento de estruturas anatômicas localizadas abaixo da foice cerebral e nas imediações do corpo caloso, hérnias sub-falcinas. O encravamento do mesencéfalo na fissura do tentório, borda livre da tenda possui maior importância clínica, hérnia do uncus do temporal, causando a síndrome mesencefálica com distúrbios respiratórios e devido a compressão do nervo oculomotor contra o bordo livre da tenda surge a dilatação pupilar homolateral, por lesão das fibras do sistema parassimpático que transitam por esse nervo. Essa lesão desencadeia a anisocoria sinal sugestivo de processo expansivo encefálico unilateral. O aumento progressivo da pressão intracraniana provoca também o encarceramento da medula oblonga quando a amígdalas cerebelares são pressionadas para dentro do forame magno. Essa situação é bastante complicada, pois resulta na compressão dos centros respiratório e circulatório não bulbo. Esse mecanismo pode ser desencadeado nas punções lombares em pacientes com hipertensão intracraniana. O aumento da pressão intracraniana leva a um desequilíbrio da irrigação intracraniana que de início tende a aumentar devido a múltiplos fatores, inclusive a compressão das veias de drenagem intracraniana, porém segue-se uma diminuição do fluxo sanguíneo com hipóxia, diminuição do pH e aumento do edema cerebral. CONDUTA DO SERVIÇO Seja qual for sua etiologia, a hipertensão intracraniana sempre constitui uma ameaça direta à vida do paciente e seu tratamento se impõe de imediato. O tratamento cirúrgico deve ser realizado quanto antes, sempre que a causa for um processo expansivo, devidamente diagnosticado através dos exames subsidiários. Quando devido a edema cerebral, a hipertensão intracraniana não é passível de tratamento cirúrgico. Antigamente praticavam-se aberturas cranianas deixando-se a dura-máter em aberta, porém esse procedimento não costuma 354 trazer grandes benefícios. Daí a importância da instituição do rápido tratamento medicamentoso, já que a profilaxia não é muito eficaz. A maneira mais simples de facilitar a drenagem venosa é colocar o paciente em posição de Fowler (elevação do tronco com flexão de 30 graus nos quadris). O uso da dexametasona, apesar de controverso, continua a ocupar lugar de destaque nos casos de tumores, em especial nas metástases cerebrais, devendose ter especial atenção em relação aos efeitos colaterais: possíveis hemorragias gástricas, diminuição da resistência diante das infecções, ativação de diabetes mellitus latente e oscilações da glicemia em pacientes diabéticos. A infusão em bolo de manitol constitui um meio eficaz para combater o inchaço cerebral e a hipertensão intracraniana devida a essa situação. O manitol existe no comércio em soluções a 20%. As soluções hipertônicas retiram o líquido através da osmose intersticial e seu efeito se limita a 4 a 6 horas, podendo surgir o efeito rebote, ou seja, o líquido volta aos tecidos pelo mesmo mecanismo de osmose. Por essa razão o uso de drogas hiperosmóticas deve ser restrito ao tratamento das crises aguda de hipertensão intracraniana. Também está demonstrado que a redução do metabolismo cerebral provoca a queda da pressão intracraniana e essa redução pode ser obtida com a hibernação que leva a hipotermia artificial, porém esse método é de difícil aplicação. Entretanto, está demonstrado que a aplicação de derivados barbitúricos como o tiopental levam, também, a uma diminuição do metabolismo cerebral, reduzindo de forma significativa a hipertensão intracraniana. O uso dessas drogas, obrigatoriamente, deve ser associado a ventilação mecânica com monitoração adequada. A hiperventilação controlada leva a diminuição do aporte de sangue no interior da caixa craniana, logo, à redução da pressão intracraniana, porém o seu uso por tempo prolongado causa alteração na membrana surfactante com conseqüente hipóxia e aumento da hipertensão intracraniana. Por fim, devemos chamar a atenção para o fato de que, o paciente inconsciente reage a estímulos dolorosos, aumentando a pressão intracraniana, mesmo sem qualquer reação externa, portanto é indispensável o uso de anestésicos locais em qualquer intervenção, mesmo as de pequeno porte, tal qual a introdução de cateteres venosos. 355 RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA Hipertensão intra-craniana Objetivo: PIC < 20mmHg Medidas gerais Intervenção Ventilação mecânica Elevação da cabeceira 30° Resfriamento do paciente Avaliar distúrbios hidroeletrolíticos Manter PAS >100mmHg Considerar drogas vasoativas Manter hipocapnia: 30-35 mmHg Restringir água livre Considerar Bloqueadores H2 ou IBP (úlceras de Cushing) Hiperventilação controlada Medidas seriadas da satO2 em sangue venoso jugular Manitol 0,25 a 1g/kg 3/3h ou 6/6h Discutir prognóstico 356 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Greenberg MS. HIC em adultos jovens. Manual de neurocirurgia. Ed 5. Porto Alegre, 2003, Artmed, 795-92. 2. Schirmer M. Particularidades da medicina intensiva em neurocirurgia. Ed 7. São Paulo. Editora Santos, 307-15. 3. Ucar T, et al. Role of decompressive surgery in the management of severe head injuries: prognostic factors and patient selection. J Neurotrauma. 2005 Nov;22(11):1311-8. 4. Mussack T, et al. Cerebral perfusion pressure for prediction of recurrent intracranial hypertension after primary decompressive craniectomy. Eur J Med Res. 2005 Oct 18;10(10):426-33. 5. Winter CD, et al. A review of the current management of severe traumatic brain injury. Surgeon. 2005 Oct;3(5):329-37. Review.