CONEXÃO FAMETRO: ÉTICA, CIDADANIA E SUSTENTABILIDADE XII SEMANA ACADÊMICA ISSN: 2357-8645 CONEXÃO FAMETRO: Ética, Cidadania e Sustentabilidade XII SEMANA ACADÊMICA Inserir os nomes dos autores (Luana Dias) A JUSTIÇA SEGUNDO FOUCAULT Taiane Martins Jerônimo1 Profa. Da. Raquel Vasconcelos2 FAMETRO – Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza [email protected] Título da Sessão Temática: Constituição, Cidadania e Efetivação de Direitos. RESUMO Este ensaio tem como objetivo analisar as discussões teóricas de Foucault a partir do texto “Sobre a Justiça Popular”, verificando de que modo tais discussões contribuam para o Serviço Social. São analisados os conceitos de justiça, refletindo sobre o sistema judiciário e sua relação com a justiça na perspectiva de Foucault. A forma como o aparelho de Estado enquadra o poder na manutenção do direito a partir do jure popular, cuja função é contribuir para a manutenção do poder é prol dos interesses do Estado. Trata-se de uma pesquisa teórica com viés exploratório do texto “Sobre a Justiça Popular”. Palavras-chave: Justiça. Poder. Justiça Popular. INTRODUÇÃO O ensaio discuti o texto de Foucault intitulado “Sobre a Justiça Popular”, verificando quais as contribuições da concepção foucaultiana de justiça para o Serviço Social. Para isso, são trilhados dois momentos de discussões: o primeiro, nomeado “A Justiça Popular na Perspectiva Foucaultiana”, discute a justiça como exercício do poder, refletindo seu funcionamento para a sociedade e de que modo a justiça atende, de fato, aos interesses sociais. O segundo momento, intitulado “As contribuições de Foucault 1 Graduanda do 5º semestre do curso de Serviço Social da Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza e integra o grupo de Estudo “O pensamento político de Foucault”. 2 Licenciada em Filosofia, Mestrado em Ética, Filosofia Social e Política e Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Estadual do Ceará, e doutora em Educação na linha de pesquisa Fundamentos Sócio-histórico e Filosófico da Educação pela Universidade Federal do Ceará e doutorado sanduíche pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora da Fametro e coordena nesta instituição o grupo de estudo “O pensamento Político de Foucault” que integra os cursos de Serviço Social e Direito. para o Serviço Social”, analisa as contribuições da obra de Foucault para o Serviço Social. Neste momento, analise-se no texto, “Sobre a Justiça Popular”, de que modo as discussões foucaultiana permite a/ao profissional um olhar mais crítico aos acontecimentos da sociedade. DESENVOLVIMENTO / PERCURSO METODOLÓGICO A JUSTIÇA POPULAR NA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA Para entrar na discussão ao que diz respeito à justiça popular, acredito ser interessante antes de qualquer coisa, esclarecer pontos importantes que se pôde perceber na leitura do livro “Microfísica do Poder”, no capitulo “Verdade e Poder”, em que Foucault esclarece que o saber é uma forma de exercício de poder. Tal afirmação também está presente no texto “Sobre a Justiça Popular”, neste Foucault acrescenta, à discussão do saber como um exercício de poder presente no texto “Verdade e Poder”, a afirmativa de que o poder exercido pelas grandes instituições tem o intuito de controle sobre a sociedade. Ele delineia em tais discussões a relação saber-poder utilizado pelo sistema judiciário. Para Foucault, o tribunal não é a expressão natural da justiça popular como deveria ser, mas uma forma de conter, reprimir e reescrever o discurso proposto pelo aparelho de Estado, favorecendo, manipulando e moldando a justiça popular no intuito de beneficiá-lo enquanto instituição que determina a justiça. O tribunal concebe uma ideia de justiça que determina também a ordem imposta pela classe dominante. A minha hipótese é que o tribunal não é a expressão natural da justiça popular, mas, pelo contrário, tem por função histórica reduzi-la, dominá-la, sufocá-la, reinscrevendo-a no interior de instituições características do aparelho de Estado (FOUCAULT, 2013, p. 87.). Um ponto importante que podemos identificar no texto, é a abordagem que Foucault faz de justiça como instrumento de poder entre as classes sociais. O autor reconhece a justiça também como instrumento de resistência importante e autêntico das classes oprimidas. Para Foucault (2013), a questão da justiça está sempre presente em todas as lutas sociais, mas aconselha que “ao invés de pensar a luta social em termos de ‘justiça’, deve-se enfatizar a justiça em termos de luta social” (2013, p. 89). Segundo Foucault, quando uma sociedade de classe decide sobre o justo ou injusto, são tomadas por uma instancia que se diz neutra como o tribunal judiciário e a concepção social de justiça. Esta, no entanto, corresponde aos interesses da classe que a instituiu e a controla. O autor afirma que o tribunal, enquanto aparelho do Estado, tem função de dividir as massas, pois “a justiça popular reconhece na instância judiciária um aparelho de Estado representante do poder público e instrumento do poder de classe.” (FOUCAULT, 2013, p. 93) Ao se referir à uma instância neutra, Foucault está se referindo às decisões tomadas pelo juiz, que no momento do veredito final, tem em seu discurso uma verdade que deveria originar de uma posição neutra. Mas não é bem isso que acontece uma vez que o juiz assume uma posição de autoridade que perpassa em ultima instância um ordem/decisão que deve ser obedecida. Mas na visão de Foucault a ideia de autoridade neutra, que decide entre duas partes com base numa justiça com valor absoluto, é totalmente contrária à ideia de justiça popular, pois na justiça popular existem apenas as massas e os seus inimigos, aqui não existe um elemento neutro que decida com autoridade. Foucault ver a subversão do poder judiciário pelas classes oprimidas como atos de justiça popular em resistência e superação da opressão exercida pela classe dominadora. Para ele quando os oprimidos decidem punir ou reeducar seus inimigos suas decisões têm como base a experiência dos danos que sofreram e a forma como foram prejudicados. A classe oprimida não inicia uma guerra contra a classe opressora porque considera tal guerra justa, mas porque ela quer, finalmente, tomar o poder. Por outro lado, no seio de uma sociedade divida em classes, a noção de justiça pode funcionar como uma demanda dos oprimidos ou como uma justificativa para tal demanda. (BRANDÃO, 2010, p. 7) Para Foucault, a justiça popular deve promover o esclarecimento da política e a eliminação da alienação e da divisão ideológica entre diferentes camadas das classes populares, para que as pessoas possam ter uma melhor visão do que acontece ao seu redor, sem que sejam induzidos pelo poder da classe dominante. Isto significa que a noção de justiça como uma demanda social dos oprimidos aponta para uma dimensão de desiguais na tomada de decisão na efetivação da justiça. Na justiça popular existem apenas as massas e seus inimigos. Aqui inexiste um elemento neutro que decide com autoridade. Tão pouco, os oprimidos se valem de uma noção de justiça abstrata e universal, quando decidem punir ou reeducar seus inimigos. Sua decisão tem como base a experiência concreta. Isto é, os danos que sofreram e a forma como foram prejudicados. (BRANDÃO, 2010, p. 8) Vale ressaltar que ao longo da tradição filosófica ocidental, sempre houve por parte dos filósofos estabelecer discussões acerca da questão da justiça, cujas discussões sobre justiça remete ao exercício político que perpassa os costumes conforme o grupo social. Também é notória nessas discussões a preocupação dos filósofos em estabelecer o conceito de justiça, vista como fundamental à convivência social. Isto significa como assinala Brandão, que a tradição mais clássica da filosofia estabeleceu duas classificações acerca do conceito de justiça. “Na primeira, justiça se refere ao sujeito ou ao seu comportamento em relação à norma. Na outra, a justiça é tomada como meio para um bem maior. Esta análise nos deu critérios para reduzir a amplitude do campo de investigação filosófica sobre a justiça nas obras de Foucault.” (BRANDÃO, 2010, p. 2) Assim, a justiça em Foucault toma uma amplitude para pensar, na concepção foucaultiana, o poder como exercício que se dá nas relações sociais. Em “Vigiar e Punir”, Foucault esclarece que “a punição passa por mudanças, tornando-se a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível.” (1987, p. 13). Portanto, a certeza da punição desvia o acusado do crime que não se dá mais na dimensão do suplício, mas aos olhos da Poder Judiciário que tem na justiça popular sua maior expressão participativa do povo. A nova instancia judicial tem na lei sua nova forma de “punição” legal que obedece a novas engrenagens. Estas serão utilizadas na dimensão de uma justiça legal que do ponto discursivo não tem mais como prática a violência exercida no suplício sob a ordem do poder soberano. Por essa razão, assinala Foucault, “a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício.” (1987, p. 13) Na verdade, a prática judicial, a partir das novas engrenagens, tem como objetivo a docilização dos corpos. AS CONTRIBUIÇÕES DE FOUCAULT PARA O SERVIÇO SOCIAL O Serviço Social é uma profissão que vem passando por transformações desde seu surgimento. Sabemos que tem sua origem baseada no conservadorismo trazido por sua ligação com a Igreja Católica, mas que ao longo dos anos com as transformações sociais, foi necessária uma mudança na sua forma de abordagem acerca da questão social. Isto foi possível devido aos questionamentos sobre qual seria o papel social dos profissionais do serviço social na transformação da sociedade, profissionais essas que questionavam as práticas conservadoras, clientelistas e paternalista do serviço social. Eles começaram a repensar suas práticas e começaram, então, o processo de ruptura das de tais práticas. Com essa ruptura, uma das mudanças que se fez necessária foi a questão do embasamento teórico, que antes seguia uma linha conservadora do modo de exercício da profissão, tendo, por sua vez, a necessidade de uma teoria que lhe trouxesse mais cientificidade, uma teoria que lhes proporcionassem uma visão crítica e pudesse conduzi-los à realidade social que possibilitasse transformações da sociedade, podendo, assim, tomar uma posição diante das questões sociais, nas quais teriam que buscar formas de intervenção vinculada ao estado de direito, cuja função é solucionar as mazelas sociais visando transcender a esmola em direção aos direitos sociais. Atualmente o Serviço Social tem utilizado as discussões de Michel Foucault para pensar os fenômenos sociais vinculados à questão social, sem sombra de dúvidas a obra de Foucault tem proporcionado aos estudantes do curso de Serviço Social lançar outro olhar no tocante à questão social, conduzido os estudantes a repensarem a prática da/o profissional não somente do referido curso, mas também de outras áreas do conhecimento. Foucault permite uma forma diferente de analisar os problemas que cercam a questão social, pois contribui numa visão mais crítica na forma de olhar os fenômenos sociais. Ele impacta e possibilita um posicionamento que perpassa uma visão mais segura de como realmente as coisas acontecem. O texto, “Sobre a Justiça Popular”, com certeza, assim, como outros textos da obra Microfísica do Poder, contribui para nosso aprendizado e nossa prática como assistentes sociais em formação, pois, no referido texto Foucault aponta que sempre é necessário sair da aparência à realidade das coisas, nem sempre o que julgamos ser realmente é. Para muitos a justiça exerce somente uma função, mas, para Foucault, a forma como a justiça popular é conduzida pelo o poder judiciário levanta desconfiança, ele nos faz perceber que a justiça e, em especial a justiça brasileira, se dá na ordem do discurso, ou seja, a prática da justiça é mero discurso que, muitas vezes, favorece a classe dominante e ao aparelho de Estado que, por sua vez, a utiliza como controle. A discussão de Foucault vem nos elucidar, libertando-nos da alienação oriunda da falsa promessa dos discursos jurídicos, podendo, assim, conduzir-nos a outra tomada de posição contrária à justiça popular que não atua de modo neutro e se posiciona a favor do poder judiciário. Foucault incita a/ao o exercício do poder. Este como instrumento de transformação social uma vez que somos capazes de perceber as mazelas causadas pela questão social, mesmo, que, muitas vezes, o nosso discurso não venha a ser validado. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo do texto “Sobre a Justiça Popular” permitiu identificar que as relações de poder, enquanto o exercício do poder que se dá nas relações, sempre favorece as classes dominantes. Nós continuamos sendo induzidos a reproduzir os discursos que as grandes instituições, sobretudo o aparelho de Estado, impõe. Foucault esclarece que a justiça na sociedade não exerce seu verdadeiro papel uma vez que a justiça popular é conduzir a reproduzir o discurso jurídico como único discurso válido. Acredito que as discussões sobre a justiça popular pôde nos permite uma formação que facilita lançar um novo olhar à justiça e à sociedade, como diz Foucault, lançar outro olhar as suas deformidades. Isto implica que a deformidade da justiça social não é algo restrito ao sistema judiciário, mas a todos os setores da sociedade que reproduz os discursos válidos. REFERÊNCIAS FOUCAULT, Michel. Sobre a justiça popular. IN: ________. MICROFÍSICA DO PODER. 26 ed. São Paulo: Graal. 2013. __________.Vigiar e punir: nascimento da prisão. 27. ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. BRANDÃO, Caius. A Justiça Popular em Michel Foucault. Projeto de Pesquisa da Ética Contextualizada a uma Moral Universal, de Iniciação Científica. 2010. __________. A Justiça Popular em Michel Foucault. Artigo publicado na Academia Edu. https://www.academia.edu/1085512/A_justiça_Popular_em_Michel_Foucault.