quem tem medo de george soros?

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Belluzzo, Luiz Gonzaga de Mello. "Quem Tem Medo de George Soros?." São Paulo: Folha de
São Paulo, 07 de setembro de 1997.
Quem Tem Medo de George Soros?
Autor: Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
Assunto: Economia Internacional
Publicado pela Folha de São Paulo em 07/09/97
Desde a afirmação de sua supremacia, em meados dos anos 80, os mercados financeiros
"globalizados" foram palco de uma sucessão de episódios críticos. Entre eles estão o crash
das bolsas de valores em 1987, o crash dos mercados imobiliários em 1989, o colapso da
Bolsa de Tóquio em janeiro de 1990, os ataques às moedas fracas do SME em 1992 e 1993, a
crise no mercado americano de bônus no início de 1994, a crise mexicana de dezembro do
mesmo ano e, finalmente, a derrocada das moedas nacionais e dos preços dos ativos (reais e
financeiros) nos chamados "tigres asiáticos de segunda geração". Isto para não falar do forte
movimento de desvalorização/valorização do dólar entre abril/junho de 1995 e os dias de
hoje, acompanhado da espantosa volatilidade da bolsa nova-iorquina.
É um truísmo afirmar que estes "novos" mercados financeiros são intrinsecamente
especulativos, uma vez que as posições "compradas" e "vendidas" são sempre tomadas em
relação às expectativas de variação dos preços dos ativos, cujos estoques já existentes
determinam as condições de formação dos preços dos fluxos de novas emissões.
Nestes mercados globalizados, os administradores de grandes carteiras buscam combinar
ativos que prometem elevados ganhos de capital, tomando em consideração o preço dos
ativos nas respectivas moedas de denominação, mais a expectativa de
valorização/desvalorização cambial.
Os processos especulativos são, em geral, desencadeados quando empresas (públicas e
privadas), ações, imóveis, títulos financeiros, percebidos como "subvalorizados" sofrem um
súbito choque de demanda. Ingressam, a partir daí, numa espiral altista de preços que tende a
se auto-reforçar, suscitando, ao mesmo tempo, a valorização da moeda do país abençoado
pela escolha dos capitais livres e líquidos.
A ruptura de um determinado estado de convenções e certezas que sustentava uma onda de
especulação altista costuma resultar, nos mercados com as características descritas, em
agudas deflações de preços dos ativos sobrevalorizados. A questão se torna ainda mais
delicada quando se sabe que estas posições podem estar muito "alavancadas", apoiadas na
expansão do crédito bancário.
Quando as avaliações mudam de direção, os bancos centrais, valendo-se do aumento das
taxas de juros ou mediante o uso das reservas, encontram dificuldades para defender a moeda
nacional do ataque especulativo. A experiência tem demonstrado que, diante da desproporção
habitual entre reservas e ativos líquidos domésticos, o "rearranjo de portfólios" costuma
provocar "exageros" nos movimentos de preços (tanto dos ativos quanto, evidentemente, das
moedas nacionais), o que tende a magnificar os ganhos (ou perdas) de capital estimados
pelos detentores de riqueza. Quem ficar por último é a mulher do padre. É bom registrar que
a elevação das taxas de juros pode até mesmo agravar a fuga da moeda local, caso as
posições cambiais estejam protegidas por derivativos cujos preços se movem na mesma
direção dos juros, como ficou demonstrado no episódio de especulação contra a lira em 1992.
Os ataques especulativos contra paridades cambiais, os episódios de deflação brusca de
preços de ativos reais e financeiros, bem como as situações de periclitação dos sistemas
bancários são o resultado inevitável do livre movimento do capital flutuante. Até agora, essas
situações têm sido contornadas pela ação de última instância de governos e bancos centrais
da tríade (Estados Unidos, Alemanha e Japão). Apesar disso, não raro, até mesmo países sem
tradição inflacionária foram submetidos a crises cambiais e financeiras, cuja saída exigiu
sacrifícios em termos de bem-estar da população e renúncia de soberania na condução de
suas políticas econômicas.
A inserção dos países neste processo de globalização financeira foi hierarquizada e
assimétrica. Os Estados Unidos usufruindo de seu poder militar e financeiro dão-se ao luxo
de impor a dominância de sua moeda, ao mesmo tempo em que mantém um déficit elevado e
persistente em conta corrente e uma posição devedora externa. Isto significa que os mercados
financeiros parecem dispostos a aceitar, a despeito das flutuações do valor de sua moeda, que
os Estados Unidos exerçam, dentro de limites elásticos, o privilégio da "segniorage". Esta
polarização da confiança no dólar acentua, de outra parte, as limitações à autonomia das
políticas nacionais de outros países. A intensidade da restrição depende da forma e do grau
da articulação das economias nacionais com os mercados financeiros sujeitos à instabilidade
das expectativas.
Japão e Alemanha, por exemplo, são superavitários e credores e por isso têm mais liberdade
para praticar expansionismo fiscal e juros baixos, ou tolerar amplas flutuações no valor de
suas moedas, sem atrair a desconfiança dos especuladores. Na outra ponta do espectro de
"confiabilidade", países com passado monetário turbulento, precisam pagar elevados prêmios
de risco para refinanciar seus déficits em conta corrente.
O capital vagabundo conta, nos Estados Unidos, com um mercado amplo e profundo, onde
imagina poder descansar das aventuras em praças exóticas. A existência de um volume
respeitável de papéis do governo americano, reputados por seu baixo risco e excelente
liquidez, tem permitido que a reversão dos episódios especulativos, com ações, imóveis ou
ativos estrangeiros, seja amortecida por um movimento compensatório no preço dos títulos
públicos americanos.
Os títulos da dívida pública americana são vistos, portanto, como um refúgio seguro nos
momentos em que a confiança dos investidores globais é abalada. Isto significa que o
fortalecimento da função de reserva universal de valor, exercida pelo dólar, decorre
fundamentalmente das características já aludidas de seu mercado financeiro e do papel
crucial desempenhado pelo Estado americano como prestamista e como devedor de última
instância.
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