92 1. HISTÓRIA E MEMÓRIA 1.1.Fundamentos Teóricos Para captar

Propaganda
92
HISTÓRIA, HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E INSTITUIÇÕES ESCOLARES:
ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Mariana Pecoraro de Souza
Universidade Federal de Uberlândia
Décio Gatti Júnior
Centro Universitário do Triângulo e Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo compreender os principais aspectos teórico–metodológicos no
campo da pesquisa em História da Educação, especificamente da História das Instituições Escolares,
considerando que este é um dos temas, que vem despertando o interesse de diferentes pesquisadores da
área educacional. Para tanto efetuou-se uma revisão bibliográfica dos temas abordados que incluiu textos
gestados no período de 1970 até a atualidade. As fontes a saber foram: livros, revistas científicas, textos,
dissertações, etc. A pesquisa é essencialmente bibliográfica, uma vez que visa fundamentação teóricometodológica. Por isso buscou-se uma bibliografia que ressaltasse os papéis que a História veio
desenvolvendo até se tornar uma ciência em fins do século XIX, com a escola positivista. E daí por
diante como se desenvolveram suas pesquisas? Quais foram sues objetos? Sua metodologia e suas
fontes? E quais foram os temas que foram surgindo até chegar à História da Educação e na Pesquisa em
Instituições Educacionais? E em relação a esta última, como ela é realizada? Que métodos e técnicas são
utilizados na sua produção? Foram questões que se buscou responder. Tais respostas permitiram a
construção do processo de memorização da história, e esta por sua vez possibilitou verificar que a
História busca responder a questões de cada tempo em cada local. O que explica seus diferentes objetos
e temas. Pode-se ver isto claramente na questão do registro realizado pelos historiadores. De modo geral,
pode-se afirmar que em fins do século XIX a fonte preferida era o documento escrito, sobretudo o
oficial, no qual a objetividade do registro era garantida pela fidelidade ao mesmo. Com a Escola dos
Annales, passa-se a incorporar a ele outras fontes de natureza diversa, tais como objetos, signos,
icnografia, etc. O ponto de partida da investigação passa do documento escrito para o problema. O fato
do historiador querer trazer para o seu trabalho toda a diversidade das manifestações das relações
humanas, traz duas ordens de dificuldades, a primeira está na própria tradição historiográfica que
dificulta a incorporação de outras linguagens ao trabalho do historiador, e outra está no próprio
historiador em sentir-se despreparado para lidar com ela. É importante lembrar que não dá para separar a
produção de uma linguagem das condições históricas em que ela foi produzida. Em seu trabalho, o
historiador deve levar em consideração como determinada sociedade pensou de si própria. Toda essa
compreensão do desenvolvimento na pesquisa em História, levou conseqüentemente, ao avanço das
investigações em História da Educação. Devido ao avanço da investigação da história educacional
brasileira o conhecimento sobre as mais diferentes épocas e temáticas ampliou-se consideravelmente.
Isso trouxe a possibilidade de recriação de um dos objetos da história da educação brasileira, a
instituição escolar, trazendo à tona aspectos antes ignorados ou secundarizados. Passa-se a analisar a
escola não só como um prédio cheio de carteiras, com alguns alunos, alguns professores, com materiais
didáticos, a diretora, a faxineira e a merendeira. Começa-se a questionar o porque deste prédio, o porque
destes alunos, o porque destes professores. Qual era a situação política e econômica na época em que
esta escola foi instalada. Agora muito mais do que um simples relatório histórico, a história das
instituições educacionais, busca compreender toda problemática envolvida na construção da instituição,
levando em consideração todos os seus aspectos, sociais, financeiros, políticos, religiosos, etc.
TRABALHO COMPLETO
1. HISTÓRIA E MEMÓRIA
1.1.Fundamentos Teóricos
Para captar o desenrolar da história e fazer dele objeto de uma ciência, historiadores e
filósofos esforçam-se para encontrar e definir as leis da história. Nesse as tentativas que, ao
93
longo do século XX sofreram falência são as teorias cristãs do providencialismo e o marxismo
vulgar.
A história aparece como algo que necessita ser compreendida e explicada à partir da
época moderna, pois enquanto os homens garantiam sua própria existência em condições
naturais não se punha na necessidade de compreender a razão, o sentido e a finalidade das
transformações.
Quando a visão do tempo deixa de ser cíclica, surge a necessidade de compreender a
causa, o significado e a direção das transformações, seguindo uma linha progressiva que se
projeta para frente ligando o passado ao futuro por meio do presente.
Sobre as bases das reflexões de Hegel e Comte, século XIX (corrente positivista), foi
possível imprimir caráter científico aos estudos históricos. O registro preferido pelos
historiadores nessa época era o documento escrito, sobretudo o oficial, onde a objetividade do
registro era garantida pela fidelidade ao mesmo. Sendo assim, o trabalho do historiador
consistia em tirar tudo o que continha nos documentos, nem mais nem menos.
O positivismo teve uma larga e longa predominância na produção historiográfica,
talvez seja devido ao caráter de gênero literário, ou seja, a consideração da História como
narrativa, descrição dos fatos.
Essa hipótese ganha maior consistência, se considerarmos a pouca familiaridade dos
historiadores com o trato de teorias, como a reflexão filosófica e a epistemologia da ciência.
Segundo Ciro Flamarion Cardoso, raramente os historiadores escrevem uma história
científica e racional, isso porque, muitos historiadores carecem de uma formação que a tanto
os habilite. A falta de preparo científico leva o historiador a utilizar argumentos envelhecidos,
além de conhecidos só de segunda mão. (CARDOSO, 1997. p. 11)
Organiza-se na década de 20 do século XX um movimento que conhecido como,
Escola dos Annales que buscava superar os limites da historiografia tradicional de fundo
positivista até então dominante. Ela amplia a noção de documento. Para esses historiadores o
acontecer histórico se faz a partir das ações dos homens. Aqui, então, incorporam-se ao
documento escrito, outros de natureza diversas, tais como objetos, signos, paisagens, etc. "O
documento já não fala por si mesmo mas necessita de perguntas adequadas". (VIEIRA,
PEIXOTO, KHOURY, 1998. p 15 ) O ponto de partida da investigação passa do documento
escrito para o problema. Não se quer afirmar que o documento escrito não tenha o seu valor,
pelo contrário, ele é elemento importante no esquema explicativo, e é usado como ilustração
de acordo com a vontade e competência do pesquisador.
Na década de 60, do século XX, é colocado pelos historiadores dos Annales, na
técnica, o critério de objetividade da construção histórica, assim a própria problematização do
objeto é feita a partir do envolvimento com a técnica, não se levando em conta as
ambigüidades e dificuldades conceituais dos dados.
Surge a partir dos anos 70 o que se denomina Nova História com adoção de
pressupostos estruturalistas oriundos da filosofia, da linguística e da etnologia, que se
contrapunha à historiografia, que vinha sendo praticada seja na perspectiva positivista, na
perspectiva crítica marxista ou tributária da Escola dos Annales. Colóquios e obras, na sua
maioria coletivas, fizeram um balanço das novas orientações da história. Um trabalho
conjunto (Lê Goff e Nora, 1974) apresentou com título Faire de I’historie, os “novos
problemas”, as “novas abordagens” e os “novos objetos” da história. (LE GOFF, 1990).
O mal-estar teórico e epistemológico que os cientistas sociais atuais passam, foi
também passado pelos cientistas naturais no final do século XIX. Só que na atualidade essa
questão tem um agravante, o objeto dessa ciência, que são as sociedades humanas
contemporâneas mudou muito e ainda está mudando. Essa circunstância favorece a
construção da história em várias histórias, abandonando as explicações de amplo alcance.
94
Ciro Flamarion Cardoso faz o inventário das principais críticas ao paradigma pósmoderno, a primeira se refere ao anti-racionalismo dessa corrente que é acompanhado de
certos desleixos teórico e metodológico, o segundo é que os pós-modernos costumam ser mais
apodícticos e retóricos do que argumentativos, não se preocupando com a contestação das
posições contrárias. Terceiro é que existem paradoxos e aporias insolúveis em muitas das
posições pós-modernas. O quarto diz respeito a denuncia que os pós modernos fazem de que o
racionalismo como terrorismo está a serviço do poder, porém isto não quer dizer que os pósmodernos sejam mais tolerantes do que aqueles que criticam e combatem. (CARDOSO, 1997)
Essa contraposição apresentada por Ciro entre os paradigmas iluministas e pósmoderno, implica em uma esquematização um tanto simplificadora, já que estas correntes são
opostas.
1.2.
MEMÓRIA
O historiador não trabalha com a memória individual e nem com a memória coletiva,
ele faz sim uso das duas, mas para construir a memória histórica que é provisória, é uma
racionalização e está sempre em construção. Ela é a tentativa de construção do passado. Tenta
entender o que é comum e incomum nos diferentes grupos sociais. É a linha condutora. Pois
não interessa para o historiador refazer o real e sim interpretá-lo.
Nóvoa (1992) parte do pressuposto de que toda história parte do presente, que o
passado não é o objeto, mas que buscamos no passado vestígios deixados que nos ajudem a
responder as questões sugeridas pelo mundo em que vivemos.
Algumas recente metodologias apontam o presente como fonte do passado, pois a
apropriação histórica não serve para legitimar o que já foi, mais para preparar o que há de ser.
Para Nóvoa, a História é sempre um diálogo em que o presente é um dos interlocutores
privilegiados.
1.3.
METODOLOGIA DE PESQUISA
A história-conhecimento é uma representação do real, e não o real em si mesmo. Por
isso, os procedimentos da pesquisa não devem ser definidos a priori, mas sim no decorrer da
pesquisa como fruto do próprio diálogo. O interesse do pesquisador por certos assuntos
dependerá de sua visão da sociedade e de sua proposta de intervenção nela.
Uma concepção de história que leva em conta toda a experiência humana a que não é
alheio o historiador em seu trabalho, pensa a produção do conhecimento histórico como
aquele que é capaz de apreender e incorporar a experiência vivida
Ao historiador cabe dar ao objeto eleito para estudo uma explicação global dos fatos
humanos, sem compartimentação ou subordinação ao econômico, incorporando grandes áreas
da experiência, "pois nada nos garante que o que ganhou foi sempre o melhor". (VIEIRA,
PEIXOTO, KHOURY, 1998. p 18)
As relações de dominação e subordinação estão presentes em todas as dimensões
sociais, por isso a história se ocupa de diferentes linguagens. Ao trabalhar com outras
linguagens, o pesquisador, deve colocá-las como elementos constitutivos da realidade social.
É preciso não perder a dimensão própria de cada linguagem, pois cada agente social possui
um campo conceitual comum.
O fato do historiador querer trazer para o seu trabalho toda diversidade das
manifestações das relações humanas traz duas ordens de dificuldades, a primeira está na
própria tradição historiográfica que dificulta a incorporação de outras linguagens ao trabalho
do historiador, e a outra está no próprio historiador em sentir-se despreparado para lidar com
95
elas. É importante lembrar que não dá para separar a produção de uma linguagem das
condições históricas em que ela foi produzida.
É preciso não perder a dimensão própria de cada linguagem, pois cada agente social
possui um campo conceitual comum, os pesquisadores têm o seu, assim como o fotógrafo, o
carnavalesco. Este campo é necessário para a compreensão do objeto.
O pesquisador antes de perguntar o que determinado objeto está representando, ele
deve perguntar porque está sendo representado dessa maneira.
Dependo de como o historiador vê a sociedade de sua época, de como ele se posiciona
diante dela, resultará a análise que fará do passado como também justifica o seu interesse por
determinados assuntos.
A experiência humana não se modifica enquanto passado, o que modifica é a
investigação sobre ela, que é fruto de uma determinada sociedade de uma determinada época,
por isso que em seu trabalho é importante que o historiador leve em consideração como
determinada classe pensou de si própria.
Para definir o tema não basta ao historiador apenas escolher o assunto, e sim pensar o
objeto. Por isso ele se articula com a problematização. Alguns temas propostos de forma
ampla vão se delimitando progressivamente. Outros vão ser redefinidos durante a pesquisa,
podendo até ser alterados. A redefinição do tema, é também acompanhada pela redefinição do
problema . A problematização é continua e acompanha todo o trabalho.
A construção do objeto se realizará por caminhos diferentes, conduzindo também a
resultados diferentes. Ele é problematizado no decorrer da pesquisa.
Geralmente os alunos ao iniciarem uma pesquisa, a estão realizando para responder a
inquietações do curso ou da própria experiência de vida. Às vezes se preocupam em preencher
lacunas do curso. Buscam uma maior quantidade de dados para completar um conhecimento
histórico. O que muitas vezes também direciona o trabalho do investigador é uma
problemática e não o preenchimento de lacunas.
No diálogo com os dados obtidos o pesquisador re-elabora os conceitos, as noções, as
categorias de análise.
Os historiadores afetos ao positivismo devido a uma herança cientificista, pensam que
o método é o elemento fundamental para garantir a objetividade do trabalho do historiador.
Eles seguem três passos, primeiro a leitura bibliográfica, segundo tomar conhecimento de
todas as posturas teóricas no sentido de escolher ou formular uma, e o terceiro que é a
formulação da hipótese sobre o objeto em questão. Não existe uma preocupação com uma
problematização continua. No entanto, segundo Ciro Flamariom, 1997, as fontes só falam
utilmente se soubermos fazer-lhes as perguntas adequadas.
Para que prevaleça a idéia da problematização sobre o da formulação de hipóteses é
preciso que as fontes participem das perguntas que o pesquisador faz.
Os procedimentos devem ser definidos no decorrer da pesquisa como fruto do diálogo,
por isso são os agentes sociais em questão que vão determinar os tipos de registro a serem
utilizados. Nesse sentido, não dá para fazer a seleção de fontes depois da problematização.
Em uma outra postura que faz uso de modelos explicativos na construção histórica, a
problematização se dá principalmente a partir da teoria, e as evidências passam a ter uma
função meramente ilustrativa.
O trabalho final do historiador também é um momento de reflexão, ele deve
reconstruir o próprio percurso da investigação. Para que o produto final tenha um retorno para
o social, ele deve ser acessível a um público não especializado.
A linguagem em suas várias formas de comunicação podem expressar melhor um
trabalho quando bem empregadas, expressando a representação do real.
96
Quando teoria e evidência se determinam mutuamente, é porque o critério de
objetividade do autor está centrado no diálogo. A técnica é que vai fazer mediação entre teoria
e as evidências.
O orientador não deve se colocar como portador de conhecimento especializado, e sim
se dispor a oferecer à reflexão sua própria experiência, enquanto caminhos percorridos a partir
de interesses e pressupostos definidos.
A recuperação do passado não tem condições de ser totalmente objetiva porque a
subjetividade do pesquisador está presente. Só uma história baseada nos processos de
mudança nos permite uma apropriação interveniente do passado. Por isso, para
compreendermos porque o presente é o que é devemos trabalhar dentro de uma perspectiva
sócio-histórica, pois ela interroga o passado com interesses ditado pelo presente, rejeitando
verdades universais.
2.
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
2.1.
EDUCAÇÃO/PEDAGOGIA
Devido à historicidade do fenômeno educativo, o debate historiográfico tem profundas
implicações para a pesquisa educacional, uma vez que o significado da educação está
entrelaçado ao significado da História.
Os historiadores têm dificuldades em reconhecer a educação como um domínio da
investigação histórica.
Porém deve-se reconhecer que os investigadores-educadores especializados na
História da Educação, têm feito um grande esforço para sanar as lacunas teóricas,
adquirindo competência no âmbito historiográfico, capaz de estabelecer um
diálogo igual para igual com os historiadores. (SAVIANI, 1998, p. 12)
Segundo Saviani, os investigadores que pesquisam História da Educação são
profissionais da área da educação, formados nos cursos de Pedagogia. Para ele surge aqui uma
questão, não teria a História da Educação secundarizado a especificidade do seu objeto? Será
que estudar o cotidiano da escola é fazer história da educação? Não seria o caso de investigar
o tempo educativo como medida do valor do trabalho pedagógico, como elemento
determinante da qualidade da educação?
Saviani encontra nas perguntas acima um indicador claro do alto grau de
desenvolvimento atingido pela História da Educação, já que a força de uma disciplina
científica se mede mais pelos problemas e questões que coloca do que pelas respostas que
proporciona.
É relevante lembrar aqui uma questão muito importante, também ressalta por Saviani, é
a questão do desconhecimento da nossa história, principalmente educacional, bem como dos
nossos pensadores e pedagogos, e a amplitude e a qualidade dos conhecimentos transmitidos
aos alunos.
Nossos alunos hoje, ensino médio e superior, desconhecem a própria história do país
em que vivem, principalmente dos nossos pensadores. Se falarmos em Marx, esses alunos
sabem quem é e já leu suas obras, ou alguma coisa em relação a elas, mas quanto aos nossos
pensadores, porque esse total desconhecimento? Para Saviani, 1998, é a partir de estudos
sintéticos que os avanços no campo da pesquisa poderão integrar os programas escolares,
viabilizando a sua socialização e em conseqüência, a elevação do nível de nossa história pela
população, além de serem de grande relevância para os estudos específicos.
97
Buscar conhecimentos históricos no campo da educação requer ousadia, pois longe de
uma lógica historiográfica tradicionalista, o que se busca é perder o medo de expor e inovar, já
que se torna difícil construir uma inteligência do presente sem compreender a descontinuidades
da história.
Ao estudarmos as continuidades da história da educação, verificamos o regresso
periódico das mesmas grandes interrogações, e só uma apropriação histórica destas
problemáticas permite que o seu regresso se dê em espiral e não em círculo vicioso. Temos
como exemplo a temática da descentralização do ensino, que invulgar regularidade repetem-se
as mesmas teses, os mesmos acordos e desacordos, sempre como se fosse a primeira vez. Um
outro exemplo é a reivindicação de uma carreira profissional, baseada no mérito e na
competência, pelo professorado, começou desde o final do século XIX, e pouco sabemos sobre
este fato. A abordagem histórica deve centrar-se prioritariamente na apreensão dos movimentos
sociais que impulsionaram as mudanças na educação e no ensino.
Segundo Gatti Jr (2002), a história da Educação, no Brasil nasceu de mãos dadas com a
Pedagogia e se posiciona, pelo menos do ponto de vista paradigmático, na órbita da História e
não mais da Educação.
2.2.
METODOLOGIA DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Pouco se sabe sobre as práticas escolares, faz-se então, a necessidade de recriação
deste objeto de pesquisa, que é mais complexo do que parece.
O primeiro passo do pesquisador em seu trabalho é a revisão bibliográfica do tema,
onde acontece o encontro de diversas obras, cabendo ao pesquisador filtrá-las, operando por
negações e associações, buscando entender o que se diz entre as palavras.
A tentativa de olhar a escola a partir do seu entorno, fez com que os pesquisadores de
História da Educação se deparassem com abundância de material inédito. “A ampliação das
fontes trouxe dificuldades ao seu exame, já que o seu manuseio não é uma tarefa que se
esgota em cada documento localizado nos arquivos.”(NUNES, 1992, p. 158) É necessário que
haja o entendimento da relação entre os vários documentos cruzando as informações dos
documentos com as conjunturais, construindo em campo de significado, resultando da tensão
crescente entre a teoria e a empiria, levando a interação dos dados extraídos de ambas as
experiências.
O texto, segundo Clarice Nunes, é uma organicidade complexa de diversos elementos,
que às vezes são contraditórios, onde a interpretação por não ser única, explode a rigidez dos
códigos disciplinares e a separação entre o racional e o imaginário.O trabalho de investigação
deve operar com várias medidas de temporalidade, tornando-o maleável.
Segundo António Nóvoa (1992), a investigação histórica continua a denotar três
características principais, ela é sobretudo uma história institucional, pois não aborda novas
problemáticas, é cronológica e descritiva, centrada nos fatos, e é unidimensional, pois não
mobiliza outras disciplinas científicas para o estudo das questões educativas.
Quatro idéias têm sido utilizadas para impedir a inovação no seio da História da
Educação, a primeira é a inevitável longa duração dos estudos históricos em educação, pois é
preciso conceber a investigação histórica mais atenta a longa duração dos fenômenos
educacionais do que a análise de períodos curtos.
Esta questão, para Nóvoa, tem sido solucionada pelos investigadores que têm feito um
esforço de renovação das temáticas educacionais, abordando problemas que só no tempo
longo podem ser resolvidos.
Para ele pode-se considerar como segunda idéia, o fato de muitas vezes as fontes de
pesquisa do historiador ser uma série homogênea, que nada contribui para o estudo dos
98
funcionamentos sociais, que só um trabalho rigoroso e metódico de diversificação de fontes
dos mais diversos níveis possibilitaria.
Há na História da Educação a necessidade de desenvolver trabalhos com linguagem
mais simples, para alargar seu público para além dos especialistas.
Na análise da terceira idéia faz-se necessário compreender o paradoxo entre o singular
e o universal, que as especificidades não de definem por oposição, e sim por integração, e a
integração faz-se através da diversidade e não do monolitismo, atravessando até as barreiras
nacionais, pois não é através de uma atitude isolacionista que conseguimos afirmar as nossas
especificidades.
A quarta idéia parte do pressuposto de que toda história parte do presente, que o
passado não é o objeto, mas que buscamos no passado vestígios deixados que nos ajudem a
responder as questões sugeridas pelo mundo em que vivemos.
3.
HISTÓRIA DAS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS
3.1.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
A Instituição Educacional, enquanto objeto de estudo, torna-se novo na medida em
que traz à tona aspectos antes ignorados ou secundarizados, hoje
A história das Instituições Educacionais almeja dar conta dos vários atores
envolvidos no processo educativo, investigando aquilo que se passa no interior das
escolas, gerando um conhecimento mais aprofundado destes espaços sociais
destinados aos processos de ensino e de aprendizagem. (GATTI JR, 2000. p. 145)
Tanto autores estrangeiros quanto brasileiros tem seguido um roteiro de pesquisa
bastante similar, em que se destacam preocupações com os processos de criação e de
desenvolvimento das instituições educativas, a configuração e as mudanças ocorridas no
prédio escolar, o processo de conservação e mudança do perfil dos docentes e dos alunos, as
formas de configuração e transformação do saber veiculado nestas instituições de ensino, etc.
Busca-se, assim, os elementos que conferem identidade a instituição educacional.
Não só a história da educação se ocupa da investigação da Instituição Escolar, hoje,
também é interesse da história cultural investigá-la como instituição mediadora. Para Clarice
Nunes um dos feitos mais difíceis para o pesquisador é alterar as noções dominantes e
transformar em problema o que era tomado com fato estabelecido. (NUNES, 1992.p 152)
O primeiro passo do pesquisador em seu trabalho é a revisão bibliográfica do tema,
onde acontece o encontro de diversas obras, cabendo ao pesquisador filtra-las, operando por
negações e associações, buscando entender o que se diz entre as palavras, pois, segundo
Clarice Nunes ler é praticar uma problemática.
Ao pesquisar uma instituição educacional, deve-se fazer um resgate da problemática
da cidade, onde ela está instalada, para saber certas representações cristalizadas da escola, da
sociedade, dos educadores e da própria história da educação.
Reconstruir a trajetória de intelectuais educadores, sua prática e seus
fundamentos no espaço da cidade, suas articulações com outros grupos numa
espécie de cartografia histórica, pode nos oferecer uma visão menos estereotipada
das relações entre a sua atuação social e a sua produção intelectual. ( NUNES,
1992, p. 155)
99
Levar em consideração qual a representação social dos atores envolvidos na
instituição educacional e como eles se articularam com os outros grupos sociais, pode ajudar
a compreender a atuação social desse grupo, sem que se seja mero repetidor.
3.2.
HISTORIOGRAFIA
A pesquisa sobre as instituições escolares é muito importante para a compreensão
político-histórica-social, não só regional, mas inclusive nacional.
Destacamos o estudo realizado sobre a antiga Escola Normal de São Carlos de autoria
de Paolo Nosela e Ester Buffa, que foi publica em 1996, intitulado Schola Mater A Antiga
Escola Normal de São Carlos.
Os autores retratam no trabalho o fascínio que a escola exerceu sobre a cidade,
[...] a escola Normal da República Velha marcou a memória brasileira, foi como
dissemos, uma verdadeira "Schola Mater", viveiro de futuros professores, matriz
cultural e pedagógica dos Grupos Escolares, das escolas isoladas, e até mesmo,
das escolas particulares. É uma escola que permanece, ainda hoje., uma
referência importante nas discussões relativas à formação de professores do
ensino fundamental. ( p. 14)
Foi estudado as origens da escola, a sua criação, sua construção e instalação, foi investigado a
organização e a vida econômica, política e cultural da cidade de São Carlos no início século, já que o
recorte do estudo é de 1911 a 1933. foi feito um estudo também sobre o prédio, o perfil do corpo
docente e administrativo.
A Escola Normal de São Carlos foi criada em 1911, época em que a vida cultural e
educacional da cidade era modelada pela hegemonia do café. Para os escravos ou trabalhadores do
campo nenhuma escola, para os trabalhadores urbanos escolas de primeiras letras.
A Escola Normal no período de 1911 a 1933 desfrutou de um grande prestígio, era a
referência pedagógica máxima, era a expressão escolar orgânica à nobreza cafeeira. Seu currículo
visava ornar culturalmente as filhas dos fazendeiros e era absolutamente alheio ao mundo do trabalho,
aqui as moças aprimoravam seus dotes matrimoniais. Nessa época o poder político e econômico
centrava-se no solar do fazendeiro.
No final do século, o café tornara São Carlos uma das mais prósperas e ricas cidades do
Estado.
Em suma a escola que melhor correspondia às necessidades da elite cafeeira sãocarlense, cuja prosperidade econômico e prestígio político já eram notáveis, era
uma escola humanista tradicional de cultura geral, voltada principalmente à
formação das moças bem nascidas e destinadas a se tornarem esposas e mães
cristã.( p. 33)
Vemos aqui a expressão da escola humanística tradicional, visando uma formação
intelectual, moral concomitante a uma educação religiosa.
As oportunidades legal para a criação da Escola foi vislumbrada na Lei nº 88 de
08/09/1891, e em 3 de fevereiro de 1911, foram feitas as primeiras contratações do pessoal
docente e administrativo da escola.
Quanto ao prédio, a Escola Normal foi provisoriamente instalada no prédio que foi
construído para ser a Escola Complementar Conde do Pinhal. Em 18/09/1913, foi lançada,
festivamente, a pedra fundamental do “ majestoso edifício, ainda hoje eminentemente no alto
da colina central” (NEVES, 1991, p. 5), onde, em 1916, a Escola Normal foi instalada.
O prédio foi projetado pelo arquiteto alemão Rosencrantz, construído pelo engenheiro
Raul Porto e pelo mestre de obras Torello Dinucci, de estilo eclético com elementos neoclássicos e de art-nouveau, não privilegia espaços de aprendizagem do ofício de professor, ao
100
contrário, parecia mais com uma faculdades de filosofias e letras, devido a estrutura a sua
estrutura física.
Construído de acordo com o projeto-padrão da Diretoria de Obras Públicas, era um
prédio sofisticado, pormenorizado, acabado com material importado, ditara-se escola
hegemônica da região, daí seu aspecto imponente. Concretiza-se “o espírito daquela
sociedade e sua concepção e sua concepção de saber e poder. (p. 42)
Com relação aos professores, devido à sua imensa cultura e saber eram denominados
lentes, entre esses havia os catedráticos, que se dedicavam às áreas das nobres-ciências, letras
e línguas, e os professores auxiliares, para as matérias auxiliares. Os primeiros diretores e
professores da Escola Normal destacaram-se pela grande cultura geral que possuíam,
dominando sempre uma língua estrangeira, o francês principalmente. O perfil docente da
Escola Normal, confirma a tese de que a Escola dava ênfase à cultura geral.
Os professores da Escola Normal Secundário eram formados pelo Curso Superior da
Escola Normal da Capital, eram também bacharéis em Direito, engenharia e médicos. Eles
eram muito bem remunerados, pois era próprio da época prestigiar os homens cultos,
conhecedores de muitas línguas leitores de muitos livros.
Existia uma interferência política muito grande na escolha dos professores, diretores e
funcionários, mesmo quando estes passavam por concursos.
Com relação aos alunos, as mulheres em sua maioria eram filhas de fazendeiros ou de
ricos negociantes, os rapazes pertenciam a grupos sociais menos favorecidos, pois os filhos
dos fazendeiros dirigiam-se para as Faculdade. Dentre os documentos pedidos na matricula
constava um atestado de saúde e idoneidade moral.
Nas primeiras turmas da Escola Normal estavam as filhas dos fundadores da cidade,
fazendeiros, brasileiros. Algumas alunas eram filhas de negociantes, médicos, advogados e
dentistas, todos abastados. Os alunos pertenciam a classes sociais menos favorecidas, em
geral eram mais velhos que as alunas e já trabalhavam como professores.
Devido à queda da Bolsa de valores de Nova York, e somando-se a outros fatores, os
fazendeiros empobreceram, fazendo com que suas filhas não cursassem a Escola Normal
como um dote matrimonial e sim para trabalharem com professoras.
Com relação ao saber a Escola Normal Secundária preocupou-se em formar um
profissional ilustrado e competente, imbuído dos valores republicanos, destinado a compor os
quadros de lideranças educacionais do Estado. A maior parte das disciplinas eram voltadas
para a cultura geral, para as letras e as ciências modernas.
Os programas das disciplinas eram amplos, enciclopédicos e detalhados, e visava
formar um bom professor da instrução pública, com ampla cultura geral e competência
técnica, mas sobretudo um dirigente imbuídos dos valores das civilizações antigas, da
filosofia especulativa, destinado a manter a ordem do mundo do trabalho. (p. 98)
Talvez a conclusão mais importante, seria a de afirmar que o trabalho, como princípio
pedagógico, nessa época, nessa região, tenha assumido as feições do fazendeiro do café,
jamais ficando reduzido à mera problemática da profissionalização do ensino.
Destacamos também um outro estudo realizado, uma dissertação de mestrado,
defendida por Giseli Cristina do Vale Gatti em 2001, intitulada História e Representações
sociais da Escola Estadual de Uberlândia (1929-1950).
Foram investigadas na pesquisa as representações sociais construídas ao redor da
Escola Estadual e Uberlândia na cidade e região no período explorado.
A Escola destinada a secundaristas, tornou-se referência na cidade de Uberlândia,
sendo que o período enfocado nesta investigação, (...), parece assinalar o momento da
cristalização, da imagem social da escola. (p. 02)
O trabalho apresentado foi divido em três capítulos, sendo que o primeiro tratava dos
princípios teóricos que fundamentam a pesquisa em História das Instituições Escolares e a
101
conexão destas com os estudos sobre representações; no segundo capítulo foi enfocado o
desenvolvimento político e educacional, de 1929 a 1950, no país, no Triângulo Mineiro e em
Uberlândia; o terceiro capítulo foi dedicado ao exame específico da Escola Estadual de
Uberlândia, que é o que retrataremos aqui.
Devido ao descaso do governo com a educação pública, surgem várias escolas
particulares, dentre elas uma de nível secundário o Gymnásio de Uberabinha, primeiro nome
que recebeu a Escola Estadual de Uberlândia, que oferecia curso ginasial e comercial, com
sistema de internato, semi-internato e externato.
A escola desde a sua fundação sempre se nomeou ser uma das mais importantes da
cidade, funcionado inicialmente em espaço precário, e depois em 1922, sob a direção do Sr.
Antônio Luiz da Silveira, começou a funcionar em sede própria. O prédio ficava localizado
na região central da cidade, construído em estilo neo-clássico, demonstrava o prestígio e a
respeitabilidade da escola. Isso fez com que a escola de 1915 com 34 alunos, passasse a 1928
com 144 alunos matriculados.
A escola teve alguns anexos como, a Escola de Comércio, a Escola Normal, o Lyceu
de Uberlândia, um após o outro.
Cabe ressaltar que os alunos matriculados no ginásio e em seus anexos eram filhos
quase que exclusivamente de pessoas abastadas da cidade e da região, especialmente
fazendeiros e comerciantes. (p. 88)
Os professores eram nomeados por concurso, mas era o reitor da escola que
organizava a lista dos habilitados, para enviar ao Presidente de Estado, que fazia a nomeação
por ordem de classificação.
O ginásio de Uberabinha funcionou como instituição privada até 1928. E em 1929,
devido a mudança do nome da cidade para Uberlândia, a escola passou a se chamar Ginásio
Mineiro de Uberlândia.
O Ginásio Mineiro de Uberlândia, mesmo como instituição pública continuou
recebendo os filhos das famílias de renome da cidade. O seu primeiro reitor após a
estadualização foi o Dr. Mário Porto, que era promotor de justiça da cidade.
Interessante ressaltar que “o Ginásio Mineiro foi utilizado como sede do quartel
general das Forças Armadas Revolucionárias do Triângulo Mineiro” em 1930, só voltando às
suas atividades normais em 1931.
Nos anos trinta, o Ginásio Mineiro ganhou considerável renome. De 1912 a 1972,
muitos alunos de renome passaram pela escola, pessoas que hoje fazem parte da elite política
e cultural da cidade.
A escola foi palco de muitos acontecimentos culturais, pois a escola não possuía
espaço para isso. Dentre esses acontecimentos estavam eventos culturais, esportivos e
cívicos. A escola promovia também apresentação de peças teatrais.
A escola era tida como uma grande casa de ensino, de onde saiam os cidadãos dos
quais a cidade se orgulharia.
O regime disciplinar da escola também fez tradição, sempre foi rígido, os alunos eram
constantemente monitorados, não era permitido nenhum deslize. Muitos dos ex-alunos
disseram que apesar da disciplina rígida, esse fator foi muito importante para o seu
crescimento individual. Para esse alunos os professores eram muito exigentes, fazendo com
que os alunos realmente estivessem preocupados em aprender.
Segundo, também os ex-alunos, os professores eram muito dedicados e se
orgulhavam de ser professores. Com relação à direção da escola todos têm boas recordações
de seu diretor.
Uma das mais importantes personalidades da escola foi o professor Vadico, que era
tido como uma pessoa muito séria e rigorosa, mas também muito justa e preocupada com o
desempenho de seus alunos. Ele era um homem muito culto, e se dedicou integralmente ao
102
Colégio Estadual de Uberlândia. Sempre teve um bom relacionamento com seus alunos, mas
com uma certa distância.
A relação estabelecida ente os professores, eram muito boas, baseadas em muito
respeito, sempre obedecendo uma hierarquia.
Nesta investigação pode-se perceber a centralidade que a escola possuía na
legitimação da posição social que seus alunos iriam ocupar na cidade.
103
3.3.REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1990
HOBSBAWM, E. J. A. A Contribuição de Karl Marx para Historiografia. In: Ideologia na
Ciência Social: ensaios críticos sobre a teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
VIEIRA, M. P. A.; PEIXOTO, M. R. C.; KHOURY, M. A. A Pesquisa em História. 4ª
edição. Ática. São Paulo, 1998.
SAVIANI, Demerval. O Debate Teórico e Metodológico no Campo da História e sua
Importância para a Pesquisa Educacional. In: História e História da Educação: o debate
teórico-metodológico atual. Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR, 1998. pp. 7-15
WARDE, M. J. Questões Teóricas e de Método: a História da Educação nos Marcos de uma
História das Disciplinas. In: História e História da Educação: o debate teóricometodológico atual. Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR, 1998. pp. 88-97
GATTI JR, D. Reflexões Teóricas sobre a História das Instituições Educacionais. Ícone -V. 6,
nº 2 Jul./Dez. 2000
GATTI, Giseli Cristina do Vale. História e Representações Sócias da Escola Estadual de
Uberlândia (1929-1950). UFU: Uberlândia. Tese de Mestrado, 2001.
NOSELLA, P.; BUFFA, E. Schola Mater: a antiga Escola Normal de São Carlos. São CarlosSP. EDUFSCar, 1996.
CARDOSO, C.F. História e Paradigmas Rivais. In: Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. pp. 1-23
NOVOA, Antônio. Inovação e História da Educação. In: Teoria & Educação. Porto Alegre:
Pannonica Editora, 1992. pp. 210-219
NUNES, Clarice. História da Educação Brasileira: novas abordagens de velhos objetos. In:
Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannonica Editora, 1992. pp. 151-182
Download