1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA DOUTORADO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA Carmen Rosario Ortiz Gutierrez Gelinski PROTEÇÃO SOCIAL EM SAÚDE PARA FAMÍLIAS VULNERÁVEIS COM MONOPARENTALIDADE FEMININA VIA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para obtenção do Título de Doutor em Sociologia Política. ORIENTADORA: Dra. Márcia Grisotti Florianópolis 2010 2 Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina G317p Gelinski, Carmen Rosario Ortiz G. Proteção social em saúde para famílias vulneráveis com monoparentalidade feminina via Estratégia Saúde da Família [tese] / Carmen Rosario Ortiz Gutierrez Gelinski ; orientadora, Márcia Grisotti. - Florianópolis, SC, 2010. 266 p.: grafs., tabs. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de PósGraduação em Sociologia Política. Inclui referências 1. Sociologia política. 2. Família – Proteção social. 3. Monoparentalidade. 4. Política de saúde. I. Grisotti, Marcia. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. III. Título. CDU 316 CARMEN ROSARIO ORTIZ GUTIERREZ GELINSKI 3 4 5 Dedico este trabalho: A mis padres, Angel y Betty, siempre presentes a pesar de la distancia… responsables por los sueños que me hicieron llegar hasta aquí. A mis hermanos, Ricardo, Saúl, Cristina, Miguel Angel y Adelita, por todo. Ao meu marido, Francisco, e aos meus filhos, Júnior, Beatriz e Lucas, meus eternos professores de português e da arte da vida. 6 7 AGRADECIMENTOS “A escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas, frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos.” (MINAYO, 1994, p.90) Em 2003 escrevi um pequeno artigo contendo uma crítica à campanha deflagrada pelo Ministério Público contra o trabalho infantil doméstico. Nele fazia menção a uma família fictícia composta por Maria, 27 anos, e seus filhos Marina, Jackson e Vânia (de dez, sete e três anos respectivamente). Os nomes eram fictícios, a família não. Tratava-se do quadro familiar da moça, migrante do interior do estado, separada, sem pensão do ex-marido e sem parentes na cidade, que trabalhava alguns dias por semana na minha casa como empregada doméstica. Da mesma forma que ela, eu também tinha três filhos com idades semelhantes e também enfrentava o desafio de tentar equilibrar trabalho e cuidado dos filhos sem uma rede familiar que pudesse dar suporte. Sabia tal qual ela o que era enfrentar doenças de filhos pequenos sem contar com o apoio direto de mãe, sogra ou irmãs por perto. Tínhamos muitas coisas em comum. Entretanto, um mundo nos separava: eu podia “comprar” ajuda através de empregadas ou babás, ela não. Se o cotidiano dessa jovem mãe era marcado por lutas, elas se intensificavam quando os filhos adoeciam e ela precisava passar a noite na fila do posto de saúde para conseguir “ficha” para o médico. O inverno era sinônimo de dias de trabalho perdidos por causa disso. A essa mãe anônima, com a qual aprendi a contemporizar os meus desafios e lutas como mãe e trabalhadora, vai o meu agradecimento pela inspiração para esta pesquisa. Este trabalho é testemunha de que mecanismos de proteção são essenciais para a vida das mulheres trabalhadoras. Ele não teria sido possível sem o apoio (mesmo que indireto) de muitas pessoas. De início, duas delas merecem menção especial. Em primeiro lugar, a ti, Senhor, pela tua presença viva e constante, pelos momentos de inspiração e pelos desertos... Por teres tornado real a canção de Kleber Lucas “(...) pois o que chora aos pés da cruz, clamando em nome 8 de Jesus alcançará de ti, Senhor, misericórdia, graça e luz”. Porque cuidastes dos meus filhos nas minhas ausências e pelos inúmeros insights (tinham que ser de madrugada ou só enquanto lavava louça?). Em segundo lugar, à minha orientadora, a professora Márcia Grisotti, sempre disponível, dedicada, incansável e generosa. Pelas longas reflexões, pelos seminários e pelas pertinentes observações. Responsável direta por ter inoculado o “vírus” da saúde no meu horizonte acadêmico. Algumas pessoas foram essenciais para poder entrar no programa de pós-graduação. Reconheço o encorajamento e as dicas preciosas da Ivoneti da Silva Ramos, minha ex-pupila e agora minha mestra, cuja vida é uma lição para mim. A profa. Beatriz Paiva cedeu importante bibliografia para a realização do projeto. Agradeço muito também pelas reflexões do professor Erni José Seibel, de quem, ainda na condição de aluna especial deste programa, aprendi a paixão de estudar políticas públicas. Agradeço-lhe, em particular, pela orientação recebida na etapa inicial deste trabalho. O meu ingresso no curso de PósGraduação não teria sido possível também se a Profa. Patrícia Arienti, colega do Departamento de Economia da UFSC, não tivesse assumido parte da minha carga didática em 2006/2 para que pudesse me dedicar ao projeto de pesquisa. A ela minha gratidão. Da mesma forma, agradeço as cartas de recomendação dadas pelos Professores Valeska Nahas Guimarães, Fernando Seabra e João Rogério Sanson. O meu afastamento em tempo integral para realizar o curso só foi possível pelo irrestrito apoio institucional recebido da UFSC. Em particular, quero destacar o apoio dos chefes do Departamento de Economia, professores Ricardo de Oliveira e Helton Ricardo Ouriques e do diretor do CSE, prof. Maurício Pereira. Sou grata, também, pelo suporte dos funcionários da secretaria do curso de Economia: Roberto, Flori, Marilúcia e Rafael. Dentro do curso de Pós-graduação em Sociologia, o meu reconhecimento aos professores do Programa que respeitaram a minha condição de estranha ao ninho e ensinaram a uma economista como ver a sociedade com outros olhos. Boa parte das reflexões deste trabalho é oriunda de discussões ocorridas nas disciplinas do curso ou de trabalhos realizados nelas. Em especial agradeço aos professores Fernando Ponte De Sousa, Erni José Seibel, Cécile Raud (In memorian), Maria Ignez Paulilo, Julian Borba, Ligia Luchman, Tamara Benakouche, Ary Minella, Janice Tirelli Ponte De Sousa e Julia Guivant. Da mesma forma, quero manifestar o meu agradecimento pala gentileza e atenções 9 recebidas dos funcionários da secretaria do programa: Albertina, Fátima, Otto e Alaíde. Professores de outros programas de pós-graduação da UFSC contribuíram para que pudesse olhar para o meu objeto de pesquisa de modo interdisciplinar. Refiro-me particularmente à professora Ivete Simionatto do curso de Pós-graduação em Serviço Social e aos professores, Josimari Telino Lacerda, Maria Cristina Calvo e Sérgio Fernando Freitas do Curso de Pós-graduação em Saúde Pública. Parte importante de um trabalho são os materiais bibliográficos utilizados e as críticas de terceiros. Mesmo em tempos de internet, em que a informação parece estar a um clique de distância, agradeço àqueles que gastaram parte do seu tempo me sugerindo textos, me ajudando a tratá-los de maneira adequada, ou ainda lendo trechos desta tese. Nesse sentido, expresso a minha gratidão ao Prof. João Rogério Sanson (a quem devo os meus reconhecimentos desde o mestrado em economia na UFGRS), e as contribuições de Sílvia Quaresma, Ana Saccol, Ivoneti da Silva Ramos, Elflay Miranda e das professoras Maristela Sisson, Teresa Kleba Lisboa e Regina Mioto. Momento particularmente tenso na vida de um doutorando é a qualificação do projeto. Na ocasião, as gentis contribuições dos professores Erni Seibel, Ivete Simionatto e Maristela Sisson, tornaram o que parecia um tormento num momento de alento. Suas observações e em muito contribuíram para consolidar as questões pertinentes à pesquisa e para “limpar” o tema. Confesso que há mais de quinze anos não fazia pesquisa de campo e, depois desse tempo todo, houve certo “friozinho na barriga” ao calçar o tênis, pegar o gravador e começar as entrevistas. Nas primeiras incursões a campo (em coleta de dados sobre o PSF de Biguaçú) foi fundamental a companhia da amiga Sílvia Quaresma. O gasto na sola de sapatos foi compensado pelas reflexões que fazíamos sobre as nossas pesquisas, no percurso até as unidades de saúde ou nas longas viagens de ônibus até Biguaçú. Esta pesquisa não teria chegado ao fim sem o desprendimento das ACS ou da líder comunitária que dedicaram parte significativa das suas jornadas para me levarem até os domicílios das famílias monoparentais. Suas reflexões ampliaram meu horizonte de visão sobre o tema. Agradeço da mesma forma aos funcionários da Secretaria Municipal de Saúde do município de Florianópolis e às coordenadoras das unidades de saúde e, em respeito à promessa feita, resguardo ao longo do trabalho detalhes que possam identificar as unidades investigadas. Por último, o meu agradecimento mais profundo às mães 10 que abriram suas casas e me receberam sem reservas e sem esperar nada em troca, apenas na expectativa de que as políticas públicas tenham um olhar diferenciado para elas e suas múltiplas carências. Mais do que rito de passagem na vida acadêmica, a defesa da tese se constituiu numa das aulas mais produtivas que esta aprendiz teve no curso.. As contribuições e sugestões dos professores Márcia Grisotti, Fernando Dias de Avila Pires, Jose Miguel Rasia, Izabella Barison Mattos e Edilza Maria Ribeiro ultrapassaram os objetivos deste trabalho e abriram novas perspectivas de pesquisa. Encerro estes agradecimentos com as palavras de Shakespeare: "a sabedoria e a ignorância se transmitem como doenças; daí a necessidade de se saber escolher as companhias". Por isso, a minha longa lista de agradecimentos na estaria completa sem mencionar o carinho e a camaradagem ao longo do curso dos colegas e amigos Elflay, Valdenésio, Elyane, Eduardo, Giane, Silvana, Tiago, Marilise, Melissa, Nivaldo, Zilas, Cleusa e Bernardete. 11 “Depois de escalar um grande morro, descobrimos apenas que há muitos outros a escalar” (Nelson Mandela) “Porém, Deus faz forte ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor” (Isaías 40:29) 12 13 RESUMO GELINSKI, Carmen Rosario Ortiz Gutierrez. Proteção social em saúde para famílias vulneráveis com monoparentalidade feminina via Estratégia Saúde da Família. Florianópolis, 2010. Tese (Doutorado) – - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. No contexto de mudança do modelo de atenção em saúde (do modelo hospitalocêntrico para o modelo da atenção básica) o Ministério da Saúde criaria em 1994 o Programa Saúde da família e, posteriormente em 1997, a Estratégia Saúde da Família, com foco nas famílias. Além da mudança no modelo de atenção essa perspectiva na família também foi condicionada por transformações nos modelos de proteção social que convocam a sociedade (famílias, empresas e terceiro setor) para assumir parte desses encargos. Só que as famílias são chamadas no momento em que elas estão passando por profundas mudanças, com destaque para o ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho e o aumento das famílias chefiadas por mulheres. Nesse sentido, este trabalho teve por objetivo verificar se a ESF, enquanto mecanismo chave da atenção básica no Brasil atende as necessidades de proteção social das novas configurações familiares, em particular das famílias vulneráveis com chefia feminina. O trabalho foi norteado pela discussão de quatro elementos teóricos e analíticos: a reestruturação produtiva, as transformações dos sistemas de proteção social, a reorientação do modelo de atenção em saúde para os cuidados primários e as mudanças ocorridas no âmbito da família. A partir desses elementos esta tese buscou compreender as condições que as famílias têm de dar conta da co-responsabilidade dos cuidados, que a configuração mais recente do sistema de proteção em saúde lhes atribui. Para isso foi realizada pesquisa de campo junto a quatorze famílias monoparentais atendidas por duas unidades básicas de saúde localizadas em áreas de risco da cidade de Florianópolis/SC. Os dados foram submetidos à análise temática do discurso. O trabalho salienta que a falta de percepção das novas configurações familiares por parte das políticas de saúde pode ter impacto negativo na eficácia das ações em saúde da ESF. E isso por dois motivos. Primeiro, porque impossibilita dimensionar de maneira adequada as conseqüências que tem a transferência de responsabilidades sobre as famílias, as quais recaem principalmente sobre a mulher chefe de família, já sobrecarregada em relação àquelas mulheres que 14 compartilham os cuidados com os cônjuges. E segundo, porque o desconhecimento a respeito da diversidade de situações que se abrigam na categoria “monoparentalidade feminina”, e das redes de suporte que essas mulheres encontram disponíveis, pode impedir que o sistema de saúde saiba quais os itinerários terapêuticos que as famílias seguem na busca por tratamento médico. Além disso, o trabalho também concluiu que enquanto os profissionais envolvidos com a saúde da família têm suas responsabilidades claramente definidas não há o mesmo grau de conhecimento a respeito de quais seriam as responsabilidades que cabe às famílias executar. Nesse sentido, constatou-se que as famílias não sabem o que seja a ESF nem conhecem a ênfase que ela têm nos aspectos preventivos e de promoção à saúde. Palavras-chave: Saúde da Família, monoparentalidade, proteção social em saúde. 15 ABSTRACT GELINSKI, Carmen Rosario Ortiz Gutierrez. Social protection in health for vulnerable families with female single parenthood via the Family Health Strategy. Florianópolis, 2010. Thesis (Ph.D.). Universidade Federal de Santa Catarina - Centre of Philosophy and Humanities. Postgraduate Program in Political Sociology. In the context of change model of health care (from hospital-centered model to primary care) the Ministry of Health in 1994 would create the Family Health Program, and later in 1997, the Family Health Strategy, with a focus on families. Besides the change in the model of attention this prospect in the family also was influenced by changes in social protection models that demands the society (families, businesses and third sector) to take over some of these charges. But the families are called when they are undergoing profound changes, especially the massive entry of women into the labor market and the increase in households headed by women. Thus, this study aimed to determine whether the ESF as a key mechanism for primary care in Brazil serves the needs of social protection of new family configurations, particularly for vulnerable families with female head. This work was guided by the discussion of four theoretical and analytical elements: the restructuring of production, the transformation of social protection systems, the reorientation of health care to primary care and changes in the family. From these elements this thesis aims to understand the conditions that families have to cope with the co-responsibility of the care that the latest configuration of the protection system in health attributed to them. This study was conducted field research in the fourteen female parenthood families served by two primary care units located in risk areas of the city of Florianopolis. Data were subjected to thematic analysis of the speech. This study concludes that the lack of insight of the new family configurations on the part of health policies can have negative impact on the effectiveness of health interventions of the ESF. And this happens for two reasons. First, because it unables to scale adequately the consequences of the transfer of responsibilities has on families, which are focused on the female household head, already overworked compared to those women who share the care with their spouses. And second, because the ignorance about the diversity of situations that take shelter in the category "female parenthood”, and the support networks that these women are available, can prevent the health system to know 16 what the therapeutic plans that they follow in pursuit for medical treatment. Besides, this study also concluded that while the professionals involved with family health have their responsibilities clearly defined there is not the same degree of knowledge about what are the responsibilities that families have to cope. In this sense, it was found that families do not know what the ESF is nor know the emphasis it has in the preventive aspects and health promotion. Keywords: family health, single parenthood, social protection in health. 17 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Estado do mercado de trabalho em condições de acumulação flexível .................................................................................................. 48 18 19 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Delimitação das famílias a serem entrevistadas dentre as atendidas pela ESF. ............................................................................... 39 Quadro 2 – Diferenças entre a atenção médica convencional e a atenção primária à saúde. ................................................................................... 39 Quadro 3 – As diferentes interpretações da Atenção Primária à Saúde. ............................................................................................................. 103 Quadro 4 – Diferentes linhas teóricas de família: conceitos e áreas de interesse. ............................................................................................... 128 Quadro 5 – Categorias que embasaram a coleta dos dados. ............... 143 Quadro 6 – Fluxo de encaminhamento para serviços de emergência 24 horas – município de Florianópolis. ..................................................... 173 Quadro 7 – Usuários satisfeitos por tipo de tratamento demandado e por qualidade da UBS. ................................................................................ 175 20 21 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Estrutura da população economicamente ativa (PEA), por sexo, no Brasil, no período 1970-2002................................................ 109 Tabela 2- Brasil: Famílias residentes em domicílios particulares por sexo da pessoa de referência da família (%)........................................ 111 22 23 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AB – Atenção Básica ABS – Atenção Básica à Saúde ACS – Agentes Comunitários de Saúde AIS – Áreas de Interesse Social ANM – Academia Nacional de Medicina AP – Atenção Primária APS – Atenção Primária à Saúde BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CAP – Caixa de Aposentadorias e Pensões CEP – Comitê de Ética em Pesquisa CF – Constituição Federal CONASEMS – Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde CONASS – Conselho Nacional dos Secretários da Saúde CONASP – Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeira DGSP – Departamento Geral de Saúde Pública DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública DRU – Desvinculação das Receitas da União ESF – Estratégia Saúde da Família FCC – Fundação Carlos Chagas HU – Hospital Universitário IAP – Institutos de Aposentadoria e Pensões IAPAS – Instituto de Administração da Previdência Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS – Instituto Nacional de Previdência Social INSS – Instituto Nacional do Seguro Social IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LOAS – Lei Orgânica da Saúde LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado MES – Ministério da Educação e Saúde MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social 24 NASF – Núcleo de Assistência à Saúde da Família NOB – Norma Operacional Básica PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde PBF – Programa Bolsa Família PEA – População Economicamente Ativa PME – Pesquisa Mensal de Emprego PMF – Prefeitura Municipal de Florianópolis PNAD – Pesquisa nacional por Amostra de Domicílios PNAS – Política Nacional de Assistência Social PSF – Programa de Saúde da Família PME – Pesquisa Mensal de Emprego SIAB – Sistema de Informação da Atenção Básica SINPAS – Sistema Nacional de Previdência Social SMS – Secretaria Municipal de Saúde SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde TLCE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido U – Usuária UBS – Unidade Básica de Saúde ULS – Unidade Local de Saúde VD – Visita domiciliar 25 SUMÁRIO CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO .........................................................27 1.1 OBJETIVOS ................................................................................................34 1.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS ..............................................................35 1.2.1 Condicionantes da pesquisa e referenciais teóricos utilizados ...........35 1.2.2 Planejamento e caracterização da pesquisa .........................................37 1.3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ..........................................................40 CAPÍTULO II – REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E VULNERABILIDADE SOCIAL .......................................................43 2.1 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA ........................................................44 2.2 VISÕES PARCIAIS DA POBREZA ..........................................................50 2.3 VULNERABILIDADE SOCIAL ................................................................56 CAPÍTULO III – CAMINHOS E DESCAMINHOS DA PROTEÇÃO SOCIAL OFERECIDA ÀS FAMÍLIAS ....................61 3.1 PROTEÇÃO SOCIAL, WELFARE STATE E POLÍTICAS SOCIAIS .......63 3.1.1 Proteção social – de caridade a direito ..................................................63 3.1.2 Proteção social – de direito a ação de solidariedade familiar..............67 3.2 PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL: AVANÇOS E RECUOS .................70 3.3 PROTEÇÃO SOCIAL EM SAÚDE ...........................................................76 3.4 A FACE MAIS RECENTE DA PROTEÇÃO EM SAÚDE: A ESF ..........91 3.4.1 O que levaria a ESF a tornar-se a estratégia fundamental das políticas públicas de saúde? ............................................................................................91 3.4.1.1 A descentralização das políticas públicas ..............................................91 3.4.1.2 O novo modelo de atenção em saúde .....................................................96 3.4.2 Eixos estruturantes da ESF/Desenho do programa .................................104 CAPÍTULO IV – A MULHER E A FAMÍLIA COMO INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO SOCIAL ..............................107 4.1 FEMINIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E NOVOS ARRANJOS FAMILIARES NO BRASIL .....................................................108 4.2 PAPÉIS SOCIAIS NA FAMÍLIA E RESPONSABILIDADE PELOS CUIDADOS .....................................................................................................113 4.3 CONTROVÉRSIAS SOBRE CONCEITO DE FAMÍLIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A DISPONIBILIDADE DE APOIO OFICIAL .......................121 4.4 A FAMÍLIA NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA ........................126 CAPÍTULO V – AS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS ATENDIDAS PELA ESF EM COMUNIDADES DE FLORIANÓPOLIS ............................................................................135 26 5.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA DE CAMPO ...........136 5.1.1 Aspectos éticos da pesquisa com famílias vulneráveis e monoparentais................................................................................................136 5.1.2 Definição dos sujeitos da pesquisa e entrada no campo ....................138 5.1.3 Coleta de dados e instrumentos de pesquisa ......................................142 5.1.4 Técnica de análise dos dados ..............................................................144 5.2 AS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS VULNERÁVEIS E A ESF EM DUAS COMUNIDADES DE FLORIANÓPOLIS .........................................146 5.2.1 Caracterização sócio-econômica das famílias ....................................147 5.2.2 As múltiplas facetas da monoparentalidade feminina - caracterização da chefia feminina dos lares ..........................................................................149 5.2.2.1 Mulheres chefes do lar idosas, com doentes acamados ou em situação de vulnerabilidade .................................................................................................150 5.2.2.2. Mulheres chefes de família que se encontram subordinadas a outras mulheres – famílias inseridas em outras ..........................................................152 5.2.2.3 Mulheres chefes com cônjuges em situação de risco social decorrentes do uso ou tráfico de drogas ou mulheres com cônjuges com problemas de saúde.................................................................................................................153 5.2.2.4 Mulheres chefes de família com filhos pequenos ................................155 5.2.3 Concepção de família e apoio nos cuidados ........................................158 5.2.4 O itinerário terapêutico ........................................................................165 5.2.5 Satisfação com os serviços recebidos ...................................................174 5.2.6 A questão da co-responsabilidade prevista pela ESF ........................185 5.2.6.1 Mudança de modelo assistencial e a questão da co-responsabilidade na ESF ..................................................................................................................187 5.2.6.2 Até que ponto as famílias têm conhecimento do novo modelo em saúde? ...............................................................................................................194 5.2.6.3 Como os profissionais da ESF percebem a monoparentalidade feminina e o repasse de responsabilidades ......................................................................203 CAPÍTULO VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................207 REFERÊNCIAS ................................................................................217 ANEXOS ............................................................................................253 ANEXO I – Áreas de Interesse Social por Unidades Locais de Saúde e Regionais de Saúde ............................................................255 ANEXO II – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ….........265 ANEXO III – Roteiro para entrevistas …........................................................267 27 CAPÍTULO I INTRODUÇÃO Esta tese busca compreender a proteção social outorgada pela Estratégia Saúde da Família para famílias monoparentais com chefia feminina. A análise proposta se assenta em quatro elementos. O primeiro se refere às grandes transformações ocorridas na estrutura produtiva, com impactos no aumento da pobreza e da vulnerabilidade. O segundo trata das transformações societárias decorrentes do ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho e das alterações ocorridas na estrutura das famílias. A mudança nos sistemas de proteção social e o chamado feito às famílias para assumirem parte dos encargos da proteção é o terceiro elemento. Por último, a reorientação do modelo de atenção em saúde – do modelo hospitalocêntrico para o modelo dos cuidados primários em saúde - e a sua implantação no Brasil De modo mais específico, a segunda metade do Século XX seria palco de profundas transformações societais, tanto no âmbito da família quanto no âmbito econômico. Em relação à família, a forma tradicional/patriarcal cederia lugar a novos arranjos 1 com aumento de lares conduzidos por apenas um cônjuge (monoparentalidade) e da chefia familiar feminina, fenômenos que fazem parte de todo um leque de mudanças recentes ocorridas no perfil das famílias. Ao respeito, Sorj (2004) destaca as quatro mudanças mais significativas evidenciadas no Brasil: (1) retração do tipo de família formada por casal e filhos; (2) redução da proporção de famílias compostas por casal com filhos e parentes (famílias extensas); (3) queda do número médio de filhos e (4) crescimento do número de famílias compostas por mulheres chefes de família e filhos (famílias monoparentais femininas). Sorj (2004) destaca, ainda, que dentre os vários tipos de famílias (unipessoais, casais com ou sem filhos ou monoparentais) é notável o nível de pobreza a que estão submetidas as famílias monoparentais, em particular as constituídas por mulheres e filhos: cerca de 45% delas são pobres ou vulneráveis 2. Dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE (mencionados por SANTOS, 2006) em levantamento feito entre agosto de 2002 e agosto de 2006 confirmam os aspectos apontados por Sorj. Do total de Adota-se neste trabalho a expressão “arranjos familiares”, usada largamente pelo IBGE, como sinônimo de núcleos familiares. 2 No outro extremo, com menor índice de pobres, estão as unipessoais e as compostas por casais sem filhos. 1 28 mulheres ocupadas, 78,6% recebiam menos do que três salários mínimos, possuíam menor escolaridade e trabalhavam em ocupações menos valorizadas. A escolaridade média das chefes de família é de 8,7 anos e quase 40% delas tinham menos de 8 anos de escolaridade, contra 27,7% do conjunto das mulheres ocupadas. Os lares chefiados por mulheres têm renda 40,7% menor do que aqueles chefiados por homens (SANTOS, 2006). Mais recentemente, dados da PNAD de 2009 (liberados em 2010) assinalam que 35,2% dos domicílios particulares são chefiadas por mulheres, contra 27,3% em 2001 (FONTOURA, PEDROSA E DINIZ, 2010). No âmbito econômico, a re-estruturação produtiva instaurada pela produção enxuta ou pós-fordista – que ocorreria após as três décadas gloriosas do capitalismo (1945-1975) - mudaria não apenas a organização da produção, mas a própria configuração do mundo do trabalho: o emprego estável seria substituído por formas precárias e flexíveis de trabalho (como a subcontratação) com a consequente redução de benefícios sociais. Nessa situação, o acesso maciço de mulheres a trabalhos precários, quase sempre com salários inferiores aos dos homens, e a falta de perspectivas para os jovens que pretendem ingressar ao mercado de trabalho, são duas das faces mais perversas desse processo. O quadro de instabilidade e exclusão que se desenha a partir daí é intensificado pelos crescentes níveis de violência e de insegurança social. O pós-fordismo, enquanto promotor de aumentos significativos de produtividade, é um dos elementos que explicam o surgimento de novas formas de pobreza. Formas estas que serão denominadas aqui de uma “nova vulnerabilidade”. Como forma mais ampla de exclusão, ela não se limita a aspectos econômicos, mas é delineada pelo acesso restrito a trabalho, saúde e educação dignos, num contexto de desproteção social, de aumento da criminalidade e de crescente individualização. E é na família, como unidade social, que este processo se apresenta de forma mais contundente, assim como suas conseqüências. Num contexto de redução dos mecanismos de proteção social, ditados pelo enxugamento de gastos sociais, a mulher passa a ser (supostamente) “a comandante” das decisões de um conjunto expressivo de lares e, portanto, passa a ser a responsável pela sobrevivência do seu grupo e até pela coesão social. Passa a comandar uma instituição em mutação com novos arranjos e cujas características (incluídas aí suas redes sociais) irão definir de que forma as famílias satisfazem suas necessidades. 29 Tradicionalmente a família tem representado um importante espaço onde a reprodução e a proteção social se processam. Diante das mudanças pelas quais as famílias vêm passando – aumento da vulnerabilidade e do número de lares monoparentais femininos – deveria crescer o papel do Estado como parceiro via políticas sociais. Só que desde a crise do Estado de Bem-Estar Social nos países desenvolvidos, nos anos setenta do século XX, os estados têm fixado prioritariamente a sua atenção na busca de equilíbrio fiscal via redução de despesas. A ênfase no equilíbrio fiscal tem também se transformado numa das principais preocupações das políticas macroeconômicas dos países menos desenvolvidos economicamente. Nesse contexto e, precisamente, no momento em que a família mais precisa de amparo é que ela é redescoberta para atribuir-lhe mais encargos. Como lembra Serapione (2005, p.243) “a crise do Estado de Bem-Estar Social tem contribuído para a redescoberta da família, das redes primárias e da comunidade como atores fundamentais na efetivação das políticas sociais” 3. E até mesmo em países que, a exemplo do Brasil, não tiveram efetivamente estados de bem-estar social, a família é chamada a desempenhar tal papel. Se, de um lado, a redescoberta da família a desloca da sua condição de “ilustre desconhecida nas diretrizes e programas propostos pela política social” (CARVALHO, 1998, p.101), por outro lado, essa redescoberta implica torná-la co-responsável (com sua carga de direitos e responsabilidades) pelos resultados das políticas e programas. E responsáveis, também, pela proteção social aos seus membros. Entretanto, essa redescoberta não tem se dado de maneira muito clara. E aqui cabem alguns destaques. O primeiro se refere ao fato de que, diante da crise econômica, as reformas introduzidas nos modernos sistemas de welfare state europeus implicaram na co-responsabilização da sociedade e das famílias pelos cuidados como forma de redução de despesas. O segundo destaque deve ser dado à configuração dos sistemas de proteção em países como o Brasil que não possuem sistemas estruturados de bem estar social e que também chamam a sociedade a ser co-participe dos cuidados. O terceiro se refere às mudanças nas categorias a serem utilizadas na elaboração das políticas públicas. Por exemplo, quando se fala em família, de qual tipo de família se trata? De acordo com Martin (1995) “a crise do Estado-Providência trouxe de novo à ribalta mecanismos tradicionais de integração social. Daí a importância dos trabalhos que incidem sobre os laços sociais, as redes de sociabilidade, o parentesco, as solidariedades intergeracionais e familiares, enquanto contributo substancial para a proteção do indivíduo”. 3 30 Quem representa as famílias monoparentais? Mulheres sem cônjuge e com filhos ou mulheres casadas e com rendimentos superiores aos seus pares? Em termos de análise de políticas públicas o que está em questão aqui é discutir a própria eficácia delas. Isto é, até que ponto uma política pública atinge, de fato, o seu objetivo e, por conseguinte, sana uma determinada necessidade? Sem a pretensão de se aprofundar, aqui, no debate disponível na literatura sobre a formulação de políticas públicas 4 cabe salientar a postura de Faria (2003) quanto à importância das idéias e do conhecimento na elaboração de políticas públicas: enquanto “afirmação de valores [as idéias] podem especificar relações causais, podem ser soluções para problemas públicos (...) bem como concepções de mundo e ideologias” (JOHN, 1999). As idéias que determinam as políticas públicas podem também representar disputas na luta pelo poder. Nessa direção, entende-se que a análise de uma política pública deve focar a concepção de justiça que a sustenta para depois indagar a intenção da política, isto é verificar se ela foi “desenhada” para uma determinada finalidade e se, portanto, pode se cobrar dela que dê conta de certas exigências. Nessa direção, este trabalho tem como objetivo verificar se a Estratégia Saúde da Família, enquanto mecanismo chave de atenção básica à saúde no Brasil, atende as necessidades de proteção social das novas configurações familiares, com destaque para as famílias vulneráveis com chefia feminina. O trabalho terá como pano de fundo a análise de uma política pública, mais especificamente um programa de saúde, a partir da lógica na qual se assenta: o fato de ter o como público alvo a família. Em consonância com o instrumental analítico proposto pelos estudos sobre políticas públicas, e seguindo as premissas mencionadas por Souza (2003, p.17), esta pesquisa buscará “concentrar a análise na natureza do problema que a política pública busca responder”. Embora previsto na Constituição Federal de 1988, o Sistema único de Saúde (SUS) somente seria regulamentado em 1990, pela lei 8080. O sistema instituído visava superar a dicotomia entre ações preventivas e curativas, presente no modelo biomédico, bem como o atendimento a parte da sociedade e a crescente centralização do sistema. O SUS visava alterar a configuração assistencialista dos serviços de saúde. 4 Ver ao respeito, Gelinski e Seibel (2008). 31 Enquanto novo modelo de atenção a sustentar o SUS, a ênfase na Atenção Básica já havia sido proposta desde a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, realizada em Alma Ata, no ano de 1978. Sob o lema Saúde para Todos no Ano 2000, essa Conferência propôs um modelo com um sistema de saúde abrangente que tivesse por foco a prevenção, a promoção, a cura e a reabilitação. E isso como parte de um processo amplo de desenvolvimento social e econômico, em que outros setores deveriam ser envolvidos. No Brasil, a Atenção Básica à Saúde (ABS), ao incluir a prevenção e manutenção da saúde, visava superar o modelo hospitalocêntrico centrado na doença e na cura. O novo modelo se caracteriza “(...) por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde”. E ele se orienta “pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social” (BRASIL, 2006, p.12). A atenção básica à saúde (...) é desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território (BRASIL, 2006, p.12). Em 1994 o Ministério da Saúde implanta o Programa de Saúde da Família (PSF). Programa que a partir de 1997 passaria a ser denominado de Estratégia Saúde da Família (ESF) e se constituiria em base da reorganização da Atenção Básica à Saúde. O modelo da ESF coloca as famílias no centro da agenda das políticas em saúde e para isso pressupõe o estabelecimento de laços de compromisso e de coresponsabilidade nas ações em saúde. As equipes de Saúde da Família – compostas por médico, enfermeira e ACS e responsáveis por um 32 número determinado de famílias – são encarregadas de aproximar os serviços de saúde da população. Das equipes de SF devem partir as ações de prevenção e promoção da saúde. Ações que devem contar com a participação ativa da população. Enquanto estratégia de consolidação da Atenção Básica no país, a ESF coloca as famílias no papel de coresponsáveis pela geração dos cuidados. Entretanto, a questão de ter a família como objeto de atenção tem algumas implicações. A primeira delas diz respeito à concepção de família que perpassa o programa e a segunda trata da responsabilidade que é repassada às famílias, mesmo que elas se encontrem num severo quadro de vulnerabilidade social: (1) Quanto à caracterização da família, Ribeiro (2004, p.661) levanta alguns questionamentos sobre a inclusão da família na agenda da atenção básica de saúde: “(...) de que família se fala? Há entendimento entre os diversos agentes da assistência e outros, sobre a abordagem da família no contexto da atenção básica?”. A autora considera que (...) é possível identificar ambivalências, diferenças, contradições, insuficiências, na forma de efetuar a abordagem da família. Na maioria das vezes, a família é abordada de forma parcelizada ou identificada através de representantes e substitutivos, ou ainda, como referência genérica no âmbito das políticas sociais e/ou é tomada como problema e transformada em objeto terapêutico. Na relação cuidado x abordagem, o cuidado pode ser procedido ao indivíduo no contexto da família ou a família com um indivíduo no contexto, ou ainda não ser procedido, na circunstância dessa ser apenas uma denominação adotada pelo PSF. (2) No que se refere à responsabilidade crescente que a ESF atribui às famílias, Campos e Matta (2007) questionam se o novo modo de intervenção irá fortalecer ou resguardar as famílias ou, se ao invés disso, será uma estratégia para vigiá-lás, sobrecarregá-las ou responsabilizá-las. (cf. também com SERAPIONE, 2005). Ambas as questões estão intimamente ligadas, pois a nova definição de direitos e responsabilidades que estruturam a ESF tem que estar alicerçada no conhecimento da realidade dessas famílias e suas novas configurações. Entende-se aqui que conhecer as famílias implica 33 saber quais os recursos (sociais e econômicos) de que dispõem para enfrentar suas necessidades de saúde. Nesse sentido é que a reflexão proposta neste trabalho deve ajudar a responder aspectos de um conjunto de questionamentos 5, dentre eles: - Quais os problemas que a Estratégia Saúde da Família busca responder? (desenho do programa) - Que tipo de demandas as famílias fazem para a área da saúde? - Até que ponto as necessidades das famílias são contempladas no novo modelo assistencial em saúde assentado na ESF? - Quais os deveres das famílias e quais os recursos de que dispõem para enfrentar as suas necessidades de saúde? - Qual a estrutura das famílias e de que modo o desempenho das suas funções é viabilizado pela Estratégia Saúde da Família? E, ainda, de que forma os resultados da ESF podem ser impactados pelas novas estruturas familiares? - Qual o papel da mulher na sociedade em relação aos seus doentes na família? - A nova função que a ESF atribui às famílias não se trataria de uma transferência direta dessas funções para as mulheres? Isto é, o novo desenho estaria jogando nas mãos das famílias e mais especificamente das mulheres a resolução dos seus problemas de saúde? - Em que medida a ESF vem estabelecendo suas prioridades, tendo em vista que as famílias têm características (resolvem suas necessidades em redes, aumento da vulnerabilidade e da monoparentalidade, etc.) e, portanto, necessidades diferenciadas? Em síntese, mesmo que a ESF seja uma proposta de mudança no paradigma da saúde-população em geral para a população-família, será que a forma como que é concebida e operacionalizada leva em consideração as novas especificidades das famílias contemporâneas? E, nesse sentido, ela não estaria mais sobrecarregando as famílias do que resolvendo os seus problemas de saúde? Dentre os trabalhos sobre a ESF parece que há um interesse crescente em avaliar a posição dos usuários quanto aos serviços, ao acesso, ao acolhimento ou às visitas domiciliares (TRAD e BASTOS, 5 De acordo com Triviños (1987, p.107), as questões de pesquisa podem envolver subentendidamente a colocação de alguma hipótese. Ela “(...) representa o que o investigador deseja esclarecer. Nesse sentido, a questão de pesquisa é profundamente orientadora do trabalho do investigador. (...) A questão de pesquisa deve reunir algumas condições que permitem não ter dúvida alguma sobre o que ala significa: precisão, clareza, objetividade, etc. e deve servir aos propósitos manifestos e latentes da pesquisa. A questão de pesquisa parte das idéias colocadas na formulação do problema e dos objetivos da investigação.” 34 1998; TRAD et al., 2002; GIACOMOZZI e LACERDA, 2006; SOUZA et al., 2008, OLIVEIRA E BORGES, 2008; OLIVEIRA e MARCON, 2007; MANDÚ et al., 2008, entre outros). Normalmente as avaliações se detêm em aspectos epidemiológicos ou de cobertura das ações do programa, mas não de verificar como o cotidiano dessas famílias pode estar sendo afetado pela configuração do programa. Com este trabalho pretende-se compreender se haveria adequação entre as propostas da política pública e as necessidades de fato existentes da população-alvo. A questão de considerar as famílias, e em particular as mulheres, elementos importantes na execução das ações de políticas públicas tem sido a tônica desde a crise do modelo keynesiano dos anos 1970. Cabe agora avançar na discussão sobre se essas mulheres (e as suas famílias) têm a retaguarda suficiente para responder a encargos que as políticas públicas lhes atribuem agora que elas, pela sua inserção crescente no mercado de trabalho, estão numa condição diferente daquela enfrentada pelas suas mães ou avós. 1.1 OBJETIVOS O presente estudo tem por objetivo geral verificar se a ESF atende as necessidades de proteção social em saúde de famílias com monoparentalidade feminina do município de Florianópolis e a participação das mesmas no que se refere à co-responsabilidade nos cuidados proposta pela ESF. A partir daí, pretende-se hipotetizar que o novo desenho da Atenção Básica, plasmada na ESF, estaria sobrecarregando as famílias, e em particular as chefiadas por mulheres, ao transferir-lhes a co-responsabilidade pelos cuidados. Adicionalmente, a hipótese é que a falta de clareza e conhecimento quanto ao papel e à situação atual das famílias no novo desenho da política de saúde tende a afetar a eficácia dessa política pública. Para dar conta da tarefa proposta tem-se os seguintes objetivos específicos: 1. Identificar a analisar as noções de pobreza e vulnerabilidade social, no contexto das transformações produtivas ocorridas desde os anos 1960. 2. Estudar a questão da proteção social em saúde inserida na discussão mais ampla das políticas sociais e dos sistemas de welfare state, com destaque para as transformações mais recentes que apontam para o repasse de responsabilidades para as famílias ou empresas, própria do welfare mix ou do 35 pluralismo de bem-estar. A partir daí, busca-se entender as características e as condicionalidades a que tem estado submetidas a política de saúde no país. 3. Analisar o desenho da Estratégia Saúde da Família, para entender que tipo de demandas ela busca resolver. 4. Descrever e analisar a família, suas funções e transformações mais recentes, para problematizar as implicações que tem colocar a família como centro de uma política de saúde e instrumento de proteção social 5. Analisar especificidades relativas à saúde de famílias vulneráveis e com monoparentalidade feminina junto a famílias com esse perfil, atendidas por unidades de Saúde da Família do município de Florianópolis. 1.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS Nesta seção serão descritos os procedimentos metodológicos que nortearam este trabalho de tese. A intenção é assinalar os condicionantes teóricos a serem discutidos nos capítulos subseqüentes como fundamento desta pesquisa. É importante destacar que aspectos relativos à coleta e tratamento dos dados de campo serão esclarecidos no quinto capítulo. Desde já cabe adiantar que foram entrevistadas quatorze famílias monoparentais atendidas por duas Unidades Locais de Saúde (ULS) localizadas em áreas de risco do município de Florianópolis/SC. 1.2.1 Condicionantes da pesquisa e referenciais teóricos utilizados Antes de detalhar os procedimentos metodológicos e o aporte teórico que dá suporte a este trabalho, cabe fazer menção aos elementos que embasam o mesmo. Para isso é importante recordar os quatro elementos que Minayo (2004) considera as balizas dentro das quais se processa o conhecimento. A primeira delas é o seu caráter aproximado. Isto é “o conhecimento é uma construção que se faz a partir de outros conhecimentos sobre os quais se exercita a apreensão, a crítica e a dúvida” (p.89). O segundo ponto se refere à inacessibilidade do objeto. Como as idéias que se fazem sobre os fatos são imprecisas isso requer que haja uma constante definição e redefinição do objeto, processo em que assume papel central o conhecimento de outras percepções e de outros trabalhos. A terceira baliza se refere à vinculação entre pensamento e ação. “Nada pode ser intelectualmente 36 um problema, se não tiver sido em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas” (MINAYO, 2004, p.90). A quarta baliza se refere ao “caráter originariamente interessado do conhecimento ao mesmo tempo que sua relativa autonomia. O olhar sobre o objeto está condicionado historicamente pela posição social do cientista e pelas correntes de pensamentos em conflito na sociedade” (p.90). O olhar interdisciplinar para o objeto desta pesquisa esteve condicionado pela formação da pesquisadora, em que aspectos econômicos e sociológicos estiveram presentes, bem como de conhecimentos adquiridos em leituras e disciplinas cursadas nos cursos de Sociologia Política, Saúde Pública e Serviço Social da UFSC. Como afirma Minayo (1994, p.91). “As correntes intelectuais diversas não se desenvolvem isoladamente, mas se afetam e se enriquecem mutuamente”. Olhar para a família, para as famílias de baixa renda em particular, e para o trabalho feminino faz parte das preocupações que têm norteado o exercício da nossa atividade acadêmica 6. As transformações das famílias, suas lutas e desafios, bem como os papéis que são ali desempenhados dentro delas serviram de base para a reflexão sobre as necessidades de proteção social que famílias vulneráveis ou em risco social enfrentam. Além disso - e talvez o elemento que motivou esta pesquisa em particular - a convivência com famílias vulneráveis e com perfil monoparental aguçou o olhar para aspectos que as tornam peculiares, se comparadas a famílias biparentais. Abandono, carências, lutas, estratégias específicas de sobrevivência são algumas dessas características. Em especial, a situação de abandono emocional que essas famílias enfrentam parece ser maior que o abandono econômico. Entretanto, essa carência de apoio em muitos casos dá lugar a toda uma rede estruturada, composta por vizinhos ou parentes, que brindam apoio nos cuidados. Essa complexa rede de relações sociais traz à tona elementos próprios de classes subalternas e de famílias profundamente fragilizadas como as monoparentais, em que as relações de apoio parecem estar mais fortemente presentes do que nas classes com maior poder econômico. 6 Ver, por exemplo, Gelinski (2003), Gelinski e Ramos (2004), Miranda e Gelinski (2005) e Gelinski e Pereira (2005). 37 Se o universo das famílias monoparentais é frágil, o que ocorre quando problemas de saúde se apresentam? Que mecanismos de proteção em saúde encontram-se à disposição das famílias para enfrentar essas adversidades? Responder a essas interrogantes significou mergulhar nas discussões teóricas sobre as transformações das famílias bem como a discussão maior das transformações na estrutura produtiva e societal com efeitos claros na elevação das condições de pobreza da população e da inserção crescente de mulheres no mercado de trabalho. Nessas circunstâncias, foi necessário se deter na reflexão a respeito dos sistemas de proteção social e de que forma específica a saúde se constitui em elemento importante desses sistemas. Nesse ponto a discussão teve que passar pela discussão sobre repasse de responsabilidades que caracteriza os modernos sistemas de proteção social, denominados, por esse motivo, de pluralismo de bem-estar. 1.2.2 Planejamento e caracterização da pesquisa Esta pesquisa, de corte descritivo e analítico, passou por um momento exploratório. A fase exploratória da pesquisa é tão importante que ela em si pode ser considerada uma pesquisa exploratória. Compreende a etapa de escolha do tópico de investigação, de delimitação do problema, de definição do objeto e dos objetivos, de construção do marco teórico conceitual, dos instrumentos de coleta de dados e da exploração do campo. (MINAYO, 2004, p.89). Minayo (2004) esclarece que nessa primeira fase exploratória há alguns elementos que devem estar presentes. Se refere, mais especificamente, (1) à definição de conceitos fundamentais a serem usados na construção do quadro teórico da pesquisa; (2) ao esforço subseqüente de construção do objeto de pesquisa “um labor teórico e como esforço prático de informação, crítica e experiência” (p.91) e, por último, (3) à discussão sobre o instrumento a ser usado para obtenção dos dados empíricos e à entrada exploratória em campo. Primeiro passo importante então é definir o objeto e o problema de pesquisa. Para Selltiz et al. (1960) depois da definição precisa do problema a ser estudado urge planejar a pesquisa em consonância com os objetivos que motivam a mesma. A definição clara dos objetivos 38 perseguidos com a pesquisa irá condicionar a coleta dos dados. Os autores mencionam que é possível ter quatro tipos de objetivos nos trabalhos de pesquisa: (1) aqueles que buscam familiarizar-se com o fenômeno, formular melhor uma questão ou definir hipóteses – caso dos estudos exploratórios; (2) os que pretendem caracterizar uma situação, um grupo ou um indivíduo - considerados estudos descritivos; (3) os que buscam verificar a frequência com que algo ocorre – também considerados descritivos e (4) os que visam verificar uma hipótese de relação causal entre variáveis – denominados de estudos experimentais ou quasi-experimentais. A motivação deste trabalho é avançar na compreensão e descrição do cotidiano das famílias em termos de saúde e sobre a possibilidade da ESF estar atendendo as demandas para as quais ela foi criada. A análise será feita a partir de casos que permitam ampliar o conhecimento sobre a percepção que as famílias - em particular as monoparentais - têm das suas demandas de saúde e da responsabilização nos cuidados que norteia o novo modelo em saúde. A pesquisa se configura, portanto, como descritiva e analítica (SELLTIZ et al., 1960; TRIVIÑOS, 1987) e qualitativa (MINAYO, 1994). Para Minayo (1994), a pesquisa qualitativa diferente de uma pesquisa quantitativa (que busca representatividade da população para generalização de conceitos teóricos) preocupa-se “menos com a generalização e mais com o aprofundamento e a abrangência da compreensão seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma representação” (p.102). Conforme será detalhado no capítulo 5, a coleta dos dados será feita a partir de um recorte dentre a população vulnerável atendida pela ESF do município de Florianópolis. Desde já cabe salientar que para fins deste trabalho que o conceito de vulnerabilidade está associado às fragilidades decorrentes da inserção na estrutura produtiva. Nessa situação a vulnerabilidade social está associada às famílias que vivem em áreas de risco social e se caracterizam pela baixa escolaridade, condições inadequadas de moradia, baixo acesso a serviços públicos, dentre outros7. Conforme será detalhado no capítulo 5, em termos 7 Para a priorização das ações no processo de expansão da Atenção Básica,. Em 2006 Florianópolis possuía 50.735 moradores em áreas de interesse social (AIS), ou seja, em torno de 12,5% da população. A Secretaria Municipal de Saúde classifica as áreas sanitárias de acordo com critérios de risco social. Os critérios de risco adotados pelo Setor de Geoprocessamento são: “(1) Renda familiar até três salários mínimos. Predominância da renda 39 operacionais serão consideradas famílias vulneráveis aquelas que moram em áreas consideradas de interesse social no município de Florianópolis, conforme critérios estabelecidos pela Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento Ambiental da Prefeitura 8. Em termos esquemáticos entende-se que a população atendida pela ESF é composta tanto por indivíduos ou famílias vulneráveis quanto por aquelas não vulneráveis. Dentre do público alvo da Saúde da Família também é possível distinguir famílias biparentais, com a presença de ambos os pais, e famílias monoparentais, com presença de apenas um dos genitores, quase sempre a mãe (Quadro 1). Quadro 1. Delimitação das famílias a serem entrevistadas dentre as atendidas pela ESF. Condição de vulnerabilidade VULNERÁVEIS NÃO VULNERÁVEIS Tipo de família BIPARENTAIS MONO- PARENTAIS A opção por estudar o segmento vulnerável da população, e em particular as famílias monoparentais, está ligada ao fato, já assinalado per capita abaixo da linha de pobreza (R$ 180,00/ mês – IPEA); (2) Unidades habitacionais precárias isoladas ou em agrupamento, apresentando uma distribuição espacial caótica; (3) Unidades habitacionais precárias localizadas em áreas de risco; (4) Encostas de morro suscetíveis a desmoronamento; (5) Áreas de preservação permanente, áreas verdes, nascentes de rios e córregos; (6) Áreas de mangues e dunas; (7) Áreas próximas a leitos de rios, córregos, canais e praias, suscetíveis a inundação; (8) Posse irregular de áreas públicas e/ou privadas; áreas desprovidas parcial ou totalmente de infra-estrutura (água tratada, rede elétrica, sistema de esgoto sanitário, rede pluvial, pavimentação, coleta de lixo); e (9) Áreas desprovidas parcial ou totalmente de serviços e equipamentos públicos (creches, escolas, postos de saúde, posto policial etc)”. 8 Verificar diagnóstico elaborado pela Secretaria de Habitação, Trabalho e Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Florianópolis. http://www.pmf.sc.gov.br/habitacao/publicacoes_/planejamento_habitacional/diagnostico_ais_ 1.pdf 40 anteriormente, de que o nível de pobreza das famílias chefiadas por mulheres é significativo. Além disso, é pressuposto básico desta tese que a necessidade de proteção social é mais urgente quanto maior for o grau de carência ou vulnerabilidade. Em termos de variáveis de análise dois elementos serão fundamentais para esta investigação: a compreensão da questão da monoparentalidade feminina (e suas implicações nos cuidados em saúde) e a questão do chamado feito às famílias para assumirem a coresponsabilidade proposta pela ESF. Este trabalho assume que, em função da universalidade do SUS e da ESF, se há transferência de responsabilidades ela deve ocorrer para todos os usuários. No entanto, as conseqüências dessa transferência podem estar sendo mais sentidas pela população vulnerável e com chefia feminina que não tem alternativa para satisfazer suas demandas de saúde. A intenção não é reforçar na análise o caráter focalizado que esta política parece ter, mas apenas ver de que forma o programa pode estar sendo adequado ou não para proteger esses grupos populacionais específicos e com isso cumprir a diretriz da equidade, presente nas diretrizes do SUS. 1.3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO Esta tese está organizada em seis capítulos incluindo esta introdução. Os capítulos dois a quatro tratam dos aspectos teóricos e históricos que darão sustentação à análise empírica com famílias monoparentais a ser realizada no capítulo cinco. O último capítulo resgata as conclusões do trabalho e tece algumas considerações finais De modo mais específico, o segundo capítulo trata das transformações ocorridas no âmbito produtivo desde os anos 1960 e os impactos no mercado de trabalho, com destaque para a precarização e o desemprego. Esse será o pano de fundo para discutir o que se consideram aqui como visões parciais da pobreza - aquelas que apreendem o fenômeno da pobreza a partir das suas características mais aparentes como níveis de renda ou dotação de capital humano e que tendem a culpabilizar o indivíduo pela sua condição de miséria. Por último apresenta-se a noção da vulnerabilidade como mais adequada para compreender a situação das famílias subalternizadas que são objeto desta pesquisa. O terceiro capítulo visa compreender a noção de proteção social para construir um base analítica a partir da qual será estudada a 41 Estratégia Saúde da Família, alçada à condição de mecanismo fundamental na oferta de proteção social em saúde no país. O capítulo resgata o debate em torno das características dos sistemas de proteção europeus (que em certa forma serviriam de referência para o sistema de proteção brasileiro) e as mudanças pelas quais esses modelos vêm passando desde a crise do modelo keynesiano na metade dos anos 1970. A ênfase nessas mudanças está no chamado para que a sociedade e as famílias assumam parte dos encargos da proteção que até então cabiam ao Estado. Pari passu à refamilização da proteção social esse capítulo se detém na evolução e análise da proteção social em saúde com destaque para os elementos que determinariam a constituição da ESF em estratégia fundamental para a reorientação do modelo em saúde assentado na Atenção Básica. O quarto capítulo visa compreender as implicações de colocar a família como centro de uma estratégia de saúde, pois se trata de um ente em mutação, aspecto esse que se revela pelas controvérsias em torno da definição de um conceito unívoco de família, dos papéis que são desempenhados pelos seus membros ou até mesmo da operacionalização do conceito nas políticas públicas, e na ESF em particular. A intenção é resgatar aspectos que permitam, no capítulo cinco, verificar se a política pública em análise tem clareza dos tipos de famílias que são objeto da sua prática e das implicações que pode ter o chamado à coresponsabilidade dados as múltiplos encargos que as mulheres executam na intimidade das famílias. O quinto capítulo inicia com o percurso metodológico trilhado para empreender a coleta e tratamento dos dados empíricos. Após isso procede-se à análise das categorias que emanaram das entrevistas, com destaque para os tipos de famílias monoparentais detectados por esta pesquisa, para as práticas terapêuticas desenvolvidas e para a compreensão do significado da co-responsabilidade prevista pela ESF. O sexto capítulo retoma as preocupações dos capítulos iniciais, resgata as linhas de argumentação e os principais resultados e traça algumas considerações finais. 42 43 CAPÍTULO II REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E VULNERABILIDADE SOCIAL A despeito do seu caráter pretensamente universal, a política de saúde no Brasil, e mais especificamente a Estratégia de Saúde da Família, parece ter o seu foco na população de baixos recursos sócioeconômicos. No geral, o alvo prioritário das políticas sociais tem sido as camadas mais desfavorecidas da sociedade, as que têm algum tipo de carência ou as que sofrem de exclusão. É por isso que as políticas sociais normalmente estão permeadas de um conjunto de palavras que retratam condições de vida precária: “exclusão social”, “pobreza”, “marginalidade”, ou ainda “vulnerabilidade social”. Embora esses termos possam ser considerados sinônimos, cada um deles naturaliza um paradigma conceitual a respeito dos seus determinantes ou causas. Interessa neste capítulo discutir os condicionantes da condição de pobreza de populações precarizadas. Não com a intenção de construir uma base analítica que legitime o caráter minimalista ou focalizado que na prática o SUS parece ter, mas para entender as condições de trabalho a que a população empobrecida se encontra submetida. Entende-se aqui que a vulnerabilidade é um fenômeno amplo que não pode ser dimensionado apenas por limites de renda pré-definidos. As restrições que as famílias vulneráveis sofrem vão além de questões monetárias. Entender o que significa de fato a condição de vulnerável, para além das visões parciais da pobreza, requer vasculhar as origens desse fenômeno na questão mais ampla da reestruturação produtiva. Esta discussão será o pano de fundo para entender, no próximo capítulo, os desafios postos para as famílias pelas transformações ocorridas nos regimes de bem-estar social em que pese a sua condição de vulnerabilidades são chamadas a assumir parte da responsabilidade pelos cuidados. A intenção deste capítulo é estabelecer que a condição de vulnerabilidade é fruto de processos de ordem estrutural modulados por transformações que ocorreram no âmbito produtivo desde os anos 1960. Nessa direção, importa desde já ir adiantando que se a noção de vulnerabilidade até então esteve ligada à ausência de emprego, na atualidade essa condição se amplia mesmo para aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho. 44 Em termos estruturais, este capítulo está organizado em três seções. A primeira trata do processo que se instala no âmbito da produção e que passaria a ser conhecida como a Reestruturação Produtiva. O objetivo dessa seção é mostrar que a crise do padrão produtivo fordista terá impactos significativos no mercado de trabalho, cujas características mais importantes serão a precarização e o desemprego e, em certa forma, o aumento do trabalho feminino. A segunda seção discute as visões parciais da pobreza. Parciais porque se limitam a definir a pobreza a partir das suas características mais evidentes (baixa dotação de capital humano, escassez de renda ou capacidade ou, ainda, de denotar comportamentos próprios de uma classe subalterna). O argumento a ser trabalhado é que essa percepção estreita do fenômeno da pobreza tende a culpabilizar os pobres pela sua situação e escamoteia uma análise mais profunda da sua real causa: a exclusão como tônica da sociedade moderna, profundamente marcada pela falta de proteção social mesmo para aqueles que se encontram empregados. Para além das visões consideradas parciais no estudo de populações pobres ou subalternizadas na terceira seção se discute a noção de vulnerabilidade, abordagem que terá destaque neste trabalho. 2.1 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA A reestruturação produtiva - substituição dos métodos de racionalização da produção fordista/taylorista pela nova organização industrial baseada no toyotismo - impulsionou a construção de um espaço diferenciado para atuação dos trabalhadores. O modelo taylorista-fordista de produção baseava-se na produção em massa e nos princípios da administração científica de Taylor (tempos e movimentos). Demarcava, ainda, os limites entre a concepção e a execução do trabalho. A crise que se instala nesse modelo por volta de 1960 levaria a uma transformação global na organização da produção e, por consequência, na organização do trabalho. De acordo com Harvey (1992, p. 135): Parece que havia problemas sérios no fordismo já em meados dos anos 60. Na época, a recuperação da Europa Ocidental e do Japão tinha se completado, seu mercado interno estava saturado e o impulso para criar mercados de exportação para os seus produtos excedentes tinha de começar. (...) A profunda recessão de 1973, 45 exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da „estagflação‟ (estagnação da produção de bens e alta dos preços) e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em conseqüência, as décadas de 70 e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político. As mudanças em curso no ambiente econômico criaram as condições para a adoção do padrão flexível de produção - toyotismo ou pós-fordismo - que, nas palavras de Harvey (1992, p.140), (...) é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. (...) se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado „setor de serviços‟, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a „Terceira Itália‟, Flandres, os vários vales e gargantas do silício...). O Toyotismo, por ter sido responsável pela recuperação da economia japonesa no pós-guerra, constituiria-se num possível remédio para a crise pela qual passava o capitalismo. Ele se distingue do fordismo nos seguintes aspectos (ANTUNES, 1998, p.90): 1) É uma produção mais diretamente vinculada aos fluxos da demanda; 2) é variada, bastante heterogênea e diversificada; 46 3) fundamenta-se no trabalho operário em equipe, com multivariedade e flexibilidade de funções, na redução das atividades improdutivas dentro das fábricas e na ampliação e diversificação das formas de intensificação da exploração do trabalho; 4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção e funciona segundo o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque, que no toyotismo, devem ser mínimos. Enquanto na fábrica fordista cerca de 75% era produzido no seu interior, na fábrica toyotista somente cerca de 25% é produzido no seu interior. Ela horizontaliza o processo produtivo e transfere a ‟terceiros‟ grande parte do que anteriormente era produzido dentro dela. A causa das mudanças na produção ocorridas desde meados dos anos 1970 têm sido explicadas de várias formas, como bem mostra Castells (2005): (i) as mudanças resultam da exaustão da produção em massa (PIORE e SABEL (1984); (ii) as novas formas organizacionais foram respostas à crise de lucratividade pela qual atravessava o capitalismo (HARRISON, 1994); (iii) a transição do fordismo ao pósfordismo faz parte de um conjunto de transformações não apenas no âmbito da produção, mas também no consumo e na concorrência (CORIAT, 1990) e (iv) a definição de que os elementos fundamentais das novas empresas de Era da Informação são a inteligência organizacional, o aprendizado organizacional e a administração de conhecimentos (TUOMI, 1999). Em última instância, o principal objetivo era “(...) lidar com a incerteza causada pelo ritmo veloz das mudanças no ambiente econômico, institucional e tecnológico da empresa, aumentando a flexibilidade em produção, gerenciamento e marketing” (CASTELLS, 2005, p. 211). Em termos de processos de trabalho é introduzido o “modelo de produção enxuta”, que economiza trabalho via automação do mesmo, ou via redução de camadas administrativas. Se para as empresas a produção enxuta parece ter sido a responsável pela recuperação da economia da metade dos anos 1970 para os trabalhadores significaria o início de drásticas mudanças no mercado de trabalho. O aumento da competição e o enfraquecimento dos sindicatos - decorrente da ampliação do excedente de mão-de-obra 47 desempregada – abririam espaço para todo um leque de novas formas de contratos de trabalho, caracterizados pela flexibilidade, como a terceirização e os empregos em tempo parcial. A reconfiguração do emprego regular, face ao crescente trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado é resultado da redução do emprego no “grupo central de trabalhadores”, como são denominados por Harvey (1992) aqueles empregados em tempo integral necessários à empresa no longo prazo (Figura 1). Estes, além de segurança no emprego, gozam de pensão, seguro, estratégias de promoção e qualificação e outras vantagens indiretas. Em contraste com os trabalhadores do núcleo central, os “trabalhadores da periferia do sistema” compõem dois grupos. O primeiro compreende aqueles “(...) empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado” O segundo é composto por aqueles que “(...) oferece[m] uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado, temporários, [etc.] (...) tendo ainda menos segurança de emprego do que o primeiro grupo periférico”. E conclui “a mudança mais radical tem seguido a direção do aumento da subcontratação (...) ou do trabalho temporário - em vez do trabalho em tempo parcial. (...) a atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número de trabalhadores „centrais‟ e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos quando as coisas ficam ruins”(p.144). Sem dúvida, a era toyotista impôs mudanças significativas para o mundo do trabalho. Diante do novo quadro, os integrantes da classe trabalhadora precisariam se sujeitar às condições a partir daí impostas. Os trabalhadores da era Fordista/taylorista, que até então desfrutavam de estabilidade no emprego passariam a enfrentar uma nova dinâmica no mercado de trabalho, em que a insegurança seria a característica principal. Ao mesmo tempo em que para os trabalhadores as mudanças na estrutura produtiva redundariam em formas precarizadas de trabalho, em termos setoriais haveria, entre 1970-90, uma clara recomposição/reconfiguração do emprego do setor industrial em direção ao setor de serviços. O deslocamento gradual do emprego industrial para os serviços é semelhante ao que ocorrera, entre os anos 1920-70, em que o emprego agrícola fora suplantado pelos empregos do setor secundário 48 (CASTELLS, 2005). Só que desta vez, as contratações no setor serviços seriam marcadas pela subcontratação, pela terceirização ou pelo emprego em tempo parcial. Figura 1. Estado do mercado de trabalho em condições de acumulação flexível. Fonte: Harvey (2006, p.143) a partir de C. Curson: Flexible patterns of work. Institute of Personnel Management. A modo de balanço, Antunes resume as conseqüências das mudanças na organização da produção. Mudanças, estas, responsáveis por desempregar ou precarizar cerca de um terço da força de trabalho mundial (1998, p.93, grifos nossos): 1) diminuição do operariado manual, fabril e estável, típico do binômio taylorismo/fordismo e da fase de expansão da indústria verticalizada e concentrada; 2) aumento acentuado do novo proletariado, das inúmeras formas de subproletarização ou precarização do trabalho, decorrentes da 49 expansão do trabalho parcial, temporário, subcontratado, terceirizado, e que tem-se intensificado em escala mundial, tanto nos países do Terceiro Mundo, como também nos países centrais; 3) aumento expressivo do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora, também em escala mundial, aumento este que tem suprido principalmente (ainda que a ele não se restrinja) o espaço do trabalho precarizado, subcontratado, terceirizado, part-time, etc; 4) enorme expansão dos assalariados médios, especialmente no setor de serviços que inicialmente aumentaram em ampla escala, mas que vem presenciando também níveis crescentes de desemprego; 5) exclusão dos trabalhadores jovens e dos trabalhadores idosos, segundo a definição do capital (em torno de 40 anos), do mercado de trabalho dos países centrais; 6) intensificação e superexploração do trabalho, com a utilização brutalizada do trabalho dos imigrantes, dos negros, além da expansão dos níveis de trabalho infantil, sob condições criminosas, em tantas partes do mundo, como Ásia, América Latina, entre outras; 7) há, em níveis explosivos, um processo de desemprego estrutural que, se somado ao trabalho precarizado, part-time, temporário, etc., atinge cerca de um terço da forma humana mundial que trabalha; Beck (1998, p.92-93) é também incisivo quanto às profundas transformações ocorridas no mercado de trabalho: “O desemprego já não é um destino marginal: nos afeta potencialmente a todos, e também à própria democracia como forma de vida”. Beck justifica sua preocupação mostrando que a população em idade de trabalhar plenamente empregada, no sentido lato da palavra, vem caindo. Menciona o caso da Inglaterra onde somente um terço dessa população está empregada, sendo que na Alemanha esse montante oscila ao redor de 60%. Em fins dos anos 1970 era de mais de 80% em ambos os países. E conclui: 50 O que é apresentado como um remédio – a flexibilização do mercado de trabalho – somente tem ocultado a terrível doença do desemprego: não a curou. Pelo contrário, é cada vez maior o desemprego, bem como o emprego em tempo parcial, as precárias relações contratuais (...). Em outras palavras, o volume de trabalho remunerado está desaparecendo a marcha forçada e estamos nos dirigindo a toda velocidade a um capitalismo sem trabalho, e isso em todos os países pós industriais do planeta. (BECK, 1998, p.93) 2.2 VISÕES PARCIAIS DA POBREZA O estudo de novas formas de pobreza se justifica como decorrência das transformações produtivas e para entender a forma como são vistos os pobres pelas políticas públicas. A pobreza pode ser estudada como um fenômeno que advêm de condições que afetam os indivíduos, como a sua inserção na estrutura produtiva, ou pode ser estudada como manifestação de carências individuais. Esta última, por ter sua preocupação excessivamente focada no indivíduo e nas suas características perde de vista a possibilidade de compreender o fenômeno em toda sua magnitude. No âmbito deste trabalho consideram-se como visões restritas ou parciais da pobreza aquelas que pretendem abstrair a noção de pobreza a partir do indivíduo e, mais precisamente dos seus níveis de capital humano ou dos seus níveis de renda, em contraposição àquelas que localizam a pobreza como decorrente das condições estruturais. Destacam-se aqui quatro visões da pobreza, consideradas parciais: A Teoria do Capital Humano, a percepção da pobreza a partir dos níveis de renda auferidos, a Teoria das Capacidades de Amartya Sen (inspirada na Teoria do Capital Humano) e a noção norte americana de underclass. Cabe chamar a atenção para elementos que elas têm em comum: a ênfase no indivíduo, a culpabilização pela condição de pobreza e a necessidade de mecanismos de empoderamento para que os indivíduos superem a sua condição. A primeira visão que tem contribuído para focar no indivíduo o fenômeno da pobreza é a teoria do capital humano. Criada por Theodore Schultz considera a qualificação pessoal uma forma de investimento que poderá trazer retornos no futuro. Visto desde uma perspectiva mais 51 ampla, o crescimento econômico e níveis mais elevados de renda estariam condicionados por investimentos maciços no capital humano dos indivíduos. Apesar de reconhecer a dificuldade de “medir” este tipo de capital, Schultz (1961) considera que há elementos que promovem o capital humano, como por exemplo, os serviços de saúde (que contribuem para que as pessoas tenham mais vigor e melhor expectativa de vida), o treinamento no emprego e a educação formal, com destaque para a educação de adultos (SAUL, 2004). A despeito da importância que tem a elevação dos padrões de qualificação e do seu impacto nas possibilidades de ascensão social, a teoria do capital humano tem os seus limites, pois restringe o seu foco e pressupõe um tipo de sociedade em que haveria uma relação direta entre qualificação e progressão social. Nesse sentido, ao privilegiar características dos indivíduos, como escassa qualificação, a teoria do Capital Humano praticamente responsabiliza o indivíduo por não ter alcançado os patamares que a sociedade lhe exige para estar incluído. A segunda percepção da pobreza é aquela que vê o fenômeno por uma das suas características mais aparentes: os níveis de renda. Instituições que promovem o desenvolvimento, como o Banco Mundial, popularizaram o conceito de pobreza a partir de critérios quantitativos 9. Nessa concepção os pobres são aqueles que auferem renda abaixo de certos patamares: “two-dollars-a-day” caracteriza a situação de pobreza e “one-dollar-a-day” a de pobreza extrema. Cabe destacar que a despeito das discordâncias quanto ao seu uso e sua viabilidade 10, a definição desses patamares se constituiu durante anos em poderoso instrumento de comparação das condições de vida entre países e ainda hoje é empregado largamente. Hopenhayn (2003) questiona essa abordagem por considerar que é cada vez mais difícil limitar a pobreza a um conjunto de necessidades insatisfeitas ou a níveis pré-determinados de renda. Ele secunda as idéias daqueles que (a exemplo de Amartya Sen) consideram a pobreza como a privação de ativos e de oportunidades, isto é como “a falta de realização de direitos, sejam estes de primeira geração (direitos civis e políticos) ou de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais)” (HOPENHAYN, 2003, p.4). 9 Para uma análise comparativa das concepções de políticas sociais e das estratégias de superação da pobreza do Banco Mundial, da CEPAL e do PNUD/BID, ver Simionatto e Nogueira (2001). 10 Ver por exemplo o debate entre Reddy (2008) e Ravalion (2008). 52 Contextualizando a terceira percepção, Ugá (2004, p.59) destaca que o Banco Mundial, em estudos mais recentes sobre políticas sociais, tem abandonado a delimitação da pobreza unicamente atrelada a critérios monetários. Nos trabalhos da instituição tem emergido a pobreza como fenômeno multifacetado que decorre de privações econômicas, políticas e sociais: “além da forma monetária de pobreza, ela é considerada como ausência de capacidades, acompanhada da vulnerabilidade do indivíduo e da sua exposição ao risco”. A ausência de capacidades que inspira a concepção de pobreza do Banco Mundial deriva da idéia de “privação de capacidades”, de Amartya Sen. Esse tipo de privação tolhe a possibilidade do indivíduo desenvolver o seu potencial e, com isso, obter níveis de renda mais elevados. Para Sen (2000, p.92) “a escassez de renda (...) não é uma idéia tola, pois a renda tem enorme influência sobre o que podemos ou não podemos fazer. A inadequação de renda frequentemente é a causa principal de privações, que normalmente associamos à pobreza, como a fome individual e a fome coletiva”. Nos estudos sobre pobreza, Sen reconhece a utilidade de começar com informações sobre renda, mas alerta para não terminar apenas com esse tipo de análise. Amplia a análise da pobreza com a “perspectiva da capacidade” em detrimento da “perspectiva da renda”. Na sua visão, há um conjunto de elementos que influenciam sobre a privação das capacidades (ou do potencial que as pessoas têm de auferir sua renda) e, portanto sobre a pobreza. Para Sem, a relação entre renda e capacidade pode ser afetada, por exemplo, pela idade da pessoa (necessidades específicas de idosos ou jovens, por exemplo), pelos papéis sexuais e sociais, pela localização geográfica (propensão a catástrofes naturais, locais sujeitos a violência ou insegurança), por condições epidemiológicas e sanitárias sobre as quais as pessoas têm pouco ou nenhum controle. Se de um lado esses aspectos afetam a capacidade de auferir renda, por outro lado (e a modo de um círculo vicioso perverso) desvantagens nas capacidades tornam mais árdua a tarefa de converter renda em capacidade, gerando um círculo vicioso perverso. Por exemplo, uma pessoa mais velha ou incapacitada pode precisar de mais renda para obter o mesmo nível de satisfação de outras pessoas. Nessa concepção, “a „pobreza real‟ (no que se refere à privação de capacidades) pode ser (...) mais intensa do que pode parecer no espaço da renda” (SEN, 2000, p.110). No entender de Ugá (2004), mesmo reconhecendo que o conceito de capacidades humanas é mais amplo que o do capital humano, o problema do arcabouço teórico de Sen está em que o autor desconsidera 53 a necessidade de um Estado que garanta os direitos sociais e apenas prevê um Estado caridoso, com deveres somente para com os pobres. A presença do Estado só seria necessária, portanto, em um primeiro momento, no sentido de aumentar as capacidades dos pobres, para em um segundo momento, quando esses indivíduos já estivessem capacitados, o Estado já se tornaria desnecessário, passando a deixar que eles individualmente procurassem seu desenvolvimento pessoal (UGÁ, 2004, p.60). A questão da retirada do Estado implica, sem dúvida, uma crescente mercadorização11 de serviços sociais, pois subentende que à medida que os indivíduos conseguem alavancar seu progresso eles serão capazes, também, de arcar com todos os custos que envolvam a sua sobrevivência. Cabe salientar que o modelo de sociedade que permeia os estudos do Banco Mundial pressupõe dois tipos de indivíduos: o competitivo e o pobre ou incapaz. Este último é aquele que não consegue garantir seu emprego ou sua subsistência, enquanto o competitivo encontra formas de superação da pobreza. Nesta concepção, “a pobreza acaba sendo vista como um fracasso individual daquele que não consegue ser competitivo” (UGA, 2004, p.60). Para introduzir a quarta visão de pobreza, reporta-se à referência do caráter acusatório contra os pobres que está presente, também, na discussão norte-americana sobre o tema. O termo que emblematiza o debate nessa sociedade é underclass – denominação usada na década de 1960 para se referir, principalmente, aos imigrantes afro-americanos e a sua cultura da pobreza. Kowarick (2003) resgata esse debate e mostra como o mesmo tem oscilado entre dois pólos, com forte conteúdo político-ideológico. De um lado, a posição conservadora que culpabiliza as vítimas da pobreza por considerar essa condição resultado da irresponsabilidade dos pobres. Para essa concepção, programas sociais reforçariam a condição de indolência e a desestruturação familiar. Por outro lado, a posição liberal atribui a pobreza a processos estruturais mais amplos como a desindustrialização, as transformações 11 Termo usado por Esping-Andersen (1991) para se referir à dependência do mercado para obter um serviço. A “desmercadorização” ocorre quando a prestação de serviço é vista como uma questão de direito. 54 tecnológicas e urbanas nas grandes cidades ou ao preconceito racial. Kowarick aponta que se o conservadorismo era predominante na década de 1980, posteriormente, na administração Clinton, uma possível aproximação com a visão liberal teria sido possível com programas sociais específicos nos quais permanecia, no entanto, a crescente responsabilização das vítimas. “A marginalização social e econômica passa a ser encarada como fraqueza peculiar a indivíduos ou grupos que, como tais, não possuem a perseverança ou o treinamento moral para vencer na vida” (KOWARICK, 2003, p.63). É importante destacar que se até a década de 1960, o termo underclass era usado para designar imigrantes afro-americanos e a sua cultura da pobreza, na década de 1980 se tornaria mais abrangente e passaria a contemplar novas categorias: (a) os pobres passivos, que, no mais das vezes, são recipientes de longo prazo de serviços sociais; (b) o hostil criminoso de rua, que aterroriza grande parte das cidades e que, geralmente, foi expulso da escola e é consumidor de droga; (c) o escroque (hustler), [...] que ganha a vida na economia subterrânea [...]; (d) os bêbados traumatizados, vagabundos, moradores de rua [...] e os doentes mentais, que, freqüentemente, vagueiam ou morrem nas ruas da cidade (AULETTA, 1981, p. XVI, apud KOWARICK, 2003, p.65). Para os conservadores, o quadro social assim constituído era decorrente da “generosidade” das políticas sociais dos governos democratas precedentes, que produziram uma “cultura da dependência” ou um elevado “parasitismo social”. Kowarick (2003) menciona que Wilson (1987) faria uma severa crítica à visão conservadora. Destaca que a desindustrialização dos grandes centros urbanos, tendo como pano de fundo a discriminação racial, levaria a uma redução do trabalho pouco ou nada qualificado e à medida que os segmentos afroamericanos mais qualificados se habilitavam ao mercado de trabalho (alentados pelo clima de liberdades civis dois anos 60) os remanescentes sofriam um processo progressivo de concentração da pobreza, de desemprego e de isolamento. A despeito das suas controvérsias sobre o seu significado, o termo underclass cairia num desuso relativo no início 55 dos anos 90 e daria lugar à noção de jobless ghetto, para se referir aos novos pobres urbanos. Entretanto, no percurso dos anos 90, e mais especificamente no embalo da Era Reagan, ganharia força novamente a noção de underclass, para se referir não apenas à pobreza, mas a uma forma de comportamento em que o indivíduo aparece como responsável pela sua condição precária. [...] a argumentação dominante deixou de estar centrada nas análises macroestruturais – mudanças tecnológicas e organizacionais, desindustrialização, deterioração e êxodo urbano, dinâmica das classes, preconceito racial, ou na questão feminina. Esses enfoques perderam grande parte de sua capacidade persuasiva na medida em que sucumbiram na avalanche explicativa que culpabilizava os pobres por sua situação12. (KOWARICK, 2003, p.68). Para Mauriel (2006), a culpabilização dos pobres e o desenho de políticas públicas focadas no indivíduo fazem parte do giro individualista que se opera no interior das Ciências Sociais, principalmente no último quartel do século 20. Esse direcionamento representaria um importante ponto de inflexão na tradição das Ciências Sociais de buscar entender os fenômenos sociais fora do indivíduo. Para a autora “a ênfase na individualização pode ser uma das maneiras de evitar uma discussão mais profunda (das incapacidades) do padrão de incorporação social contemporâneo (ou sua outra face: a exclusão)” (MAURIEL, 2006, p. 49, grifo nosso). Na perspectiva focada no indivíduo, as políticas sociais destinadas ao combate da pobreza (ou da exclusão) procuram tornar os indivíduos “inseríveis” nos padrões de sociabilidade contemporânea. Nesse contexto, os padrões de proteção social se alteram: perdem o seu caráter universal e se limitam a programas específicos de atendimento dos grupos mais vulneráveis, em que o assistencialismo é a tônica dominante (MAURIEL, 2006). Para além do termo pobreza, as noções mais amplas de exclusão e de vulnerabilidade aparecem como avanços significativos da dimensão da sujeição do pobre às condições a ele impostas, seja no mercado de 12 Sobre a criminalização da pobreza ver Rosanvallon (1998) e Wacquant (2001). 56 trabalho, seja na sociedade como um todo. Enquanto ator social, o indivíduo pobre passa a demandar acesso pleno à cidadania. A exclusão se configura para além da questão meramente econômica. O processo de exclusão tem muitas dimensões: aumento da pobreza urbana, escassas oportunidades de emprego para jovens e migrantes ou minorias étnicas. 2.3 VULNERABILIDADE SOCIAL A noção de vulnerabilidade social está presente nas políticas sociais que lidam com a população subalternizada ou excluída. O termo assume definições mais ou menos elásticas dependendo do campo epistemológico ou da política pública em questão. No Brasil, para a Política Nacional de Assistência Social grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade são Famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social (BRASIL, 2004B, p. 27) Sobre a definição da condição de vulnerabilidade, o Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, na Resolução 196/96 que disciplina as pesquisas em seres humanos no país, estabelece os cuidados que devem ser tomados ao realizar pesquisas junto a indivíduos ou populações vulneráveis ou aqueles com autonomia reduzida. Em link disponível junto à mencionada Resolução, Guimarães e Novaes (2009, s.d., p.1) esclarecem o significado dessas duas acepções. Pessoas com autonomia reduzida - como crianças, adolescentes, enfermos, prisioneiros - são aqueles que “têm redução temporária da autonomia porque estão impedidos de manifestar sua vontade e se espera que cessado o impedimento possam elas fazê-lo de maneira inequívoca”. Por sua vez a condição de vulnerável é fruto de 57 “uma relação histórica entre diferentes segmentos sociais e pode ser individual ou coletiva” e caracteriza “pessoas que por condições sociais, culturais, étnicas, políticas, econômicas, educacionais e de saúde têm as diferenças estabelecidas entre eles e a sociedade envolvente, transformadas em desigualdade”. 13 Em termos operacionais algumas prefeituras consideram famílias vulneráveis aquelas que moram em áreas consideradas de interesse social de acordo com critérios como baixa renda familiar, precariedade habitacional, precariedade da rede de infra-estrutura, precariedade ambiental e áreas de risco, precariedade na posse da terra e precariedade dos equipamentos e serviços urbanos 14. A despeito da categoria epistemológica empregada entende-se aqui que a noção de vulnerabilidade que perpassa a definição de políticas públicas é dada não apenas, mas principalmente, pela exclusão que ocorre no mundo do trabalho. Como salienta Lopes (2008), os processos de exclusão estão fortemente delimitados pelo tipo de trabalho ou ocupação que os sujeitos excluídos vivenciam. Reforça seu argumento com as palavras de Ivo (2004, p.57): “não se pode compreender os dilemas da política social fora da dimensão do trabalho, entendido como a forma concreta de reprodução e inserção social e como valor histórico e culturalmente instituído, que confere identidade social e matriz de sociabilidade no marco de uma construção coletiva”. A desarticulação da relação emprego-proteção social está no âmago da noção de vulnerabilidade desenvolvida por Castel (1998). O autor localiza na crise do modelo salarial - no pós-fordismo - a instauração de uma situação de instabilidade que atinge não apenas os desempregados. Se até a década de 1970 a proteção social estava fortemente atrelada à condição de assalariamento, a posteriori a sensação (e a condição) de desproteção atinge até aqueles que ainda se encontram empregados. 13 Embora não seja explorada neste trabalho se reconhece que na área da saúde há uma outra noção de vulnerabilidade associada à epidemia da AIDS (bem como a muitas outras epidemias) e ao risco. Nessa concepção a vulnerabilidade teria três dimensões: individual (aspectos do modo de vida das pessoas que possam contribuir para a sua exposição ao vírus); social (aspectos da vida em sociedade – estrutura jurídico-política, relações de gênero e raciais, etc.) e programática (acesso e organização dos serviços de saúde) (AYRES et al., 2006). Ver também ao respeito Guareschi et al. (2006). 14 Estes são os critérios utilizados pela Prefeitura Municipal de Florianópolis para definir a população vulnerável que reside em áreas de risco social. A especificação desses critérios está disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/saude/inf_saude/criterios_para_classificacao_de_ais_setembro_2007 .doc 58 Castel (op.cit.) chega a esse quadro traçando a evolução da sociedade europeia (e francesa em particular, em muitos momentos) desde a sociedade pré-industrial, no século XIV, até o século XX. O seu fio condutor são as transformações que sofrem os modos de produção e os vínculos sociais que ali se estabelecem. Na Idade Média destaca a tutela da sociedade por parte do Estado. Na era pré-industrial a ênfase estaria na sociedade cadastrada, em que as corporações de ofício significavam muito mais do que formas de organização do trabalho: significavam formas de sociabilidade gestoras de vínculos. Nesse período, o assalariamento era considerado indigno, pois era concedido a aprendizes incapazes de tornar-se mestres, a artesãos arruinados ou a agricultores que não conseguiam suprir o seu sustento. No século XVIII, a modernidade liberal outorgaria um novo sentido à condição do assalariamento. O trabalho passaria a ser reconhecido como fonte de riqueza social e permitiria superar a condição de vulnerabilidade em massa na qual a Europa se encontrava. O trabalho assalariado se tornaria o suporte de inserção na sociedade. Garantias e direitos sociais estariam indissociavelmente ligados à condição de empregado. O trabalho passaria a exercer o papel de integrador, que antes era desempenhado pelas corporações, pois redes de sociabilidade e proteção estariam fortemente vinculadas ao trabalho. Nessa situação, os “excluídos” seriam aqueles que se encontravam à margem dos vínculos e proteções que o trabalho proporcionava. A ruptura desse processo, que instaura “a nova questão social” a que se refere Castel (1998), é a perda de centralidade do trabalho, que ocorre por volta de 1970. A partir daí, a condição de assalariamento se tornaria sinônimo de risco e não mais de proteção. Surge uma nova vulnerabilidade de massa, situação que a Europa pensava como parte de um passado remoto. Os “excluídos” não seriam mais os vagabundos da época prévia à revolução industrial, nem aqueles que estão necessariamente à margem do sistema de trabalho e de proteção social (mesmo porque as proteções sociais se alteraram com a crise do Estado de Bem-Estar Social), mas todo um contingente de (...) indivíduos colocados em situação de flutuação na estrutura social e que povoam seus interstícios sem encontrar aí um lugar designado. Silhuetas incertas, à margem do trabalho e nas fronteiras das formas e troca socialmente consagradas – desempregados por período longo, moradores dos subúrbios pobres, beneficiários da 59 renda mínima de inserção, vítimas das readaptações industriais, jovens à procura de emprego e que passam de estágio a estágio, de pequeno trabalho à ocupação provisória... (CASTEL, 1998, p.23) Como salienta Rizek (1998, p.17), no prefácio de As metamorfoses da questão social, “desestabilização, precarização, desemprego, são ameaças que (...) se fazem onipresentes para o conjunto da sociedade”. Na atualidade a exclusão ganha um sentido mais amplo, pois quem a sofre são pessoas que, mesmo tendo trabalho, estão em condições de precariedade. Precariedade em termos de justiça, de educação, de violência extrema, de carência de serviços públicos e não apenas de precariedade em termos de trabalho. A exclusão não é uma ausência de relação social, mas um conjunto de relações sociais particulares da sociedade tomada como um todo. Não há ninguém fora da sociedade, mas um conjunto de posições cujas relações com seu centro são mais ou menos distendidas: antigos desempregados que se tornaram desempregados de modo duradouro, jovens que não encontram emprego, populações mal escolarizadas, mal alojadas, mal cuidadas, mal consideradas, etc. Não existe nenhuma linha divisória clara entre essas situações e aquelas um pouco menos mal aquinhoadas dos vulneráveis que, por exemplo, ainda trabalham mais poderão ser demitidos no próximo mês, estão mais confortavelmente alojados, mas poderão ser expulsos se não pagarem as prestações, estudam conscienciosamente, mas sabem que correm o risco de não terminar... Os “excluídos” são, na maioria das vezes, vulneráveis que estavam “por um fio” e que caíram. Mas também existe uma circulação entre essa zona de vulnerabilidade e a da integração, uma desestabilização dos estáveis, dos trabalhadores qualificados que se tornam precários, dos quadros bem considerados que podem ficar desempregados (CASTEL, 1998, p.568, 569). 60 A categoria epistemológica empregada para referir-se à pobreza e os critérios que as definem podem variar. Quer se fale em vulneráveis, pobres ou população subalternizada trata-se de um contingente de pessoas que passam a ser a tônica da civilização moderna (MAGALHÃES, 2001) e isso a despeito do otimismo liberal e sua crença na incorporação da população pelo crescimento econômico. Pochmann et al. (2004) falam de uma “nova exclusão social” (caracterizada pelo surgimento de novas formas de vulnerabilidade não apenas associadas à baixa renda e ao analfabetismo). Essa “nova exclusão” seria parte de todo um quadro delimitado pelo desemprego, pela desigualdade de renda, pela baixa escolarização superior e pela violência. E se faz presente tanto nos países desenvolvidos quanto nos subdesenvolvidos de média renda e níveis relativamente elevados de industrialização, fato que traz à tona a necessidade de discutir mecanismos de proteção social. 61 CAPÍTULO III CAMINHOS E DESCAMINHOS DA PROTEÇÃO SOCIAL OFERECIDA ÀS FAMÍLIAS O objetivo deste capítulo é construir uma análise que permita localizar a Estratégia Saúde da Família no âmbito das transformações que os sistemas de proteção social têm apresentado. O argumento central a ser desenvolvido é que os sistemas de proteção social, devido a transformações societárias e econômicas, têm gradativamente repassado às famílias as responsabilidades pela sua proteção sem instrumentalizálas para tal. Característica das sociedades modernas parece ser a vulnerabilidade e a sensação de insegurança e de desproteção. Castel (2005) ao refletir sobre o que é ser protegido acredita que a dissociação social, ou a perda de vínculos na sociedade, está na base da insegurança social. Para ele, a insegurança, a solidão e a incerteza com o amanhã são resultados de sociedades cada vez mais individualistas em que laços de solidariedade parecem estar se esgarçando. A forma como cada sociedade enfrenta suas vicissitudes e como protege indivíduos contra riscos que fazem parte da vida humana como doença, velhice, desemprego ou exclusão é objeto da configuração que assumem os sistemas de proteção social. Esses sistemas nada mais são do que a “ação coletiva de proteger indivíduos contra os riscos inerentes à vida humana e/ou assistir necessidades geradas em diferentes momentos históricos e relacionadas com múltiplas situações de dependência” (VIANA e LEVCOVITZ 2005, p. 17) A discussão em torno da proteção social e dos mecanismos de satisfação de necessidades da população num determinado contexto tem girado em torno de dois eixos: a existência (ou não) de sistemas de Welfare State (Estado Previdência, Estado Social ou Estado de bemestar social) e das características das políticas sociais. A imbricação desses dois temas tem levado, em muitos casos, a pensar que seria possível considerar como sinônimos os termos Welfare State, política social e proteção social ou, ainda, como fenômenos equivalentes. A discussão sobre essa possível identidade será neste trabalho o pano de fundo sobre o qual pretende-se a analisar as transformações que têm ocorrido na oferta de proteção social no país. Normalmente os sistemas de proteção dispõem de ações específicas relativas à seguridade social em três áreas: assistência social, 62 saúde e previdência social. A intenção das agendas dessas políticas públicas é delimitar a área que lhes cabe no fornecimento da proteção social. Isto é, delimitar quem será protegido, de que forma se dará essa proteção e quanto de proteção será necessário (VIANA e LEVCOVITZ, 2005; SILVA, YAZBEK e GIOVANNI, 2004). Entretanto, o dilema que tem rondado a definição dos sistemas de proteção social, mais do que estabelecer quais os riscos a serem cobertos, tem sido definir quem proverá essa proteção, se o Estado, o mercado ou as famílias. A solidariedade expressa em redes sócio-familiares, mesmo que desgastada na contemporaneidade, tem sido chamada a desempenhar papel central na oferta de proteção social, papel que em certa forma a família já desempenhara na Idade Média, como será visto neste capítulo. Esse “chamado” parece se dar de duas formas: de forma estruturada, com a retirada do Estado no provimento de condições de proteção social (e a inclusão das famílias na execução das políticas públicas) e de forma não estruturada, entre camadas subalternizadas da população que diante de tantas carências e incertezas a única coisa que parecem ter são os laços de solidariedade. Conforme será visto neste capítulo, o Estado, que nos modernos sistemas de proteção social se coloca como apenas um dos parceiros na oferta de proteção social foi responsável num primeiro momento pela sua oferta e institucionalização enquanto direito e, depois, pelo seu desmonte e conseguinte repasse da responsabilidade às famílias. Nesse contexto, a intenção é resgatar o debate em torno da refamiliarização da proteção social. Debate que tem que começar por esclarecer que a família sempre teve papel central no provimento da proteção social (tarefa que na Idade Média passou a ser dividida com o Estado e com a Igreja), para depois entender os motivos que explicam o porquê do Estado - via políticas públicas – depois da década de 1970 “redescobre” as famílias como parceiras dessa proteção e passa a responsabilizá-las por encargos que até então cabiam ao Estado. A reflexão deve incidir, também, sobre a discussão dos limites da institucionalização da solidariedade familiar e dos riscos de transpor a idéia de proteção social, via famílias, de sociedades como as europeias que têm sistemas de bem-estar social bem estruturados para países como o Brasil que nunca tiveram sistemas dessa natureza. Muito mais se as famílias se encontram em processo severo de mudanças (a serem discutidas no próximo capítulo) em que a tônica são novos arranjos familiares (com elevada proporção de lares monoparentais chefiados por mulheres) com redes sócio-familiares frágeis que talvez dificultem a 63 execução do novo papel que lhes é atribuído: o de co-responsáveis pela proteção social. Este capítulo está dividido em cinco seções, mas grosso modo é composto por duas partes. A primeira parte faz o resgate histórico e teórico das transformações dos sistemas de proteção europeus, com ênfase nas mudanças no welfare state. A segunda parte resgata os elementos que permitem configurar a proteção social no Brasil e, de modo mais específico, a proteção social em saúde no país. O capítulo conclui com uma análise sobre a face mais recente da proteção em saúde para as famílias representada pela Estratégia Saúde da Família. 3.1 PROTEÇÃO SOCIAL, WELFARE STATE E POLÍTICAS SOCIAIS A noção de proteção social será aqui analisada em dois momentos. O primeiro, desde a sua associação com a caridade até a sua configuração como direito, que redundaria em sistemas estruturados de bem-estar social em países europeus. O segundo, em que ocorre um deslocamento da noção de proteção como direito para a noção de proteção como responsabilidade da família, característica do Welfare mix, ou do pluralismo de bem-estar, dos anos 70 do século XX. 3.1.1 A proteção social – de caridade a direito A gênese da proteção social tem sido frequentemente associada à constituição do Welfare State nos países europeus após Segunda Guerra Mundial. No entanto, Pereira (2008) assinala que é possível localizar, na ordem social da Idade Média, e mais precisamente na sociedade inglesa, as origens da proteção social. Nesse sentido, Mioto (2008) recorda que a provisão da proteção social é anterior ao modo capitalista de produção e que as ações solidárias nas sociedades prémercantis eram asseguradas pela família, pela igreja e pelos senhores feudais. A proteção, portanto, se daria primeiramente dentro da família – enquanto representante da autoridade e do poder do soberano. A responsabilidade do Estado se cristalizaria nas Poor Laws (Leis dos Pobres) inglesas que datam do século XIV. Tendo em vista a constatação de que a caridade cristã não era suficiente para conter as desordens decorrentes da dissolução do feudalismo e do surgimento de epidemias e da fome, em 1351 a Inglaterra institui o Statute of labourers 64 (Lei dos trabalhadores) que seria reforçada em 1388 pela Poor Law Act. Posteriormente as Poor Laws seriam reeditadas em 1601 e em 1834 e receberiam um conjunto de emendas que as modificaram em aspectos específicos. Ao longo desse período elas preservariam o forte caráter paternalista e caritativo. Além disso, tinham em comum a preocupação de responsabilizar as paróquias e as comunidades locais pela assistência dos seus necessitados como tentativa de impedir que se deslocassem para outras comunidades (confinamento territorial da pobreza) e conter a “vagabundagem”, mesmo que através de métodos violentos (PEREIRA, 2008). No decorrer do tempo, a família, ao se constituir em instância privada com clara definição de papéis e tarefas, passou a ser o “canal natural” da proteção social (MIOTO, 2008). Depois, com a instituição do Estado-Nação e de práticas administrativas e legais, a família perderia o privilégio de representar a autoridade do soberano. Nessas circunstâncias, “os governos passaram a ser vistos e a funcionar como autoridade pública e a sofrer novos tipos de pressões, como as que lhe exigiam proteção social como direito do cidadão e dever do Estado” (PEREIRA, 2008, p.37). Na passagem da sociedade pré-industrial para a industrial a concepção de proteção concedida pelo Estado passaria por um processo de mudança: da atitude paternalista para a concepção de direito 15. Mudança essa que não se daria sem percalços: se na sociedade préindustrial o conceito era calcado no paternalismo e no vínculo de dependência entre o pobre e o Estado, na sociedade industrial dominada pelo liberalismo clássico – haveria um severo embate entre o que se considerava protecionismo social e as forças anti-protecionistas. Seria somente em fins do século XIX que se consolidaria um moderno conceito de proteção social que associava bem-estar a cidadania (PEREIRA, 2008). Trata-se do modelo alemão de proteção de Bismarck e do modelo inglês de Beveridge. O modelo bismarckiano tinha como foco a preocupação de assegurar renda aos trabalhadores em momentos de risco social e aliava a concessão de proteção à filiação profissional. O modelo beveridgiano objetivava combater a pobreza pela via da universalização de direitos e creditava a proteção a princípios universalistas de justiça social (BOSCHETTI e SALVADOR, 2006). Ambas as concepções inspirariam os modernos sistemas de proteção 15 Bobbio (1992) salienta que a instauração do Estado moderno alteraria a relação dos súditos com o soberano. Na contemporaneidade essa relação passaria a se dar entre os cidadãos e o Estado. O cidadão torna-se objeto de direitos. 65 social europeus, denominados de Welfare State. Pereira (2008) lembra que embora o termo Welfare State só tenha sido utilizado após a Segunda Guerra Mundial, com freqüência é empregado para indicar fatos do fim do século XIX , que estariam na origem do estado de bemestar. O Welfare State, de acordo com a Enciclopédia Britânica, trata-se de um mecanismo específico que “visa proteger os cidadãos de riscos econômicos e eventos inesperados (...) ou ainda resguardar a sociedade dos efeitos de riscos clássicos como doença, velhice, desemprego e exclusão” . Enquanto padrão amplo de proteção social o Welfare State deve ser considerado como fenômeno próprio do século XX e mais precisamente do período posterior à Segunda Guerra Mundial (ARRETCHE, 1995). A garantia de mínimos sociais e a universalização de direitos foram duas das suas facetas mais importantes 16. Ainda, nas palavras Silva, Yazbek e Giovanni (2004) os sistemas de proteção sociais são “sistemas mais ou menos institucionalizados em todas as sociedades para enfrentar vicissitudes de ordem biológica ou social que coloquem em risco a totalidade dos seus membros” Fiori (1997) e Pereira (2008) resgatam a controvérsia em torno da discussão sobre se o Welfare State britânico seria resultado de um processo evolutivo que data das ações de proteção social iniciadas pelas Poor Laws ou se se trataria de um fenômeno social diferente, ligado apenas à concepção de políticas sociais. Esse debate envolve a associação entre proteção social, políticas sociais e Welfare State. A esse respeito, Fiori sintetiza três posições fundamentais. A primeira, que privilegia a noção de “proteção social” assinala o caráter evolutivo desde as Poor Laws até o Plano Beveridge. A segunda, que trabalha 16 Importa ressaltar que os sistemas de bem-estar europeus não obedecem a um único formato. Wolf (2005, p.A13) resgata os quatro modelos observados por Sapir (2005). “O „modelo nórdico‟ (Dinamarca, Finlândia, Suécia e Holanda) tem os mais elevados gastos públicos aplicados em proteção social e provisão de bem-estar universal. (...) O modelo „anglo-saxão‟ (a Irlanda e o Reino Unido) proporcionam uma assistência social de última instância bastante generosa, com transferências de dinheiro destinadas principalmente a pessoas em idade economicamente ativa. (...) O „modelo renano‟ (Áustria, Bélgica, França, Alemanha e Luxemburgo) baseia-se em seguro social para os desempregados e na provisão de aposentadorias. A proteção ao emprego é mais forte do que nos países nórdicos. (...) Finalmente, o „modelo mediterrâneo‟ (Grécia, Itália, Portugal e Espanha) concentra gastos públicos no pagamento de aposentadorias de idosos. Forte regulamentação protege (e diminui) o emprego, ao passo que generoso apoio a aposentadorias antecipadas buscam reduzir o número de pessoas em busca de trabalho . [E conclui] os países europeus tendem a dosar níveis elevados de proteção ao emprego (no modelo mediterrâneo) contra alta cobertura de seguro desemprego (nos modelos anglo-saxão e nórdico), sendo o modelo renano um meio-termo”. Ver também ao respeito Esping-Andersen (1991). 66 com a idéia de “políticas sociais”, entende essas políticas como sinônimo de Welfare State e considera este último decorrente da legislação securitária alemã. A terceira sustenta “(...) a existência de uma ruptura qualitativa entre políticas sociais anteriores à Segunda Guerra Mundial e o que veio a ser, a partir do Plano Beveridge, o Welfare State contemporâneo” (FIORI, 1997, p.132). A discussão sobre o caráter evolutivo dos sistemas de Bem-estar passa, também, pela distinção entre política social e Welfare State. Pereira (2008) recupera o argumento de Mishra (1995) para quem é enganoso utilizar os conceitos de política social e Welfare State como equivalentes, pois este último tem uma conotação histórica e normativa específica, decorrente do perfil de regulação capitalista oriundo da Segunda Guerra Mundial. Em contraste, a política social tem um escopo genérico “que lhe permite estar presente em toda e qualquer ação que envolva intervenção do Estado com agentes interessados” e mais, a política social atende necessidades sociais, mas sem deixar de atender “objetivos egocêntricos como o controle social e político, a doutrinação, a legitimação e o prestígio das elites” (PEREIRA, 2008, p.27). Ao contrário do caráter normativo do Welfare State, a constituição das políticas sociais “(...) decorre de conflitos de interesses e da constante relação (não necessariamente harmoniosa) entre Estado e sociedade. E sua formulação requer estipulação de conceitos, escolhas e compromissos, muito embora na prática, percebam-se hiatos entre o que foi concebido e o que foi realizado” (Id., p.29). Em suma, como a política social vai lidar com interesses opostos, e resulta da pressão simultânea de sujeitos distintos ou de interesses político-ideológicos em vigor, seria impossível, no entender de Pereira (2008), considerar o Welfare State como parte de um continuum. “A sua natureza não condiz com um enfoque evolucionista que procura encaixá-la num continuum que começa com a caridade privada, passando pela beneficência e assistência, até terminar na política social como prática evoluída e estritamente associada ao Welfare State” (p.28). Para a autora, os sistemas de Welfare State são decorrentes de uma espécie de “corporativismo social” em que a sociedade pactua pela manutenção de certos padrões de proteção social, independentemente do partido que esteja no poder. A sociedade, mediada por instituições sólidas e legítimas, pactua por direitos cuja principal característica é a universalidade da cidadania, o que passa pela garantia de pelo menos três coisas: “um mínimo de renda, independente da sua inserção no mercado de trabalho; segurança social contra contingências sociais, 67 como doenças, velhice, abandono, desemprego; e oferta, sem distinção de classe ou status, de serviços sociais básicos” (PEREIRA, 2008, p.38). Tendo sido estabelecido que a proteção social não nasce com o Welfare State e que este e as políticas sociais têm caráter diferenciado, cabe agora se deter nos elementos que permitem aceder à proteção social. Paralelo ao debate epistemológico sobre as rupturas e as continuidades dos sistemas de proteção social emerge, como questão central, a discussão sobre o papel que o Estado, o mercado e as famílias desempenham na proteção social e com isso a questão do elemento que permite aos indivíduos “acessar” a proteção: se o trabalho ou estatutos que definam sua condição de cidadão com direitos universais garantidos, mesmo que ele se encontre fora do mercado (CASTEL, 2005; ITABORAÍ, 2005). A divisão de responsabilidades entre Estado, mercado e famílias tem apontado para o ressurgimento da família e das redes de proteção a ela vinculadas como fortes elementos de coesão da sociedade, configurando aquilo que Saraceno (1995) denomina de refamiliarização da proteção social. Esse repasse, ao mesmo tempo em que inaugura uma nova fase na proteção social marcada pela coresponsabilidade, representa também uma retração da proteção enquanto direito universal não contributivo. 3.1.2 Proteção social – de direito a ação de solidariedade familiar A familiarização17 da proteção social faz parte de um conjunto de mudanças, no padrão de proteção social outorgado pelo Welfare State, que se instauram com a crise do Estado keynesiano. Trata-se do pluralismo de bem-estar (Welfare mix ou Welfare pluralism18), em vigor desde meados dos anos 70 em substituição ao padrão vigente entre 1945-1975. Sobre a arquitetura do Welfare Mix, Pereira (2004b, p.144) é bem esclarecedora: tem por bases “descentralização e participação, ênfase nas redes de solidariedade informais e no trabalho voluntário; criação de cooperativas de consumidores e centros vicinais de Embora reconhecendo que o mais adequado seria adotar o termo “refamiliarização” da proteção, pois se trata do ressurgimento da proteção em moldes familiares sob novas feições, usa-se também o termo “familiarização” que expressa uma nova fase com uma configuração institucional e normativa bem definida. 18 Martin (1995, p.53) assinala que conforme os países há modelos e noções diferentes: “non profit sector nos EUA, welfare pluralism na Grã Bretanha, welfare mix na Alemanha e Holanda, „setor de utilidade social‟ ou „economia solidária‟ na França”. Neste último país, utiliza-se, também, a expressão “estado previdência”. 17 68 assistência a pessoas, principalmente idosas; e estabelecimento de serviços civis de apoio aos cidadãos em geral”. A autora lembra que o Welfare Mix ganharia atenção em países onde não havia previamente um grande compromisso do Estado com o bem-estar social, como Bélgica e Alemanha. A simpatia por esse novo modelo significaria o fortalecimento do Modelo Bismarckiano de Bem-Estar, apoiado nas contribuições dos segurados, em detrimento do modelo beveridgiano – não contributivo - que incluía os não segurados 19. Em ambos os modelos, a passagem da fase keynesiana para o pós keynesiana é caracterizada pela perda de centralidade do Estado na política social e a conseqüente chamada para participar dela do mercado e dos setores não mercantis, como o terceiro setor. Nessa situação cada um entra com a sua parte - o Estado com poder, o mercado com dinheiro e o terceiro setor com a solidariedade (PEREIRA, 2004b). Como lembra Martin (1995), característica essencial do novo modelo será a questão da partilha de responsabilidades entre família e Estado: “O novo modelo preconiza exatamente uma combinação de recursos e de meios mobilizáveis junto do Estado, dos parentes, mas também junto do mercado ou ainda das iniciativas privadas, associativas, beneficentes e não lucrativas” (p.55). O Estado perde protagonismo e a condição de responsável único pela proteção e assume a condição de parceiro no atendimento das necessidades humanas. A responsabilidade ficaria mais precisamente dividida entre quatro setores-chave: o voluntário, o comercial, o oficial e o informal (JOHNSON, 1990 e MISHRA, 1995, citados por PEREIRA, 2004b). O setor voluntário é composto por organizações filantrópicas ou ONG‟s, que na esteira da descentralização das atividades do Estado De acordo com Zimmermann (2005, p.1) “Essas duas concepções se distinguem pelo caráter, pela forma de contribuição e pelo financiamento dos sistemas de seguridade social. O modelo bismarckiano é caracterizado pela contribuição individual como critério para o aferimento de benefícios, valendo também para a aposentadoria. Os que não puderam contribuir com o sistema previdenciário ficam sem receber o benefício da aposentadoria. Aos que não recebem nenhum tipo de benefício, seja por que não terem tido condições de contribuir ou por não haver outras formas de assistência, resta o apoio da família e/ou da igreja como provedoras da aposentadoria dos idosos. O modelo beveridgiano, por outro lado, caracteriza -se pelo seu caráter universal, não exigindo contribuição individual anterior para a obtenção de um benefício básico, aferindo o direito ao benefício pela característica definidora da cidadania, ou seja, o simples fato da pessoa ter nascido ou possuir a cidadania de um determinado país. O financiamento dos programas de caráter universal não se dá via contribuições individuais, mas por tributos gerais. Em virtude disso, esse modelo é tido como mais justo por incorporar mecanismos redistributivos”. 19 69 passam a substituí-lo aparentemente com mais agilidade e menor custo. O setor comercial ou mercantil que representa, para os pluralistas, importante instância de empoderamento dos consumidores, trata-se de organizações que atuam como moderadores do poder de mercado. Para o setor oficial são reservadas as atividades consideradas o centro da política social numa economia de mercado: garantir a democracia, o respeito à propriedade privada e a coordenação de compromissos com a sociedade para manutenção de um sistema de proteção social. Por último, no setor informal a assistência deve ser fornecida por grupos primários – parentes, amigos, vizinhos e principalmente pela família, sendo que dentro desta última, a mulher é chamada a ocupar papel central no cuidado a crianças, idosos e doentes (PEREIRA, 2004b). Na realidade, a família sempre exerceu papel fundamental na provisão da proteção social. Entretanto, como lembra Mioto (2008, p.137), seria a partir do declínio da sociedade salarial e da crise do Estado keynesiano que ela passaria a ser “ator fundamental na provisão do bem-estar”. Se por um lado a redescoberta da família a desloca da sua condição de “ilustre desconhecida nas diretrizes e programas propostos pela política social” (CARVALHO, 1998, p.101), por outro lado, essa redescoberta implica torná-la co-responsável (com sua carga de direitos e responsabilidades) pelos resultados das políticas e programas. E responsáveis, também, pela proteção social aos seus membros. Importa destacar que mais do que uma ruptura a constituição da família como elemento significativo de proteção social trata-se do ressurgimento só que sob novas feições. Nessa mesma direção, Nunes (1995) destaca o lugar central que a família passa a ter na Sociedade-previdência – alternativa posta diante da falência ou esgotamento do Estado–previdência. Enquanto este último assentava-se num padrão de cidadania ligado ao acesso igual a direitos, a solidariedade na Sociedade-previdência está assentada “numa identificação ancorada e personalizada daqueles que podem invocar legitimamente essa solidariedade e daqueles que têm por obrigação prestá-la” (NUNES, 1995, p.21). Para ele, a sociedade-previdência não distingue entre desigualdades legítimas e ilegítimas. É um espaço de negociação entre os seus membros passível de “reafirmações periódicas” – atividades tais como visitas a doentes, empréstimo de dinheiro, ajuda em bens ou trabalho, participação em festas de família. Nunes (1995) alerta que o esforço de criar e reproduzir essas relações recai pesadamente sobre as mulheres. Chama a atenção, também, para 70 os limites que a “devolução de risco” tem para a solidariedade social. A Sociedade-previdência, por estar assentada em redes de solidariedade primárias baseadas no parentesco e nas relações sociais continuadas, teria dois tipos de limitações: (1) a impossibilidade de simplesmente substituir os bens e serviços oferecidos pelo Estado-previdência e (2) as contradições existentes entre as relações ancoradas, próprias da sociedade-previdência e do espaço doméstico, em que se fundam, em contraste com as relações anônimas próprias do Estado-previdência e do espaço de cidadania a que se vincula. As relações decorrentes da sociedade-previdência geram mecanismos constantes de inclusão e exclusão, hierarquias e subordinações e, portanto, não se constituem em mecanismos sólidos e duradouros de proteção social. Como destaca Martin (1995), uma solidariedade baseada no papel dos parentes pode acentuar as desigualdades em vez de compensá-las, na medida em que pode haver pessoas que não contam com ninguém, para as quais morar sozinhas não seja uma opção, mas uma situação imposta por circunstâncias da vida. Para elas “pobreza e precariedade se coadunam com isolamento e solidão” (p.65). Nesse sentido, Martin (1995) alerta que segmentos sociais com menor capital relacional (ou com redes de suporte mais restritas) estariam automaticamente excluídos dos mecanismos de proteção via solidariedade familiar. Tendo estabelecido que a proteção social via famílias tem limites estreitos que esbarram nos recursos (afetivos, sociais ou econômicos) que elas dispõem, interessa agora avançar na discussão sobre a configuração da proteção social no Brasil. Se a discussão até aqui têm retratado transformações ocorridas no padrão de bem-estar social de países europeus, o foco agora será resgatar a configuração da proteção social no país. 3.2 PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL: AVANÇOS E RECUOS A noção de proteção social tem sido elemento recorrente nas discussões sobre políticas sociais no Brasil. O debate tem se adensado nas últimas décadas, constituindo-se em tema relevante desde os anos 1980 (JACOUD, 2009). Não apenas o debate, mas também a institucionalidade da proteção social. A Constituição Federal de 1988 re-significaria o papel do Estado brasileiro ao criar um arcabouço jurídico que institucionalizaria as políticas sociais. De acordo com o artigo 6º da Carta Magna “São direitos sociais a educação, a saúde, a 71 moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados”. Em seção específica denominada “Da Ordem social”, dispõe aspectos relativos à seguridade social em três áreas: assistência social, saúde e previdência social. Cada uma dessas políticas sociais passaria a ter a sua instrumentalidade definida em termos de financiamento e gestão nas três esferas governamentais, bem como a participação popular na definição dessas políticas via Conselhos. Se de um lado os programas de bem-estar social europeus – principalmente o alemão e o inglês 20 - parecem ter sido referência importante na carta constitucional, por outro lado, o Brasil nunca chegou a ter propriamente um sistema de proteção social dessa natureza. Até o advento da Constituição de 1988 só foram implantadas algumas políticas específicas de bem-estar. Políticas essas que estavam, na opinião de Gomes (2006), em consonância com a legitimação ideológica do sistema de exclusão muito mais do que atentos à resolução de todo um leque de problemas estruturais. A ausência de um sistema de Welfare State no Brasil21 pode ser explicada pela falta de protagonismo da classe trabalhadora na construção de um sistema de proteção social. Nos países europeus a gênese dos Estados de bem-estar esteve intimamente ligada à luta de classes, na qual os trabalhadores desempenhariam “[...] papel ativo na luta contra as conseqüências do funcionamento do sistema de acumulação”. (GOMES, 2006, P.221). No processo de industrialização implantado no Brasil, a massa de trabalhadores urbanos, somados ao grande contingente de população rural, carecia de força para se contrapor às oligarquias dominantes. Nessas circunstâncias, o Estado Getulista incorporou a luta de classes ao próprio Estado. Além disso, a condição de direito aos benefícios sociais – implantados desde a década de 30 - estava ligada (no melhor sentido meritocrático) à condição de trabalhador assalariado e, portanto, à posse da carteira de trabalho 20 Conforme foi destacado anteriormente, o modelo bismarckiano alemão tinha como foco a preocupação de assegurar renda aos trabalhadores, em momentos de risco social, e o modelo beveridgiano inglês objetivava combater a pobreza pela via da universalização de direitos (BOSCHETTI e SALVADOR, 2006). 21 A questão da ausência de um sistema de welfare state no Brasil não é consenso na literatura sobre o tema (Ver, por exemplo, Draibe e Henrique, 1988; Draibe, 1989; Medeiros, 2001). Enquanto uns consideram que as políticas sociais elaboradas desde a Era Vargas nos anos 30 e as estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 se constituem num sistema de bem-estar, outros consideram que o país nunca chegou a constituir um sistema dessa natureza. Os argumentos mais robustos parecem fortalecer a segunda hipótese. 72 (CARDOSO JÚNIOR, 2005). Isso criou uma situação perversa: “A inserção das pessoas no mundo da proteção social pela via do trabalho, se já não havia sido a regra para cerca de metade da população ocupada até 1980, deixou de ser uma aspiração confiável ao longo desses trinta anos de crise econômica, estatal e social” (CARDOSO JÚNIOR, 2005, p.6). Na literatura que analisa a evolução das políticas sociais é possível identificar, com algumas variantes, dois movimentos: primeiro o da estruturação institucional, com início na década de 1930, que desembocaria na Constituição Federal de 1988. E o segundo, a contrareforma, a partir dos anos 90 - cuja tônica seria a desestruturação dessas mesmas políticas sociais 22. Na próxima seção serão recuperados elementos históricos sobre a proteção social em saúde. No momento a intenção é verificar se o que possibilitava o acesso às políticas públicas nesses dois momentos era o mérito ou o direito. As políticas sociais implementadas desde 1930 tinham ênfase bem clara no aspecto do mérito23. E quando se fala em mérito trata-se especificamente daquele concedido pelo assalariamento formal. Assalariamento que outorgava, nas palavras de Vianna (1998), o status de cidadão, enquanto que os alijados das ocupações regulares pelos preceitos legais eram transformados em pré-cidadãos. Segundo Vianna (1998) isso criou dois tipos de indivíduos: os “cidadãos” - regulados pelos preceitos legais - e os “pre-cidadãos” – aqueles cujo trabalho a lei desconhecia. O mérito não pode ser usado como instrumento de acesso aos bens públicos. Se o indivíduo tem mérito é porque teve uma sociedade que lhe deu condições para ascender ou ter acesso a esses bens. As políticas sociais devem ter como principal critério o de gerar justiça. Ao respeito SEIBEL (2005, p.95, 96) assinala Figueiredo (1997) investiga a substancialidade dos princípios de justiça para um julgamento defensável de uma política pública. Estes princípios são baseados em argumentos morais e políticos, levando em conta os princípios da justiça distributiva classificados como: direito se forem positivos e ideais; mérito se forem uma compensação ou contrapartida econômica das 22 Para uma apreciação da evolução da institucionalização da proteção social desde a década de 30 até 1994 cf. Gomes (2006). Para uma análise das políticas sociais de 1964 a 2002 ver Fagnani (2005). Ver também ao respeito, Behring (2003) e Yazbek (2008). 23 Sobre histórico das políticas de satisfação de necessidades, ver Pereira (2002, p.125). 73 contribuições e do esforço de grupos sociais; e necessidades se forem carências sociais definidas através de tipologias e de instrumentos metodológicos que permitam identificar grupos sociais localizados. (, grifos nossos). O deslocamento do mérito para o direito (e a necessidade) seria possível em parte com as Reformas implantadas no País com a Constituição de 1988. A Constituição Federal de 1988, re-significaria o papel do Estado brasileiro ao criar um arcabouço jurídico que institucionalizaria as políticas sociais, dentre elas a saúde. Com esse marco, a seguridade social passaria a contar com um conjunto de ações integradas visando garantir direito à previdência, à saúde, à assistência social e à proteção contra o desemprego (seguro desemprego) 24. Mais do que uma nova institucionalidade o que estava em questão era a necessidade de construir um sistema de garantias de direitos sociais que, embora distante das experiências tradicionais de Welfare State na Europa, tivesse por objetivo a superação, ou pelo menos mitigação, da condição de desamparo da população brasileira. Em fins dos anos 1980, com a promulgação do texto constitucional, as reivindicações pelo fim do regime ditatorial e pela conquista de direitos pareciam ter alcançado sucesso. Nesse contexto, a universalização de direitos e a proteção social incluída na pauta de políticas públicas específicas, como a assistência social e a saúde, pareciam ter espaço propício ao começar os anos 1990. Entretanto, o que essa década presenciaria seria uma contramarcha com dois processos correlatos: a focalização das políticas públicas e o desmonte da incipiente estrutura de proteção social, sinais claros da crescente desresponsabilização do Estado na área social (FAGNANI, 2005; BEHRING, 2003). A “necessidade” de focalizar seria posta para o país desde a década de 1980, no contexto de reforma do Estado impulsionada pela onda liberalizante comnadada por Reagan e Tatcher, cuja tônica era o controle de gastos públicos e a descentralização administrativa. Já nos anos 1990, o Consenso de Washington daria mais consistência às reformas implantadas nos países centrais e passaria a sinalizar as “boas práticas” da administração pública e da gestão das políticas macroeconômicas para o resto do mundo. Segundo o artigo 194 da Constituição “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. 24 74 O contexto, de redução de gastos e de manutenção do estado mínimo, era propício para políticas sociais com caráter focalizado, a fim de evitar desperdícios. Nessas circunstâncias, e por orientação de organismos internacionais, as políticas sociais assumiriam um caráter residual com foco prioritário nos “pobres dentre os pobres” (pobreza extrema). Já para aqueles que se enquadrassem na condição de “pobres”, esperava-se que superassem essa condição com o crescimento econômico (SIMIONATTO & NOGUEIRA, 2001; SALAMA & VALIER, 1997). Fagnani (2005) e Marques e Mendes (2007) assinalam que a implantação da universalidade da proteção social no Brasil se daria num contexto diferente do europeu. Enquanto lá foi implantado numa fase de prosperidade econômica, no Brasil o sistema de proteção social seria institucionalizado em fins dos anos 80, ocasião em que o Estado passava por uma grave crise fiscal25. Se a novidade do novo texto constitucional de 1988 foi incluir uma visão sistêmica da proteção social com áreas interligadas nos moldes do que a Europa já tinha há mais de 40 anos o que houve na prática foi a regulamentação específica de cada área, só que isoladas umas das outras. A gestão unificada da seguridade social iria por terra nos anos 1990 com a institucionalização de ministérios (e orçamentos) separados para a previdência, a saúde e a assistência social (VIANNA, 2008). Como será visto na próxima seção, a saúde perderia recursos garantidos via dotação orçamentária específica, presenciaria a perda do caráter de assistência médica ligada a serviços previdenciários e veria crescer a oferta de serviços de cunho privado. A previdência por sua vez perderia o seu padrão universalista e redistributivo e se tornaria sinônimo de seguro social contributivo. O resultado disso seria o que Vianna (2000) denomina de “americanização perversa da seguridade social”: No modelo americano de proteção social, chamado de residual, o Estado comparece apenas quando as formas privadas de proteção social se esgotam. A assistência médica gratuita é prestada No caso específico da saúde “ao mesmo tempo em que o SUS era implantado, com base nos princípios de um sistema público e universal, agravava-se a crise fiscal e financeira do Estado, fazendo com que os governos federal e estadual limitassem o aporte de recursos para a saúde. Esse ambiente de encolhimento da capacidade do Estado e de ausência de crescimento econômico foi totalmente distinto do período em que ocorreu a universalização da saúde nos países desenvolvidos europeus. (MARQUES e MENDES, 2007) 25 75 para os muito pobres, através do Medicaid; a concessão (pelos estados) de auxílios familiares requer comprovação de indigência; o sistema previdenciário está aberto a todos os que contribuem para ele, mas os valores das aposentadorias e pensões são baixos, estimulando os trabalhadores à aquisição de seguros no mercado (p.155). Em suma, se a partir de 1988 o país teve a grande chance de contar com um sistema de Welfare State, houve um desmonte da incipiente estrutura com as reformas neoliberais implantadas entre 1990 e 1992, com forte ênfase no equilíbrio fiscal. Fagnani (2005, p.8) resume assim esse desmonte: Se a Constituição de 88 enaltece os direitos sociais, a agenda neoliberal prega o assistencialismo. Ao invés de políticas universais, políticas focalizadas. Ao invés de seguridade social, que é a idéia de que todos estão dispostos a pagar para que todos tenham um mínimo, a agenda fala em seguro social, direito apenas a quem contribui. Ao invés do Estado interventor, o Estado regulador e a privatização dos serviços públicos. Ao invés do Estado de Bem-Estar Social, o Estado „mínimo‟.26 No que corre do século XXI, em termos de proteção social predominam na política social programas compensatórios (transferências condicionadas de renda) com forte conteúdo assistencialista em que o destaque recai para o Programa Bolsa Família 27 (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004; VIANA, 2008). A proteção social no país pela sua frágil institucionalização parece não ter superado a condição das políticas sociais elaboradas obedecendo a projetos partidários (no sentido apontado anteriormente por MISHRA, 26 Para mais detalhes da contra-reforma nas políticas públicas motivada pelo Consenso de Washington e encabeçada no país por Bresser Pereira, no governo FHC, ver Behring (2003); Fagnani (2005); Pereira L.C.B. (1997); Pereira & Spink (2001) e Draibe (2003). 27 A respeito do caráter limitado das políticas sociais mais recentes no Brasil, das fragilidades do sistema de proteção apoiado em transferências condicionadas de renda e da impossibilidade delas constituírem um sistema de proteção social permanente nos moldes do Welfare State europeu, ver Grisotti e Gelinski (2010). 76 1995 e PEREIRA, 2008) e não chegou a se constituir num sistema de proteção pactuado pela sociedade como um todo. A frágil articulação das políticas permanentes de proteção social (previdência e saúde) com as ações na área da assistência tem reforçado processos de “assistencialização” da proteção social (PASTORINI e GALIZIA , 2006). 3.3 PROTEÇÃO SOCIAL EM SAÚDE Nesta seção serão resgatados os eventos que marcaram a evolução da proteção social em saúde no país. A intenção é traçar o quadro em que se inserem as ações em saúde para as famílias para posteriormente compreender o papel da ESF. A literatura sobre a história da saúde no Brasil foca aspectos específicos como: inter-ligação entre a evolução das políticas de saúde e a evolução político-social e econômica da sociedade brasileira (POLIGNANO, 2008; FAGNANI, 2005); ênfase nos aspectos institucionais (HOCHMAN, MENICUCCI, 2007; OLIVEIRA e FLEURY TEIXEIRA, 1985); modelos tecno-assistenciais implantados ou tecnologias empregadas (MERHY e QUEIROZ, 1999; FRANCO e MERHY, 1999a e 1999b); centralização e descentralização das ações (VIANA e MACHADO, 2009; HOCHMAN, 1998) ou, ainda, análise do mix público-privado que configura a oferta de serviços de saúde (MENICUCCI, 2007). O resgate a ser feito aqui não privilegiará nenhum desses aspectos, mas pretende buscar nessas análises alguns elementos que configurem a proteção social em saúde. Interessa sobremaneira investigar as continuidades e rupturas em torno de aspectos tais como: de que forma se operava o acesso a proteção social em saúde, se as ações eram de caráter público ou privado, se as ações/modelos tinham ênfase em aspectos preventivos ou meramente nos curativos e, ainda, discorrer sobre o caráter restrito ou universal da proteção social outorgada. Já que num plano mais geral esta tese localiza a ESF dentro do sistema de proteção social brasileiro (e se constitui em estratégia fundamental para a proteção social em saúde das famílias), a intenção aqui será caminhar um pouco na direção do que Hochman (1998) aponta ao estudar as origens das políticas públicas de saúde nas primeiras décadas do século XX: entender em que momento as ações de saúde se tornam objeto das políticas públicas e, além disso, se o caráter público das políticas significa que necessariamente estejam restritas às ações do 77 Estado (compreensão de que público não necessariamente seja estatal). No que se refere à proteção social em saúde, interessa perceber em que momento passa a haver uma ação deliberada do Estado no sentido de normatizar a questão e os elementos que definirão quem será protegido e de que modo se dará essa proteção. Vale a pena reforçar o argumento desenvolvido anteriormente de que o repasse de responsabilidades do Estado à sociedade é parte de toda uma estratégia de gestão das políticas sociais em vigência desde a década de 1970. Em cima desse argumento se mostrará nesta seção que a delegação e a terceirização das ações de saúde tanto decorrentes de problemas financeiros do Estado (como insiste a retórica oficial) quanto de uma decisão político-ideológica que entende a gestão privada como mais adequada e eficiente28. Já de partida é relevante a observação de Polignano (2008, p.2) que “devido a uma falta de clareza e de uma definição em relação à política de saúde, a história da saúde permeia e se confunde com a história da previdência social no Brasil em determinados períodos”. De fato, muitos dos textos que servirão de base para as reflexões desta seção terão por temática a previdência social e não especificamente a saúde. Durante a Colônia as ações de saúde tiveram o seu foco restrito às questões de saúde pública. Até 1850, as ações se limitavam a delegar as atividades sanitárias aos municípios e controlar os navios e a saúde nos portos. A concentração do poder colonial limitaria as ações à então capital, Rio de Janeiro, e subsidiariamente à Bahia. (BRASIL, 2007). Nas primeiras décadas do século XX haverá uma importante inflexão do papel regulatório do Estado na área da saúde, principalmente a partir da década de 20. Hochman (1993) assinala que, até então, o escopo da atuação da União obedecia aos limites impostos pela Constituição de 1891 que estabelecia a autonomia estadual e municipal. À União caberia intervir nessas instâncias somente em situações de crises sanitárias ou em epidemias urbanas. Em 1920, a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em substituição ao De acordo com Castro (1989, p.4) “o conteúdo das políticas sociais – como fator de mudança ou de conservação da ordem social – depende principalmente da natureza do Estado, ou seja, dos arranjos políticos que lhe dão sustentação e que definem as prioridades na alocação dos recursos públicos extraídos da população. Depende, portanto das condições em que se dá o conflito político mais ou menos aberto a instituições democráticas garantidoras do maior grau de transparência do processo decisório e do acesso de organizações populares à arena onde são decididos os objetivos das políticas e programas sociais, assim como a prioridade na destinação de recursos”. 28 78 Departamento Geral de Saúde Pública (DGSP29) significaria a ampliação, e conseguinte centralização na esfera federal das ações da área da saúde. Cabe destacar que essa centralização era uma resposta ao grave quadro sanitário que o país enfrentava nas duas primeiras décadas do século XX. Hochman, (op.cit.) assinala três elementos que explicam essa importante inflexão do papel do Estado na área da saúde: (1) durante a Primeira Guerra Mundial e depois dela as nações vivenciam movimentos de caráter nacionalista e de fortalecimento dos estados nacionais. Na área da saúde, isso se plasmaria na Liga Pró-saneamento do Brasil que advogaria por ações de saneamento no interior do país ou o “saneamento dos sertões”30. (2) Precede às atividades da Liga PróSaneamento do Brasil a manifestação de entidades representativas dos médicos, em 1917, com destaque para a Academia Nacional de Medicina (ANM). E, o que Hochman considera como mais decisivo, (3) o alastramento da pandemia da gripe espanhola. (HOCHMAN, 1993). Estava dado o grande salto em termos do início da configuração da proteção social em saúde: com essas ações “a saúde se torna não somente pública, mas estatal e nacional” (HOCHMAN, 1998, p.19). Antes de prosseguir convém se deter um pouco mais no papel que a Liga Pro-Saneamento teria no processo de centralização das ações de saneamento e saúde31. A partir do diagnóstico sobre a situação das doenças endêmicas no meio rural brasileiro, a Liga posiciona-se como elemento de pressão para cobrar das autoridades públicas a responsabilidade pela saúde da população (para o Movimento a doença era resultado da ausência do Estado). Um dos desdobramentos da Liga Pro-Saneamento foi a constatação de que a solução para as doenças endêmicas que assolavam o país deveria passar pela unificação e centralização das políticas de saúde nas mãos do governo federal. À luz 29 Que tinha por competência apenas serviços sanitários a portos, a fiscalização do exercício da medicina e farmácia, a organização de estatísticas e a prestação de auxílio aos estados quando assim o requeressem. 30 Castro Santos (1985) destaca que a Liga Pró-Saneamento faz parte da vitória da posição intelectual que entendia que a construção do país devia passar pela integração do sertanejo, em contraposição àqueles que viam na mestiçagem da população um dos maiores entraves ao desenvolvimento do país. Para estes últimos “um Brasil moderno significava necessariamente um Brasil europeizado. Só a imigração estrangeira poderia limpar os brasileiros da nódoa do passado escravocrata e dos efeitos perniciosos da miscigenação” (op.cit., p.2). Ver também ao respeito Hochman (1998). 31 Conforme destaca Hochman (1998), “a Liga Pró-saneamento do Brasil fundada em 11/2/1918, no primeiro aniversário da morte de Oswaldo Cruz, pretendia alertar as elites políticas e intelectuais para a precariedade das condições sanitárias e obter apoio para uma ação pública efetiva de saneamento no interior do país ou, como ficou consagrado, para o saneamento dos sertões.” 79 da Teoria da interdependência social de Elias, Hochman (1998) entende que à medida que a doença se constituía em elemento de interdependência social, que não respeitava limites geográficos ou sociais, a solução dos problemas de saúde não poderia mais se restringir a ações individuais ou locais. Por isso, a constituição do DNSP, mais do que significar a criação de um órgão permanente de saúde a nível federal, era fruto do surgimento de um novo paradigma nos cuidados com a saúde: a consciência social de que “o micróbio da doença” não respeitava classes sociais nem limites geográficos e que as ações de saúde desenvolvidas apenas a nível local ou regional eram insuficientes (HOCHMAN, 1998). Em termos institucionais, a saúde pública da segunda década do século XX presenciaria uma expansão da infra-estrutura de apoio. Tratava-se de novos postos sanitários rurais, hospitais regionais, hospitais de isolamento, de assistência geral, asilos e dispensários 32. Junto com isso, a separação entre a saúde pública, a assistência médica e a institucionalidade burocrática seria a herança que o Governo Vargas receberia mais tarde. O processo de nacionalização e a coletivização dos cuidados com a saúde, acompanhada nos anos 1920 da criação de mecanismos públicos de seguridade social e de proteção trabalhista, certamente não solucionou o problema das endemias rurais, dos surtos epidêmicos, de falta de saneamento, mas quase todas as avaliações indicavam melhoria em relação à situação anterior. (HOCHMAN, 1993, p.17) Não apenas na área da saúde, mas também em relação às questões trabalhistas e sociais, a década de 1920 presenciará, na opinião de 32 Hochman (1993, p12-13) resume o balanço feito por Pessoa em 1923 sobre as ações do DNSP: ”Em 1922, 16 dos 21 estados da federação, mais o Distrito Federal, tinham feito acordos com a União para serviços de profilaxia e combate às endemias rurais.24 Ao lado das sedes dos serviços nas capitais desses estados (16), funcionavam 88 postos sanitários rurais, além dos postos da Rockefeller Foundation instalados no Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo e Rio de Janeiro. A metade dos postos estava estabelecida no Distrito Federal (17), em Minas Gerais (18) e no Paraná (8). Foram construídos 6 hospitais regionais para complementar os serviços de saneamento e profilaxia rural, além de hospitais de isolamento, de assistência geral, asilos e 27 dispensários. Dados dos anos posteriores revelam um aumento constante do poder público federal na área de saúde. Por exemplo, em 1926, pelo mesmo mecanismo de acordo, o governo federal já tinha criado em 18 estados cerca de 130 dispensários e no Distrito Federal, 18 (FRAGA, 1926: 521-535).” 80 Oliveira e Fleury Teixeira (1986), uma modificação significativa na postura do Estado, até então liberal. Vale destacar que, para além das práticas fiscalizadoras implantadas por Oswaldo Cruz, e por muitos consideradas autoritárias, a reestruturação do DNSP inova em relação ao modelo campanhista ao introduzir a educação sanitária. As ações desenvolvidas na década de 1910 estavam focadas no combate a endemias rurais (como malária e ancilostomíase) e, na década de 1920, mesmo tendo ampliado o seu foco para outras doenças (como febre amarela, tuberculose, lepra e doenças venéreas), ainda faziam parte da visão campanhista da saúde pública. A ampliação do escopo de atuação do Estado na questão da saúde seria, portanto, prévia à constituição do Estado-novo. Mais precisamente, Oliveira e Fleury Teixeira (1986) localizam na Lei Eloy Chaves de 1923 – responsável pela criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para empregados de estradas de ferro – o marco inicial da previdência social no país. Entretanto, os autores esclarecem que definir na era pré-Vargas esse marco não é uma questão consensual: enquanto a historiografia oficial fixa a Lei Eloy Chaves como o marco inicial da previdência, (...) a mitologia estadonovista difundiu amplamente a idéia de que só com Vargas, com a criação dos IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões), e portanto apenas no pós-30, é que a Previdência Social teve um início efetivo entre nós, desqualificando, dessa maneira, o sistema de Caixas dos anos 20, e as tentativas anteriores (p.20). A despeito dessa polêmica, em termos de serviços de saúde o destaque para o padrão previdenciário implantado com a Lei Eloy Chaves está na ligação entre a concessão de benefícios pecuniários (como pensões e aposentadorias) e a prestação de serviços (farmacêuticos e médicos) para os segurados e seus familiares. O modelo previdenciário de proteção social que se impõe a partir dessa Lei é a concepção de previdência como seguro, isto é do regime de capitalização. A ligação entre “previdência” e “assistência” (ou serviços médicos) oferecidos pelas próprias caixas, enfrentaria forte resistência depois de 1930, sob o argumento de que a previdência não deveria incluir a assistência e que ela deveria se limitar aos elementos 81 pecuniários. Interessa por enquanto salientar que a oferta de serviços de saúde pelas caixas de aposentadorias e pensões é uma das características marcantes dos anos 1920-30 e dá o tom da natureza privada da incipiente previdência social. No modelo de proteção social outorgado pelas CAPs, o Estado não se responsabilizava pelo custeio. As caixas eram mantidas pelos empregados e pelas empresas. Somente depois da Constituição de 1934 o Estado passaria a contribuir para a manutenção do sistema previdenciário. O caráter excludente da proteção social seria mantido com a Constituição de 1937, que formalizaria a dualidade entre trabalhadores formais e informais. Enquanto a emergente classe operária brasileira passava a ser alvo de ações de proteção social, aos trabalhadores sem carteira assinada e aos desempregados, restava-lhes acessar algum tipo de proteção via obras sociais ou filantrópicas (YAZBEK, 2008). Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP). Ação que fazia parte da estratégia do Governo Vargas de constituir/formar um Estado forte e centralizador que integrasse as esferas federal, estaduais e municipais 33. Entretanto, somente a partir de 1937 e sob a nova denominação de Ministério da Educação e Saúde (MES) juntamente com a criação dos Serviços Nacionais (responsáveis pela verticalização das campanhas) é que se consolidaria a estrutura administrativa e institucional da saúde. Em certa forma, a ampliação da presença do governo federal em ações de saúde pública nos estados era uma resposta aos que denunciavam a concentração dos serviços de saúde no Distrito Federal (HOCHMAN, 1993). Hochman (2005), em texto que analisa as políticas de saúde no Brasil de 1930-45, considera que com a gestão de Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde Pública (1937-45) se estabeleceriam as bases da estrutura institucional da saúde pública enquanto política estatal. A Reforma de 1937 (que redundaria na criação do MES) definiria “rumos para a política de saúde pública, reformulando e consolidando a estrutura administrativa e adequando-a aos princípios básicos que haviam definido a política social do Estado Novo” (p.131). Essa reforma instituiria as Delegacias Federais da Saúde e as 33 Hochman (1998) desenvolve, a partir de Castro Santos (1985), a tese de que as políticas de saúde e saneamento foram elementos essenciais para explicar a penetração do Estado na sociedade e no território nas três primeiras décadas do Século XX. 82 Conferências Nacionais de Saúde, que teriam por objetivo reunir representantes dos estados para discutir temas de saúde pública. Posteriormente, a Reforma de 1941 criaria os Serviços Nacionais responsáveis pela verticalização das campanhas destinadas a combater grandes endemias e doenças específicas. Somente na década de 1940, quando a herança sanitarista da primeira República se aprofunda, começa a haver uma aproximação entre as ações preventivas-educativas e as curativas, bem como das práticas individualizadas (tanto curativas quanto assistenciais) com a medicina preventiva de caráter coletivo. Movimento esse que de maneira incipiente representaria o início da aproximação entre a saúde pública e a assistência médica previdenciária, unificadas somente na década de 1990 (HOCHMAN, 2005). Entretanto, até o fim dos anos 50, a assistência médica previdenciária via IAPs ainda se limitava aos trabalhadores formais (e de modo mais restrito só para aqueles que faziam parte de certas categorias trabalhistas), enquanto que o atendimento àqueles considerados como pré-cidadãos (pobres, desempregados ou trabalhadores informais) era feito pelo MES, com destaque para campanhas de baixa eficácia (YAZBEK, 2008; BRASIL, 2007). Em meados dos anos 50 o avanço do desenvolvimento industrial, a aceleração da urbanização e o aumento do número de assalariados geraria um aumento da demanda por assistência médica via institutos de previdência. Em 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) previa a unificação dos IAPs. Se essa lei visava unificar o regime geral de previdência e aglutinar o regime dos trabalhadores formais na CLT, ainda não previa incluir os trabalhadores rurais34 e os empregados domésticos. A unificação prevista só ocorreria em 1966, com a implantação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). A partir de então a assistência médica bem como as aposentadorias e pensões, que eram oferecidas pelos IAPs, passaram a ser de incumbência do nova estrutura (POLIGNANO, 2008). Ao mesmo tempo em que a criação do INPS se constituía em marco importante para a criação de uma previdência pública e estatal, a crise gerada pelo aumento de número de beneficiários (e o conseqüente estrangulamento dos serviços) seria o argumento para teoricamente justificar o estabelecimento de convênios com médicos e hospitais, o que na prática significava terceirizar (e privatizar ainda mais) a proteção 34 O contingente rural também só teria acesso à previdência social com a Constituição Federal de 1988. 83 social em saúde. Sobre as crises da Previdência e a opção por terceirizar serviços para atender a demanda excedente, Oliveira e Fleury Teixeira (1986, p.210) assinalam que O período que se inaugura em 1964, e se consolida em 1966 através da criação do INPS, vai acrescentar novas diretrizes à política de assistência médica, que, em nome de uma racionalidade necessária e viabilizadora da expansão de cobertura, dá prioridade à contratação de serviços de terceiros em detrimento dos serviços médicos próprios da Previdência Social. Esta orientação toma como argumento básico a crise financeira dos IAPs e,por conseguinte, a necessidade de adoção de novas formas de regulação das instituições e de prestação de serviços. É importante ressaltar que, para além da problemática financeira, configura-se um novo quadro político que gesta as novas orientações. Neste sentido, resta salientar que as crises da Previdência Social sempre aparecem e são „resolvidas‟ como se fossem crises financeiras, encobrindo-se assim o seu conteúdo político. O que vem a ocorrer com a Previdência Social, especificamente quanto à prestação de assistência médica, não pode ser tomado como um problema específico, mas como parte de um modelo mais geral de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil. Menicucci (2007) destaca que a ampliação da atividade privada em ação desde os anos 60 - permitirá nos anos 80 a consolidação de um sistema de saúde dual em que o Estado foca a sua ação nos mais pobres e delega ao mercado o atendimento das demandas dos setores com maior capacidade de compra. Vianna (2000; 2008) vai além. Considera que a criação do INPS na década de 1960 acentuaria o caráter perverso da seguridade social no país: se o modelo anterior constituído nos anos 30 era restrito a determinadas categorias profissionais pelo menos os seus componentes participavam das tomadas de decisões. A criação do INPS ao mesmo tempo que ampliava a clientela rompia com os mecanismos associativos e lhes retirava a capacidade de expressão. Mais tarde (em 1989) a 84 transformação do INPS em INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a sua recondução para o âmbito do Ministério do Trabalho reforçaria o caráter da proteção atrelada ao trabalho bem como a concepção de seguro e não de seguridade (VIANNA, 2008). Quanto ao caráter curativo ou preventivo das ações em saúde, com a criação em 1974 do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) ficaria estabelecido que esse ministério estaria incumbido das ações curativas enquanto que as ações preventivas ficariam aos cuidados do Ministério da Saúde. A prioridade da medicina curativa sob a preventiva é atribuída por Polignano (2008) ao fato de que os recursos eram destinados em maior proporção para o MPAS e isso (a despeito dela ser mais cara) devido a que contava com recursos provenientes dos segurados do INPS. A crise econômica de 1974 e a crescente tensão política interna vividas na ocasião no país levariam o governo militar a incorporar na sua estratégia governamental as políticas sociais (com ênfase nas atividades assistenciais). Dali resultaria a implantação de uma série de medidas que ampliariam benefícios como a instituição do salário maternidade, o amparo previdenciário a maiores de 70 anos e a determinação de que acidentes na área rural fossem pagos pelo FUNRURAL. Entretanto, mesmo que isso significasse um alargamento da base de beneficiados não representaria uma mudança no caráter fortemente privado das ações em saúde. De concreto, as medidas adotadas se traduziriam na criação de novos mecanismos institucionais de controle35 e a constituição de convênios com sindicatos, universidades ou prefeituras para ampliar a assistência médica via convênios (OLIVEIRA e FLEURY TEIXEIRA, 1986). Ainda sobre o caráter público ou privado das ações em saúde, no final da década de 1970 havia duas correntes político-ideológicas com propostas distintas para o setor da saúde. A primeira formada pelo complexo médico-industrial (representantes a indústria de medicamentos, laboratórios e hospitais), com foco na privatização da De acordo com Rosa a Labate (2005, p.1029) “O sistema previdenciário sofreu mudanças institucionais, separando o componente benefício da assistência médica. Com a criação do Sistema Nacional de Previdência Social (SINPAS), foram organizados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e o Instituto de Administração da Previdência Social (IAPAS), além da reorganização dos órgãos de assistência social (LBA e FUNABEM) e da constituição de uma empresa de processamento de dados (DATAPREV). Essa reorganização significou, também, um novo momento de concentração do poder econômico e político no sistema previdenciário.” 35 85 saúde36. E a segunda, composta pelo Movimento Sanitário (intelectuais e profissionais da saúde), com uma proposta contra-hegemônica ao modelo de saúde privatista, vigente no país. A força e a capacidade de organização dessa segunda corrente possibilitariam mais tarde, com a Constituinte, colocar a saúde no patamar de direito universal para os cidadãos brasileiros (BORBA, 1998)37. Um dos elementos que reforçaria a agenda de lutas do Movimento Sanitarista seriam as conclusões da Conferência Internacional de Saúde realizada em Alma-Ata em 1978. Conforme será detalhado na seguinte seção (ao estudar os fundamentos da ESF) a Conferência propôs a atenção primária à saúde (APS) como primeiro contato das comunidades com os sistemas nacionais de saúde, com ênfase na promoção e na prevenção da saúde. Em 1982, com a criação/por iniciativa do Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP) seria proposto um plano de reorientação da assistência à saúde no âmbito da Previdência Social, denominado Programa de Ações Integradas de saúde (PAIS 38), cuja intenção era a integração entre atividades curativas, preventivas e educativas. Para Rosa e Labate (2005, p.1029). As AIS representam um movimento fundamental para iniciar o processo de mudança. A área do planejamento de saúde representava o início da incorporação dos setores público e privado nas atividades de planejamento que romperiam com a concepção dominante da dicotomia entre serviços/ações preventivas e curativas, ainda que o enfoque do planejamento se vinculasse estritamente à capacidade instalada de assistência individual. 36 Nos anos 90 ficaria cada vez mais claro que este modelo privatista atendia as determinações do ajuste neoliberal com forte contenção de gastos e racionalização da oferta. 37 Bravo e Matos (2008, p.199 e 200) resumem as principais propostas dos dois projetos em disputa. Os aspectos mais significativos do Projeto da Reforma Sanitária eram: “democratização do acesso, universalização das ações, descentralização, melhoria da qualidade dos serviços com adoção de um novo modelo assistencial pautado na integralidade das ações” Sua premissa básica era saúde como direito de todos s dever do Estado. Já o Projeto Saúde articulado ao mercado ou de reatualização do modelo médico assistencial privatista, pautado na política de ajuste neoliberal, destacava como principais tendências “a contenção de gastos com racionalização da oferta, a descentralização com isenção de responsabilidade do poder central e a focalização”. 38 Em 1985 passaria a denominar-se de AIS – Ações Integradas de Saúde. 86 De acordo com Grisotti e Patrício (2006, p.34) as AIS “buscavam racionalizar a prestação dos serviços básicos de saúde pública a partir do estabelecimento de convênios entre o MPAS e os estados e municípios”. Apesar dos impasses verificados na sua implantação (lenta adesão dos municípios e ênfase na produtividade dos serviços, entre outros), as AIS seriam responsáveis pela constituição das primeiras instâncias colegiadas de decisão, que mais tarde originariam os Conselhos de saúde (GRISOTTI e PATRÍCIO, 2006). A 8ª Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986 é frequentemente apontada como o marco de criação do SUS. Entretanto, Grisotti e Patrício (op.cit.) assinalam que as propostas para sua criação já haviam sido apresentadas anteriormente. (...) em 1963, na III Conferência Nacional de Saúde, foi proposta a municipalização dos serviços de saúde bem como debateu-se a influência dos fatores sócio-políticos e econômicos no processo saúde/doença. Porém, dada a conjuntura política da época, essa proposta não foi viabilizada. (...) É inegável que em 1986, durante a 8ª Conferência, existia um contexto político favorável tanto para sua realização quanto para os encaminhamentos de suas propostas (2006, p.34). Em termos institucionais essa Conferência seria responsável pela criação de um Sistema Nacional de Saúde cuja função era comandar e unificar as ações a nível estadual e municipal, função que seria executada pelo SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde. Esse processo marcaria, também, a reorganização do INAMPS que teria repassadas as suas funções para as secretarias estaduais ficando com a atribuição de órgão controlador do sistema. A CF 88 e a subseqüente passagem do SUDS para o SUS, representam a instauração de um novo modelo em que a saúde passaria a ser concebida como direito (GRISOTTI e PATRÍCIO, 2006). Estava em pauta a necessidade de constituir um arcabouço jurídico-institucional que contemplasse as linhas da Reforma Sanitária e não apenas uma reforma administrativa e financeira (ANDRADE, PONTES e MARTINS JÚNIOR, 2000) De fato, na Constituição a grande novidade para a área da saúde (que juntamente com a previdência e a assistência social passaram a fazer parte do sistema brasileiro de proteção social) é que ficaria 87 estabelecido que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Ou seja, no texto constitucional estavam se sentando as bases de um novo patamar de cidadania em que o acesso à proteção em saúde não se daria mais de forma meritocrática, apenas para os que tivessem ligação com o mercado formal de trabalho nem de forma filantrópica pela ação da caridade. Formalmente o SUS só seria regulamentado em 1990, pela lei 8080. Em termos jurídicos, a Constituição criaria condições legais para viabilizar o direito à saúde; a Lei 8080/90 regulamentaria o SUS com definição de responsabilidades e, mais tarde, as Normas Operacionais Básicas – NOB-SUS se preocupariam em definir estratégias para operacionalizar o sistema a partir de avaliações feitas sobre a implantação e o desempenho do SUS. Até então, o sistema de saúde se caracterizava por (1) dicotomia entre ações preventivas e curativas (2) atendimento a parte da sociedade (3) e pela sua crescente centralização (FRAIZ, 2007). O SUS foi estabelecido segundo os seguintes princípios: universalidade, integralidade da assistência (com prioridade para as atividades preventivas), eqüidade, descentralização políticoadministrativa, conjugação dos recursos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, participação da comunidade; e regionalização e hierarquização. Piardi (s.d.) esclarece o significado desses princípios. A universalidade se refere ao fato de que a saúde não requer nenhuma condição para o seu usufruto. A integralidade implica conceber o indivíduo como um ser humano integral e não como um amontoado de partes. Implica ainda, que ele está submetido a diversas situações sociais e de trabalho e, que, portanto a saúde está interligada com essas áreas. A equidade, ou o princípio da igualdade, implica que o SUS deva disponibilizar recursos para atender sem privilégios nem preconceitos. Entretanto, “Em situações desiguais, a aplicação do princípio da igualdade ou eqüidade significa a prestação de um atendimento prioritário, como ocorre com crianças, adolescentes, gestantes, pessoas portadores de deficiência e idosos; os serviços de saúde devem adaptar-se às necessidades existentes, diferenciando o atendimento de acordo com elas.” (PIARDI, s.d., p.1). A Descentralização significa a redistribuição de responsabilidades entre os três níveis de governo. O princípio da participação introduz a participação da comunidade via Conferências e Conselhos de Saúde 39. O 39 As Conferências, formada por diversos segmentos da sociedade, se reúnem a cada quatro anos para discutir a situação da saúde e propor novas diretrizes Os Conselhos, compostos por representes do governo, dos prestadores de serviços, dos profissionais da saúde e pelos 88 princípio da conjugação dos recursos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, estabeleceu a criação de tributos ou contribuições sociais vinculadas à seguridade social. A regionalização e hierarquização dos serviços do SUS buscam entender melhor os problemas de saúde de uma área delimitada. A partir da consciência da saúde como dever do Estado e direito do cidadão, a intenção do SUS era democratizar as ações da saúde e ampliar o acesso (universal e gratuito), até então definido pela disponibilidade de recursos da população: as classes com melhores condições econômicas buscavam o atendimento privado e a população carente acudia às Santas Casas de Misericórdia. Entretanto, e como já foi apontado anteriormente, se a partir de 1988 o país teve a grande chance de contar com um sistema de proteção social universal, houve um desmonte da incipiente estrutura com as reformas neoliberais implantadas entre 1990 e 1992 e aprofundadas depois de 1994, com forte ênfase no equilíbrio fiscal. A despeito dos ganhos institucionais significativos como a aprovação das leis 8080/90 e 8142/90 que estruturaram a LOAS (Lei Orgânica da Saúde), a área da saúde sofreria redução de verbas a partir de 1994, ficaria cada vez mais claro que o modelo privatista atendia as determinações do ajuste neoliberal com forte contenção de gastos, descentralização, racionalização da oferta, focalização e redução da responsabilidade do Estado (BRAVO e MATOS, 2008). Além disso, vale a pena a observação de Vianna (2000) quanto ao caráter pretensamente universal do SUS, que na prática é seletivo e o que é pior: como a seletividade não é assumida “facilita o tradicional clientelismo de prebendas” (p.152) Ao tentar fazer um rápido resgate das avaliações feitas sobre o SUS nos seus pouco mais de vinte anos de existência é preciso ter em mente o alerta feito por Bahia (2009) sobre as três posições que essas avaliações têm assumido: o pólo otimista, o pólo pessimista e a posição daqueles que relativizam as conquistas e impasses do SUS. No pólo otimista estão os trabalhos que apontam para o SUS como uma revolução no sistema de saúde e aqueles que o consideram o melhor sistema de saúde do mundo. No pólo pessimista as avaliações destacam aspectos críticos com déficits de acesso, de cobertura e de utilização e serviços do SUS. Para esse segundo pólo, o direito à saúde seria incompatível com o capitalismo, fato pelo qual a saúde só estaria de fato usuários, têm a função de fiscalizar as ações em saúde e formular estratégias para execução da política pública. 89 garantida em regimes socialistas. Entre esses dois extremos estão as avaliações que ao enfatizar as categorias processo e reformas têm relativizado as conquistas e impasses do SUS. Estas últimas “procuram captar as alterações conjunturais, os encaixes entre os processos de mudanças com os padrões estruturais de desenvolvimento econômico e social” (BAHIA, 2009, p.754). A autora também assinala que enquanto os dois primeiros pólos são próprios de ambientes com posições político-partidárias bem definidas e com posições a favor ou contra determinados governos, as avaliações intermediárias (que enfatizam o processo e a incipiente maturação do SUS) provém de técnicos ou autoridades políticas e governamentais envolvidas com a execução desta política pública. Sem a pretensão de esgotar o leque de questões suscitadas, nem de tomar partido por alguma das posições apontadas, cabe aqui reconhecer o grande avanço que tem significado a constituição de um sistema público, universal e gratuito de saúde. Os números que retratam a magnitude do atendimento e da cobertura em saúde são expressivos 40 e não é desprovido de motivos o fato do SUS ser considerado como referência por muitos países e como modelo digno de ser exportado. Entretanto, não há como escapar de reconhecer os problemas que tem sido a tônica do SUS e as lacunas entre o previsto pela Constituição e o que de fato se efetivaria: focalização ao invés de universalidade, ou “universalidade excludente” como sinônimo de “expansão por baixo” 41; seletividade, ao invés de equidade ou, ainda, equidade nivelada por baixo42; dificuldade de representação de interesses da população via 40 Santos (2008), por exemplo, resgata números referentes ao atendimento do SUS. Dados que por si só podem ser considerados impressionantes se comparados com a informação de que quase metade da população nos anos 80 era excluída da atenção em saúde: “O SUS transformou-se no maior projeto público de inclusão social em menos de duas décadas: 110 milhões de pessoas atendidas por agentes comunitários de saúde em 95% dos municípios e 87 milhões atendidos por 27 mil equipes de saúde de família. Em 2007: 2,7 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 610 milhões de consultas, 10,8 milhões de internações, 212 milhões de atendimentos odontológicos, 403 milhões de exames laboratoriais, 2,1 milhões de partos, 13,4 milhões de ultra-sons, tomografias e ressonâncias, 55 milhões de ações de fisioterapia, 23 milhões de ações de vigilância sanitária, 150 milhões de vacinas, 12 mil transplantes, 3,1 milhões de cirurgias, 215 mil cirurgias cardíacas, 9 milhões de sessões de radioquimioterapia, 9,7 milhões e sessões de hemodiálise e o controle mais avançado da AIDS no terceiro mundo. (SANTOS, 2008, p.2010). 41 Faveret e Oliveira (1990), em texto visionário elaborado praticamente na gênese do SUS, assinalavam o caráter excludente do sistema implantado no país, pois excluía pessoas da classe média com poder de vocalização de demandas. Ver também ao respeito Ocké-Reis (2009). 42 Expressão usada por SANTOS (2008, p.2010) para se referir à necessidade de dotação de recursos que “(...) assegurem a acessibilidade de todos os níveis e atenção à saúde aos grupos e pessoas excluídos e precariamente incluídos, em contraposição à atual „eqüidade nivelada por 90 Conselhos de Saúde43; problemas decorrentes da falta de dotação de recursos para o setor e de gastos com medicamentos caros que os planos de saúde se negam a pagar44 sem falar do expressivo financiamento indireto da saúde privada via deduções de Imposto de Renda ou do financiamento de planos privados para servidores federais. O debate mais recente sobre as políticas de saúde a nível macro desloca da agenda de discussão o tema da universalidade e das formas de financiamento do padrão de proteção social em saúde e coloca em pauta novas formas de gestão em que aspectos da racionalidade do setor privado deveriam ser incorporados pelo SUS (COHN, 2008). A nível micro ganham destaque avaliações sobre a implantação da Estratégia Saúde da Família, considerada, como seu próprio nome afirma, a estratégia de reformulação da política de saúde. O resgate da evolução da proteção social em saúde feito nesta seção teve por intenção traçar o quadro em que se inserem as ações em saúde para as famílias, objeto a ser tratado em seguida. A modo de síntese é possível identificar algumas continuidades e rupturas no sistema de proteção social em saúde do país: 1. A política de saúde teve inicialmente um forte entrelaçamento com a política previdenciária. A sua posterior separação e a própria fragmentação das ações no interior do Ministério da Saúde dificultaram a possibilidade de criar um sistema de proteção integral. 2. Verificou-se um movimento centralizador e descentralizador das ações em saúde. Na década de 1920, ao mesmo tempo em que a centralização fazia parte de uma estratégia de consolidação do Estado, era um passo necessário para enfrentar de modo coordenado as grandes endemias que o país enfrentava. Já a descentralização nos anos 1990 baixo‟ que vem subfinanciando e sub-ofertando serviços aos incluídos, „gerando recursos‟ para transferir aos excluídos, o que leva as camadas médias e os servidores públicos à adesão aos planos privados”. 43 Cf. Morita, Guimarães e Di Muzio (2006); Grisotti e Patrício (2006). 44 De acordo com Fernandes (2010, p.1-2) “O Supremo Tribunal Federal esticou a corda dos serviços que o SUS é obrigado a prestar. Municípios, Estados e União devem fornecer gratuitamente medicamentos de última geração comercializados no exterior que ainda não estejam na lista do SUS, custear próteses e cirurgias e até tratamentos médicos fora do país. (...) Foi uma decisão igualmente histórica a da Constituinte de estender o direito à saúde pública, antes restrito apenas àqueles filiados à Previdência Social, a todos os brasileiros. Mas com a desvinculação, o sistema, na sua origem, já se viu privado de sua base de financiamento. São tratamentos tão custosos que os planos de saúde caem fora. Apenas um em cada cinco brasileiros pode custeá-lo. Ao fazê-lo, a classe média acredita que escapou da vala comum, mas, como demonstram os milhares de pacientes de planos de saúde que acionaram e venceram o Estado no Supremo, é no SUS que vai parar a conta.” 91 faria parte de um processo de repasse de responsabilidades (muitas vezes sem o conseguinte repasse de recursos) para estados e municípios. 3. A proteção Social no país nasce ligada ao mundo do trabalho. No caso específico da saúde ela se origina com um forte componente corporativo. A disponibilidade de serviços previdenciários e de assistência à saúde estava atrelada a institutos de previdência de categorias específicas. Àqueles à margem do trabalho formal lhes restava o atendimento em entidades filantrópicas. A Constituição de 1988 configura a proteção social como direto universal, tanto para a saúde quanto para a assistência e a previdência. Entretanto, no caso da saúde a universalidade prevista pelo SUS ainda não é uma realidade plena. O que se tem de fato é um sistema dual: o SUS para os excluídos e o sistema privado para os que têm maior poder aquisitivo. 4. A proteção em saúde também teve na sua origem um forte caráter auto-financiado: as categorias de trabalhadores financiavam seus serviços previdenciários e de assistência à saúde. Em fins dos anos 80, a vinculação de recursos orçamentários era uma das características da criação do SUS. Entretanto, sucessivas reformas consolidariam a desvinculação de recursos, fatos que fragilizariam o financiamento de um sistema público e universal. Na prática, o Estado continua incentivando a expansão do atendimento via planos de saúde, tanto pelo estímulo à aquisição de planos de saúde via pagamento parcial dessas despesas para o funcionalismo público, quanto pela terceirização de serviços de média e alta complexidade, ou ainda pelo pagamento de serviços caros que os planos de saúde se negam a pagar. 5. Se a dissociação das ações curativas e preventivas era a marca das ações em saúde até os anos 80, posterior a isso cresce a compreensão da necessidade de integrar as atividades curativas, preventivas e educativas. O novo modelo passa a tratá-las de modo unificado. Essa será a característica básica de proteção social em saúde mais recente. 3.4 A FACE MAIS RECENTE DA PROTEÇÃO EM SAÚDE: A ESF Esta seção tem por preocupação entender quais os problemas que a Estratégia Saúde da Família busca responder. Isto é, compreender o desenho do programa para no capítulo de análise dos dados de campo poder verificar se as demandas que as famílias fazem à área da saúde estariam sendo contempladas por essa política pública e pelo novo modelo assistencial em saúde assentado na Atenção Básica. 92 Antes de entrar propriamente na configuração/desenho do novo modelo em saúde e para uma melhor compreensão dos fundamentos da política pública em estudo consideramos importante começar a discussão pelo resgate dos elementos que levariam a ESF a tornar-se a estratégia fundamental de reorientação do modelo de atenção em saúde. 3.4.1 O Que levaria a ESF a tornar-se a estratégia fundamental das políticas públicas de saúde? Entende-se que a ESF (inicialmente o PSF) é resultado da convergência de dois movimentos: um de caráter mais político e técnico - a descentralização das políticas públicas - e outro, de caráter mais programático - a necessidade de implantar um novo modelo de atenção em saúde, a atenção básica. Não há como dissociar esses dois elementos, pois, como assinalam Franco e Merhy (1999a), os modelos assistenciais em saúde se alteram como respostas dos governos a conjunturas especificas. 3.4.1.1 A descentralização das políticas públicas A questão da descentralização das ações em saúde tem sido tratada na literatura com duas ênfases: como parte de um processo de reforma do Estado, cujo objetivo primordial era enxugar custos, e como resultado do anseio do Movimento da Reforma Sanitária de aproximar as decisões e a gestão dos recursos dos estados e dos municípios. As linhas gerais dessas duas visões serão resenhadas a seguir. A intenção é mostrar que estava imbuída na idéia da descentralização uma dupla convergência de interesses. Se, de um lado, ela era uma idéia cara aos teóricos mais afinados com a focalização das políticas sociais, própria do discurso neoliberal, por outro lado faria parte das concepções mais cidadãs que inspirariam a noção universalizante de saúde a ser cravada na Constituição Federal de 1988. (1) Para a primeira visão, a descentralização administrativa juntamente com a focalização das políticas sociais - faria parte do processo de repasse de responsabilidades para a sociedade e de reforma do Estado nos anos 1990. De acordo com Bravo e Matos (2008) para os defensores dessa Reforma, ela se justificava pela notada ineficiência da gestão pública que transpareceria, dos anos 1980 em diante, na crise do Welfare State, no fim dos estados 93 desenvolvimentistas ou na crise dos estados socialistas 45. Nessa situação, a ação do Estado deveria ser redirecionada para a busca da eficiência. No país, no projeto de Reforma do Estado proposto pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), sob a supervisão do então ministro Bresser Pereira, a saúde se encontraria dentre aqueles setores que deveriam ser transformados em Organizações Públicas Não-estatais ou Organizações Sociais, por se entender que se trataria de setor que não deveria ser privatizado, mas que tampouco deveria ser executado pelo setor público, haja vista a sua incompetência para tal46. A descentralização no setor incitaria a formação de dois subsistemas (BRESSER PEREIRA, 1997): um Subsistema de Entrada e Controle e um Subsistema de Referência Ambulatorial e Hospitalar. O primeiro destinado a resolver os problemas de saúde mais comuns e as ações básicas em saúde bem como encaminhar casos mais complexos para os segmentos que possuíssem maior nível de especialização na rede ambulatorial de referência e nos hospitais, que constituem o segundo subsistema. Bravo e Matos (2008) assinalam que a proposta do MARE buscava manter sob responsabilidade do Estado o setor que não dá lucro (o atendimento básico) enquanto que os segmentos ambulatorial e hospitalar ficariam sujeitos a concorrência 47. Os autores ainda salientam que a Norma Operacional Básica – NOB-96 (de novembro de 1996) ao enfatizar o PSF estabeleceria uma clara orientação focal e prioritária na atenção básica, desarticulada da atenção secundária e da terciária. “Percebe-se nesta proposição, a divisão do SUS em dois: o hospitalar (de referência) e o básico – através dos programas focais e (também) deixa subentendidos dois sistemas: um SUS para os pobres e outro sistema para os consumidores” (p.209, 210). Como assinala Guerra (1998, mencionado por BRAVO e MATOS, 2008) “É como se não houvesse uma crise econômico-política. A crise passa a ser centrada como se fosse apenas a de um modelo de Estado, que caso mude (...) irá resolver a situação da crise instalada. Fica claro que a solução para o encaminhamento seria o Estado abrir mão da sua responsabilidade para com as políticas públicas”. 46 É importante lembrar que a reforma compreendia quatro setores: o núcleo estratégico (legislativo, judiciário, presidência e ministérios); as atividades exclusivas do Estado (definição de políticas públicas, fiscalização, poder regulatório e de polícia); os serviços sociais e científicos (educação, saúde, pesquisa - a serem transformados em organizações sociais) e o setor de produção de bens e serviços (a ser privatizado) (BRAVO E MATOS, 2008). 47 Além dos aspectos mencionados por Bravo e Matos (2008) cabe destacar que a “opção” do Estado de manter sob seus cuidados o setor que não dava lucro devia-se à impossibilidade de arcar com os custos mais elevados do atendimento hospitalar e ambulatorial. 45 94 (2) Cabe destacar que enquanto na concepção anterior a descentralização é vista (sob uma perspectiva crítica) como parte de um processo de enxugamento de custos, a visão alternativa vê o processo como parte das conquistas do movimento da Reforma Sanitária, pois considera que a descentralização configura-se uma forma de democratização do Estado que possibilita a entrada em cena de vários atores envolvidos na formulação e execução das ações (como as Comissões Intergestoras), a ampliação da participação social via conselhos municipais, estaduais e nacional de saúde (NASCIMENTO e COSTA, 2009). Nessa mesma linha, Andrade, Pontes e Martins Junior (2000) vêem o processo da descentralização como algo construtivo. Para eles o desafio do Movimento da reforma Sanitária era promover a transição de um sistema desintegrado (baixa articulação das esferas governamentais) e centralizado (ênfase em serviços hospitalares ou programas verticalizados) para outro com comando único em cada esfera do governo. A descentralização das ações em saúde faz parte de discussão maior tratada na Constituição Federal de conceder autonomia às três instâncias da federação, a qual viria acompanhada de definição de responsabilidades e partilha de recursos. Enquanto resultado de um amplo pacto nacional pela redemocratização do país, a inovação no desenho federativo levaria os municípios a assumirem papel central na prestação e no gerenciamento dos serviços de saúde. Em termos institucionais, a CF/1988 definiria as competências e as responsabilidades tributárias de cada nível da federação, posição que seria reforçada na NOB-96 e nos documentos da ESF (1997, 2000). A descentralização se plasmaria na adoção do Programa Saúde Família enquanto delegação de responsabilidades principalmente para os municípios48. Na busca por definição dos interesses ou autores que estariam por trás do processo descentralizador, é importante o argumento de Andrade, Pontes e Martins Junior (2000) que consideram a descentralização da saúde parte de um processo de pactuação infraconstitucional por parte dos componentes do Movimento da 48 De acordo com a NOB-96 (SUS, 1996, p.1-2) Busca-se a plena responsabilidade do poder público municipal (...) os poderes públicos estadual e federal são sempre co-responsáveis, na respectiva competência ou na ausência da função municipal (...) o município passa a ser de fato, o responsável imediato pelo atendimento das necessidades e demandas de saúde do seu povo e das exigências de intervenções saneadoras em seu território. 95 Reforma Sanitária e de outros atores que entram em cena, como os Secretários Municipais de Saúde (liderados pelo Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS) e pelos Secretários Estaduais de Saúde (agregados no Conselho Nacional dos Secretários da Saúde – CONASS). Fruto dessa pactuação infraconstitucional seria a publicação da Lei Orgânica da Saúde (LOAS), composta por duas leis complementares à Constituição, a Lei 8080/90 e a Lei 8142/90. A primeira delas se refere à descentralização político-administrativa do SUS e a segunda à participação da comunidade. Sem pretender fazer um balanço do processo de descentralização das ações em saúde e se de fato ele teria atingido os objetivos propostos pela Reforma Sanitária, cabe assinalar os ganhos para a cidadania decorrentes da existência de novas instâncias deliberativas mais próximas dos estados e dos municípios. No entanto, mais de 20 anos depois da sua implementação permanece como importante gargalo a indefinição dos recursos orçamentários que deveriam financiar as ações em saúde. Não há como dizer que apenas uma das concepções a respeito da descentralização tenha tido influência na configuração das ações em saúde. Em termos da sua configuração institucional, o SUS é reconhecido internacionalmente por prover serviços de saúde de forma universal e por permitir que haja participação da sociedade via Conselhos e Conferências de Saúde nas decisões da área. No entanto, é inegável que ela de fato é focalizada. Focalização essa que se manifesta não por uma intenção deliberada de atender apenas os pobres, mas pelo fato da saúde pública ter ficado com o encargo de fornecer serviços de atenção básica cujo custo é mais reduzido se comparado ao da atenção secundária e terciária. E aqui há uma questão controversa, que os críticos à concepção ligada ao neoliberalismo não mencionam: a idéia de que os segmentos ambulatoriais e hospitalares, não foram deixados para o mercado apenas por serem áreas que geram lucro, mas principalmente porque precisam de grande dotação de recursos. Dessa forma, a “opção” do Estado pela atenção básica pode estar condicionada à quantidade de recursos que o Estado podia (ou queria) gastar com a saúde. Em última instância, as decisões de gastos na área da saúde embora tenham sido condicionadas por pontos de vista políticos e pela visão que se tem a respeito de quem é mais eficiente para cuidar de determinada área (se o mercado ou o Estado49) tem também se moldado 49 A visão que se tem sobre o papel e as funções do Estado e do mercado é elemento fundamental, como apontam Seibel e Gelinski (2007), no processo de avaliação de uma 96 a restrições orçamentárias50. Em suma, se já se passaram mais de 20 anos da promulgação do SUS e até agora há muitas idas e vindas na discussão sobre recursos orçamentários garantidos para financiar a saúde é porque a sua frágil institucionalização não permite ainda que esta política pública tenha a solidez de uma política de Estado, nos moldes daquelas que os países com sistemas de bem-estar consolidados as têm. 3.4.1.2 O novo modelo de atenção em saúde Antes de entrar propriamente nas circunstâncias que determinariam a definição do modelo da atenção primária diretriz para nortear as ações em saúde é adequado previamente compreender o significado da expressão “modelo de atenção”. Viana e Machado (2008) assinalam alguns dos sentidos que tem assumido a expressão. Por exemplo, citam que Oliveira e Teixeira (1985) nos anos 80 mencionariam o termo “modelo médico-assistencial privatista”, para se referir à configuração hegemônica do sistema de saúde brasileiro amparado fortemente na centralização política, administrativa e financeira, nas atividades curativas e hospitalares (geralmente privados) e na ausência de ações preventivas e de promoção da saúde. A tônica desse modelo seria a contratação de hospitais privados em detrimento do possível fortalecimento do setor público marcado pela ineficiência. Viana e Machado assinalam, também, que Paim (2004) adota o termo “atenção à saúde” em sentido amplo para se referir a duas situações: política pública. Para os autores, “A tentativa de sistematizar o debate da avaliação de políticas públicas esbarra no estabelecimento de critérios de ordem prática. O primeiro refere-se à própria concepção do Estado e às responsabilidades que o mesmo deve assumir. O segundo refere-se à própria concepção da avaliação, se gerencialista (mais “micro” ou focada nos custos) ou não-gerencialista (com ênfase nos processos políticos e nos atores).” (p.2) 50 Enquanto importante bandeira de luta do Movimento Sanitarista, a vinculação de receitas viria por terra com a provação em 1994 da DRU (Desvinculação das receitas de União) mecanismo que impede que parte das receitas tributárias seja obrigatoriamente destinada a determinado órgão, fundo ou despesa. A DRU liberaria recursos para o Fundo Social de Emergência, medida preparatória para o Plano Real. Mais tarde com a provação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeira) no ano de 1997 tentaria se garantir recursos para o custeio da saúde pública. Entretanto, os recursos passaram a ser utilizados na gestão para o pagamento de diversas contas públicas, situação que provocaria a renúncia do então ministro Adib Jatene. Com vigência prevista entre 1997 e 1999, a CPMF foi restabelecida no ano 2000 e teve vigência até 2007. No momento da conclusão deste trabalho, líderes governistas ligados à futura presidente Rousseff afirmam que pretendem apresentar proposta para implementar novamente a CPMF para custear a saúde. 97 “(1) como resposta social aos problemas e necessidades de saúde, inserindo-se no campo disciplinar da política de saúde, em que podem ser identificadas as ações e omissões do Estado; (2) como um serviço compreendido no interior dos processos de produção, distribuição e consumo, inserido no setor terciário da economia, dependendo de processos que perpassam os espaços do Estado e do mercado.” Esta última situação considera não apenas os aspectos sociais, mas também os econômicos, haja vista as pressões para consumo de mercadorias que o setor enfrenta. Num outro trabalho, Paim (2003, mencionado por Corbo, Morosini e Pontes, 2007, p.70) destaca que os modelos assistenciais ou modelos de atenção “têm sido definidos como combinações tecnológicas utilizadas pela organização dos serviços de saúde em determinados espaços-populações, incluindo ações sobre o ambiente, grupos populacionais, equipamentos comunitários e usuários de diferentes unidades prestadoras de serviços de saúde com distinta complexidade (postos, centros de saúde, hospitais, etc.)”. Ressalte-se nessa definição a menção de Paim ao componente tecnológico das ações ou modelos assistenciais. Aspecto que também é destacado nos trabalhos de Merhy e outros 51 que se referem a “modelos tecnoassistenciais” por enfatizar os componentes assistenciais e tecnológicos dos serviços e ações em saúde. Em última instância, o que se quer destacar aqui sobre os modelos de saúde é que a despeito da denominação dada o que está em questão é a racionalidade presente nas práticas, serviços e sistemas de saúde, isto é o projeto político que sustenta a satisfação das necessidades da população e a configuração tecnológica dos serviços de saúde. Embora a Conferência Internacional sobre Cuidados primários de Saúde realizada em Alma Ata em 1978 seja considerada como o marco fundamental no estabelecimento da atenção primária como modelo substitutivo ao até então modelo hegemônico, cabe recordar que a primeira experiência de cuidados primários data do final do século XIX com o sistema de promoção e assistência à saúde da população infantil criado em Paris (BRASIL, 2009b). Posteriormente, e de acordo com Andrade, Barreto e Bezerra (2006), já entre 1910 e 1915 haviam experiências nos Estados Unidos que relacionavam os serviços de saúde à população de uma área específica e à constituição de Centros de Saúde. Na Inglaterra em 1920, com o Relatório Dawson, a noção de atenção médica a nível primário começa a ser associada aos centros de 51 Ver por exemplo Franco e Merhy (1999a), Campos (1992). 98 saúde52. Nas décadas de 1960 e 70 nos EUA a noção de atenção primária passaria a ser claramente definida como primeiro contato da população com os serviços de saúde, que deveriam atender os pacientes de modo integral (nos seus aspectos físicos, sociais e psicológicos), independente da presença ou não de doenças. A Conferência de Alma Ata é mencionada como momento significativo pela literatura da área por tratar-se de evento que a nível mundial colocaria a atenção básica como estratégia prioritária dos serviços de saúde. De acordo com a Conferência, os cuidados primários de saúde são definidos como: Cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. (...) Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde. (DECLARAÇÃO...,1978). Importa destacar que os cuidados primários de saúde viriam se contrapor ao modelo centrado no médico, na doença e nos hospitais. O modelo medicocêntrico, ou hospitalocêntrico como também é denominado, “desenvolve-se a partir de recursos que são disponibilizados à assistência à saúde, centrados no conhecimento especializado, equipamentos/máquinas e fármacos” (FRANCO E MERHY, 1999a, p.12), ou foca suas ações no uso de máquinas e De acordo com Oliveira (2005, p.2) “A proposta de usar a descentralização geográfica, a regionalização e a hierarquização dos serviços de saúde como meio de alcançar maior eficiência surge na Inglaterra em 1920, com o “Relatório Dawson”, estudo que se tornou um marco na história da organização dos sistemas de saúde. Sua proposta de implantação de um sistema integrado de medicina preventiva e curativa, coordenando ações primárias, secundárias e terciárias, está na base da criação do sistema nacional de saúde britânico (NHS) em 1948, e orientou a reorganização dos sistemas de saúde em vários países” 52 99 instrumentos, com o uso de tecnologia duras53. De acordo com Franco e Merhy (1999a) esse modelo assistencial era “procedimento centrado” e não “usuário centrado”, haja vista que “(...) o principal compromisso do ato de assistir à saúde é com a produção de procedimentos. Apenas secundariamente existe compromisso com as necessidades dos usuários”. (p.13). Outros autores optam por se referir ao anterior modelo como “biomédico” ou “medicina científica” 54. Modelo que teria as seguintes características (SILVA JÚNIOR, 2006): A) Mecanicismo - o corpo humano é visto como uma máquina [nessa condição, a doença é resultado de uma avaria numa das peças] B) Biologismo - devido à sua origem nos avanços da microbiologia, tem uma concepção exclusivamente biológica da doença, exclui determinantes econômicos ou sociais. C) Individualismo - a medicina elege o indivíduo como objeto, alienando-o de sua vida e dos aspectos sociais, a doença é vista como restrita a práticas individuais. D) Especialização - mecanicismo induziu o aprofundamento do conhecimento científico na direção de partes específicas do corpo humano, na organização da formação e nas práticas de saúde. E) Exclusão das práticas alternativas - a medicina científica se impõe sobre outras práticas médicas. F) Tecnificação do ato médico - necessidade de técnicas e equipamentos para a investigação 53 Em termos de tecnologias de trabalho Franco e Merhy (1999a) consideram que o modelo hegemônico anterior estava fortemente amparado nas tecnologias “duras” (inscritas nas máquinas e equipamentos) em contraposição às tecnologias “leveduras” (presentes no conhecimento técnico estruturado) e nas tecnologias “leves” (tecnologia das relações). 54 Morais (2001) assinala que o modelo biomédico é herdeiro de dois marcos na história do conhecimento: do físico inglês Isaac Newton e do filósofo francês René Descartes. “No século XVII, Newton concebeu o universo como um imenso mecanismo de relógio, possível de ser compreendido a partir do estudo de suas partes. Na mesma época, Descartes estabeleceu a visão dualista do homem, separando mente e corpo como entidades independentes. Nos séculos seguintes, tais idéias constituíram o cerne do que hoje é conhecido como o paradigma cartesiano-newtoniano, base de todos os sistemas conceituais nos diversos ramos da ciência. Na medicina, a aplicação do paradigma mecanicista deu ênfase ao estudo isolado de órgãos e tecidos, o que foi reforçado ainda mais pelos grandes avanços da microbiologia no século XIX.” (p.52) 100 diagnóstica, produzindo uma nova forma de mediação entre o homem e as doenças. G) Ênfase na medicina curativa - prestigia o processo fisiopatológico como base do conhecimento para diagnóstico e terapêutica. H) Concentração de Recursos devido à dependência crescente de tecnologia, houve uma concentração das práticas médicas em hospitais, como centros de diagnóstico e tratamento. Andrade, Barreto e Bezerra (2006) sintetizam as diferenças entre o modelo convencional ou hegemônico e o proposto pelo modelo da atenção primária à saúde (Quadro 2). Enquanto o modelo hegemônico ou convencional estava fortemente amparado na noção de doença e cura, o modelo de AP privilegiava a noção de Saúde de forma ampla por meio de ações preventivas e educativas. Se o modelo convencional focava o episódio a ser tratado, o modelo da AP tinha por preocupação promover a saúde de modo continuado e abrangente, promovida por grupos de profissionais e não apenas por médicos especialistas Por último, se o usuário era tido como receptor passivo, no novo modelo passa a ser coresponsável pelas ações em saúde. QUADRO 2. Diferenças entre a atenção médica convencional e a atenção primária à saúde. CONVENCIONAL Doença Cura CONTEÚDO Tratamento Atenção por episódio Problemas específicos ORGANIZAÇÃO Especialistas Médicos Consultório individual RESPONSABILI- Apenas setor de saúde DADE Domínio pelo profissional Recepção passiva Fonte: Andrade, Barreto e Bezerra (2006). ENFOQUE ATENÇÃO PRIMÁRIA Saúde Prevenção, atenção e cura Promoção da saúde Atenção continuada Atenção abrangente Clínicos gerais Grupos de outros profissionais Equipe Colaboração intersetorial Participação da comunidade Auto-responsabilidade 101 Há um consenso na literatura a respeito de que o modelo medicocentrado entraria em crise na década de 1970. Essa crise é atribuída a dois conjuntos de fatores. De um lado estão os que privilegiam a crise intrínseca do modelo como elemento explicativo (CORBO, MOROSINI e PONTES, 2007) e de outro os que consideram a crise como subproduto da conjuntura econômica recessiva a nível mundial (FRANCO E MERHY, 1999a). Entende-se aqui que ambas as explicações não se contrapõem mas se complementam. Os que creditam a crise a fatores internos do modelo salientam que desde 1920, com o Relatório Dawson, existiam críticas à medicina científica e sua ênfase nos aspectos curativos. Para Corbo, Morosini e Pontes (2007) havia grande desequilíbrio entre as necessidades de saúde das famílias e a oferta de serviços de saúde. Além disso, “um custo crescente na prestação dos serviços de saúde com baixa resolutividade, com excessiva especialização dos profissionais e serviços, um uso acrítico da tecnologia e a perda da dimensão cuidadora e relacional das práticas de saúde e a crescente caracterização da saúde como produto de mercado também se apresentavam como característica desse modelo” (CORBO, MOROSINI e PONTES, 2007, p.72). Esses aspectos apontariam para uma série de discussões no âmbito de programas nacionais e internacionais de saúde que desembocariam na Conferência de Alma Ata em 1978 e na recomendação pelos cuidados primários em saúde. Na segunda vertente explicativa, Franco e Merhy (1999a) assinalam que a economia mundial na década de 1970 presenciaria uma forte crise estrutural devido ao fim do ciclo desenvolvimentista iniciado no fim da Segunda Guerra Mundial. Com a queda da arrecadação fiscal dos estados haveria redução de gastos com políticas sociais, dentre eles a saúde. O gasto público seria reavaliado e considerado elevado. Vale lembrar que a orientação para reduzir custos obedecia também a uma questão de natureza ideológica dentro da própria ordem capitalista já que para os liberais, o que estava em crise era a noção Keynesiana do estado de bem-estar. O desafio nessas circunstâncias era dar resposta às necessidades de saúde, mas de tal maneira que houvesse racionalização de gastos. As propostas surgidas na Conferência de Alma Ata responderiam à conjuntura econômica recessiva do capitalismo da época. “A lógica pensada é a de que os estados não mais teriam recursos suficientes para continuar financiando os sistemas de saúde. Seria necessário então, articular uma proposta minimamente eficiente, de baixo custo, e capaz de ganhar adesão entre os diversos segmentos da 102 sociedade, contemplando amplas camadas da população com ações básicas de assistência em saúde” (FRANCO E MERHY, 1999a, p.17). A despeito da ênfase nos aspectos que causariam a crise do modelo hospitalocêntrico interessa destacar o que ambas as vertentes têm em comum – o fato de que o modelo de Atenção Primária se tornaria a nova referência para o estabelecimento de ações e sistemas e saúde. Cabe frisar que a noção “Atenção Primária em Saúde” tem várias acepções. Tanto pode se referir a serviços seletivos voltados para a população pobre, a um nível de atenção, a uma estratégia para reorganizar os serviços de saúde, ou ainda a uma filosofia norteadora da política em saúde (Quadro 3). No contexto histórico brasileiro a acepção mais usada para se referir à AP tem sido “Atenção Básica à Saúde”. Sobre isso, Fausto e Matta (2007) assinalam que à despeito do fato de serem usados indistintamente , o mais freqüente tem sido empregar o termo APS para se referir às experiências internacionais enquanto que o termo ABS seria uma adaptação brasileira do anterior. O termo “Atenção Básica” teria sido introduzido no Brasil em 1996 pela NOB-SUS 01/96 “a opção pelo termo deveu-se essencialmente a que nesse momento, existia, do ponto de vista ideológico uma forte resistência de alguns atores ao termo atenção primária à saúde principalmente porque (...) o propósito seletivo prevalecia na concepção veiculada por organismos internacionais” (FAUSTO e MATTA, 2007, p.61). Enquanto terminologia própria da saúde pública do Brasil, a AB desempenhou papel importante num determinado momento para dissociar a proposta da focalização e o forte conteúdo ideológico que ela carregava. Mais recentemente alguns autores e o próprio CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde- ver Brasil, 2009) tem utilizado a acepção internacional do termo (AP). Já o Ministério da Saúde embora tenha um Departamento de Atenção Básica usa em determinados documentos a acepção “primária”. Passada a resistência ideológica que ela carregava percebe-se o uso indistinto dos termos. 103 Quadro 3. As diferentes interpretações da Atenção Primária à Saúde INTERPRETAÇÕES DE APS APS seletiva Um conjunto específico de atividades e serviços de saúde voltados à população pobre. Um nível de Atenção em um sistema de serviços de saúde. DEFINIÇÃO OU CONCEITO DE APS A APS constitui-se em um conjunto de atividades e serviços de alto impacto para enfrentar alguns dos desafios de saúde mais prevalentes nos países em desenvolvimento. APS refere-se ao ponto de entrada no sistema de saúde quando se apresenta um problema de saúde, assim como o local de cuidados contínuos da saúde para a maioria das pessoas. Esta é a concepção mais comum da APS na Europa e em outros países industrializados. Uma estratégia para organizar os sistemas de atenção à saúde Para que a APS possa ser entendida como uma estratégia para organizar o sistema de saúde, este sistema deve estar baseado em alguns princípios estratégicos simples: serviços acessíveis, relevantes às necessidades de saúde; funcionalmente integrados (coordenação); baseados na participação da comunidade,custo-efetivos, e caracterizados por colaboração intersetorial. Uma concepção de sistema de saúde, uma “filosofia” que permeia todo o sistema de saúde. Um país só pode proclamar que tem um sistema de saúde baseado na APS,, quando seu sistema de saúde se caracteriza por: justiça social e equidade; autoresponsabilidade; solidariedade internacional e aceitação de um conceito amplo de saúde. Enfatiza a compreensão da saúde como um direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos mais amplos da saúde.. Não difere nos princípios de Alma-Ata, mas sim na ênfase sobre as implicações sociais e políticas na saúde. Defende que o enfoque social e político da APS deixaram para trás aspectos específicos das doenças e que as políticas de desenvolvimento devem ser mais inclusivas, dinâmicas, transparentes e apoiadas por compromissos financeiros e de legislação, se pretendem alcançar mais eqüidade em saúde. Fonte: Brasil (2007) - Coleção Progestores 8, p.34 104 3.4.2 Eixos estruturantes da ESF/desenho do programa Num cenário em que ganhariam prevalência os modelos internacionais de atenção primária, o Programa Saúde da Família surgiria no Brasil em 1994 como a estratégia organizativa da Atenção Primária à Saúde no SUS. Andrade Barreto e Bezerra (2006, p.807) alertam que “a gestação do PSF não pode ser grosseiramente resumida a uma súbita replicação de modelos internacionais da medicina da família ou atenção à saúde simplificada”. Conforme foi assinalado anteriormente as tensões do modelo campanhista, do modelo privatista e do modelo tecnicista médico-hospitalocêntrico gestariam mudanças institucionais na política social em saúde, com destaque para a implantação do SUS e posteriormente do PSF. De fato, o PSF é resultado do amadurecimento de um conjunto de experiências de implantação da atenção primária no país, desenvolvidas desde a década de 1940. Mendes (2002, citado por CORBO, MOROSINI e PONTES, 2007) destaca que o PSF seria o quinto ciclo de expansão da atenção primária à saúde no país. Antes dele ocorreram experiências mais restritas ou de cunho local/regional, tais como a proposta da Medicina Geral e Comunitária, com início em Porto Alegre em 1983; a Ação Programática em Saúde, em São Paulo nos anos 1970; o Modelo Médico de Família, em Niterói em 1992; e o modelo de Defesa da Vida, criado em Campinas no fim dos anos 1980. Dentre essas experiências CORBO, MOROSINI e PONTES (2007) destacam o Programa de Medicina da Família de Niterói e o Serviço de Saúde Comunitária de Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre como aquelas que teriam repercussão mais imediata na formulação do PSF. Para melhor operacionalização do novo modelo assistencial e dentro dos princípios que sustentam o SUS, o Ministério as Saúde implantou em 1991 o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), cuja cobertura inicial se restringiria ao Nordeste. Esse programa assentaria as bases para o tratamento da saúde a partir de base territorial de incumbência de cada agente. Em 1994 o Ministério da Saúde amplia esse programa com a implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) e em 1997 altera a concepção do programa que passa a ser denominado Estratégia Saúde da Família (ESF). Ribeiro (2004) chama a atenção para o fato de que a adoção dos termos programa ou estratégia está cheio de questionamentos e argumentos a favor do uso de cada um deles. O documento oficial que estabelece a reorientação (BRASIL, 1997, p.8) 105 destaca que é mais adequado considerá-lo uma estratégia ao invés de programa, pois (...) foge à concepção usual dos demais programas concebidos no Ministério da Saúde, já que não é uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de saúde. Pelo contrário, caracteriza-se como uma estratégia que possibilita a integração e promove a organização das atividades em um território definido, com o propósito de propiciar o enfrentamento e resolução dos problemas identificados. A despeito da mudança de nome, desde o seu início o PSF colocaria as famílias na agenda das políticas sociais do Brasil. Juntamente com o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) ambos se constituem na base de reorganização da Atenção Básica à Saúde e representam a consolidação do SUS. O modelo da ESF, com foco na assistência básica à saúde, pressupõe o estabelecimento de laços de compromisso e de coresponsabilidade nas ações em saúde, tanto por parte dos profissionais da saúde quanto da população. A ESF, enquanto ruptura com o modelo tradicional, apóia-se na noção do indivíduo como protagonista. Se na concepção anterior ele “era visto sob a perspectiva do objeto, sem capacidade, autonomia e, principalmente, destituído de um contexto o qual o influencia e é influenciado” (RESTA e MOTTA, 2005, p.15), agora passa a ser coadjuvante das ações de saúde. Em termos estruturais, as equipes de Saúde da Família devem contar com uma equipe multiprofissional composta por, no mínimo, um médico de família ou generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS). A disponibilidade de outros profissionais estará determinada pelas demandas e características da organização de cada unidade. As equipes são responsáveis por um número determinado de famílias (cerca de 1.000 ou 3 a 4 mil pesssoas), numa região geográfica delimitada. Ao invés da unidade de saúde “ficar esperando” pela população, os agentes comunitários visitam as famílias nos seus lares, de modo a aproximar (pelo menos teoricamente) os serviços de saúde das famílias, pois se considera que é nesse espaço que se processam a saúde e a doença. 106 Na atuação da equipe desempenha papel fundamental o agente de saúde. A ele cabe fazer a visita domiciliar e é por esse meio que a ESF aproxima a família dos serviços de saúde. “A visita é concebida como um meio importante de aproximação entre o Programa de Saúde da Família e as famílias, favorecendo o acesso aos serviços, a construção de novas relações entre os usuários e a equipe e a formação de vínculo entre estes” (MANDÚ et al., 2008, p.131). Aliás, a afinidade cultural do ACS com a população que atende é garantida pela exigência dele residir próximo da sua área de atuação. Além das visitas, as equipes da saúde da família orientam na internação domiciliar - que visa humanizar e dar conforto ao paciente – ou, ainda, participam reuniões de equipes que buscam diagnosticar e resolver problemas na região adstrita. O novo modelo só seria possível com a mudança de objeto de atenção: da população em geral para a família (matricialidade familiar), a partir do ambiente (condições físicas e sócio-econômicas) em que elas vivem. “Mais que uma delimitação geográfica, é nesse espaço que se constroem as relações intra e extra familiares e onde se desenvolve a luta pela melhoria das condições de vida – permitindo, ainda, uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e, portanto, da necessidade de intervenções de maior impacto e significação social” (BRASIL, 1997, p.8). 107 CAPÍTULO IV A FAMÍLIA E A MULHER COMO INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO SOCIAL Este capítulo tem por objetivo levantar elementos que contribuam para compreender as implicações de colocar a família como centro de uma política de saúde e entender, desde uma perspectiva mais ampla, as condições que elas têm de ser instrumentos de proteção social. A intenção é mostrar que a família deve ser vista como um ente em mutação e que o fato dela ganhar destaque nas políticas públicas não implica necessariamente que tenha sido entendida de maneira adequada nem que ela receba o apoio necessário para que possa cumprir as funções para as quais é convocada. Com esta discussão pretende-se destacar aspectos que permitam, no próximo capítulo, verificar se a política pública em análise tem clareza dos tipos de famílias que são objeto da sua prática e das implicações que pode ter o chamado à coresponsabilidade dados os múltiplos encargos que as mulheres executam na intimidade das famílias. Este capítulo assenta-se em dois elementos analíticos – a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e a constituição de novos arranjos familiares – como base para compreender possíveis alterações dos papéis sociais dentro das famílias brasileiras55. Entende-se que o desenho de políticas públicas que envolvam famílias não pode ignorar os papéis desempenhados pelos seus membros. Especificamente no caso da política de saúde em estudo, se o novo modelo pressupõe uma crescente responsabilidade das famílias cabe indagar quem estaria ficando com a incumbência de arcar com esses cuidados dentro do núcleo familiar. O olhar para as concepções de famílias dentro das políticas públicas é necessário por dois motivos: para detectar as funções que o Estado atribui ao núcleo familiar e para perceber os mecanismos de apoio que disponibiliza para o cumprimento dessas funções. 55 Tem se ciência de que há outros elementos que também provocaram alterações nas famílias, como a fragilização dos laços matrimoniais, o aumento do número de divórcios ou a redução do número de filhos. Entretanto neste trabalho se enfatiza o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e do surgimento de novos arranjos familiares por considerar que eles têm impacto decisivo sobre os papéis desempenhados dentro das famílias e sobre a alocação da atividaddes não remuneradas realizadas dentro dos lares. 108 4.1 FEMINIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E NOVOS ARRANJOS FAMILIARES NO BRASIL Dentre o conjunto de grandes transformações sociais que o século XX deixou como heranças, duas - que afetam diretamente o agir das famílias - merecem aqui particular atenção: a inserção crescente das mulheres no mercado de trabalho e o aumento de famílias chefiadas por mulheres. Compreender a dimensão dessas transformações pode auxiliar a entender os limites do chamado à co-responsabilidade feito pela ESF e, numa perspectiva mais ampla, a convocação para que as famílias assumam parte dos encargos nos sistemas contemporâneos de proteção social. A partir de relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID (2003), Gelinski e Ramos (2010) mostram que na década de 1990 na América Latina as taxas de atividade (percentual das pessoas que podem ingressar no mercado que de fato o fazem) aumentaram em toda a região, principalmente devido ao trabalho da mulher. Enquanto a participação dos homens no mercado de trabalho oscilou entre 80 e 90% nos últimas cinco décadas, a taxa de participação das mulheres passou de 24%, nos anos 1950, para aproximadamente 33% nos anos 1980 e ao redor de 50% no final do século56. No Brasil, de acordo com dados da Fundação Carlos Chagas (2005, citados por Gelinski e Ramos, 2010), entre 1976 e 2002, 25 milhões de mulheres se agregariam ao mercado de trabalho. Em termos quantitativos isso significa que se em 1976, 28 em cada 100 mulheres trabalhavam, o século XXI iniciaria com a metade das mulheres trabalhando ou procurando trabalho. A Tabela 1 mostra que de acordo com a PNAD, as mulheres representavam 28,8% da População Economicamente Ativa (PEA) em 1976, número que ascenderia para 43,1% em 2004. Em termos da taxas de atividade (ou a proporção de mulheres/homens economicamente ativos sobre o total de mulheres/homens) as mulheres apresentavam, uma taxa de 28,8% em 1976 e 51,6% em 2004. Enquanto isso, a taxa de atividade masculina (73,6% em 1976) permanecia em 2004 praticamente no mesmo nível da década de 70: 73,2%. Para Lavinas (2001) e Nogueira (2004) o aumento da participação feminina no mercado de trabalho, desde meados dos anos 56 Ver também ao respeito Cerrutti e Binstock (2010). http://www.eclac.cl/dds/noticias/paginas/0/37350/PonenciaMarcelarrutti_GeorginaBinstockCe.pdf 109 80, pode ser explicado por três fatores. O primeiro se refere à reestruturação produtiva, que impactaria de maneira negativa no emprego industrial, tradicional reduto masculino até então. O segundo, diz respeito à expansão da economia dos serviços, com empregos majoritariamente femininos. E o terceiro, à flexibilização das relações trabalhistas, com a consequente precarização e aumento das ocupações por conta própria e da informalidade. Tabela 1 - Estrutura da população economicamente ativa (PEA), por sexo, no Brasil, no período 1970-2002 HOMENS MULHERES ANOS Taxa Atividade (%) PEA Taxa Atividade (%) PEA 1970 71,9 1976 73,6 71,2 28,8 28,8 1980 74,6 68,6 32,9 31,3 1983 74,8 67,0 35,6 33,0 1985 76 66,5 36,9 33,5 1990 75,3 64,5 39,2 35,5 1993 76 60,4 47,0 39,6 1995 75,3 59,6 48,1 40,4 1997 73,9 59,6 47,2 40,4 1998 73,6 59,3 47,5 40,7 2002 73,2 57,6 50,3 42,5 2004 73,2 56,9 51,6 43,1 18,2 Fonte: elaborada por Gelinski e Ramos (20100 a partir de Fundação Carlos Chagas (2005) Para Carnoy (1999) há ainda outro elemento, prévio ao processo de globalização: a inserção maciça das mulheres seria parte de um processo de mudanças que ocorrem no seio da família desde fins do século XIX. 110 As mulheres têm rejeitado progressivamente o papel de responsáveis únicas da coesão social e da educação da geração seguinte. O processo iniciou-se (...) quando começaram a reduzir o tamanho da família (…). Ter menos filhos facilitava a coesão social: as mulheres podiam dedicar mais tempo a atividades que reforçavam a comunidade ou criar uma vida própria fora da família, o que as levou, inclusive a incorporar-se ao trabalho. A última batalha da rebelião da mulher, que iniciou em vários países no fim dos anos sessenta, se travou contra as relações entre os sexos, que estão implícitas na família e no trabalho. As mulheres rejeitaram a identidade de donas-de-casa que lhes atribuía a sociedade industrial. Muitas mulheres se incorporaram ao mercado de trabalho, primeiro a tempo parcial e depois a tempo completo. Muitas acabaram sendo chefes do lar de família sem homens. E tudo isso ocorreu tanto antes, como independentemente da globalização e da chegada da nova tecnologia da informação (CARNOY, 1999, p.462,463). Em suma, a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho – ou a feminização do mercado de trabalho – se, por um lado, corresponderia aos anseios delas por mais espaço no âmbito público ou produtivo, por outro lado, também atenderia à necessidade crescente de força de trabalho dos setores produtivos, em condições muitas vezes mais precárias do que aquelas às quais a força de trabalho masculina estava submetida57. Em termos de constituição das famílias, o destaque no Brasil fica por conta do crescente número de arranjos compostos por mulheres chefes de família com filhos e da redução de famílias formadas por casal e parentes ou família extensa (SORJ, 2004; 2007; GOLDANI, 1994). Se, como já foi mostrado agora pouco, houve no Brasil um acréscimo significativo de mulheres no mercado de trabalho, o aumento de famílias chefiadas por mulheres foi ainda mais significativo. Santos (2006), com dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, De acordo com Nogueira (2004, p.83) “a flexibilização e a desregulamentação do mundo do trabalho vêm atingindo de maneira mais acentuada toda a classe trabalhadora, mas de maneira muito mais intensa e particular quando se trata da mulher trabalhadora” 57 111 mostra que enquanto a população feminina empregada aumentou 17,5%, entre 2002 e 2006, o número de mulheres chefes do lar teve um crescimento de 20,9% nesses quatro anos. Com isso, a participação das chefes de família no total de mulheres ocupadas passou de 28,7% para 29,6%. Dados mais recentes da PNAD de 2009, desta vez com famílias que residem em domicílios particulares revelam que 35,2% delas são chefiadas por mulheres, contra 27,3% em 2001 (Tabela2). Fontoura, Pedrosa e Diniz (2010) dão uma dimensão do crescimento do universo de famílias chefiadas por mulheres: em termos absolutos em 2009 são quase 22 milhões de famílias as que identificam como principal responsável uma mulher. Cabe destacar que embora a PNAD e a PME sejam pesquisas com bases e periodicidade diferentes, ambas apontam para o significativo aumento de famílias chefiadas por mulheres. Tabela 2. Brasil: Famílias residentes em domicílios particulares por sexo da pessoa de referência da família (%) Ano Sexo 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Homem 72,7 71,6 71,2 70,6 69,4 68,6 67,0 65,1 64,8 Mulher 27,3 28,4 28,8 29,4 30,6 31,4 33,0 34,9 35,2 FONTE: elaboração própria a partir de dados da PNAD As mudanças nas famílias têm sido acompanhadas de alterações conceituais na coleta de dados populacionais. Alterações que, sem dúvida têm a ver com as relações/representações de gênero. A mais notória delas, se refere à substituição do termo “chefe de” família/domicílio para “responsável por” família/domicílio. Para entender esses conceitos, duas observações são importantes: a primeira, diz respeito à distinção entre família e domicílio e a segunda, se refere aos termos “chefe de” ou “responsável por”. Em primeiro lugar, família e domicílio são categorias diferentes. Como já foi apontado por Lima (2006) a família é um tipo de agrupamento social ligado por laços de parentesco, enquanto o domicílio é a estrutura física, que serve de abrigo às pessoas ou famílias que moram nele. Várias famílias podem morar no mesmo domicílio. Em segundo lugar, a situação de “chefia” ou “responsabilidade” pela família ou pelo domicílio implica em 112 atribuições e deveres diferenciados em relação às pessoas que convivem uns com os outros. O que cabe destacar é que o uso do termo “chefe” (de família ou domicílio) esteve associado, desde o Censo de 1920, à autoridade de um dos membros, sobre os outros, e à sua condição de provedor. A acepção “chefe de” (família ou domicílio) seria a forma usada até 1991. A partir do Censo de 2000 a denominação “responsável por” passaria a ser oficialmente usada pelo IBGE, embora muitos textos ainda usem ambos os termos como sinônimos, ou usem o termo “chefe de” com bastante freqüência. O crescimento do número de mulheres, com cônjuge, que se declaram responsáveis pelo domicilio pode estar ligado - na interpretação de Oliveira, Sabóia e Soares (2002) - à insuficiência (ou ausência) de renda do cônjuge, o que as leva a assumir o sustento do lar de forma cada vez mais visível. Ou, ainda, ao auto-reconhecimento da sua responsabilidade nas decisões e na manutenção da sobrevivência da família e do domicílio. Para as autoras “esta [última] hipótese trabalha com a possibilidade de um processo de alteração da compreensão dos papéis socialmente reservados à condição feminina, por muitos ainda considerada sócia menor, na constituição da família e da sociedade conjugal” (p.19, grifo nosso). Qual o retrato dessas mulheres responsáveis pelas famílias? Dados do Censo de 2000 mostram que: (1) se concentram no espaço urbano (27,3% contra 12,8% no meio rural). (2) A proporção de mulheres responsáveis é maior entre as mais jovens. (3) Elas se encontram em maior proporção que os homens no grupo dos que têm menor escolaridade (sem instrução ou com menos de um ano de estudo). (4) Nos domicílios mais pobres, a proporção dos que estão sob chefia feminina é de 34%, contra 24,9% na média nacional. (5) As mulheres responsáveis se concentram nas faixas mais baixas de rendimento: 33,3% contra 21,4% dos homens. E, por último, (6) os rendimentos são inferiores entre as famílias com chefia feminina e sem cônjuge. Tudo isso, indica a maior fragilidade econômica dos domicílios sob responsabilidade das mulheres. Duas questões foram levantadas até aqui, que sinalizam uma mudança no universo feminino. De um lado, a feminização do mercado de trabalho e, de outro, o aumento dos lares com chefia (ou responsabilidade) feminina. Interessa agora explorar se isso tem sido acompanhado de um processo de alteração dos papéis socialmente reservados às mulheres e se têm se refletido em mudanças significativas nas relações de gênero, em aspectos concretos como a divisão de tarefas 113 no espaço privado. Essa discussão é fundamental para entender se há condições para que as famílias (tanto as mono quanto as bi parentais) assumam parte dos cuidados impostos pela nova configuração dos sistemas de proteção. 4.2 PAPÉIS SOCIAIS NA FAMÍLIA E RESPONSABILIDADE PELOS CUIDADOS O desenho de políticas públicas que envolvam famílias não pode ignorar os papéis desempenhados pelos seus membros. As mudanças nas famílias são decisivas para entender a posição das mulheres e o seu papel dentro delas. Resgatando um pouco a história da família, cabe destacar que no século XVIII as famílias burguesas ainda conservavam a rígida divisão, (herdada da Idade Média) entre a esfera pública e a privada. As mulheres respeitáveis eram fechadas no espaço privado e os homens ocupavam o espaço público. A elas cabia a realização do “labor”, ou as atividades improdutivas, e aos homens o “trabalho”, ou as atividades produtivas (PAULILO, s.d. e 2004). Por volta do final do século XIX se generalizaria a separação entre residência e local de trabalho, o que fortaleceria a associação entre as mulheres e o espaço doméstico. Mesmo entre as mulheres com melhores condições econômicas se estabeleceria a idéia de que „o lugar da mulher é em casa‟. A única diferença entre elas e as mulheres desfavorecidas é que as primeiras tinham condições de ter criadas, governantas ou empregadas domésticas. Já as mulheres dos setores intermediários e populares desempenhavam as tarefas domésticas e, ao mesmo, cuidavam das crianças sem que tais atividades fossem reconhecidas como trabalho (GIDDENS, 1984). A partir da segunda metade do Século XX haverá mudanças gradativas no papel que cabe às mulheres desempenhar no seio da família. Benincá e Gomes (1998), em estudo sobre transformações familiares de três gerações no município de Passo Fundo/RS, tecem uma série de conclusões sobre os papéis femininos, aspectos que podem ser generalizados para outros contextos culturais e geográficos. Na primeira geração (nascida em torno de 1920) havia uma forte estrutura patriarcal em que o poder de decisão e os recursos financeiros estavam sob controle do pai. À mãe correspondia o cuidado do lar e dos filhos. Os papéis sociais eram claramente definidos. Em raros casos, começava a haver colaboração da mulher no orçamento familiar. Na segunda geração (que se inicia em torno de 1940) amplia-se a possibilidade de 114 gratificação e afirmação femininas com a entrada no mercado de trabalho, desde que isso não prejudicasse o seu desempenho no lar, função que permanecia prioritária. Já para a terceira geração (nascida ao redor dos anos 1960) aumentou o leque de oportunidades, podendo escolher entre a vida doméstica e a profissional, combinar as duas ou ainda escolher entre ficar solteira ou casar. A mulher também passou a ser provedora, em muitos casos a única, o que poderia mudar o papel que desempenha na família. Por trás da discussão da atribuição dos papéis sociais outorgados a cada sexo dentro da família está a questão das relações entre os gêneros. A família patriarcal assenta-se no estereotipo do homem provedor e da mulher dedicada à casa e aos filhos. Os papéis sociais assumidos por homens e mulheres em nossa sociedade (...) resultam de diferenças muito mais amplas do que apenas diferenças sexuais (biológicas), mas são resultado de diferenciações de Gênero, relativas a construções culturais que atribuem a determinados grupos características que não encontram respaldo no campo biológico, mas que acabam por legitimar as relações de poder. Desse modo, as relações sociais que se estabelecem em todas as esferas da sociedade tendem e ser „gendradas‟, ou seja, marcadas por especificidades de gênero (PINHEIRO e FONTOURA, 2007, p. 209). Se entre as feministas teóricas há um consenso – no meio de tantos dissensos 58 – é quanto à problematização da existência de relações de gênero (FLAX, 1991). E são nessas relações de gênero que se assenta a atribuição de papéis sociais dentro da família, apoiadas na dominação masculina. Flax (1991, p.225) elenca algumas das questões para as quais não há consenso: “O que é gênero? Como ele está relacionado às diferenças sexuais anatômicas? Como as relações de gênero são constituídas e mantidas? Como as relações de gênero se relacionam a outros tipos de relações sociais como as de classe ou raça? As relações de gênero têm uma história ou muitas? O que faz as relações de gênero mudarem ao longo do tempo? (...) Qual a ligação entre as formas de dominação masculina e relações de gênero? Há alguma coisa caracteristicamente masculina ou feminina nos modos de pensar e nas relações sociais? Se há, essas características são inatas ou socialmente construídas? (...)”. Para uma revisão das vertentes feministas ver Casimiro (2004). 58 115 As relações de gênero são uma categoria destinada a abranger um conjunto complexo de relações sociais, bem como a se referir a um conjunto mutante de processos sociais historicamente variáveis. O Gênero, tanto como categoria analítica quanto como processo social, é relacional. (...) As relações de gênero são divisões e atribuições diferenciadas e (por enquanto) assimétricas de traços e capacidades humanas. (...) Homem e mulher são apresentados como categorias excludentes. (...) O conteúdo real de ser homem ou ser mulher e a rigidez das próprias categorias são altamente variáveis de acordo com épocas e culturas. Entretanto, as relações de gênero, tanto quanto temos sido capazes de entendê-las, tem sido (mais ou menos) relações de dominação. Ou seja, as relações de gênero, têm sido (mais) definidas e (precariamente) controladas por um de seus aspectos interrelacionados - o homem (FLAX, 1991, p. 227-8). A família é o espaço onde ficam manifestos os papéis sociais que são atribuídos a cada sexo. As representações dos papéis masculino e feminino59 não mudaram com a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho. O desempenho de tarefas associadas a cada gênero é uma principais pautas de luta dos grupos feministas, pois mesmo com o crescimento do assalariamento entre as mulheres não há uma divisão igualitária do trabalho doméstico. Para Oliveira (2006), há uma clara dissociação entre o papel de “chefe de família” (ou responsável conforme e nova denominação) e a função de provedor. Isto é, mesmo contribuindo com uma proporção maior da renda, permanecem os papéis dentro de casa 60. Para a autora há uma nova configuração das desigualdades, apoiadas no plano simbólico, 59 Uma bela discussão sobre o poder das representações nas relações de gênero é feita por Paulilo (1997), com base no filme “Madame Butterfly”. 60 Kroth (2008) assinala o descompasso que há, no sistema jurídico brasileiro, que se de um lado estabelece a igualdade jurídica das pessoas de ambos os sexos, por outro “naturaliza” as funções das pessoas na família ao atribuir as funções de “provedor” e “chefe de família” ao homem e a “função doméstica” à mulher. A autora conclui “O casamento continua a ser compreendido como mecanismo de a mulher adquirir o amparo econômico necessário a sua sobrevivência. Estas concepções estão presentes não só nas decisões dos Ministros [dos tribunais], mas também nos argumentos jurídicos utilizados na propositura da ação, pelos advogados e seus „clientes‟” (p.210). 116 pois mesmo com a crescente participação das mulheres no espaço público há uma clara associação do feminino ao espaço privado e à família e, portanto, há uma clara assimetria na atribuição das tarefas no lar61. Folbre e Nelson (2000) destacam que a reavaliação dos papéis individuais nas famílias é uma discussão oportuna que deve ser realizada, não apenas por feministas, mas também por economistas e políticos. De acordo com essas autoras, nas análises neoclássicas (que predominam na economia) a questão dos encargos com os cuidados está fortemente embasada num viés de gênero. O homem que provê o sustento da sua família é concebido como um indivíduo que age de forma egoísta no trabalho – ao tentar alcançar seus próprios interesses e de modo altruísta ao ultrapassar o portal da sua casa. Inversamente, “a retórica da luxúria e do egoísmo parece ter sido particularmente reservada para aquela mulher que tendo um marido que ganhe o suficiente para ter uma vida decente é frequentemente condenada por negligenciar as necessidades de sua família quando aceita um trabalho remunerado” (FOLBRE e NELSON, 2000, p.132). A mesma avaliação é feita caso ela contrate alguém para auxiliá-la nas tarefas do lar. O serviço doméstico só é “precificado”, ou se lhe confere valor econômico e entra nas contas nacionais de um país, se realizado por terceiras 61 Mendes (2002) investiga, a partir de pesquisa qualitativa realizada junto a mulheres líderes comunitárias de favelas do Recife, se a participação crescente das mulheres no mercado de trabalho e a sua condição de chefes de família poderia estar relacionada à questão da emancipação feminina. Conclui que a relação entre trabalho e emancipação parece estar presente entre nas mulheres de classe média. Entre as mais desfavorecidas prevalece a necessidade de garantir a sobrevivência do núcleo familiar e, quando questionadas sobre a permanência do marido no lar, ou auferindo rendimentos inferiores, justificavam o fato argüindo problemas de saúde dos mesmos, como forma de preservar os papéis ligados à identidade masculina. Quanto à execução das tarefas domésticas “(...) apesar delas terem assumido atribuições consideradas tradicionalmente masculinas, o mesmo não ocorre em relação aos homens, que na maioria das vezes não as substituem no âmbito doméstico, e quando o fazem é parcialmente, alegando que determinados serviços não podem e não devem ser feitos por homens.” (p.8). Mesmo assim, a autora considera que “mesmo inscritas num quadro de mudanças discretas e de lampejos de conservadorismo , foi possível perceber nessas mulheres a emergência de elementos que as tornaram mais autônomas, decididas e com a autoestima melhorada (...) [elas] vão adquirindo também sua fresta de independência e liberdade através da sociabilidade adquirida no ambiente de trabalho” (p.9-10). Até mesmo em espaços econômicos com uma racionalidade diferente, como é o terceiro setor, o potencial emancipatório proveniente do trabalho pode não estar se concretizando. Ramos (2006) discute a funcionalidade do trabalho feminino para o terceiro setor e o desmistifica como locus emancipatório. Apesar de ser um espaço focado nas atividades solidárias, ele reproduz – para as mulheres - as mesmas condições de trabalho dos espaços não solidários, no tocante às condições salariais e à dupla jornada de trabalho. 117 pessoas62. Quando realizado pelas mulheres é considerado parte das suas habilidades naturais, da sua natureza, ou fruto de uma atitude amorosa para com a sua família. No fundo, o que está em questão é decidir quem será responsável pelos cuidados no lar e juntamente com eles os cuidados com a saúde. Não apenas quem paga pelos cuidados, mas, também, quem os executa. Martin e Angelo (1999, p.89 e 93) destacam que famílias de baixa renda têm características peculiares referentes à estrutura e aos papéis familiares e à execução das tarefas domésticas: A divisão de papéis entre os pais é bem definida, cabendo à mulher a responsabilidade de educar, socializar e cuidar dos filhos e ao homem, o sustento da família. As interações entre pais e filhos visam à resolução de problemas e não à prevenção desses, ou seja; não há tomada de decisões antes que algo aconteça, há apenas a tentativa de solucionar um problema mediante sua concretização. (...) O pai se responsabiliza pelo sustento da família, nesse caso, o de subsistência e a mãe se encarrega de todos os outros papéis para com as crianças e com o marido. Diante do que lhe foi ensinado por seus pais e reforçado com os comportamentos de sua mãe, [a mulher] considera seu desempenho uma obrigação, algo dado à mulher de forma inata e acredita que o seu marido ou companheiro já faz a sua parte trabalhando para dar de comer aos seus filhos, não tendo que ter mais a obrigação de auxiliá-la na educação e cuidado das crianças, pois esse é seu papel dentro da estrutura familiar. (...) A mulher-mãe torna-se o eixo da estrutura familiar. Tudo passa a ser alvo de seu controle: a criação e educação dos filhos, o cuidado com a casa, com a saúde dos membros da família. A expectativa que se tem dela e que ela tem de si mesma é a de cuidadora, como se ela 62 Gelinski e Pereira (2005) mostram que a desconsideração nas contas nacionais do trabalho não remunerado (aquele executado no lar) cria uma distorção na elaboração dos orçamentos públicos. O trabalho executado pelas mulheres pela sua “invisibilidade” não tem como ser objeto de políticas macroeconômicas. Certo avanço nesse sentido tem sido a realização de pesquisas de uso do tempo como a que vendo sendo realizada pela PNAD no Brasil. Ao respeito ver, também, Dedecca (2004). 118 nascesse com essa habilidade e capacidade a desenvolver. Já entre as famílias da classe média pode estar ocorrendo um lento processo de transição, com uma relativa divisão de tarefas (WAGNER et al., 2005). Mas essas mudanças parecem não estar ocorrendo com a mesma intensidade em todas as famílias. (...) a divisão de tarefas domésticas, criação e educação dos filhos parecem não acompanhar de maneira proporcional as mudanças decorrentes da maior participação da mulher no mercado de trabalho e do sustento econômico do lar. Pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos têm constatado que a divisão das tarefas domésticas ainda tende a seguir padrões relativamente tradicionais. Mesmo nas casas onde as mulheres têm um ganho financeiro maior do que os maridos, ou mesmo naquelas onde os maridos estão desempregados, elas realizam uma quantidade muito maior de atividades no trabalho doméstico que eles. Ademais, homens e mulheres ainda desempenham distintas tarefas domésticas como se tais atividades fossem próprias de cada um deles. Assim, as mulheres seguem realizando tarefas como cozinhar, lavar e passar enquanto os homens desempenham tarefas como carpintaria e pequenos consertos. (...) Ademais, as mulheres que sustentam a casa desempenham mais tarefas domésticas do que as mulheres dependentes economicamente de seus maridos, proporcionalmente ao tempo disponível que possuem. (WAGNER et al., 2005, p.182-3, grifos nossos) Conforme aponta Dedecca (2004), mesmo em países com políticas sociais amplas, com creches em período integral, o tempo que as mulheres dedicam às atividades do cuidado domiciliar e familiar é muito maior do que o dos homens. Para ele, isso significa que não há necessariamente correspondência entre grau de desenvolvimento do país e alocação diferenciada no uso do tempo. Menciona que no Brasil, de acordo com a PNAD de 2001, 42% dos homens declararam executar 119 trabalhos domésticos, bem abaixo da participação de 90% das mulheres nessas atividades. Quanto ao tempo dedicado aos afazeres domésticos, a Síntese de Indicadores Sociais de 2010 (do IBGE) destaca que: Apesar do aumento da taxa de atividade das mulheres, essas permanecem como as principais responsáveis pelas atividades domésticas e cuidados com os filhos e demais familiares. No Brasil, a média de horas gastas pelas mulheres a partir dos 16 anos de idade em afazeres domésticos é mais do que o dobro da média de horas dos homens. Em 2009, enquanto as mulheres de 16 anos ou mais de idade ocupadas gastavam em média 22,0 horas [por semana] em afazeres domésticos, os homens nessas mesmas condições gastavam, em média, 9,5 horas. (IBGE, 2010) Gelinski e Pereira (2005) mostram que mesmo em países mais desenvolvidos, que teoricamente teriam uma maior consciência das relações entre gêneros, há uma concentração das tarefas domésticas entre as mulheres. Os homens, quando se dedicam a elas, optam por aquelas que estão associadas a um hobby ou às que proporcionam certo prazer, como cuidar dos filhos, pintar a casa ou cuidar do jardim63. Fontoura, Pedrosa e Diniz (2010) denominam de “atividades interativas” as realizadas pelos homens no círculo doméstico e se referem especificamente à realização de compras de alimentos em supermercados, transporte de filhos para a escola oi, ainda, a atividades esporádicas de manutenção doméstica. Um dos avanços nessa discussão tem sido o conceito de barganha (The bargaining approach) desenvolvido por Agarwal (1994). Nessa 63 Para Paulilo (1987), no meio rural as atividades às quais se dedicam mulheres e as crianças (capinar, desbrotar, passar veneno, cuidar estufas de fumo...) são consideradas “leves”, em contraposição ao trabalho “pesado” dos homens, isto é aquele que exige força física. “Poder se-ia pensar que mulheres e crianças desempenham certas tarefas porque, de fato, estas são “leves” por sua própria natureza. Mas não é bem assim. Na verdade, qualifica-se o trabalho em função de quem o realiza: são “leves” as atividades que se prestam à execução por mão-deobra feminina e infantil. Importa destacar que essa classificação está associada a diferentes remunerações: maior para o trabalho “pesado”, menor para o “leve”, mesmo que ambos demandem o mesmo número de horas ou que o esforço físico exigido por um tenha como contraponto a habilidade, a paciência e a rapidez requeridas pelo outro. O que determina o valor da diária é, em suma, o sexo de quem a recebe” (PAULILO, 1987, p.3). 120 abordagem, a família é uma complexa matriz de relacionamentos onde se realizam negociações, mesmo que implícitas. Nas negociações “o poder de barganha de cada membro estará dado por um conjunto de fatores, em particular a força da posição de retaguarda da pessoa, fallback position, ou as opções externas que determinam que tão bem ela ou ele estariam se a cooperação cessasse (p.54)”. Para Agarwal, quem tivesse uma fall-back position mais favorável teria condições de sair com um resultado mais favorável na negociação. Os elementos que condicionam esse poder de retaguarda são a propriedade e o controle dos bens econômicos, o acesso a emprego ou a outras formas de geração de renda, o acesso a recursos comunais e a sistemas tradicionais de apoio social externo (comunidade ou família ampliada) ou, ainda, a possibilidade de contar com apoio estatal ou de ONGs64. Nessa abordagem, o lar é palco de um arranjo onde pode se verificar a cooperação ou o conflito. Só que com a cooperação todos estariam melhor do que se não cooperassem. A cooperação vai desde definir o que faz cada um, quem e como serão obtidos os bens e serviços para a família e como cada um será tratado. Essa abordagem implica no abandono da percepção da família como uma estrutura unitária onde as decisões da unidade familiar representam o que é melhor para todos os seus membros. A questão de considerar a família como um lugar de barganha não é apenas uma questão de interesse teórico, como bem aponta Agarwal, mas uma questão crucial para a definição de políticas quanto à concessão de recursos ou programas de apoio às famílias. Na medida em que tem havido um aumento de mulheres na condição de chefes ou responsáveis pelo lar, com ou sem cônjuges, torna-se vital reforçar a retaguarda das mulheres como forma de melhorar não apenas o bemestar da família, mas, também, como forma de valorizar a sua contribuição, com implicações na auto-estima e no bem-estar pessoal. A concepção do lar como palco de relações de cooperação ou conflito, onde se realizam negociações, deverá voltar à tona ao se analisar o itinerário terapêutico escolhido pela família na busca por tratamento de saúde. A escolha do itinerário mais adequado será fruto 64 Deere e León (2001) usam o referencial de Agarwal para analisar os direitos de propriedade e de herança da terra no meio rural das mulheres no Brasil e na América Latina. Esses direitos estão determinados por um viés de gênero, que exclui as filhas mulheres e as viúvas da herança da terra, mesmo que nela tenham trabalhado arduamente, e as condena a viver com parentes, pois não recebem terra como os membros masculinos da família. Ao respeito, ver também Paulilo (2004). 121 das negociações que ocorram no seio da família, com peculiaridades próprias no caso das famílias com chefia feminina. O desenho de políticas públicas que envolvam famílias não pode ignorar os papéis desempenhados pelos seus membros. Especificamente no caso da política de saúde, se o novo modelo de saúde pressupõe uma crescente responsabilidade das famílias, cabe indagar quem, dentro dela, estará de fato ficando com a incumbência de arcar com esses cuidados. E ainda, se a nova configuração do sistema de saúde estaria sobrecarregando mais do que aliviando aqueles que assumem esses encargos. 4.3 CONTROVÉRSIAS SOBRE O CONCEITO DE FAMÍLIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS E DISPONIBILIDADE DE APOIO OFICIAL Inúmeras controvérsias cercam a definição da família. Extensamente estudada quanto a suas formas e funções ela não escapa de ser um tema ainda em processo de construção. Na análise de políticas públicas ficam em evidência a mutiplicidade de conceitos e critérios operacionais que definem as famílias. Sem a pretensão de fazer um resgate exaustivo da caracterização da família, pretende-se aqui assinalar as principais concepções dela para depois verificar qual a tratamento que os grupos familiares têm recebido nas políticas públicas mais recentes e quais os mecanismos de apoio que essas políticas preveem. Machado (2001) assinala que nos estudos sobre famílias duas linhagens são dominantes: uma que enfatiza a estrutura das mesmas e outra que focaliza a família como sistema de valores. Peixoto (20007) por sua vez remete aos estudos clássicos de François de Singly (2007) na sociologia francesa, que classifica os estudos sobre as famílias a partir de dois critérios: o primado do casal com foco nas relações conjugais e o primado da parentela – em que as relações de parentesco e os laços construídos entre as gerações ganham relevância sobre as relações conjugais. Na literatura brasileira é possível perceber dois grupos de estudos sobre famílias. O primeiro grupo caracteriza as funções e a estrutura das famílias a partir dos elementos históricos da formação da sociedade brasileira, com claros impactos na legislação sobre família e sobre questões civis a ela relacionada. Nesta linha, o ponto de partida são os estudos que destacam a importância da família patriarcal como elemento colonizador do Brasil (FREYRE, 1954; BUARQUE DE HOLANDA, 122 1936) e como organizador da vida social com impactos na configuração dos serviços públicos como a saúde (COSTA, 1983). A concepção patriarcal influenciaria de maneira decisiva o marco jurídico que se regularia a vida em família e em sociedade, como a legislação sobre casamentos de 1890. De forma semelhante mudanças na concepção da família no século XIX apontariam para novos marcos legislativos (como código Civil de 1916) que dessem amparo à família nuclear. (RAUPP, 1996; KROTH, 2008). Os estudos do segundo grupo concebem os condicionantes históricos da formação da família brasileira como elemento dado e, na maioria das vezes, tais estudos não entram no mérito desses aspectos. Se preocupam mais com questões como provisão das famílias, sua constituição de forma ampliada ou em rede, desempenho de papéis sociais, divisão de tarefas domésticas ou questões geracionais (OLIVEIRA, 2005; GUEDES E LIMA, 2006; SCOTT, 2006; SARTI 2005 e 2007; SERAPIONE, 2005; DIAZ RÍOS, 2006). Dentro desta segunda linha e, em particular sobre famílias vulneráveis com monoparentalidade feminina ganham importância os trabalhos que percebem a família como uma complexa rede de relações (SARTI 2005 e 2007), aspecto sobre o qual é mister tecer algumas considerações. A idéia da família em rede se contrapõe à definição clássica de família de Murdock (1949, apud GERSTEL, 1996, p.297) quem a definia como “grupo social caracterizado pela residência conjunta, a cooperação econômica e a reprodução, [a qual incluiria] adultos de ambos os sexos, pelo menos dois dos quais mantêm um relacionamento socialmente aprovado, e um ou mais filhos, próprios ou adotivos, dos adultos que coabitam sexualmente”. Para Gerstel (1996, p.297) essa definição teria perdido a sua aplicação até mesmo para o Ocidente65 e que, desde a década de 60 do século XX, ela só daria conta 65 Para Walby (1996) a família descrita por Murdock é um fenômeno etnicamente específico, pois essa forma raramente foi encontrada entre os povos de ascendência africana. Para a autora “(...) essa variação étnica é crucial para a análise de algumas feministas negras, tais como Hooks (1984), a qual afirma que grande parte da teoria feminista partiu para uma generalização ilegítima das experiências das mulheres brancas para todas as mulheres. A forma do lar „tradicional‟ é incomum também entre as famílias brancas hoje em dia, em parte devido ao aumento na proporção de mulheres casadas em empregos assalariados no período do pósguerra e ao aumento dos lares chefiados por um único genitor”. (WALBY, 1996, p.333). Para Gerstel (1996) o núcleo pai-mãe-filhos morando juntos (ou seus variantes, um dos genitores e filhos) é a forma típica de sobrevivência no ocidente moderno, e que não mostra adequadamente o retrato das famílias pobres ou das famílias de algumas regiões da África Ocidental, onde casais de baixa renda tendem a viver separados com parentes que oferecem ajuda. 123 de uma minoria de lares. “A família, alegam os críticos de Murdock, em geral consiste em um único genitor (o típico é que seja a mãe) e filho, ou adultos coabitando sem filhos”. A noção de família tem se transformado substancialmente. Além de haver casais de classe média que vivem em casas separadas (devido a compromissos de trabalho ou por opção), a própria noção de parentesco, intimamente ligada à de família, tem sofrido modificações. O parentesco, principalmente para famílias pobres, supera os laços de sangue e transforma vizinhos, ou amigos próximos, em parentes. Eles possibilitarão trocas de dinheiro, de apoio e até de afeto. Sarti (2007, p.68) assinala que a sobrevivência de grupos familiares chefiados por mulheres “é possibilitada pela mobilização cotidiana de uma rede familiar que ultrapassa os limites das casas”. A idéia de família para a população desfavorecida remete a “(...) uma rede local – não um lar, nem uma vizinhança (...) é a unidade que permite a sobrevivência e que organiza o mundo das pessoas” (GERSTEL, 1996, p.298). Dessa forma, a família ganha novos contornos: A rede familiar difunde-se por vários lares, com base no parentesco (...). Uma imposição arbitrária de definições amplamente aceitas sobre família, a família nuclear, ou a família matrilocal bloqueia o caminho para se compreender como as pessoas em suas casas descrevem e organizam o seu mundo (STACK, 1974, p. 31). A família ganha o atributo ou a forma de uma rede local destinada a garantir a sobrevivência e, ao mesmo tempo, organizar a vida das pessoas. Dentro dessa rede, os padrões de laços familiares e os papéis passam a sofrer transformações. Mais especificamente, as características das famílias (incluindo aí sua condição sócio-econômica e as redes sociais que possuem) definirão as funções que as mesmas desempenham. Para além de questões específicas (e fundamentais) como a concepção da família como parte de uma rede ou do seu formato extenso ou nucleado, ou da divisão do trabalho dentro dos lares, interessa agora resgatar num nível macro a percepção que o Estado tem das famílias. Nessa direção, Itaboraí (2005) chama a atenção para o fato de que as famílias historicamente têm sido definidas a partir das suas funções (políticas, econômicas, de proteção social, reprodução biológica ou cultural) e que o Estado de uma ou de outra forma tem regulado essas funções, seja por ação ou omissão, via legislação, políticas públicas ou currículos escolares. Menciona por exemplo, a preocupação com a função reprodutiva da família, plasmada em políticas concretas de 124 planejamento familiar ou ações específicas de fornecimento de condições de amparo para as famílias. Na sociedade brasileira, a centralidade da família nas políticas públicas mais recentes ficaria estabelecida na Constituição Federal de 1988, o que não impede que esse conceito esteja rodeado de controvérsias. Kroth (2008) mostra que, a despeito da centralidade da família estar prevista na Carta Magna, os juristas questionam o que seja a família e propõem que a sua compreensão passe por um olhar multidisciplinar que inclua estudos no campo do direito, da antropologia, da sociologia, da Psicologia, da Psicanálise e de pesquisas quantitativas (como o PNAD do IBGE), para “afirmar a complexidade das relações familiares e para demonstrar a existência de componentes psicossociais e culturais na compreensão das famílias” (p.119). Para a autora, a intenção desses estudos seria qualificar a noção quase imortalizada de que a família é a base universal da sociedade e colocar a questão da afetividade como elemento integrador da família. Na Carta Constitucional a família, além de ser considerada a base da sociedade, passa a gozar de proteção especial por parte do Estado. Tanto na Constituição quanto na legislação infraconstitucional se explicitam direitos para a família e seus membros. Outro aspecto que merece atenção na Constituição se refere à definição de família que lá se encontra. O artigo 226 (que declara que a “família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”) passou a definí-la a partir do casamento, da união estável ou da monoparentalildade. Para Kroth (2008, p.137) isso mostra que “a estrutura da família continua a ser configurada pelo tripé pai-mãe-filhos (com exceção da monoparentalidade, que é constituída por pai e filhos ou mãe e filhos) evidenciando o núcleo básico presente no modelo nuclear de família”. A autora considera que o texto constitucional deixou de incluir famílias que fogem a esse padrão, como as homo afetivas. Em termos das políticas públicas, há menções específicas à definição de família e à forma de proteção que é oferecida para as famílias. Aliás, é nessas políticas que se corporifica o claro chamado para que as famílias assumam a responsabilidade de parcela da proteção social. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) reconhece explicitamente a centralidade das famílias “como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e 125 protegida.” (BRASIL, 2004b, p.34). Para isso estabelece que no seu trabalho com famílias: (...) deve considerar novas referências para a compreensão dos diferentes arranjos familiares, superando o reconhecimento de um modelo único baseado na família nuclear, e partindo do suposto de que são funções básicas das famílias: prover a proteção e a socialização dos seus membros; constituir-se como referências morais, de vínculos afetivos e sociais; de identidade grupal, além de ser mediadora das relações dos seus membros com outras instituições sociais e com o Estado. (...) As novas feições da família estão intrínseca e dialeticamente condicionadas às transformações societárias contemporâneas, ou seja, às transformações econômicas e sociais, de hábitos e costumes e ao avanço da ciência e da tecnologia (BRASIL, 2004b, p.29 e 35). A PNAS trabalha com a compreensão de que as dimensões clássicas que tradicionalmente definem a família (sexualidade, procriação e convivência) já não estão tão entrelaçadas entre si. “Nesta perspectiva, podemos dizer que estamos diante de uma família quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham unidas por laços consangüíneos, afetivos e, ou, de solidariedade”. (BRASIL, 2004b, p.35) Cabe destacar que para essa política a centralidade da família é essencial para a superação da focalização. O desenvolvimento de uma política universalista prevê o entrelaçamento das suas ações com transferências de renda a partir de redes sócio assistências que suportem as tarefas cotidianas de cuidado e que valorizem a convivência familiar e comunitária.” (p.35). A menção às transferências de renda remete a um programa específico, o Programa Bolsa Família (PBF), dentro das políticas desenvolvidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Na lei que regulamenta esse programa consta que a família é “a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros” (BRASIL, 2004a, p.1). 126 No que se refere à menção de família com que trabalha a ESF, cabe destacar que (...) a família passa a ser o objeto precípuo de atenção, entendida a partir do ambiente onde vive. Mais que uma delimitação geográfica, é nesse espaço que se constroem as relações intra e extra familiares e onde se desenvolve a luta pela melhoria das condições de vida – permitindo, ainda, uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e, portanto, da necessidade de intervenções de maior impacto e significação social. (BRASIL, 1997, p.9). A ESF estabelece como um dos seus objetivos básicos: “eleger a família e o seu espaço social como núcleo básico de abordagem no atendimento à saúde” (BRASIL, 1997, p.11) . Embora conste explicitamente nos documento da ESF que a família é o objeto da sua atenção, na prática diária das equipes de saúde muitas imprecisões giram em torno da sua compreensão e definição, aspectos que serão melhor detalhados na seguinte seção. Desde já cabe destacar que no documento que assinala a reorientação do modelo em saúde (BRASIL, 1997) a ênfase maior está precisamente na reversão do modelo de atenção e na reorganização da prática assistencial e não em definir o real significado dela estar centrada na família, nem a forma como esta concretamente deverá participar. Em todas as políticas públicas aqui analisadas, em comum destacam-se a centralidade das famílias e a concepção destas num sentido mais ampliado que abarca a rede como suporte importante de suporte às ações de cada política específica. 4.4 A FAMÍLIA NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Na atenção básica à saúde a compreensão da família, sua configuração e atribuições no cuidado são elementos fundamentais para a definição de diretos e responsabilidades, ou recursos e deveres. Isso porque, no novo modelo a família é considerada uma aliada na definição de ações de saúde - quer seja na promoção da saúde, na prevenção ou na cura. Entretanto, e a despeito da sua centralidade, alguns autores chamam a atenção para o fato de que as ações em saúde pública nem sempre têm claro quem é a família, objeto da sua prática (ELSEN, 1994; 127 CARVALHO, 1998; TRAD e BASTOS, 1998; RIBEIRO, 2004; RESTA e MOTTA, 2005; SERAPIONE, 2005), nem dos laços de parentesco que se apresentam nela, aspectos que têm implicações no tratamento terapêutico (SCOTT, 2006). A falta de orientação sobre como perceber a família está plasmada na configuração do formulário do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), haja vista a ausência de campos para registrar o grau de parentesco dos moradores de uma casa. A noção de que a família em certas comunidades se dilui na categoria parentesco (que se alarga para agregar vizinhos ou famílias próximas) - noção esta que guia a prática dos Agentes de Saúde decorre da convivência desses profissionais com a população adstrita e não das ferramentas e orientações normativas que norteiam o trabalho com famílias (SCOTT, 2006) Na tentativa de auxiliar profissionais que lidam com saúde das famílias, Elsen (1994) resgata as teorias e marcos conceituais que tem sido desenvolvidos sobre a família, não apenas na área da saúde como também em outras áreas. Sintetiza num quadro alguns conceitos, suas bases teóricas e as principais questões abordadas por cada referencial (Quadro 4). A autora destaca que a “seleção de um conceito de família, a partir de um referencial teórico, não e uma tarefa simples”. Essa definição estará condicionada pela visão de mundo dos profissionais ligados à saúde. Salienta, ainda, que a atuação do profissional da saúde num atendimento deverá envolver tanto o domínio dessas questões quanto a situação vivenciada pelas famílias. Ribeiro (2004) também na tentativa de sanar indefinições na categoria família, abstrai as percepções da família que têm permeado os estudos sobre a ESF e propõe que a mesma seja abordada de seis formas: família/indivíduo, família/domicílio, família/indivíduo/ domicílio, família/comunidade, família/risco social e família/família. Na abordagem família/indivíduo a família é vista sob a perspectiva do indivíduo (mulher, criança, idoso, portador de hipertensão, etc.). Como o indivíduo é o foco da atenção, a família mesmo sendo o cliente nominal - não é “objeto” do cuidado. Nesta abordagem a família tanto é responsável pelo cumprimento de deveres quanto é responsabilizada por interferir positiva ou negativamente no tratamento do indivíduo. 128 Quadro 4. Diferentes linhas teóricas de família: conceitos e áreas de interesse. LINHA TEÓRICA REFERENCIAL Interacionismo simbólico Desenvolvimento da família Sistêmica Conflito Materialismo histórico CONCEITO ÁREAS DE INTERESSE A família é uma unidade de pessoas em interação (Burgess, 1968) A família é um sistema semiaberto com uma história natural composta por vários estágios sendo que a cada um deles correspondem tarefas específicas por parte da família (ROGERS, 1964) A família é um sistema formado de subsistemas diferentes e maior do que a soma de suas partes, em interação com outros sistemas. Família é uma arena na qual ocorrem conflitos de interesse e alianças à procura de uma ordem negociável (SPREY, 1979). A família é uma instituição social, um todo articulado, relacional, constituído pelo homem social, ativo, permeado pela estrutura social de classes (GHIORZI, 1991). Interações; papéis; significados; socialização; grupos de referência. Tarefas da família, diferentes estágios da vida familiar; adaptação da família à entrada e perda de membros. Famílias enfrentado crises; mudanças; comunicação; interação; interface entre os diferentes subsistemas na família e entre a família e o meio ambiente. Conflito e competição na família; poder; negociação; mudança. Consciência crítica do processo de saúde/doença; transformação; situação de classe e família. Fonte: Elsen (1994, p.64) Na abordagem família/indivíduo a família é vista sob a perspectiva do indivíduo (mulher, criança, idoso, portador de hipertensão, etc.). Como o indivíduo é o foco da atenção, a família mesmo sendo o cliente nominal - não é “objeto” do cuidado. Nesta abordagem a família tanto é responsável pelo cumprimento de deveres quanto é responsabilizada por interferir positiva ou negativamente no tratamento do indivíduo. Na abordagem família/domicílio, a família é representada pelo seu espaço ou contexto físico. O foco de atenção se desloca para a infra- 129 estrutura material da família e as condições de cuidado desse ambiente. Normalmente dados epidemiológicos têm por base o domicílio, como a definição de famílias que precisam de auxílio ou das que estão em condição de risco sócio-ambiental. Na abordagem família/indivíduo/domicílio unem-se os sentidos família/indivíduo e família/domicílio, só que desta vez focado em um indivíduo doente nesse domicílio ou de indivíduos passando por processo específico de saúde/doença (recém nascido, portador de diabetes, etc.) [Nestas famílias] intensifica-se a expectativa quanto a papéis, deveres, responsabilidades da família e a educação em saúde para o tratamento e cuidados do paciente. Muitas vezes essa família, envolvida em argumentos de humanização da assistência, recebe a incumbência de aliviar o oficial de sistema de saúde, enxugado/contido pelas exigências do modelo neoliberal. A exaustão da família e os efeitos nocivos dessa condição nem sempre são percebidos ou considerados. Também há resistências em se fazer correlações entre a deterioração da saúde física ou mental de membros da família (que vão desembocar nos serviços de saúde) e as situações vividas de excesso de deveres x recursos limitados. (RIBEIRO, 2004, p. 662). Na abordagem família/comunidade prevalece o conceito de família ampliada em que a individualidade da família e a sua identidade se diluem sob parâmetros definidos em função da inserção social ou do ambiente físico e social da comunidade. Nesta abordagem “(...) as medidas cuidativas são aplicadas às famílias. As famílias têm responsabilidade para com os problemas locais da comunidade, tais como marginalidade, violência, ou seja, agrega o enfoque de família/agente, que deve viabilizar ações através de voluntariado, associações, etc.” (p. 662). Na abordagem família/risco social a atenção se dirige para famílias em condição de exclusão social, moradoras de comunidades periféricas. A família, pelas suas condições de precariedade, pela sua estrutura, ou pelas suas condições sociais ou materiais não desempenha de maneira adequada sua missão, e para isso requer ajuda “para voltar a 130 funcionar” (p.662). Nelas os profissionais de saúde sofrerão o impacto de concepções polares que vão da concepção protetora/solidária à discriminadora/julgadora/fóbica. Na abordagem família/família: a identidade da família estará determinada pelos seus simbolismos, suas racionalidades, seus pactos, seus saberes ou necessidades. Neste caso ela é mais do que a soma das individualidades. Essa abordagem requer consideração: das condições materiais e simbólicas, conseqüentes à inserção social da família, a sua organização e dinâmica, à disponibilidade de redes de proteção, ao desempenho social esperado, dentre outras. Requer ainda a definição do real-funcional e simbólico dos seus recursos afetivos/emocionais, espirituais, da capacidade de cuidar e cuidar-se, da sua história de fracasso x sucesso para atender as demandas requisitadas em suas diferentes fases/momentos, da capacidade de avaliar, de fazer julgamentos e escolhas. Enfim a família é considerada em seu ser e viver, conseqüentes à sua inserção no contexto social, historicamente contextualizada, imersa na complexidade de ser família na pós-modernidade (p.663). Ribeiro (2004) conclui que o fato de colocar a família como foco da atenção básica, não garante a sua concretização, pois os atores que trabalham com as famílias podem estar fazendo-o com diferentes perspectivas e diferentes abordagens e mais: “(...) não se encontram, em documentos oficiais, orientações sobre como conduzir a ação profissional frente às questões levantadas sobre dinâmica familiar, ou como aplicar a Teoria de Sistemas, adotada pelo PSF, mantendo a evidencia de que a família é predominantemente uma referência na atenção básica de saúde” (p.663, grifos nossos). Por esse motivo é pertinente a observação de Cianciarullo (2002, p.33) sobre a necessidade de estabelecer um significado de família “válido e validado pelos profissionais e pelos agentes comunitários que atendem [as] famílias”. A autora alerta que, dependendo do contexto, o termo pode ter vários significados: (i) pode estar associado à descendência (filhos, netos, bisnetos), mas não a membros colaterais como primos e tios; (ii) pode se referir àqueles que moram sob o mesmo teto (avós/tias que criam netos/sobrinhos ou mesmo pessoas sem parentesco que residem ali); ou 131 ainda, (iii) inquilinos que passam a ser considerados parte da família. Para ela o conceito de família deve emergir de pesquisas qualitativas feitas junto a moradores de micro áreas, a fim de compreender o significado que o termo tem no âmbito dos que se consideram como “sendo da família” 66. A busca de definição da família numa dada realidade em estudo pode até levar à mesma conclusão de Guedes e Lima (2006, p.134): “a casa delimita a família”. Só que como advertem Bruschini e Ridenti (1971, citadas por SILVEIRA, 2000) a confusão entre moradia e família pode levar a um conceito naturalizado de família (e consolidado por órgãos censitários) pois o fato de morar na mesma casa não significa necessariamente que os seus componentes constituam uma família. Este grupo a rigor deve remeter a laços afetivos e aglutina um grupo de pessoas que não necessariamente deverão estar circunscritos à unidade material de produção e/ou consumo – o domicílio. Assim como não há registro dos níveis de parentesco no interior das famílias, as necessidades das gerações que a compõem são mais um dos enigmas que cercam a aproximação das unidades de saúde com as famílias. A esse respeito, Scott (2006) alerta sobre a superinclusão da díade mãe-bebês, em detrimento de adolescentes, idosos e homens jovens e adultos, os quais ocupam lugar subalterno nas ações da saúde da família 67. Mesmo a mulher, que faz parte dessa díade, não está incluída de modo integral: enquanto eixo importante da saúde maternoinfantil, ela é tratada como reprodutora e essa condição prevalece sobre outras demandas de saúde integral da mulher. a mãe é objeto de atenção justamente por ser mãe, muito mais do que por ser mulher adulta, com múltiplos papéis sociais na sua comunidade (...) a mulher trabalhadora se envolve em muitas outras atividades, além das que a identificam como mãe (...) sua inserção na comunidade apresenta bem mais facetas do que aquela que é vista com máxima prioridade pelas equipes de saúde (SCOTT, 2006, p. 117) 66 Duarte e Cianciarullo (2002) sugerem usar a classificação dos sistemas familiares proposta por Pintos (1997) para entender a forma como os idosos são cuidados pelas suas famílias, aspecto que deve ser levado em consideração pelas equipes da ESF. A saber: (a) sistemas maduros ou funcionais (família normal); (b) sistemas imaturos (famílias tipo clãs, superprotetoras, abandonadoras ou distantes). 67 Isso se explica pela importância que tem a mortalidade infantil, como indicador de saúde da população. 132 Se as mulheres adultas (fora da ação mãe-filho) ocupam um lugar subalterno, os homens, por sua vez, vêem as unidades de saúde como domínio do mundo feminino, do qual só se aproximam quando há muita necessidade ou por intermédio da mulher 68. Essas deficiências podem decorrer, no entender de Scott (2006), da necessidade de simplificar a realidade a fim de intervir nela. E no fato dessa simplificação estar fortemente amparada na lógica médicosanitarista e biológica, em que o ciclo de vida com maior destaque é a fase reprodutiva. No tratamento geracional, ao contrário da situação em que não há normatividade sobre a definição de família, aspectos normativos da execução das atividades das equipes parecem ter definido prioridades no atendimento a segmentos da família, em detrimento de outros. Entretanto, essa “normatividade” não necessariamente é explícita, e pode estar condicionada pela concepção de modelos ideais de família, amparada por concepções de moral amplamente aceitas pela sociedade, como por exemplo, o fato de que as famílias devem cuidar dos seus idosos. Esta idéia, por sinal, visaria confrontar a noção de que famílias de baixa renda normalmente exploram ou abandonam os idosos, ou os alojam em cubículos desconfortáveis. A questão que se coloca é que ao entrar na intimidade da família as equipes de saúde estariam em certa forma determinando o que a família deve ou não fazer, sem compreender a ordem moral dessas famílias 69 e os condicionantes que a sua situação de vulnerabilidade pode estar lhes impondo. Scott é enfático sobre isto: Sobressai [nessa retórica] a relativa ausência de referências à integração complexa entre idosos e seus familiares, com base nas noções populares sobre ordem moral das famílias, o que favoreceria um discurso no qual a compreensão do idoso remetesse à noção de pobreza e de exclusão reinante nas comunidades atendidas por equipes de PSF, e apontaria a tensão subjacente à relação entre camadas sociais desiguais (SCOTT, 2006, p. 123). 68 Somente desde 2009 há ações concretas destinadas à saúde dos homens com a criação da Política Nacional de Saúde do Homem. 69 Sobre a moral das famílias pobres, ver Sarti (2007). 133 Porque é tão importante compreender a concepção de família com que trabalha a ESF e a forma como se lida com as questões geracionais? Será que não é apenas importante o fato de que a mudança na assistência básica tenha significado uma melhora significativa nos padrões de atendimento e até mesmo numa aproximação significativa da população com os serviços de saúde? A chave que justifica a preocupação com a inclusão do tema na agenda das políticas públicas está no crescente repasse de responsabilidades para as famílias e o cabal entendimento de quem, de fato, dentro dela está executando as tarefas de proteção social. Responsabilidades que em sua maioria parecem estar recaindo sobre as mulheres. Aí poderia se questionar: antes, quem assumia essas responsabilidades? As tarefas do cuidado, incluídas aí as práticas de saúde, sempre tiveram uma cara feminina, só que na contemporaneidade as mulheres assumem cada vez mais encargos fora do lar e muitas delas assumem com exclusividade o sustento da família. Como a ESF parece trabalhar com um modelo de família em extinção pode não estar notando que a co-responsabilidade prescrita nas suas normas não tem condições concretas de tornar as famílias parceiras efetivas no cuidado. 134 135 CAPÍTULO V AS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS ATENDIDAS PELA ESF EM COMUNIDADES DE FLORIANÓPOLIS Os capítulos anteriores mostraram as transformações ocorridas na estrutura produtiva, com reflexos na inserção precária das mulheres no mercado de trabalho. Em paralelo, evidenciou-se que transformações societais provocaram mudanças na estrutura das famílias, com destaque para o crescimento expressivo de famílias chefiadas por mulheres, sendo que no país desse contingente quase metade se encontra submetido à pobreza ou vulnerabilidade extremas. O fio condutor deste trabalho tem sido investigar a configuração da proteção social no país, com destaque para as ações em saúde. Até aqui ficou estabelecido que embora o sistema de proteção social brasileiro não tenha seguido os passos dos sistemas de welfare state europeus (no sentido de institucionalizar a proteção a ponto de resistir a embates político-partidários) ele acompanhou as transformações que esses sistemas sofreram na direção de repassar para a sociedade, e em particular para as famílias, parte da responsabilidade pela proteção social. Pretende-se mostrar neste capítulo que as famílias, originalmente responsáveis pelos cuidados em saúde tiveram essa capacidade alterada pelas práticas do modelo hospitalocêntrico e que agora, com o modelo da Atenção Básica, são novamente chamadas a assumirem os cuidados, só que em bases diferentes. As famílias pelas transformações pelas quais têm passado (com a entrada das mulheres no mercado de trabalho e com o enfraquecimento das redes de suporte sócio-familiares) podem estar impedidas de dar conta do que se espera delas no novo modelo em saúde. Para isso, este capítulo adentra na intimidade de famílias atendidas pela Saúde da Família a fim de captar as nuanças da percepção que elas têm da proteção social oferecida pela ESF e a fim de explorar a compreensão que elas têm do seu chamado à coresponsabilidade. Este capítulo inicia com as considerações éticas e metodológicas que nortearam a coleta e o tratamento dos dados como preâmbulo à análise da pesquisa de campo. 136 5.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA DE CAMPO Esta pesquisa se caracteriza pelo seu caráter qualitativo e de cunho descritivo, analítico e exploratório. As técnicas empregadas para a coleta dos dados foram a observação participante e a aplicação de entrevistas semi-estruturadas. A análise qualitativa dos dados foi feita com base na análise temática de discurso. Antes de detalhar esses elementos serão feitas considerações sobre os aspectos éticos que nortearam a pesquisa de campo. 5.1.1 Aspectos éticos da pesquisa com famílias vulneráveis e monoparentais Conforme foi salientado na introdução, esta pesquisa se restringe à população vulnerável atendida pela ESF. A opção pela famílias vulneráveis justifica-se pelo fato de que a despeito do caráter pretensamente universal das ações em saúde, na prática elas são focalizadas. No Capítulo 2 resgatou-se a definição de vulnerabilidade do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (mencionada por GUIMARÃES e NOVAES, 2009, p.1), que considera vulneráveis as “pessoas que por condições sociais, culturais, étnicas, políticas, econômicas, educacionais e de saúde têm as diferenças estabelecidas entre eles e a sociedade envolvente, transformadas em desigualdade”. Cabe destacar que, para fins deste trabalho, são consideradas famílias vulneráveis aquelas que moram em áreas consideradas de interesse social no município de Florianópolis (Anexo I), conforme critérios estabelecidos pela Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento Ambiental da Prefeitura do município 70. Essas áreas são classificadas a partir de seis critérios: baixa renda familiar, precariedade habitacional, precariedade da rede de infra-estrutura, precariedade ambiental e áreas de risco, precariedade na posse da terra e precariedade 70 O diagnóstico, com a delimitação das áreas de interesse social, elaborado pela Secretaria de habitação, Trabalho e Desenvolvimento Social da Prefeitura de Florianópolis, encontra -se em http://www.pmf.sc.gov.br/habitacao/publicacoes_/planejamento_habitacional/diagnostico_ais_ 1.pdf 137 dos equipamentos e serviços urbanos 71. No ano 2006, 13% da população estimada pelo IBGE para o município (equivalente a 51.603 pessoas) se encontravam nessa situação (PREFEITURA..., 2006). Pesquisas com seres humanos devem obedecer a critérios determinados pela Resolução 196/96 do Conselho nacional de Saúde 72. Nessa Resolução constam as exigências éticas e científicas que devem nortear esse tipo de pesquisa. A primeira exigência está posta pela necessidade de respeitar a decisão dos indivíduos (famílias neste caso) de participarem da pesquisa. Decisão que de acordo com a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde deve ficar cristalizada no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TLCE, no qual os entrevistados expressem o seu consentimento para participar da pesquisa. O TLCE (Anexo II) fez parte dos documentos obrigatórios para obtenção de parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC em setembro de 2009. Para além das exigências feitas pelo Comitê de Ética, entende-se aqui que o consentimento das famílias, obtido após o esclarecimento dos objetivos da pesquisa, fez parte do atuar ético desta pesquisa. A possibilidade (registrada no Termo) de retirar o seu nome da pesquisa deixou os entrevistados à vontade para participarem da mesma. A leitura do TLCE propiciou, também, expor os propósitos do trabalho, sanar dúvidas e garantir o anonimato dos informantes. Os centros de saúde aos quais pertencem as famílias entrevistadas receberam autorização da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do município após apresentação do projeto de pesquisa, onde constavam os propósitos da investigação. A autorização concedida pela SMS constituiu-se em peça chave para aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa desta universidade em setembro de 2009. A SMS alertou desde o início que por questões éticas os Centros de saúde não poderiam fornecer uma lista das famílias com o perfil desejado pela pesquisa (vulneráveis e com monoparentalidade feminina). Diante disso, a definição das famílias se deu por uma aproximação com a técnica bola de neve, em que um ia indicando outro. As visitas iniciais a campo procederam-se acompanhando as visitas das ACS para ter uma noção mais precisa das muitas dimensões que o trabalho de campo estava a exigir. 71 A especificação desses critérios está disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/saude/inf_saude/criterios_para_classificacao_de_ais_setembro_2007 .doc 72 Disponível em http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso196.doc 138 5.1.2 Definição dos sujeitos da pesquisa e entrada no campo A despeito do crescente número de famílias monoparentais com chefia feminina foram muitas as dificuldades para encontrar as chefes dessas famílias nas suas casas a fim de serem entrevistadas. Esse fato em certa forma condicionaria as estratégias utilizadas para encontrar os sujeitos da pesquisa. A intenção inicial era selecionar famílias em pelo menos 5 das 64 áreas atendidas pelas unidades locais de saúde (ULS) das consideradas de interesse social e que constam no documento Áreas de Interesse Social por Unidades Locais de Saúde e Regionais de Saúde, elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde (Anexo I). Entretanto, a seleção se limitou a apenas duas pela dificuldade de ter contato com mulheres consideradas chefes de família. A primeira (denominada neste trabalho de Área I) faz parte da Regional Leste e a segunda (Área II) integra a Regional Centro. De acordo com estimativas feita pelo IBGE em 2008 as duas áreas são responsáveis por pouco mais de 12 mil residentes cada uma. Em termos de serviços prestados, em comum ambas oferecem Clínica Geral, Básico de Enfermagem, Odontologia, Programa Capital Criança, Vacinação, Teste do Pezinho, Enfermeiro, Pediatria, Preventivo do Câncer e Ginecologia. A unidade de saúde da área I é considerada referência pela qualidade do seu atendimento e por realizar exames para outras unidades da mesma regional de saúde. Haja vista que não se perseguia um caráter de representatividade amostral nas entrevistas, selecionar famílias de apenas uma das áreas teria sido suficiente para satisfazer os objetivos da investigação. No entanto, o fato de obedecer a prerrogativa posta pela ULS de que as entrevistas deveriam ser feitas na presença das ACS motivou a procurar famílias atendidas pela ESF em outra área sem a mediação dos agentes de saúde, afim de que não estivessem presentes no momento da entrevista. Em termos de número de entrevistados, pretendia-se inicialmente selecionar de forma intencional 10 famílias vulneráveis e que tivessem como característica a monoparentalidade feminina, a fim de hipotetizar sobre o impacto que o agir da ESF teria sobre essas famílias, dada a possível sobrecarga que elas naturalmente já enfrentam. Foi possível ultrapassar esse número e entrevistar 14 mulheres chefes de família. Quanto ao número de casos para a coleta de dados havia conhecimento 139 do alerta feito por Gil (2002, p.129) de que essa determinação não poderia ser feita a priori com muita rigidez: O procedimento mais adequado para esse fim consiste na adição progressiva de novos casos, até o instante em que se alcança a “saturação teórica”, isto é, quando o incremento de novas observações não conduz a um aumento significativo de informações. Embora não se possa falar em número ideal de casos, costuma-se utilizar de quatro a dez casos. Com menos de dez casos, é pouco provável gerar uma teoria, pois o contexto da pesquisa pode ser inconsistente; com mais de dez casos, fica muito difícil lidar com a quantidade e a complexidade das informações. Foi importante, também, nesse sentido a observação de Minayo (1994), de que em estudos de natureza qualitativa não há uma preocupação tão grande com a representatividade numérica da amostra, mas com o aprofundamento e a abrangência da compreensão da realidade estudada: Podemos considerar que uma amostra ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas múltiplas dimensões. Portanto, podemos propor alguns critérios básicos para amostragem: (a) definir claramente o grupo social mais relevante para as entrevistas e para a observação; (b) não se esgotar enquanto não delinear o quadro empírico da pesquisa; (c) embora desenhada inicialmente como possibilidade, prever um processo de inclusão progressiva encaminhada pelas descobertas do campo e seu confronto com a teoria; (d) prever uma triangulação. Isto é, em lugar de se restringir a apenas uma fonte de dados, multiplicara as tentativas de abordagem (p.102). Exatamente a fim de diversificar as tentativas de abordagem houve uma estratégia diferenciada de entrada em cada uma das áreas. Na primeira, o contato com as famílias foi intermediado pelas equipes de ESF e na segunda área essa mediação ficou a cargo de uma líder comunitária. 140 Depois do projeto ter sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC a Secretaria Municipal da Saúde orientou que deveria ser feito contato com as unidades de saúde, via enfermeira chefe de cada ULS, a fim de verificar como se realizaria a entrada em campo. Na primeira ULS selecionada, a acolhida foi muito boa, tendo tido possibilidade desde o início dos contatos de participar das reuniões semanais de três equipes de SF, bem como das reuniões de marcação de consultas e de reuniões de puericultura. Quanto ao contato com as famílias foi esclarecido (pela direção da unidade de saúde) que o mesmo deveria ser feito na presença das ACS para garantir a segurança da entrevistadora, já que se trata de área de risco social com alta incidência de tráfico de drogas. Nessa área, a listagem de mães chefes de família que poderiam ser entrevistadas foi levantada junto às equipes de saúde da família. As entrevistas eram pré-agendadas pelas ACS para verificar o horário em que as mães estariam em casa. Algumas entrevistas foram realizadas no dia em que as crianças tinham encontros de puericultura na ULS, ocasião em que eram discutidos temas de interesse das mães (como amamentação ou vacinas) além de realizar controle de peso e tamanho das crianças. Da nossa parte, no início houve receio que a presença das ACS pudesse induzir as pessoas a avaliarem de maneira positiva o trabalho das Equipes de SF. Fato que não aconteceu, pois as entrevistadas mesmo na presença das ACS ficaram à vontade e em diversos momentos fizeram severas críticas aos serviços oferecidos. No decorrer da pesquisa percebeu-se que a presença das ACS abria uma nova possibilidade para a investigação: em muitos momentos o roteiro de perguntas cedia lugar a longas conversas entre as agentes e as usuárias sobre aspectos específicos da unidade de saúde, como demora na marcação de consultas ou entrega de medicamentos. Nessas conversas foi possível captar a percepção das ACS – aspecto que inicialmente não era alvo de investigação - diante do que era apontado pelas entrevistadas, bem como a alegria delas quando observações elogiosas ao seu trabalho eram feitas. Esses momentos, também, possibilitaram perceber laços de afeto que se manifestam entre as entrevistadas e as ACS, aspecto revelador de nuanças no vínculo que se estabelece com as famílias. A fim de isolar o possível efeito que a presença das ACS poderia ter sobre as entrevistadas, o contato com mães chefes de família da segunda área foi feito através de uma líder comunitária. Foi ela quem indicou as mães que atendiam o perfil desejado. A possibilidade de 141 circular por área dominada pelo tráfico foi viabilizada pela companhia dessa líder comunitária. Enquanto na primeira área a segurança da pesquisadora era garantida pelas moças de jaleco azul (cor do uniforme das ACS do município) na segunda área era garantida pela companhia da líder comunitária. Ela conduziu nossos passos na comunidade mesmo entre grupos de pessoas que poderiam estar ligadas ao tráfico de drogas. Embora a líder estivesse sempre presente, ela raramente intervia durante as entrevistas. Nas palavras dela queria que “a comunidade se manifestasse”. As entrevistas foram feitas em diversas ocasiões, de modo a ter contato com essas mães em horários que elas tivessem retornado dos seus trabalhos. Como a líder expressou: “mulheres chefes de família é o que mais tem neste morro. O difícil é encontrá-las em casa”. Fora disso, a coleta de dados com essas mães também foi possível, porque algumas dessas mães encontravam-se temporariamente desempregadas. Em ambas as áreas percebeu-se que a pesquisa conferia visibilidade social às entrevistadas. De modo semelhante a o que foi observado pela psicóloga Joana Vilhena de Moraes ao entrevistar mulheres de várias classes sociais sobre cuidados estéticos (relato feito por MELLO, 2010), constatou-se que as mulheres das camadas populares têm pouca reserva ou cautela quanto à sua privacidade. Nas palavras dessa pesquisadora: “Elas abriam as casas, recebiam no quarto, trocavam de roupa na frente dela, desfilavam diferentes trajes, cozinhavam, ralhavam com os filhos (...). Participar da pesquisa confere visibilidade social para essas mulheres, enquanto as de classe média e alta preferem dar entrevistas por telefone ou em lugares públicos” (MELLO, 2010, p14). Nesta investigação, o tratamento franco dado ao entrar nas residências plasmava-se em frases como “a minha casa é um ranchinho, mas as portas estão sempre abertas” (U4). A complexidade da pesquisa de campo e a riqueza de informações obtidas nessas duas áreas fizeram com que fosse abandonada a intenção inicial de pesquisar em cinco áreas de risco social. Com estas duas áreas foi possível atingir a “saturação teórica” a que Gil (2002) se referiu anteriormente. Elementos levantados nas entrevistas bem como a construção das categorias que surgiram das entrevistas mostraram a necessidade de ouvir as enfermeiras chefes e as assistentes sociais das áreas em estudo. Estas entrevistas, embora não estivessem previstas inicialmente constituíram-se em importantes elementos de triangulação das informações prestadas pelas entrevistadas e de percepção dos agentes 142 das políticas públicas a respeito de elementos abordados pelas famílias entrevistadas. A pesquisa de campo junto às famílias foi realizada entre os meses de novembro de 2009 e abril de 2010 e as entrevistas com os profissionais ligados às equipes de saúde da família no mês de outubro de 2010. 5.1.3 Coleta de dados e instrumentos de pesquisa Quanto à técnica de levantamento de dados, a intenção inicial era apenas fazer entrevistas semi-estruturadas. Entretanto, o contato com a realidade estudada trouxe novas possibilidades para melhor compreender o fenômeno em estudo. Uma delas foi a participação nas reuniões de equipes de ESF. A participação nessas reuniões era o primeiro passo para expor os objetivos da pesquisa a fim de que a equipe pudesse auxiliar na identificação das mulheres a serem entrevistadas. A pesquisadora assumia nesse momento a condição de “observadora participante”73, que teria continuidade na participação em rodas de conversas que eram estruturadas nas reuniões de puericultura 74. Mais adiante ao acompanhar as ACS nas suas visitas foi possível observar elementos da interação com as famílias. Todos esses episódios de observação da realidade estudada foram registrados num diário de campo. A participação tanto nas reuniões das equipes quanto nas reuniões de puericultura possibilitaram o refinamento do roteiro semiestruturado75 de pesquisa que seria aplicado posteriormente (Anexo III). De acordo Schwartz e Schwartz (1955, apud MINAYO, 1994, p.134): “(...) definimos a observação participante como um processo no qual a presença do observador numa situação social é mantida par afins de investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados, e, em participando com eles em seu ambiente natural de vida, coleta dados. Logo, o observador é parte do contexto sendo observado no qual ele ao mesmo tempo modifica e é modificado por este contexto”. Ver também ao respeito Haguette (2003) e Lima, Almeida, e Lima (1999). 74 Percebeu-se que as rodas de conversas, enquanto mecanismo de educação popular em saúde, possibilitam que os participantes organizados numa roda possam partilhar saberes e construir de forma conjunta o conhecimento sobre determinadas práticas, mediados pelos agentes de saúde e pelos médicos das equipes. 75 Minayo (1994, p.99, 100) alerta que “o roteiro de pesquisa difere do sentido tradicional do questionário. Enquanto este último pressupõe hipóteses e questões bastante fechadas, cujo ponto de partida são as referências do pesquisador, o roteiro tem outras características. Visando aprender o ponto de vista dos atores sociais previstos nos objetivos da pesquisa, o roteiro contem poucas questões (...) Roteiro é sempre um guia, nunca um obstáculo, portanto não pode prever todas as situações e condições de trabalho de campo. É dentro dessa visão que deve ser 73 143 As questões abertas e fechadas ali elencadas permitiriam captar, a modo de “fio condutor”, a percepção que as famílias têm da ESF, dos seus processos de saúde-doença e do papel que a Estratégia Saúde da Família desempenha neles. A construção do roteiro tentou abarcar as categorias que davam conta da discussão teórica e empírica proposta. Para isso foram definidas as variáveis e suas definições operacionais ou instrumentais76 (Quadro 5). Quadro 5. Categorias que embasaram a coleta dos dados. VARIÁVEIS/CATEGORIAS CRITÉRIOS/DEFINIÇÕES Família Vulnerabilidade (O que é uma família vulnerável? Critérios adotados pela SMS para definir famílias em áreas de Risco Social) Demandas de saúde Bi ou monoparentalidade Papéis de gênero Responsabilidades Proteção social - pessoas sob o mesmo teto (casa) - parentes em geral - família nuclear ou expandida - baixa renda familiar - precariedade habitacional - precariedade da rede de infra-estrutura - precariedade ambiental e áreas de risco - precariedade na posse da terra - precariedade dos equipamentos e serviços urbanos -mecanismos de captação das demandas (espontâneas e programadas) - Monoparentalidade – lares conduzidos por apenas um cônjuge - Execução de tarefas no lar ligadas ao gênero - Cuidados com a saúde - Responsabilidades repassadas para as famílias pela ESF - Responsabilidades das equipes de SF - forma de satisfação das necessidades de proteção social em saúde por parte das famílias monoparentais. - a proteção social proteção outorgada pelo Estado e pela família elaborado e usado. No processo de pesquisa pode surgir a necessidade da elaboração de um questionário fechado para captar aspectos considerados relevantes para iluminar a compreensão do objeto, estabelecer relações e generalizações. É importante o uso de várias técnicas e não há oposição entre elas. O princípio básico para elaboração do questionário é o mesmo que adotamos em relação ao roteiro: cada questão tenha como pressuposto o marco teórico para a construção do objeto”. 76 Minayo (1994, na seção “A interação entre o pesquisador e os atores sociais no campo” cap.3.b) elabora elementos importantes sobre o momento da entrevista, sobre a visão do entrevistador, sobre sua capacidade (ou incapacidade) para ir além do conteúdo aparente,. 144 De acordo com Minayo (1994), as categorias são os conceitos mais importantes dentro de uma teoria, pois possuem uma conotação classificatória, isto é reúnem elementos sob um determinado título. Vale destacar que as variáveis elencadas acima tratam dos elementos que demarcam os grandes temas tratados nesta pesquisa e não propriamente das categorias de análise que emergiram das entrevistas, aspecto a ser tratado na seção 5.2. Conforme foi mencionado anteriormente, durante o processo de pesquisa tornou-se necessário analisar as percepções das coordenadoras das unidades de saúde e das assistentes sociais. A decisão de incluir estas últimas deve-se ao fato delas serem mencionadas pelas usuárias como elementos fundamentais de suporte para acessar direitos. Nessas entrevistas foram abordados aspectos relativos à configuração das famílias e as possíveis necessidades de saúde diferenciadas. Houve interesse especial em inquirir a respeito das demandas das famílias monoparentais. Os outros aspectos indagados se referiam à questão da co-responsabilidade e ao conhecimento que as famílias têm sobre os serviços que as unidades oferecem com o novo modelo de atenção em saúde. 5.1.4 Técnica de análise dos dados Os dados foram submetidos à análise temática do discurso. É importante salientar que tanto para a análise temática quanto para a análise de discurso há várias definições (GILL, 2002; MINAYO, 1994; BARDIN, 2004) o que justifica estabelecer os limites dentro dos quais essa metodologia será empregada neste trabalho. De acordo com Bardin (2004), a análise por categorias e a análise do discurso fazem parte das técnicas de análise de conteúdo. Entretanto, esse não é um fato consensual entre os especialistas em metodologias. Minayo (1994), por exemplo, esclarece que para os criadores da análise do discurso (com destaque para Pêcheux, 1969) esse seria um campo do conhecimento separado da análise de conteúdo. A autora eluicida, também, que a análise de conteúdo tanto pode significar uma técnica de tratamento dos dados quanto um conceito historicamente construído em contraposição a outras técnicas. A despeito dessa polêmica77, para fins desta pesquisa adota-se a análise do discurso, com ênfase na análise temática, conforme proposta por Minayo (1994) e Gill (2002). Essa 77 Para mais detalhes sobre essa controvérsia ver Capítulo 4 de Minayo (1994). 145 escolha deve-se a que ela permite compreender os elementos que possibilitaram a produção do discurso, isto é os elementos sociais que estão por trás dele e não apenas o discurso em si, enquanto objeto da análise de conteúdo. A análise temática prevê a elaboração de categorias temáticas, ou temas que devem emergir de um texto ou discurso analisado. A noção de tema está ligada a uma unidade de sentido (BARDIN, 2004). Para Minayo (op.cit.) fazer análise temática (...) consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado. Ou seja, tradicionalmente a análise temática se encaminha para a contagem de freqüência das unidades de significado como definitórias do caráter do discurso. Ou, ao contrário, qualitativamente a presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso. (p.209, grifo nosso). Em termos operacionais, a análise de discurso prevê as seguintes etapas: transcrição, leitura crítica, codificação e análise (GILL, 2002). Nesta pesquisa o registro dos dados foi feito de duas formas. As entrevistas, instrumentalizadas em questionários impressos, foram gravadas e posteriormente transcritas. Nessa transcrição seguiu-se a sugestão de Bardin (2004) de registrar tanto a informação lingüística quanto a paralinguística (anotação dos silêncios, aspectos emocionais tais como riso, tom irônico, toques e abraços, etc.). Como forma de registro também foi aberto um diário de campo com observações de eventos ordinários, que possibilitou compreender o contexto no qual as entrevistadas se encontram inseridas. As reflexões feitas nesse diário permitiram captar links teóricos com a situação em estudo. A transcrição das entrevistas constituiu-se em momento de profunda reflexão em que intuições analíticas foram surgindo. Reflexões essas que eram inseridas como comentários à margem do texto. De modo algum foi exagerada a observação de Gill (op.cit.) quanto ao tempo de transcrição das entrevistas (10 horas para cada hora gravada). No caso desta pesquisa, se as entrevistas demoraram entre 15 e 50 minutos, a transcrição de cada uma delas demorou em torno de 5 horas. Da transcrição das entrevistas 146 e dos comentários ali inseridos surgiram os temas e categorias em torno dos quais a análise seria feita. Com o material editado, procedeu-se à leitura crítica, Nessa fase foi feita uma leitura vertical e depois uma leitura horizontal das entrevistas. Nesta última a intenção era perceber diferenças ou semelhanças entre as respostas dadas pelas entrevistadas a cada questão. Enquanto maneira de organizar a análise, a codificação foi feita separando as afirmações usadas pelas entrevistadas em torno de determinados temas. A análise dos dados propriamente dita levou em consideração as duas fases propostas por GILL (2002): a primeira, em que se verifica o padrão dos dados, e a segunda, em que a preocupação está na criação de hipóteses e de testá-las com os dados (discursos) produzidos. Conforme assinala Gill (2002), tinha-se conhecimento de que no momento da análise dos dados se estava produzindo uma versão sobre os fatos. Nessa direção, o contexto que era acrescido pela pesquisadora às falas era decorrente de uma leitura atenta tanto dos detalhes da entrevista em si quanto do lócus em que as mesmas foram realizadas. 5.2 AS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS VULNERÁVEIS E A ESF EM DUAS COMUNIDADES DE FLORIANÓPOLIS Em termos de localização regional das ULS, a primeira (aqui denominada Área I) se encontra situada na Regional de Saúde Leste e a segunda (Área II) na Regional de Saúde Central. Tomando por base o Diagnóstico das áreas de interesse social elaborado pela Prefeitura Municipal78, a ULS da Regional Leste está localizada em área responsável por pouco mais de 8% da população instalada em áreas irregulares de interesse social do município. Por sua vez, a segunda encontra-se em região densamente povoada, responsável por mais de 40% desse contingente. Ambas as áreas estão sujeitas a risco de deslizamento79. Em termos sócio-econômicos, chama a atenção o fato de que embora a segunda área esteja inserida na região detentora dos melhores indicadores sócio-econômicos do município (LACERDA, 78 Disponível em: http://portal.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/24_05_2010_17.26.43.563188c89583efcf3b7 9164708b3cd5c.pdf 79 De acordo com o Sistema Webmapping das Áreas de Risco, ambas as áreas estão sujeitas a nível médio e alto de risco de deslizamento. Informação disponível em: http://www.ceped.ufsc.br/webmappingceped/index.html 147 CALVO, & FREITAS, 2002) ao mesmo tempo essa área possua a maior proporção de população carente dentre os que moram em habitações simples em áreas com elevada declividade. Esse aparente paradoxo pode ser explicado pela sua localização no centro de cidade e pelo fator de atratividade que representa para famílias vulneráveis dada sua proximidade com as fontes potenciais de trabalho. Desse modo, a população instalada da área II apresenta uma situação de carência mais significativa que a ligada à ULS da área I. A carência se manifesta tanto nas condições de vida quanto no atendimento recebido pela ULS da região. Conforme foi assinalado anteriormente, o momento de análise foi um momento de profunda reflexão. Ouvir uma e outra vez as gravações e rever os textos já transcritos possibilitou refletir sobre aspectos pontuais de cada entrevista e propiciou perceber perceber certas semelhanças e diferenças entre as entrevistadas. Com todos esses elementos, o próprio discurso foi revelando dados que formariam as categorias de análise, as quais não foram preconcebidas nem faziam parte da estrutura do questionário. As categorias em torno das quais a análise dos dados foi construída são: - As múltiplas facetas da monoparentalidade feminina e a caracterização da chefia feminina dos lares - Concepção de família e apoio nos cuidados - O itinerário terapêutico - Satisfação com os serviços recebidos - A questão da co-responsabilidade prevista pela ESF - Como os profissionais da ESF, especificamente as coordenadoras das ULS e as assistentes sociais, percebem a monoparentalidade feminina e o repasse de responsabilidades. Antes de entrar propriamente nas categorias de análise será apresentada uma caracterização das famílias. 5.2.1 Caracterização sócio-econômica das famílias Na seção seguinte será construída uma classificação analítica dos tipos de famílias representadas pelas usuárias entrevistadas para esta pesquisa. Neste momento apenas serão mencionados aspectos gerais que possibilitem traçar uma rápida visão a respeito de quem são essas usuárias entrevistadas e de que forma estruturam as suas famílias, bem das redes que as amparam. 148 As entrevistadas têm entre 15 e 85 anos, três delas com mais de 60 anos e aposentadas. A condição de aposentadoria que seria previsível nessa faixa etária só foi formalmente declarada por duas delas (as de 73 e de 85 anos). A terceira delas, aposentada com 67 anos, se declara “fora da ativa” e lamenta não poder mais trabalhar pela sua condição de saúde. Dentre as entrevistadas há uma quarta aposentada com 32 anos, também por motivo de saúde. Quanto aos seus níveis de renda, metade das entrevistadas declara receber um salário mínimo por mês e as restantes até dois salários mínimos. Em termos de escolaridade, metade afirma ter até quarta série e somente uma das entrevistadas tem o segundo grau completo. Das 14 entrevistadas, quatro nasceram em Florianópolis, as outras são migrantes oriundas do interior do estado de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul. Os dados revelam que o fato migratório não é recente: 93% delas está há mais de cinco anos em Florianópolis e somente duas (das dez migrantes) mudaram de bairro nesse período. Este detalhe é importante para qualificar as informações que as usuárias forneceram, pois revela que as famílias representadas pelas entrevistadas não são novatas nas comunidades onde se encontram inseridas. Além disso, o tempo que levam nas comunidades seria suficiente, a princípio, para terem desenvolvido uma rede de contatos e para conhecerem a rotina dos serviços de saúde do bairro. Dos lares entrevistados, 36% eram sustentados exclusivamente pelos rendimentos da mulher. Nos outros havia complementação de renda por parte de filhos/amigos que moravam na mesma residência, ou recebiam pensão de cônjuge aposentado por doença ou, ainda, recebiam pensão por divórcio. Entretanto, o fato de receberem auxílio financeiro não descaracterizava a condição de chefia do lar, isto é de responsável pelas decisões do seu núcleo familiar. Quanto à composição das famílias e sobre a compreensão que as entrevistadas têm da sua condição de chefe do núcleo familiar, duas delas externaram a sua condição de dependentes de outra pessoa: uma senhora de 85 anos que se considerava “morando com os filhos” e outra entrevistada de 32, com problemas de saúde. As doze restantes consideravam-se cabeça do núcleo familiar, mesmo as aposentadas de 73 e 67 anos. O pesquisa abordou famílias com crianças pequenas, adolescentes ou adultos, mulheres idosas, de meia idade ou extremamente jovens, famílias desestruturadas ou famílias em que pareciam primar relações harmônicas e equilibradas. Em comum, a vulnerabilidade como pano de 149 fundo e a percepção de serem famílias monoparentais femininas. Cabe esclarecer que a rigor o termo “monoparentalidade” implicaria a existência de apenas um dos genitores no núcleo familiar. Entretanto, neste trabalho essa noção também incluirá famílias em que a figura masculina se faz presente, só que despida da sua condição de chefia do lar, quer seja pela sua ausência temporária por problemas com a lei, ou por causa de doença, em cujas situações a mulher assume a condição de chefia. 5.2.2 As múltiplas facetas da monoparentalidade feminina caracterização da chefia feminina dos lares Esta seção pretende chamar a atenção para a diversidade de situações que há por trás da categoria “famílias monoparentais”, bem como os múltiplos sentidos que podem caracterizar a chefia feminina dos lares. A classificação é importante para compreender os mecanismos de suporte que dispõem as famílias, sua rede de relacionamentos e as trocas de auxílios e cuidados que se realizam nelas. Essa classificação é importante, também, para levantar elementos que contribuam para verificar se a política pública leva em consideração essa multiplicidade, fato que poderia potencializar o vínculo entre as famílias e as equipes de saúde da família, elemento importante para o repasse da responsabilidade. Postula-se aqui que o formato da família e da rede de suporte que a cerca condicionará a forma como se relaciona com os serviços de saúde e isso terá reflexo no itinerário terapêutico a ser seguido quando da busca de atenção para sanar moléstias ou doenças. Falar em chefia feminina dos lares (ou famílias chefiadas por mulheres) remete a um conjunto de situações, condicionadas pela idade da mulher, pelo número e idade dos filhos, pela rede social que lhe dá suporte, e pelos vínculos com o mercado de trabalho ou o recebimento de pensões ou aposentadorias. Esta caracterização é importante para compreender que quando se trata com famílias não está se lidando com uma categoria homogênea. Cabe salientar que a tipificação aqui construída possui limites flexíveis e que algumas das entrevistadas a rigor poderiam estar em mais de uma das tipologias apresentadas. A despeito disso, entende-se que tipificar a diversidade de situações que se abrigam na categoria monoparentalidade feminina é fundamental para esclarecer os seguintes aspectos: compreender os percursos terapêuticos dessas famílias, se elas interagem com os agentes da política pública (e a 150 forma como se dá essa interação), os elementos que dispõem para cumprir a sua parte da co-responsabilidade e o tipo de proteção social em saúde que essas famílias precisariam receber. 5.2.2.1 Mulheres chefes do lar idosas, com doentes acamados ou em situação de vulnerabilidade Neste grupo se inserem mulheres que têm sob os seus cuidados pacientes (quase sempre filhos) com doenças ou condições de saúde incapacitantes (que podem ir desde acidentes que causaram paralisia e que mantém o paciente num leito até situações de pacientes com distúrbios mentais severos). Neste grupo encontram-se também mães chefes de família que assumiram essa condição quando jovens, por ocasião da separação ou falecimento do companheiro 80 e que agora se encontram aposentadas ou recebem algum tipo de pensão. Quanto às mães com pacientes acamados, se de um lado a situação destas mulheres é mais precária do que aquelas mais jovens que se encontram no mercado de trabalho, por outro lado, percebe-se que elas recebem uma atenção maior por parte das equipes da Saúde da Família, nos quesitos marcação de consultas e entrega de medicamentos no lar. Elas relatam receber visitas com mais freqüência do que as mais jovens, fato que se justifica pela presença de doentes acamados e também pela disponibilidade da usuária no domicílio em horário comercial. Durante as entrevistas às chefes de família com pacientes acamados foi possível perceber profundos laços afetivos com as ACS. Nas entrevistas em que as ACS estavam presentes as usuárias as tratam como se fossem filhas. Dão-lhes apelidos carinhosos e durante a entrevista é comum o toque como demonstração de afeto. Especial alegria demonstrava uma usuária viúva de 73 anos com a visita da ACS. Ela morava com três filhos, dois deles com problemas de saúde: uma acamada com deficiência mental congênita, que fica se arrastando pelo chão e usa fraldas, e o outro, surdo-mudo dependente de drogas. Percebe-se um elevado grau de dependência deste tipo de usuária em relação às visitas das ACS. Para essa usuária a presença da ACS é uma das poucas “janelas” de contato com o mundo, pois a deficiência que a filha tem a impede de sair de casa, pelo qual vai pouco à ULS. Observa- 80 Não foi intenção de este trabalho inquirir a respeito do vínculo legal existente na formação do casal. 151 se que o laço afetivo criado não parece estar ligado necessariamente à resolutividade de todas as demandas apresentadas. Eu sou assim, quando posso me arrumo. Tomo um chá, um comprimidinho que tenho em casa. Às vezes compro (o remédio), porque nem sempre dá para ir lá, né? Não é fazer pouco do pessoal do posto, que eles são legais. É difícil ir ao posto por causa da minha filha [olha para a ACS e diz rindo que todos são legais menos ela, ao tempo de lhe fazer um carinho na mão]. E, além disso, tenho dificuldade de sair sozinha para a rua. Quem vai sair comigo?(U1) Cabe destacar que não foi possível perceber o mesmo laço afetivo entre as ACS e as mulheres mais novas. Fato que pode levar a questionar se a efetividade da proteção social outorgada pela ESF não estaria atrelada ao desenvolvimento de vínculos afetivos. Isto é, se haveria mais proteção para idosas que se encontram praticamente confinadas em casa e para as suas famílias do que para as mais jovens que se encontram no mercado de trabalho. Essa hipótese ganhou força ao ouvir de uma ACS, numa reunião de equipe, que algumas mulheres teriam pedido que as visitas das ACS fossem realizadas nos fins de semana. A essa fala seguiram-se vários comentários das outras ACS, tais como o fato de estar fora do horário de trabalho delas, ou ainda de que os fins de semana são destinados a cuidarem das suas próprias casas. A forma como o tema foi abordado pela equipe denota que a própria condição de mães e trabalhadoras das ACS lhes restringe a possibilidade de dar um atendimento diferenciado para as usuárias que estão ausentes dos lares em horário comercial. Quanto às mães chefes de família que assumiram essa condição quando jovens, por ocasião da separação ou falecimento do companheiro percebe-se que, apesar da idade, ainda exibem o papel de “chefe” do grupo familiar. É o caso específico de mulheres que acolhem os filhos (e netos) que também tenham passado por um processo de ruptura familiar. Ou ainda, trata-se daquelas que acolhem os filhos que não conseguem morar sozinhos pelas suas precárias condições financeiras. Nesses casos, como será visto na subseção seguinte, o desgaste físico e emocional provocado pela incorporação de filhos com suas proles parece ser compensado pelo apoio que estes podem proporcionar para a matriarca em casos de doença. 152 5.2.2.2. Mulheres chefes de família que se encontram subordinadas a outras mulheres – famílias inseridas em outras famílias Neste grupo encontram-se aquelas que pela ausência de cônjuge (por separação ou casos de mães solteiras) foram morar com as mães. A noção da chefia familiar neste caso merece ser qualificada. Woortmann (1987) em estudo sobre famílias carentes de Salvador, Bahia, chama a atenção para a distinção entre “chefe de família” e “chefe da casa”. Para ele “a chefia da casa depende da propriedade da casa e esta muitas vezes pertence à mulher, seja por tê-la construído, herdado dos pais ou em obediência ao padrão segundo o qual a mulher retém a casa na eventualidade de um rompimento do vínculo conjugal” e conclui “é significativo que o mesmo termo designa simultaneamente o grupo doméstico e o prédio que o abriga, base material de sua realização.” (p.68). O autor chama a atenção, ainda, para casos como famílias compostas por mãe e filhos em que a chefia familiar e da casa é desempenhada simultaneamente pela mulher. E também para casos em que a mulher, ao construir um novo vínculo conjugal, continuará com a chefia da família, situação em que o novo marido poderá vir a ser considerado chefe da casa (e nunca da família) em função do seu desempenho como provedor. No caso específico do grupo ora analisado fica claro quem é a figura da chefia da casa e da família. As próprias avós reconhecem suas filhas como chefes de família por arcarem com a manutenção das suas respectivas proles. O cuidado dos filhos por parte das avós – as chefes da casa - possibilita a inserção das mulheres mais jovens no mercado de trabalho, haja vista que uma das maiores dificuldades é a obtenção de vaga em creches. Essa solidariedade inter-geracional, se expressa numa mão dupla de cuidados. Se, de um lado, as filhas estão ao tanto das necessidades da matriarca esta, por sua vez, cuida dos netos e em casos de doença será ela quem aplicará o tratamento terapêutico mais indicado – desde a prescrição de remédios caseiros até o deslocamento com as crianças ao Centro de Saúde ou hospital - para que a filha não perca o dia de trabalho. Entretanto, há um outro grupo de mulheres que apesar de mais velhas não se constituem chefes da casa. É o caso de mulheres que em função da idade ou de doença vão morar com os filhos, mas que não perdem a sua característica de chefes de família, por ainda terem filhos ao seu encargo. É o caso de senhora de 85 anos, que mora com os 5 153 filhos, quatro deles casados e uma com 30 anos com deficiência mental que exige cuidados intensos, já que “desde pequena tem que cuidar porque não se movimenta muito” (U2). Nesse caso, a aposentadoria e a pensão que a filha recebe lhe possibilitam ter certa autonomia financeira e consegue administrar a “sua” família, que em sentido lato se restringe a ela e à filha que moram dentro de outra família. Entretanto, se parece haver uma certa autonomia financeira, a responsabilidade nos cuidados da saúde é dividida: enquanto ela se vê na responsabilidade de cuidar dos problemas de saúde (e da medicação) da filha deficiente, por outro lado, quem administra a medicação de uso contínuo que ela ingere é de responsabilidade do filho. Antes de ir trabalhar, ele deixa separados os medicamentos que a mãe deve tomar ao longo do dia. Independente do motivo que tenha levado à constituição destas “famílias inseridas em outras famílias” tem que se atentar para o fato que a disponibilidade da família ampliada se constitui em mecanismo de suporte diante de adversidades, dentre elas a doença. Além disso estas famílias certamente têm contato com as ACS, pois sempre haverá alguém em casa para recebê-las, o que pode potencializar os recursos terapêuticos oferecidos pela ESF. 5.2.2.3 Mulheres chefes com cônjuges em situação de risco social decorrentes do uso ou tráfico de drogas ou mulheres com cônjuges com problemas de saúde Neste grupo encontram-se mulheres que arcam com a responsabilidade familiar, mas que não necessariamente tem ausência de cônjuge. Eles tanto podem estar enfrentando dependência de drogas, estar presos por problemas com a lei, ou ainda, estar enfrentando problemas de saúde que os impeçam de trabalhar. Nestas famílias, mesmo que as mulheres se sintam subordinadas à figura do cônjuge, a responsabilidade financeira e emocional recai sobre elas. No caso daquelas cuja ausência forçada do marido por conflitos com a lei as leva a assumir quase que integralmente a função de pai e mãe, elas se vêm diante da preocupação de cuidar dos vários aspectos da vida cotidiana (entre eles a saúde), além de enfrentar o medo diante de incursões policiais efetuadas na região em busca de traficantes. A ausência da figura masculina possibilita que em muitas situações a força policial invada a residência sem maior oposição. A situação dessas mulheres é muito frágil, pois a condição de esposas de presidiários as leva a temer que qualquer esboço de reação durante essas incursões 154 possa redundar em “castigos” para os seus cônjuges lá na prisão, como não recebimento de visitas durante um determinado período. Para estas mulheres são mínimas as possibilidades de encontro com as agentes de saúde, pois elas passam boa parte do dia fora e relatam não conhecer como se procede o trabalho delas. No caso daquelas que têm maridos com problemas de saúde, mesmo tecendo críticas à ESF, algumas reconhecem a efetividade do “sistema de visitas” das ACS, pois garantem o suprimento de remédios de uso contínuo. Pra mim o posto não resolve nada. Só resolve para o meu marido porque quando ele precisa já falo: fulano está precisando de remédio, eles não fazem esperar, vai já consulta e já dão o remédio. só para isso mesmo que o posto serve para o resto não serve. (U10) Já outra entrevistada confessa que o marido não recebe as visitas, mas é porque ele “deu um corridão nelas” Meu marido não tem mais condições de trabalhar. Tem épocas que ele não enxerga... e, para dizer a verdade, o pessoal do posto não vem vê-lo. Eu ia ao posto, fazia a ficha para eles virem ver ele em casa, eles nunca vinham. Teve uma vez que deu uma crise tão forte que tive que chamar o SAMU. Ficou desacordado desde as 4 da tarde até as 6 horas [questiono se o pessoal da SF vem fazer visitas]. Uma vez eles vieram e ele estava atacado da diabete, ele as destratou. Disse um monte para elas. Tão bravo que ele ficou porque vai lá ao posto e só o vêem lá. Nunca mais vieram. (U13) O desentendimento do cônjuge com as ACS significou uma sobrecarga para esta usuária, pois não apenas passou a ter que ir à ULS e buscar os remédios - coisa que as ACS fariam - como também tem que tentar se impor, num jogo de força desigual, para que o marido siga o tratamento e com isso executar de modo adequado a sua parte na coresponsabilidade nos cuidados. Tem épocas que está bom, tem épocas que não está bom. Aí quer dizer ele não está fazendo tratamento nenhum, por 155 que não está mais nem tomando insulina, porque eu dou insulina nele, mas ele não quer mais tomar. [pergunto se é porque não tem o medicamento]. Não, é porque ele não quer mesmo. Ele não quer mais tomar. Eu não posso fazer nada... Ele tem 50 anos e ele sabe o que faz. A minha parte eu faço, eu vou ao posto, eu pego, dou a insulina nele, já se ele não quer, não é criança tu vê, não vou ficar me preocupando, o problema é dele. Não posso fazer mais nada. Não vou ficar me preocupando. Já disse mesmo para ele. Eu tenho que me preocupar com o que eu faço. (U13) O peso da responsabilidade que ela tem no seio familiar a torna ciente de que tem que se cuidar bem para dar conta dos cuidados da família. Não posso ficar me preocupando com tudo. Quem vai cuidar dos meus filhos se me dá alguma coisa? Ninguém né? (U13) Nestas famílias com chefia feminina em que aparece a figura do cônjuge percebe-se uma situação paradoxal. Se, de um lado, são elas que assumem as rédeas da casa (pela ausência do par ou por doença do mesmo), por outro lado, elas têm dificuldade de impor certas práticas ou proteger as suas famílias de maneira adequada. Como será visto mais adiante, isso envolve a questão das negociações que se desenvolvem dentro do núcleo familiar para decidir qual o itinerário terapêutico mais adequado. 5.2.2.4 Mulheres chefes de família com filhos pequenos Dentre os vários tipos de famílias encontrados este parece ser o mais vulnerável. Se para as categorias anteriores o apoio público é importante, para esta categoria as ações de proteção social são essenciais para garantir a sobrevivência. No dia-a-dia, a difícil articulação entre trabalho e encargos familiares condicionará a inserção destas mulheres no mercado de trabalho e a forma como lidarão com seus problemas de saúde, aspecto que também será tratado mais adiante ao discutir o itinerário terapêutico seguido pelas famílias na busca por tratamento. 156 Especificamente nesta seção se tratará das estratégias da sua inserção no mercado de trabalho e da forma que organizam sua estrutura familiar. A inserção no mercado de trabalho das entrevistadas está claramente condicionada pelas responsabilidades familiares e mais especificamente estará condicionada por três fatores: o número e a idade dos filhos e a disponibilidade de apoio para os cuidados. Tendo em vista esses elementos, perguntou-se às entrevistadas como se processava o cuidado com a casa e dos filhos, quem ficava com eles, o que eles faziam no horário inverso ao das aulas, quem cuidava deles quando estavam doentes e elas precisavam trabalhar, além de verificar como essas mulheres adaptavam a sua inserção no mercado de trabalho para adequá-la ao atendimento aos filhos. As entrevistadas deste tipo de famílias relataram que executam as tarefas do lar geralmente à noite e algumas contam com auxílio de algum familiar próximo, normalmente menor de idade que mora na mesma casa. No horário inverso ao das aulas, os filhos estarão aos cuidados desses familiares, permanecem num projeto educacional ou creche do bairro ou, ainda, há o caso daqueles que praticamente ficam na casa sozinhos 81, sob o olhar mesmo que distante de alguma vizinha nos dias em que a mãe precisa fazer faxinas82. O mundo das entrevistadas parece estar composto por dois círculos concêntricos, em que os vínculos de trabalho estão inseridos (ou aprisionados?) na esfera dos vínculos familiares. Os vínculos de trabalho obedecem à lógica e às necessidades impostas pelos vínculos familiares. Embora as entrevistadas reconheçam que dependem do trabalho para sustentar a prole, se a saúde dos filhos assim exigir estão dispostas a abrir mão de vínculos de trabalho mais estáveis ou até deixar de auferir renda (caso das diaristas) para poder atender os filhos. Mesmo para aquelas que têm cônjuge em casa, se a responsabilidade dos cuidados de saúde dos filhos recai unicamente sobre elas, só lhes resta ausentar-se do trabalho quando os filhos estão doentes e impossibilitados de ir à escola. “Quando vejo que não posso ir (trabalhar) mando recado no meu serviço, eu ligo e digo que não vou porque os meus filhos estão doentes. Não vou mesmo. Vou deixar os 81 Uma usuária confessou que com muito sacrifício conseguiu comprar um Play Station para assegurar que os filhos ficassem em casa e não na rua durante a sua ausência. 82 Em trabalho anterior (GELINSKI, 2003) foi salientado o receio das mães, que deixam os seus filhos sem a supervisão de um adulto, de serem denunciadas ao Conselho Tutelar - fato que pode até levar à perda da guarda dos filhos. 157 meus filhos para ir na casa dos outros ? Não mesmo!” (U13). Fica claro que prevalece o papel de mãe sobre o de provedora. A questão dos cuidados é um dos elementos mais sensíveis na vida das mulheres monoparentais. Se para algumas significa readequação no mercado de trabalho para outras pode ocasionar a saída do mercado de trabalho. Conforme se constatou numa reunião de grupo de puericultura de uma equipe, algumas usuárias pararam de trabalhar pela falta de creche para os filhos 83 ou mesmo por opção para se dedicarem ao cuidado dos filhos. Nesta última situação se encontra a usuária 7, mãe de quatro crianças pequenas, atualmente desempregada, que sobrevive de faxinas e da pensão que recebe do pai da última filha. Finda a licença-gestação decidiu desligar-se do emprego porque a criança “não desgrudava dela”. No encontro de puericultura foi destacada a sua tenacidade para que a filha (na ocasião já com nove meses) amamentasse o maior tempo possível. Ao retornar da licençagestação a filha começou a adoecer e perder peso, motivo pelo qual decidiu afastar-se do emprego. Ela teria optado por deixar o trabalho, pois as faltas ao serviço eram muito freqüentes e as empresas não estariam mais aceitando atestados. Agora está difícil porque as firmas não estão mais aceitando atestado do posto. Porque tem muita gente que não passa pela situação que eu tenho, de cuidar tudo sozinha, e às vezes vão lá e pegam atestado sem precisar. Daí a gente acaba pagando por isso, né. Daí hoje em dia está difícil até para dar atestado (U7). A lacuna deixada pelo emprego formal e mais regular, na vida desta e de outras mães, é suprida por faxinas eventuais. A faxina é tida como “carta na manga” diante de perda repentina de uma ocupação regular ou da passagem de uma atividade para outra e se constitui em expediente importante de sobrevivência das famílias vulneráveis. Além das faxinas há uma multiplicidade de ocupações/atividades que garantem o sustento destas famílias e ao mesmo tempo compatibilizar os cuidados. 83 A falta de creches é apontada por várias mães como o motivo pelo qual se encontram desempregadas. Mãe de quatro filhos reclama da falta de creche: “Todos os outros 3 filhos vão para a escola. Só a bebezinha está esperando a creche. Enquanto isso faço faxina uma vez por semana” (U6).Outra mãe com bebê de 2 meses cogita deixar a filha com a mãe a partir dos seis meses, para não tirar o lugar de creche de outra mãe que precise mais do que ela. 158 Geralmente vendo roupas também e também trabalho aqui ao lado com a minha irmã numa cozinha industrial. Nós fazemos pizzas. Também faço tapetes para vender, não tenho sossego, é bem corridinho. (U9, que trabalha em turnos de 12 h seguidas a cada 48 h). A situação de precariedade destas famílias é muito grande em função do cuidado que elas têm em relação aos filhos. As que cuidam sozinhas do sustento do seu núcleo familiar e dos filhos ao mesmo tempo nem sempre conseguem cuidar adequadamente das duas coisas e acabam saindo do emprego para uma atividade mais esporádica. Isso amplia a possibilidade de ter uma situação mais precária no futuro, pois trilham um caminho que lhes veda o acesso à aposentadoria e a outros benefícios sociais. Os trabalhos eventuais são de fato para estas mulheres uma “carta na manga” cujas conseqüências poderão ser um aumento da precarização. 5.2.3 Concepção de família e apoio nos cuidados Conforme foi assinalado anteriormente, as entrevistadas encontram-se morando nas suas comunidades por tempo suficiente para terem construído uma rede de relacionamentos que, dentre outros aspectos, lhes possibilitasse contar com auxílio em casos de doença. A configuração dessa rede e o entrelaçamento dela com a família consangüínea são elementos cruciais para entender os mecanismos de apoio que dispõem as famílias monoparentais. Ao se referirem à família, algumas entrevistadas fizeram menção ao núcleo familiar restrito composto pelas pessoas que moram na mesma residência (ela, filhos, sobrinhos menores, algum amigo e o cônjuge em alguns casos) ou, ainda, por parentes que moram nas proximidades. Outras se referiam à família num sentido ampliado que também incluía os moradores próximos sem grau de parentesco direto, com os quais foram estabelecidos vínculos estreitos. Geralmente aqui no morro a gente tem mais de uma família. Tem a minha mãe, meu pai e meus irmãos, que moram lá em cima. Aí aqui é só eu e minha filha e meu marido que está preso. De família tenho a Dona XXX e a Dona YYY (vizinhas da comunidade). Aqui a gente tem várias famílias. Morando no 159 morro a gente não tem só uma família, né? Tem várias. A gente tem mais contato, fica mais próximo da gente. (U11) A pesquisa possibilitou constatar que a infra-estrutura que cerca as moradias pode ter influência na percepção da idéia de família. A noção de família ampliada parece ser mais freqüente entre aqueles moradores que vivem em condições mais precárias. Talvez a exiguidade dos terrenos e a proximidade física em que os moradores dessas áreas se encontram criem condições para que se formem laços de solidariedade, que poderiam se manifestar em ações concretas em situações de doença, cuidados dos filhos e até mesmo apoio emocional ou financeiro. Na contramão dessa situação, percebeu-se que nas moradias com melhores condições de renda parece primar a noção de família como uma entidade individual e quase auto-suficiente. A condição de auxiliadoras das famílias carentes já foi apontada por pesquisas realizadas no país84 e mesmo em relatos de outros países essa faceta se faz presente85. Entretanto, chamou a atenção nas declarações das entrevistadas das duas comunidades (mesmo que em gradações diferentes) que, a despeito de muitas afirmarem se sentir parte de uma grande família, a sensação de segurança que essa rede poderia lhes proporcionar em situações de doença só é perceptível nas declarações daquelas que têm famílias consangüíneas morando nas proximidades. Quando questionadas diretamente a respeito de quem recebem auxílio em caso de doença afirmaram: Minha mãe ajuda. A gente corre em primeiro lugar para a mãe. Pego direto o morro, em direção à casa dela. Quando eles (os filhos) ficam doentes é a minha mãe mesmo. Eles não podem ir à creche. Não aceitam. Tem que levar um atestado dizendo que já está melhor (U11). 84 Ver por exemplo: Lima (2006), Woortmann (1997), Guedes e Lima (2006) e Sarti (2007). Em estudo realizado na Espanha, De Miguel (1998, citado por SÁNCHEZ VERA e BOTE DÍAZ, 2009, p.130), destaca que há evidências empíricas que mostram que as famílias de classe baixa são mais “ajudadoras” que as de classes altas. Ele aponta quatro motivos que explicariam essa condição: “(a) As famílias pobres tendem a ser mais ajudadoras porque elas têm mais situações de precariedade entre os seus membros; b) a isso deve se acrescentar que são mais extensas têm mais membros em situações de insegurança e menor renda per capita; c) talvez seja que as famílias das classes mais baixas são mais generosas; d) podem estar mais pobres precisamente porque são mais altruístas. A realidade é uma combinação dessas quatro hipóteses”. 85 160 Qualquer coisa, pergunto para minha mãe. Isso é indispensável. A mãe ajuda sempre. (U12) Quem fica com os meus dois filhos pequenos quando estou doente é mais velha (de 15 anos).(U3) Conto com a ajuda dos filhos. Às vezes é a caçula, às vezes é a filha mais velha. Numa emergência até dá para chamar a avizinha. (U1) Conto com os meus filhos. Todos trabalham. Se precisar eles me ajudam. (U2) Às vezes posso contar com a minha irmã. Quando as crianças dela ficam doentes a ajudo. Dos vizinhos se precisar de alguma coisa que a gente não tenha, eles ajudam. (U6) Quando meu filho tem problema de saúde ele fica muito com a avó dele, a mãe do pai. Quando está doentinho que preciso trabalhar mesmo assim eu o levo lá, daí ela cuida. (U8, mulher que mesmo separada conta com a ajuda da ex-sogra) Se meu marido fica doente a comunidade ajuda né? Pra buscar, pra pegar um carro. Na última crise que ele teve quem ajudou foi a prima dele. (U10) Nos depoimentos das entrevistadas percebe-se que há dois tipos de necessidades: quanto ao tratamento terapêutico e quanto ao cuidado dos filhos para não perder o dia de trabalho. Aquelas que expressam ter mãe ou irmãs por perto se sentem mais amparadas do que aquelas que não dispõem desse apoio: Quando meus filhos têm problema de saúde quem cuida sou eu mesma. Não tenho parentes. Conto mesmo é com a ajuda de Deus... Com os vizinhos posso contar um pouco. Quando fui para ganhar neném meus outros filhos ficaram com a vizinha (U7). 161 [com quem posso contar?] só com meu marido mesmo (U5) È difícil receber ajuda. Tem uma filha que lá uma vez ou outra vem. Ela mora aqui perto, mas trabalha todos os dias. Só no final de semana vem por aqui. Quando fico doente me cuido sozinha. (U4) Eu não posso contar com as irmãs, que tem os filhos, trabalham fora, aí também não posso contar. Quando vejo que não posso ir trabalhar mando recado no meu serviço, eu ligo e digo que não vou porque os meus filhos estão doentes. Não vou mesmo. Vou deixar os meus filhos para ir à casa dos outros? Não mesmo! (U13) Nas declarações das entrevistadas que moram distante dos familiares, das que não têm outros parentes além do núcleo familiar restrito, ou daquelas que não conseguiram formar uma rede que substitua a família, fica patente o sentimento de desamparo. Na hora dos cuidados se declaram estar sós ou afirmam contar apenas “com a ajuda de Deus”, afirmação que longe de ser um simples aforismo parecia se referir a convicções profundas das entrevistadas. Detalhe importante é que as possibilidades de auxílio parecem estar sempre atreladas a outras mulheres (WOORTMANN, 1987; BOEHS, GRISOTTI e AQUINO, 2007). Na formação de vínculos, as mulheres atuam como verdadeiros nós de uma rede. São elas que detectam as necessidades umas das outras e criam um ambiente propício à ocorrência de trocas. Essa rede funciona até mesmo para aquelas que têm cônjuges, mas afirmaram não poder contar com eles: O meu marido só sabe gritar; Quem fica com os dois pequenos quando estou doente é a minha filha mais velha de 15 anos (U13). Independente de contarem ou não com o auxílio de parentes ou de membros da comunidade, chamou a atenção que somente uma das entrevistadas incluiu a ULS na hora de responder quem a auxiliava nos cuidados em saúde: 162 Isso aí é comigo mesmo. Às vezes quando tem um problema de saúde, alguma febre, já corro no posto, pego remédios (U3). Essa resposta chamou a atenção para a ausência do poder público na hora de conceder apoio às mães trabalhadoras. Além de elas enfrentarem dificuldades para conseguir vagas nas creches, diante de casos de doença têm que “fazer toda um ginástica” (na expressão delas) para deixarem os filhos com alguém ou faltarem ao serviço, pois não podem levar os filhos á escola com quadro de doença. Pelo papel central que as mulheres desempenham na dinâmica dos cuidados familiares elas não se entregam facilmente quando a doença as alcança. Quando questionadas a respeito do que fazem quando adoecem e quem lhes cuida, as respostas selecionadas são emblemáticas: (o que faz quando adoece?) Ai meu Deus... Eu cuido da minha irmã (que é vizinha) e ela cuida de mim. (U8) Eu mesma me cuido. Eu sou uma pessoa que se estou doente não deito, não durmo. (U13) As mulheres não podem adoecer. A mãe não pode adoecer. Eu fico irritada quando fico doente, uma dor de garganta, uma dor de cabeça porque tenho que trabalhar mesmo assim. As mães têm que ser um polvo, tem que ter vários braços. Um (filho) grita, outro chama. Agora os meus já estão bem grandinhos, já ajudam bastante. (U6, mãe de quatro filhos, com idades entre 7 meses e 8 anos, migrante e sem parentes). Mesmo as que têm marido em casa, acamados ou aposentados por problemas de saúde, percebem o quanto precisam estar bem de saúde para atender a sua família Eu tenho que me preocupar com o que eu faço. Não posso ficar me preocupando com tudo. Quem vai cuidar dos meus filhos se me dá alguma coisa? Ninguém né? (U13) 163 Em estudo feito entre mulheres de camadas populares em Manaus, Gutierrez e Minayo (2009) assinalam o quanto o adoecimento da mãe/esposa pode ser um evento perturbador para uma família nuclear. Situação que, sem dúvida, é mais perturbadora para as famílias monoparentais. Se no primeiro caso elas se sentem compelidas a continuarem ativas, no caso das chefes monoparentais elas simplesmente “se recusam” a ficar doentes, muito mais se levar em consideração um aspecto citado por Gutierrez e Minayo (ibid.) a respeito de que normalmente a ajuda recebida é direcionada a cuidar dos serviços domésticos ou da rotina da casa e não da doente em si, que se vê na contingência de ir sozinha ao médico. A negativa de aceitar a doença pode estar relacionada ao aspecto destacado por Aureliano (2010) entre mulheres mastectomizadas, vítimas de câncer de mama. Para elas, o fato de pararem por causa da doença e não se dedicarem ao que sempre faziam (lavar, cozinhar, varrer) mais do que um alívio das suas estafantes atividades, significaria uma inutilização ou desvalorização de si mesmas. Retornando à interligação da configuração da família e as possibilidades de apoio, Boehs, Ribeiro, Grisotti et al (2009) destacam que as condições de vida atuais têm reduzido a rede de apoio para o cuidado dos filhos, pois as mães precisam voltar logo ao trabalho 86 e as avós e outras pessoas da rede familiar também trabalham fora ou moram distantes. Essa situação impede que as mães aprendam os cuidados básicos de saúde no sistema familiar87. “O vínculo familiar favorecia a manutenção de uma rede de saberes e práticas (...) a experiência familiar de aprendizagem cultural do cuidado que perpassava entre as gerações, 86 Com o conseqüente desmame precoce dos filhos apesar da existência de programas federais de incentivo à amamentação. 87 De acordo com Grisotti (1998), com base em Loyola (1984a, 1984b e 1987), Boltanski (1984) e Buchillet (1991), a medicina familiar configura as práticas terapêuticas que são fruto da experiência acumulada por amigos, vizinhos ou familiares que em algum momento puderam aferir a eficácia de algum tratamento ou medicamento. Seu caráter é essencialmente imitativo. Esse tipo de medicina se revela no uso de remédios caseiros, na busca por curas através de orações ou preces, ou até mesmo na automedicação com medicamentos pesados como antibióticos. A medicina oficial trata das práticas envolvidas na oferta de serviços públicos de saúde destinados à população de baixa renda. Nesse segmento operam médicos que irão lidar com doentes das classes populares que embora recorram à medicina popular reconhecem a oficial como superior. Dadas suas limitações no atendimento e diagnóstico essa assistência médica é mais voltada para o registro dos sintomas e não das suas causas. Já a medicina paralela se refere a um conjunto de práticas que abarca desde tratamentos com ervas medicinais até aqueles com fundo religioso praticados pela umbanda, candomblé, espiritismo ou mesmo as oriundas do catolicismo ou do protestantismo. 164 foram se reduzindo, tornando as mães inseguras em relação ao cuidado dos filhos” (p.6). Como será visto na próxima seção, a ausência dessa rede de saberes e práticas terá impacto no processo terapêutico ou na busca de tratamento por parte dessas mulheres trabalhadoras. Por enquanto, o que se quer destacar aqui numa perspectiva mais ampla é a dificuldade que as mães trabalhadoras enfrentam quando surge um quadro de doença. Elas têm que contar com esquemas próprios ou redes que lhes dêem suporte tanto no que se refere ao tratamento terapêutico mais adequado quanto à possibilidade de obtenção de ajuda para ficar com os filhos, ou cuidar delas mesmas. Esses elementos remetem aos aspectos apontados por Martin (1995) e Nunes (1995) no terceiro capítulo desta tese, ao discutir os limites da nova configuração dos sistemas de proteção social. Mais especificamente, aos riscos da proteção estar assentada em bases tão frágeis como as redes de solidariedade primárias ou sócio-familiares, que não se constituem em mecanismos sólidos e duradouros de proteção social, nos moldes da proteção outorgada pelo Estado. Fragilidade essa que é potencializada pelas transformações pelas quais as famílias vêm passando, com destaque para a crescente inserção das mulheres ao mercado de trabalho e o seu distanciamento geográfico com as gerações anteriores, ditado pela disponibilidade de fontes de trabalho em outras regiões. O caráter anônimo e ligado à noção de cidadania da proteção estatal contrasta com o apoio outorgado no espaço doméstico que precisa de constantes mecanismos de ancoragem88. Martin (1995) destacou, também, que a solidariedade baseada no papel dos parentes pode acentuar as desigualdades em vez de compensá-las, haja vista que pode haver pessoas que não contam com ninguém, para as quais morar sozinhas não é uma opção, mas uma situação imposta por circunstâncias da vida. Para elas “pobreza e precariedade se coadunam com isolamento e solidão” (p.65). Nesse sentido, alerta que segmentos sociais com redes de suporte mais restritas estariam automaticamente excluídos dos mecanismos de proteção via solidariedade familiar. “As práticas de ancoragem correspondem a uma atividade de classificação sujeita a permanente revisão, e que se realiza praticamente através de um conjunto de atividade destinadas a confirmar ou redefinir as condições de pertença a uma rede de solidariedades primárias e o grau de proximidade entre os seus diferentes membros. Assim, o recrutamento para uma rede por nascimento, casamento ou afinidade não garante um estatuto estável no seio de uma rede de solidariedades primárias” (NUNES, 1995, p.11). 88 165 Se a solidariedade familiar tem os seus limites, a ausência dela impõe às famílias um elevado encargo. Mesmo com as suas fragilidades ou deficiências, as famílias ampliadas se constituem em mecanismos importantes de proteção social na tentativa de sanar o vazio do Estado como elemento efetivo de proteção via políticas públicas. 5.2.4 O itinerário terapêutico A opção que as entrevistadas fazem na busca por tratamento deriva da sua própria concepção do processo saúde-doença. Langdon (1995) mostra as possibilidades que a antropologia da saúde oferece para entender esse processo em contraposição às abordagens propostas pela biomedicina. Enquanto a biomedicina vê a “doença como um processo biológico universal” (p.1) a antropologia da saúde, e em especial a etnomedicina, concebe a experiência subjetiva da doença dentro do seu contexto social e cultural. A etnomedicina se detém no estudo “das crenças, as práticas terapêuticas, os [diferentes] especialistas em cura, as instituições sociais, os papéis sociais dos especialistas e [dos] pacientes, as relações interpessoais, e o contexto econômico e político” (p.10). A antropologia da saúde considera os aspectos levantados pela etnomedicina e trabalha na perspectiva de relativizar a biomedicina ao tempo que se preocupa com a dinâmica da doença e o processo terapêutico. O enfoque tradicional na etnomedicina era a identificação das categorias das doenças segundo o grupo estudado, reconhecendo-se que o que é definido como doença, como estas são classificadas, e quais sintomas são identificados como sinais das doenças, variam de cultura para cultura e não necessariamente correspondem com as categorias da biomedicina. (...) Porém para a visão simbólica, o significado da doença em outras culturas não se limita aos sistemas diferentes de nomeação e classificação de doença. Doença como processo não é um momento único nem uma categoria fixa, mas uma seqüência de eventos que tem dois objetivos (...) (1) entender o sofrimento no sentido de organizar a experiência vivida, e (2) se possível, avaliar o sofrimento. A interpretação do significado da doença emerge através do seu processo. Assim, 166 para entender a percepção e o significado é necessário acompanhar todo o episódio da doença: o seu itinerário terapêutico e os discursos dos atores envolvidos em cada passo da seqüência de eventos. O significado emerge deste processo entre percepção e ação. Um episódio apresenta um drama social que se expressa e se resolve através de estratégias pragmáticas de decisão e ação (LANGDON, 1995, p.12-13) Langdon (1995) ainda esclarece que a compreensão da doença como processo pressupõe analisar três passos: “(a) o reconhecimento dos sintomas do distúrbio como doença, (b) o diagnóstico e a escolha do tratamento, e (c) a avaliação do tratamento”. (p.13). E, com base em Kleinman (1980; 1990), reitera a importância da família como lugar proprivilegiado para a realização desses três passos. A família é onde se processa o início do processo terapêutico. E lá que se constrói o entendimento do processo saúde doença e onde se discute o lugar mais adequado para procurar atendimento quer seja para doenças graves ou simples. Para fins desta análise se destacará como se dá a o processo ou itinerário terapêutico em situações de doença em famílias lideradas por mulheres. Mais especificamente busca-se saber como é feito o primeiro diagnóstico da situação por parte das mulheres chefes de famílias e quais serão os elementos que irão definir a procura por tratamento. Vale destacar que a discussão nesta seção sobre o itinerário terapêutico escolhido pelas famílias se refere à demanda espontânea, isto é aquela oriunda na procura por serviços de saúde a partir da constatação de um agravo e não daquela decorrente de tratamento com medicamentos de uso contínuo ou da que é feita na busca por serviços de alta complexidade89. Na linha da análise proposta por Langdon, o processo do diagnóstico envolve escolhas por parte das pessoas que compõem a família quanto ao que fazer. A autora sugere que o diagnóstico é fruto de uma negociação feita no seio do grupo familiar. “O processo terapêutico não é caracterizado por um simples consenso; é melhor entendido como uma seqüência de decisões e negociações entre várias 89 Conforme será visto ao discutir a questão da satisfação com os serviços, essa classificação da demanda (espontânea, para medicamentos de uso contínuo e por alta complexidade) não corresponde necessariamente aos tipos de demandas que aparecem na literatura sobre o tema. 167 pessoas e grupos com interpretações divergentes ao respeito da identificação da doença e da escolha da terapia adequada” (LANGDON, 1995, p.15) No caso das famílias monoparentais entrevistadas, percebeu-se que essa “negociação”, quando existe, envolve as pessoas que darão suporte (parentes, quase sempre mães, irmãs, ou vizinhas). No entanto, a maioria das vezes é uma decisão que recai unicamente sobre a mãe. Será ela quem, após ter constatado a afecção e ter feito uma avaliação prévia do que se trata, decide pelo itinerário terapêutico mais adequado, desde chás ou remédios até a decisão de levar o filho à ULS ou ao hospital. No âmbito deste trabalho, acredita-se que a decisão a respeito de qual o itinerário terapêutico a ser seguido estará condicionada pelas informações que essas mulheres disponham sobre dois elementos: quanto ao uso/conhecimento dos medicamentos mais adequados e quanto ao tipo de unidade de saúde a ser acessada (ULS, hospital, ou medicina paralela). (1) No que se refere ao uso dos medicamentos mais adequados, retorna-se a aspecto alinhavado na seção anterior, cuja discussão não deve esgotar-se tão cedo neste trabalho. Trata-se da peculiaridade levantada por Boehs, Ribeiro, Grisotti et al (2009) referente ao afastamento das práticas e saberes que eram transmitidos pelas gerações mais velhas. A ausência dessa base de apoio substrai das mulheres a possibilidade de aprenderem práticas de cuidados que eram passadas de geração em geração. Esse aspecto, ligado à crescente hegemonia do modelo hospitalocêntrico e dos atuais estilos de vida e trabalho das mulheres (não apenas das chefes de família), estaria aumentando a dependência da população de medicamentos e dos serviços de saúde, quando da busca por tratamento. Os relatos das entrevistadas abordadas por esta pesquisa a respeito dos tratamentos que as mães (ou gerações passadas) empregavam dão conta de situações pautadas pela falta de postos de saúde (para acessar os serviços disponíveis “tinha que ir para a cidade”, U1) e pelo uso de remédios caseiros: Não tinha posto antigamente. As pessoas corriam para os hospitais mais distantes. Faziam os tratamentos em casa, né? Se era um machucado lavavam com ervas, era algo mais imediato, mas que funcionava, né? (U10) 168 Minha mãe tinha dor de estômago – quando batia aquela dor, quase morria. Ela só esmagava alho e tomava chá quente. (U2) Em contraste com o tipo de medicamento usado no tempo das mães e avós, de todas as entrevistadas somente quatro (ver depoimentos a seguir) afirmaram tomarem chás como primeiro recurso terapêutico, seguido muitas vezes por automedicação ou combinado com ela. Notese que essas quatro usuárias estão numa faixa etária superior aos 50 anos o que induz a pensar que sejam detentoras de conhecimentos da medicina familiar ou popular, repassados de mãe para filha, não disponíveis para as mais novas pelo seu escasso contato com pessoas mais velhas da família. Quando posso me arrumo. Tomo um chá, um comprimidinho que tenho em casa. Às vezes compro (o remédio), porque nem sempre dá para ir lá no posto, né? (U1, usuária de 73 anos) Quando vê que não dá, tomo chá. Se não melhoro vou ao posto. (U2, usuária de 85 anos, hipertensa) Quando é coisa mínima resolvo em casa mesmo. Não vou para o hospital (note que para esta entrevistada a alternativa ao tratamento caseiro é o Hospital e não a ULS). Faço um chá caseiro, uma dor de barriga, uma dor de ouvido. (U10, 50 anos) Tomo chás ou compro remédios na farmácia (...). Eu tenho uma dor de cabeça muito forte. Hoje amanheci sentada com dor de cabeça. Essa dor eu tenho há muitos anos. O médico diz que é enxaqueca. Então tem que agüentar. Não me deu remédio por causa do estômago, porque tenho úlcera. Então compro na farmácia. Mas o remédio da farmácia eu compro e tomo, melhoro um pouquinho e daí a pouco volta tudo de novo. (U4, 67 anos, aposentada por motivo de saúde, reclama de dores crônicas e suspeita ter câncer no coração e nos pulmões). 169 As outras dez entrevistadas manifestaram acessar a ULS ou os hospitais, ou ainda utilizar medicamentos disponíveis em casa ou aqueles indicados por alguma conhecida. Não foi indagado especificamente sobre o tipo de medicamento que seria utilizado para cada situação. A esse respeito, Boehs, Ribeiro, Grisotti et al. (2009) destacam, em pesquisa realizada entre mães de crianças de 0 a 6 anos, que a resolução de pequenos desconfortos na saúde das crianças têm sido feita via analgésicos ou antitérmicos, situações que antigamente teriam sido tratadas com recursos da medicina familiar ou popular, tais como uso de calor/frio, banhos e chás. Para as autoras isso teria desenvolvido uma nova cultura: a “cultura da dipirona e do paracetamol”, ditada pela necessidade de recuperação rápida. Conforme relato de uma profissional de saúde daquela pesquisa: As mães tendem a não compreender mais que há um tempo de espera para o tratamento fazer efeito e o corpo se recuperar. (...) as mães querem a solução rápida, se estão tomando antibiótico, querem estar recuperados no dia seguinte. As mães hoje não têm paciência. Se você não quer ver a pessoa todo dia aqui no posto, tem que explicar muito bem o que pode acontecer. Se souber que febre vai continuar nas próximas 48 horas, a mãe então espera por isso. Tudo está mais rápido, o computador está mais rápido, mas o tempo biológico não mudou. A cura da gripe tem seu tempo, assim como da diarreia (profissional de saúde em BOEHS, RIBEIRO, GRISOTTI et al., 2009, p.8) Embora essa pesquisa tivesse restrito o seu foco nas mães de crianças de zero a seis anos, a automedicação indiscriminada é fato inconteste em qualquer faixa etária e tem configurado a chamada “medicalização da doença”. Ao respeito, Grisotti (1998, p.56) destaca que dentro da medicina familiar a automedicação “tem se acentuado principalmente em populações jovens que tendem a relegar os remédios caseiros e considerar os antibióticos, por exemplo, como mais eficazes porque curam mais rápido”. A automedicação também é o recurso paliativo utilizado para amenizar o sofrimento enquanto as usuárias aguardam a realização de exames. É o que revela usuária com suspeita de câncer que aguarda para fazer biopsia e reclama da demora. 170 Durante esse tempo todo tem que ficar parada tomando chá ou comprando remédio para tirar a dor (U4). A mesma usuária declara ter dores de cabeça crônicas. O médico teria dito que é enxaqueca e que não poderia medicá-la por causa da úlcera. Como não lhe deram remédios, quando a dor atinge níveis insuportáveis, afirma que ela mesma os compra. (2) Quanto ao tipo de unidade de saúde apropriada para cada situação, percebe-se que essa escolha estará fortemente atrelada às experiências anteriores das usuárias. Nos relatos das entrevistadas, listados a seguir, vem à tona que a unidade terapêutica mais utilizada é o hospital. As ULS só seriam acessadas quando da necessidade de exames ou serviços complementares (como nebulização) receitados nos Hospitais. No caso de mães com crianças pequenas que sofrem com agravos periódicos (afecções respiratórias principalmente) quando do seu aparecimento vão direto para o hospital, mesmo sendo mais distante que a ULS. Procuram o atendimento hospitalar porque acreditam que lá haverá um grau maior de resolutividade para o problema de saúde apresentado. As entrevistadas acham que além de ser incerta a possibilidade do filho consultar na ULS, o processo terapêutico nesses locais é demorado e burocratizado. Quando meu filho tem problemas de saúde o levo direto para o hospital (U8). [O que fez para enfrentar essa dor? Como tratou?] Fui a tudo quanto é lugar. Fui ao HU, Fui no [Hospital] Celso Ramos. Aí eles me mandaram para o [Hospital] Nereu Ramos. Eu tenho uma pilha de exames, mas nada feito. (U4) Olha, para falar a verdade, para ir ao posto só se for muito necessário... Porque a gente vai lá e é difícil conseguir as coisas. Então quando é muito necessário eu vou ao posto de saúde só pra me garantir, né? (U5) [o que faz quando chegam as crises] Como ontem era domingo e o meu filho já estava muito cansado, eu pensei: não vou levá-lo no Hospital Infantil . Porque (quando têm 171 as crises) não procuro o posto, vou direto ao Infantil. Eu vou ao posto depois que lá no Infantil eles dão um papel receitando para ele fazer a nebulização. Aí eu vou ao posto. Vou direto para o Infantil. Não vou perder o meu tempo ali no posto. Já vou direto para o Infantil. Não adianta ir para o posto. Porque vai ao posto, aí passa pela enfermeira, pela triagem para depois consultar com o médico. Ah, pára! (com ar de enfado). Até fazer isso a criança já morreu. Se a enfermeira disser que ele está ruim ele consulta, se não, se dizer que está bem, vai para casa. Vou direto no Infantil. Só vou ao posto quando o médico dá o papel para fazer nebulização aqui no posto. Aí sim, eu vou no posto. Lá no Infantil eles têm os médicos que conhecem ele, porque ele já foi queimado. Eu vou e eles ficam acompanhando ele. Porque quando dá a bronquite dele, ele fica um mês dois meses no hospital. Abaixa a temperatura e já dá bronquite. No Natal fiquei lá menina, passei trabalho. Ele fica pior quando o tempo está para mudar. E ele muda junto com o tempo. O tempo mudou e XX está mudando. O outro que tem também já não é tanto porque está com 13 anos. Mas este não, o tempo mudou e ele muda junto. Na praia ontem, mal ele entrou na água um pouco e já começou arf, arf, arf (arfando). Falei: então tu não entras mais. Tive que ir embora porque já estava com catarro. (U13) Neste último depoimento dois aspectos chamam a atenção. O primeiro é que a ULS ao invés de ser porta de entrada para o sistema, se constitui em complemento para o tratamento iniciado no hospital. O segundo é o fato da ULS ter perdido para o hospital a condição de local onde deveriam se desenvolver laços de reciprocidade com as famílias (pelo menos para esta usuária). Nota-se que a usuária em questão sentese mais segura no hospital porque sabe que terá garantida a consulta para o filho e deposita sua confiança nesse local porque sabe que lá “o conhecem”, isto é, reconhecem o paciente na sua individualidade. Tal fato contrasta com o tratamento na unidade de saúde, onde é posta em questão a necessidade do filho ser tratado. O fato da enfermeira decidir se o filho está ruim ou não, para a mãe significa uma subtração da sua autoridade pois ela “fez” um primeiro diagnóstico e concluiu que era necessário levar o filho à ULS para ser visto por um médico. 172 No caso acima, o que se coloca em questão é por que a ULS não conseguiu desenvolver a relação de confiança que parece haver com o hospital se faz parte da nova estratégia de atendimento a construção de vínculos com as famílias. Muito mais, em se tratando de doença que se repete periodicamente, fato que poderia propiciar encontros freqüentes. A hipótese com que se trabalha é que a despeito das estratégias de acolhimento e de formação de vínculos estreitos com as famílias do novo modelo, o que de fato estabelece um vínculo real de confiança e de responsabilidade para com as famílias é a disponibilidade de médico ou especialista que possa dar prosseguimento ao itinerário terapêutico escolhido pela família. Quando a enfermeira toma para si a prerrogativa de decidir se o paciente será objeto de consulta quebra o itinerário mentalizado pela mãe. Isso pode ter implicações, pois como será visto ao discutir a questão da co-responsabilidade dos cuidados, o reconhecimento da autoridade que a mãe tem nessa primeira avaliação e a valorização dos saberes que ela tem a respeito do processo mórbido e do processo de cura (mesmo que de modo empírico) são elementos que poderiam ser aproveitados para consolidar a construção da coresponsabilidade. Ao fechar esta subseção volta-se à hipótese a respeito de que a decisão pela medicação e pelo tipo de unidade de saúde estará fortemente atrelada ao conhecimento que as usuárias têm a respeito do que seria mais adequado para elas ou, em outras palavras, ao nível de informações que as usuárias dispõem, fato fortemente condicionado pelas experiências anteriores das usuárias. A questão a ser enfatizada é que o leque de opções que elas consideram não reflete necessariamente o itinerário terapêutico pretendido pela ESF para elas. Ocorre aqui o que no referencial de economia neoclássica é denominado de “escolha com informações imperfeitas” Quando fazemos escolhas (...) temos que nos basear em informações imperfeitas para nos orientar. Em um mundo ideal, saberíamos exatamente quais eram as nossas alternativas ao fazermos escolhas. Na realidade, porém, quase sempre fazemos escolhas sem informações completas sobre nossas alternativas. Em outras palavras, os problemas de escolha, em sua maior parte, baseiam-se em informações imperfeitas: não conhecemos a lista completa de informações disponíveis (EATON e EATON, 1999, p.69,70). 173 Além disso, há uma “assimetria de informações”, que é a situação em que um dos lados dispõe de mais informação que o outro. Entendese que há desencontro entre o itinerário terapêutico escolhido pelas famílias e aquele preconizado pelo sistema oficial de saúde. Conforme ficará evidente nas seções subsequentes, as famílias desconhecem elementos importantes da ESF. O fim desse desequilíbrio (ou assimetria) de informações poderia ser um dos elementos que possibilitem construir a noção de co-responsabilidade. É importante acrescentar que as usuárias pré-definem a que estabelecimento hospitalar levarão os seus doentes mesmo sem ter ciência de que oficialmente existe um fluxo de encaminhamento para cada tipo de emergência, conforme pode ser visto no quadro 6, informação que consta em folheto com a relação de centros de saúde do município. QUADRO 6: Fluxo de encaminhamento para serviços de emergência 24 horas – município de Florianópolis 174 Cabe destacar que as unidades de saúde elencadas nesse fluxo também podem atender certas situações de emergência dos convênios de saúde. O paradoxal nessa situação é que os usuários dos planos desconhecem o que fazer em casos de emergência e, em tese, podem enxergar o aparente caos dos hospitais públicos e pensar, com certo alívio, que por ter plano não precisarão desse “tumultuado” serviço. Levantamento informal feito para fins desta tese junto a usuários de planos de saúde revelou que esses usuários desconhecem o itinerário terapêutico adequado para casos de emergência, o que implica que não sabem que dependendo da gravidade da emergência precisarão acessar a rede pública, de cujo caos aparentemente se sentem livres. Alguns planos em grandes centros urbanos do país criaram núcleos de emergência que se bem sanam a demanda por atendimento de certas queixas imediatas não resolvem a demanda por serviços de emergência mais complexos. 5.2.5 Satisfação com os serviços recebidos Os relatos feitos na seção anterior poderiam assinalar que a opção pelo tratamento hospitalocêntrico se constituiria num indicativo de que em toda e qualquer circunstância haveria preferência por esse tipo de atendimento, em detrimento dos serviços oferecidos pelas ULS. Entretanto, percebeu-se nas entrevistas que a satisfação dos usuários com os serviços de saúde vai além da possibilidade de acessarem os hospitais e está também associada a dois elementos correlatos: a estrutura que as ULS disponibilizam e o tipo de demanda que a população manifesta. A relação entre estrutura da ULS e tipo de demanda está representada no Quadro 7. Nas colunas estão elencados os tipos de demandas que a população traz até as ULS: espontânea, para tratamentos com medicação de uso contínuo e demanda por serviços de alta complexidade. Esta tipificação foi criada apenas para fins desta análise e difere da classificação oficial de demandas 90. A Intenção não foi criar categorias paralelas ou semelhantes às oficiais, mas apenas 90 Os serviços de saúde classificam as demandas da população em três categorias. Demanda espontânea, aquela que decorrente da procura aos serviços de saúde a partir da constatação, pelo próprio paciente, da existência de um agravo. Demanda reprimida, a que decorre de trabalho concentrado de diagnóstico situacional por parte dos profissionais de saúde em uma área antes desprovida desse tipo de atenção. E a demanda organizada ou direcionada, a que ocorre em uma área permanentemente monitorada por equipe ou serviço de saúde capaz de diagnosticar a existência de um agravo com antecedência. 175 retratar as demandas que pareciam emanar das entrevistas. Nas linhas está expressa a qualidade das duas ULS analisadas91. No que se refere à estrutura das unidades, conforme foi destacado no início deste capítulo, a ULS da área I é considerada vitrine de boas práticas se comparada a outras unidades de saúde, em parte por fazer parte do Programa Docente Assistencial e também pelo atendimento estendido (até as 22 h). A ULS da área II encerra seu atendimento às 17 h. Quadro 7. Usuários satisfeitos por tipo de tratamento demandado e por qualidade da ULS TIPO DE DEMANDA Qualidade da ULS DEMANDA ESPONTÂNEA TRATAMENTOS DE USO CONTÍNUO SERVIÇOS DE ALTA COMPLEXIDAD E Boa Média Nota: Áreas sombradas = ocorrência de usuários satisfeitos No caso do posto com melhor infraestrutura há uma relativa satisfação com o atendimento de demandas espontâneas, fato que ocorre em menor proporção no posto com menor infra-estrutura. Na demanda por medicamentos de uso contínuo ambas as unidades parecem atender as demandas da população. Já o terceiro tipo de demanda (por serviços de alta complexidade) é deficitário em ambas as ULS. 91 Desde já cabe alertar para os limites desta categorização, pois a rigor não foram levantados elementos objetivos que possibilitassem definir com precisão o quesito qualidade das unidades de saúde. A comparação entre elas foi feita pela pesquisadora. A classificação das unidades em “boa” e “média” foi elaborada a partir dos próprios relatos das entrevistadas tendo como critérios horários de atendimento ou leque de serviços disponibilizados. Mesmo reconhecendo a fragilidade dessa classificação ela se fez necessária para identificar grosso modo se as unidades estariam dando conta das demandas da população adscrita. 176 Demandas espontâneas relativas à atenção básica Para aqueles usuários que vão à busca de atendimento de modo espontâneo pode-se perceber duas realidades: a dos que estão na circunscrição da unidade de saúde com melhor estrutura e aqueles que estão numa unidade com condições mais precárias. Na primeira, os pacientes sabem que há dias específicos para marcação de consultas e que naqueles casos em que se apresenta uma dor repentina (de garganta/ouvido ou febre) é possível ter acesso ao setor de emergência do posto, mesmo fora do horário comercial porque ele tem um horário de atendimento estendido (até as 22 h). Já no segundo, percebe-se uma clara opção por levar os doentes aos hospitais mais próximos, pela precariedade dos serviços emergenciais oferecidos, o que não impede as usuárias de elogiarem a unidade em outros aspectos. Exemplo disso é o caso de usuária da área II cujo esposo sofre de distúrbio psicótico e que também acessa os serviços de saúde para doenças ocasionais ou crônicas dos filhos. Quando tenho problemas vou para o hospital Infantil. Os meus filhos estão bem servidos lá. Quando é coisa mínima resolvo em casa mesmo. Não vou para o hospital, faço um chá caseiro em caso de uma dor de barriga ou de uma dor de ouvido. No posto uma vez eles deram um remédio [para o meu filho], mas não ficou bom. Tive que leva-lo ao Hospital Infantil. Pra mim o posto não resolve nada. Só resolve para o meu marido porque quando ele precisa. Já falo: fulano está precisando de remédio. Eles não fazem esperar, vai já consulta e já dão o remédio. Só para isso mesmo que o posto serve para o resto não serve. (U 10, Área II) A avaliação que ela faz dos serviços da unidade de saúde se desdobra em dois aspectos. De satisfação quanto à medicação que o marido recebe, pois afirma que nunca lhe faltam os medicamentos e que a ACS o visita para ver o que está faltando. E de indignação quanto precisa atendimento para ela ou para os filhos, um deles com doença crônica (asma). Foge ao escopo desta investigação, mas poderia se questionar se não estaria em tela uma provável hierarquização de doenças em que problemas mentais teriam prioridade sobre outras afecções? No caso específico dos filhos, a entrevistada afirma que 177 prefere levá-los ao Hospital Infantil. No depoimento da usuária contrasta, também, a opinião que tem a respeito da ULS e da ACS. Se de um lado é extremamente crítica sobre a unidade, faz menção ao tratamento adequado recebido pelas ACS: O problema em si está no posto não no ACS. Quando têm acamados, ou pessoal que fez cirurgia, elas vem. Vem até com a enfermeira se for necessário. Fora isso é o ACS que toma conta. . (U 10, Área II) O caminho terapêutico é o Hospital Infantil e alternativamente remédios caseiros. Na área em que a ULS tem menos condições de atender a demanda espontânea a unidade só é acessada quando da necessidade de dentista, de exames ou de serviços complementares (como nebulização) receitados no Hospital. Quando ocorrem as crises a usuária mencionada vai direto para o hospital. A despeito dele ser mais distante que a ULS, a usuária acredita que lá haja um grau maior de resolutividade para o problema de saúde apresentado. Na unidade de saúde, além do processo terapêutico ser mais demorado e burocratizado, a possibilidade de obter consulta é incerta. Meu filho quando tem as crises não procuro o posto, vou direto ao Hospital Infantil. Eu vou ao posto depois que lá no Infantil eles dão um papel receitando para ele fazer a nebulização. Aí eu vou no posto. (U 13, Área II) Em contraposição, usuárias da área I, com posto mais estruturado afirmam: Quando a gente fica doente corre para o posto (U2, Área I) Depois que o posto começou a atender à noite ficou mais prático porque às vezes a gente tinha que trabalhar e a criança tinha que ir para a escola e precisava de uma urgência de noite e às vezes não podia ir ou a criança estava com febre, alguma coisa, aí tinha que esperar até o outro dia para levar a criança ao posto ou se automedicar em casa para esperar que no outro dia pudesse levar a criança ao posto de saúde. Mas aí, depois que o posto 178 começou a funcionar até mais tarde melhorou. Às vezes quando as crianças passam mal na creche, tipo o meu menino na outra semana teve dor de barriga, daí saí direto da creche para o posto, Já facilitou, entende? Porque antes o posto funcionava só até as 6 da tarde e agora fica até as 9 da noite. Fica prático para a gente. Mesmo quem trabalha pode levar os filhos à noite (U 6, Área I). Além do horário estendido, a melhor percepção das usuárias da ULS da área I pode estar condicionada pelo fato de que a estrutura dessa unidade ficou parecida com um mini-hospital e, portanto seriam serviços mais próximos do modelo hospitalocêntrico. 2) Demanda para tratamentos com medicação de uso contínuo Neste tipo de demanda encontram-se os acamados, pessoas com problemas mentais ou distúrbios psicóticos. Os pacientes nestas situações ou as usuárias que deles cuidam parecem estar satisfeitos no que se refere ao item recebimento de medicação de uso continuo desde que haja um diagnóstico claro. A função das ACS nestes casos é clara: fazer as visitas, entregar os medicamentos e verificar como anda o tratamento. A exceção neste grupo fica para aqueles que ainda não têm um diagnóstico e precisam conseguir os exames ou as consultas especializadas. Mesmo no caso daqueles pacientes que estão na esfera da unidade de saúde mais precária manifestaram que suas necessidades eram supridas. É exemplo disso, trecho do depoimento da Usuária 10, destacado anteriormente: Pra mim o posto não resolve nada. Só resolve para o meu marido porque quando ele precisa. Já falo: fulano está precisando de remédio. Eles não fazem esperar, vai já consulta e já dão o remédio. Só para isso mesmo que o posto serve para o resto não serve. (U 10, Área II). 3) Demanda por serviços de média e alta complexidade Conforme foi assinalado anteriormente, é frequente que as pessoas se direcionem aos hospitais e lá sejam solicitados exames complementares que deverão ser marcados nas ULS. Em ambas as áreas percebe-se a grande insatisfação quando se apresentam doenças de 179 maior complexidade ou que dependem de atenção especializada. Nesse sentido é emblemático o depoimento da usuária 5 da Área I, ao ser questionada sobre o seu problema de saúde: USUÁRIA 5: (tenho) dor no ombro, dói bastante. É uma dor “cansada”. Sinto no corpo todo. Fiz os exames e dizem que é miopatia. Tenho que fazer outros exames, que é a biopsia do músculo. Esse é o problema. Essa biopsia tem que ser marcada. [A ACS se interpõe e explica] É um exame de alta complexidade que não é feito aqui. Tem que ser feito em Curitiba. Só encaminhar e esperar pelo INSS, que são os que fazem exames especiais como os dela. É uma doença difícil. E no caso dela tem que fazer essa biopsia. Tem que tirar um “naquinho” do músculo para pode fazer a biópsia e ver se é isso que ela tem mesmo... USUÁRIA 5: Já faz uns 5 meses que está para ser marcado. O dia que eu levei lá, eles falaram que com 15 dias me davam uma resposta mas não me deram ainda. Estou esperando. Não fui lá porque é só eu e o meu marido, né? Se ele começar a faltar ao serviço não vão gostar, aí eu não posso sair. Então o recurso é esperar... [pergunto à ACS se o posto poderia fazer algo para apressar a realização do exame e ela afirma]: estou tentando saber com ela o local onde deixou o pedido para o exame. Ela foi procurar o papel do encaminhamento, ver se tinha endereço ou telefone. Se tinha alguma coisa, pois como não foi via posto a gente não sabe onde está. USUÁRIA 5: Do posto foi mandado para a Secretaria da Saúde, me pediram para levar esse papel lá.. ACS: eu pedi para ela tentar marcar consulta de novo no posto para acessar o prontuário dela Situação semelhante é observada no diálogo entre a ACS e a Usuária 4, também da Área I. Percebe-se o cansaço que parece ter 180 tomado conta da usuária diante da impossibilidade de conseguir os exames que precisa. Fato que inclusive a levou a aceitar indicação da patroa para submeter-se a tratamento num centro espírita: USUÁRIA 4: [o que fez para enfrentar essa dor? Como tratou?] Fui a tudo quanto é lugar. Fui no HU, Fui no Celso Ramos. Aí eles me mandaram para o Nereu Ramos. Eu tenho uma pilha de exames, mas nada feito. [lembra de outra dor/incômodo]: Uma das vistas eu já não enxergo mais também. ACS: não foi marcado? A Sra. chegou a fazer a triagem? USUÁRIA 4: Fiz, só não sei onde tem o papelzinho aí. ACS: Pois é, eu perguntei e eles disseram que tem que aguardar. Pois às vezes demora mais de um ano. USUÁRIA 4: mas eu já faz mais de um ano. ACS: às vezes demora mais ainda USUÁRIA 4: a primeira demorou um ano e 8 meses. Depois eu perdi porque eles avisaram a minha neta e ela esqueceu de me dar o recado. ACS: Se perder é pior, porque aí vai para o final da fila. .......... ACS: sobre aqueles outros exames de fezes, já foram marcados? USUÁRIA 4: não, já estou bem. Agora já nem vou fazer porque já estou boa. ACS: está melhor? Mas mesmo se marcar não vai fazer? USUÁRIA 4: Agora não vou mais. Agora vou esperar vir a dor de novo. Eu tenho uma espécie de diarréia. Fiquei 10 181 dias assim. Fui no posto no terceiro dia e contei para o médico. Ele falou “é urgente, vá para o HU”, porque também vinha sangue né? Eu estava fraca, fraca já não agüentava mais nem andar. Fui com um papel de urgente para o HU. Cheguei lá na frente (do HU) e disseram que não, que não dava, que só estava marcado em cima como urgente e que teriam que ter mandado com um carimbo de urgente. Eu voltei para o HU. Estava até sem café naquele dia. Voltei lá no HU. Peguei a cartinha, falei como médico e até hoje não marcaram consulta. Fiquei 10 dias com isso direto. Não agüentava nem andar mais. [e qual a explicação lhe deram, questiono]. Nada. Porque agora já nem perguntei mais nada. Agora melhorei. Eu fui num centro espírita. Minha patroa me disse “vou te levar num centro espírita em que fui operada em Forquilhinha”. Eu disse “vamos que não estou agüentando mais”. Daí eles me levaram lá. Eles me deram umas orações (mostra uns papéis)... Deixei aqui (em cima da mesa) porque não acredito muito nessas coisas. Disseram que era para fazer. Eu fiz naquele dia. Mas eu tinha muito sono. Eu fiquei toda mole de sono. Disseram que era para deitar numa cama toda branca. Eu arrumei, fiz tudo que me mandaram. Fiquei boa, não precisei voltar mais para o posto. ACS: cheguei a perguntar sobre isso. Aí o certo seria a Sra. voltar no grupo de marcação na quarta-feira e marcar uma consulta com a Dra. XXX (médica da microárea). Foi isso que me disseram. USUÁRIA 4:Mas eu já tinha consultado com o Dr. YYY (que não é dessa microárea ... ACS: mesmo assim... eu acho é a minha opinião. Se foi marcado seria bom a Sra. Fazer o exame. USUÁRIA 4:Agora nem faço mais, vou esperar, porque isso aqui me dá lá de vez em quando . Às vezes um ano, dois. Isso aqui me deu quando engravidei de gêmeos. Tiraram os meninos, porque não deu tempo. Faltavam 20 182 dias para nascerem. O médico tirou porque estava morrendo, já estava com anemia. Aí passa um ano, dois ou até três anos e me dá de novo. Mas antes era 2 dias, 3 dias e passava, mas agora foi 10 dias ACS: Mesmo assim devia fazer os exames. USUÁRIA 4: Eu acho que quando é uma coisa com urgência, acho que tem tantos médicos que se não dá com um dá com outro. Eles são obrigados a procurar mas não dão a mínima. ACS: Não é marcado. USUÁRIA 4: faz mais de um mês que está lá. ACS: é, eu cheguei a perguntar. USUÁRIA 4: ainda falei para o Dr. YYY (que não é dessa microárea): eu já estou assim há 4 dias e não estou agüentando mais. Então acho que era para eles me procurarem, né? Não tem consulta num lugar (se referindo à rigidez de vagas na microárea) tem que ter em outra. A gente paga isso aí, né? Usuária sabe que ela deveria ter sido incluída nas visitas domiciliares e não foi, ou ainda ter sido procurada pelas ACS para marcação de consulta. A insatisfação da usuária é maior pela rigidez na marcação de consultas na micro área específica, o que impede que a usuária seja atendida em outra92. Quando a entrevistada afirma que 92 Nessa ULS a marcação de consultas é feita de forma separada para os moradores de cada micro-área. Isto é, há um horário específico num dia por semana no qual os moradores devem (por ordem de chegada) agendar consultas, que normalmente serão realizadas no decorrer dessa semana. A novidade dessa micro área é que nesse dia há uma espécie de pré-atendimento pelos médicos da equipe que em muitos casos já resolverão no dia a necessidade apresentada, ou aqueles que estão comparecendo à consulta apenas para renovação de uma receita já podem obtê-la nesse dia. Se por um lado, há certa facilidade para os moradores de determinada micro área na obtenção de consultas ou renovação de receitas nesse dia de marcação, por outro lado há pessoas que requerem renovação de receita em dias que não correspondem a sua micro-área e têm dificuldade para conseguir o que procuram. Outro problema dessa sistemática de marcação de consulta em dia pré-definido para cada micro área se refere à necessidade que às vezes um determinado pai ou mãe têm de agendar consulta para mais do que um membro da 183 deveria ter sido procurada e que “a gente paga por isso” denota o profundo empoderamento que representam as políticas públicas, pois embora mais adiante na entrevista a usuária afirme desconhecer a ESF e o seu funcionamento, sabe que tem direito à saúde93. Entretanto, percebe-se um paradoxo no depoimento da usuária. Se de um lado ela expressa que tem direito, mais adiante afirma “consulta com especialista é mais difícil... a gente tem que esperar porque é pobre”, o que denota sentimento de resignação ou uma quase aceitação da demora pela sua condição de pobreza. Nos depoimentos de outras entrevistadas também apareceu a concepção de que o SUS é uma política de saúde para os pobres, focalizada portanto. Um dos pontos de maior insatisfação entre os pacientes se refere à marcação de consultas. Em mais de uma ocasião em que as ACS estavam presentes e os pacientes reclamavam da demora as primeiras insistiam em que eles deveriam continuar tentando, insistindo. A insatisfação manifesta pelos usuários formalmente não tem como chegar aos gestores da política pública. Normalmente ela só se torna pública quando a mídia traz à tona a insatisfação da população por essa demora. A política pública não prevê um mecanismo de captação da percepção do usuário quanto à qualidade do serviço prestado. O agente de saúde como ponto de ligação da política pública com o usuário tenta conseguir a consulta ou exame solicitado e em certas situações repassa a responsabilidade por conseguir a consulta para o próprio paciente. Quanto à resolutividade das ações desenvolvidas pelos ACS os usuários reconhecem que em, muito casos, eles são fundamentais para acessar serviços da ULS Na semana passada que precisava de anticoncepcional, precisava pegar a receita e não tinha. Falei com ela (a ACS), encontrei ela e falou “não precisa ficar esperando o família. Como só é permitido marcar uma consulta por pessoa ele/ela se vê impossibilitado de fazê-lo. 93 Dentre outros, Martins et al. (2009) destacam a importância do PSF como instrumento de empoderamento da população no que se refere à área da saúde. Ao respeito deve ser destacado o alerta feito por Cotta et al. (2007. p.2) de que a capacidade de empoderamento do PSF não está associada a maior participação nas atividades do programa nem a atividades dos conselhos de saúde mas, apenas, à facilidade de agendamento prévio das consultas pelos ACS, que facilitam o acesso ao atendimento médico. Os autores destacam, ainda, que “nenhum entrevistado mencionou a possibilidade de participar como um ator ativo na formulação de políticas e ações de saúde ligadas à comunidade onde vive”. 184 dia da consulta, vai lá e fala tal dia com a médica que ela consegue para ti”. Aí fui lá e consegui. (U6) Por tudo o que foi exposto nesta seção percebe-se que o grau de satisfação parece estar ligado ao tipo de demanda realizada e à possibilidade das ULS atenderem essas demandas. Se as demandas estão na categoria da atenção básica e a ULS dá conta desses requerimentos as entrevistadas se mostram satisfeitas. No caso da ULS com melhor infraestrutura há uma relativa satisfação com o atendimento de demandas espontâneas relativas à atenção básica, fato que ocorre em proporção reduzida no posto com estrutura mais incipiente. O problema se apresenta quando as famílias demandam atenção de média e alta complexidade, atendimento para o qual as ULS não estão preparadas para responder. Ao que tudo indica quanto mais deficiente é a ULS mais evidente se torna a desproteção que a família enfrenta. Na demanda por medicamentos de uso contínuo, ambas as unidades parecem atender as demandas da população. Já o terceiro tipo de demanda (por serviços de alta complexidade) é deficitário em ambas as ULS. Silva Júnior e Almeida (2007, p.37) assinalam que um dos problemas do atual modelo amparado na ESF é exatamente que (...) não se assegura a retaguarda necessária para garantir à atenção básica a capacidade de enfrentar efetivamente uma série de situações e agravos. Foi ampliada a cobertura da atenção básica, mas são sérias as limitações para exames laboratoriais e radiológicos ou para apoio nas áreas de reabilitação, saúde mental e outras, indispensáveis para a continuidade da atenção. Um serviço que não consegue assegurar esse tipo de apoio acaba se desmoralizando. Muitas pessoas preferem procurar diretamente os hospitais, pois sabem que o acesso a esse tipo de retaguarda será menos complicado. (o problema nessa direção, é que) os hospitais estão organizados de acordo com uma concepção restrita de saúde, que desconhece a subjetividade, o contexto e a história de vida das pessoas. Além disso, a atenção organizada por especialidades leva à fragmentação do cuidado e à desresponsabilização, já que cada qual cuida da sua parte e ninguém se responsabiliza pelo todo. 185 Há, também, um profundo desconhecimento sobre a atenção básica e seu potencial de cuidado. Como consequência, descontinuidade da atenção, ambulatórios sobrecarregados, população cativa. Essa situação não permite, no entanto, omitir o fato de que a ampliação da cobertura tem possibilitado o acesso a serviços de saúde impensáveis para gerações anteriores. O que o padrão de proteção social em saúde no Brasil não conseguiu ainda superar (e isso a despeito do seu caráter universal) é a estratificação dos usuários e dos serviços. Como salienta Fleury (2002, p.34, 35), pelo caráter pluralista e abrangente da proteção social do sistema de saúde Há um movimento em direção à estratificação da população, conforme o poder aquisitivo de cada grupo. O resultado possível é que cada indivíduo usufrua a direitos e serviços, em maior ou menor grau, segundo o grupo de população ao que pertença. Embora a condição de cidadão se funda numa noção igualitária dos direitos, a proteção social na região ainda é baseada em mecanismos institucionais de discriminação. 5.2.6 A questão da co-responsabilidade prevista pela ESF Conforme foi salientado anteriormente a ESF enquanto estratégia organizativa da Atenção Primária à Saúde no SUS foca suas ações na promoção e na prevenção da saúde. Configura um novo modo de agir em saúde em que as responsabilidades pelos cuidados passam a ser compartilhadas pelas famílias e pelas equipes de SF. Cabe lembrar que a delegação de responsabilidades faz parte de toda uma estratégia de gestão do Estado de repassar os custos para a sociedade. Responsabilidade, co-responsabilidade, autonomia ou co-gestão são termos que aparecem com freqüência nos documentos oficiais que tratam da saúde da família. Percebe-se que essas citações são feitas em dois sentidos: como delimitação das competências de cada unidade da federação (governo central, estados e municípios) e como estabelecimento das responsabilidades entre os agentes envolvidos, notadamente os usuários e os trabalhadores em saúde. Conforme será 186 visto nesta seção, no primeiro sentido há uma clara definição das funções que cada nível da federação deve desempenhar 94. Já no segundo sentido há uma situação polar: enquanto os trabalhadores em saúde (médicos, enfermeiros, ACS) têm as suas funções claramente delimitadas, parece não haver o mesmo nível de clareza no que tange aos encargos das famílias na co-responsabilidades pelos cuidados em saúde. Diante disso, alguns questionamentos são pertinentes: Será que as famílias sabem mesmo o que é serem co-responsáveis pelos cuidados? Será que elas estão cientes dos direitos e das obrigações que elas têm no novo formato da Atenção Básica? E mais, será que elas possuem os recursos (sociais, emocionais e técnicos) para dar conta da sua parte na co-responsabilidade? Esses questionamentos servem de guia para a reflexão a ser elaborada nesta seção. No dicionário o termo responsabilidade se refere a 1. Qualidade ou condição de responsável. 2. Condição de causador de algo; culpa. 3. Aquilo (tarefa, ação) pelo qual alguém é responsável; obrigação, dever. 4. Condição jurídica de quem, sendo considerado capaz de conhecer e entender as regras e leis e de determinar a própria vontade e ações, pode ser julgado e punido por algum ato que cometeu (FERREIRA, 2008). A última das definições fornece os elementos a partir dos quais pretende-se discutir a questão da co-responsabilidade prevista na Estratégia Saúde da Família: a noção de que alguém só pode ser julgado a partir do conhecimento ou entendimento que tenha das regras ou leis às quais se encontre submetido. A intenção nesta seção é explorar a idéia de que as famílias não estão cientes das responsabilidades que o novo modelo de atenção em saúde lhes atribui porque não conhecem o programa que sintetiza essas diretrizes (no caso a ESF) ou talvez porque não saibam da sua ênfase 94 Sisson (2002, p.20) sintetiza as responsabilidades que no Programa Saúde da Família cabem às três esferas de governo: “Seria competência do Ministério da Saúde estimular a adoção da estratégia pelos serviços municipais de saúde; definir prioridades para alocação da parcela federal dos recursos ao programa e regular e regulamentar o cadastramento das unidades de Saúde da Família no SIA/SUS. Aos estados caberia ainda (...) definir fontes de recursos estaduais para compor o financiamento tripartite e o mecanismo de alocação de recursos que compõe o teto do estado para o programa; pactuar com o Conselho Estadual de Saúde e com a Comissão Bipartite requisitos de implantação do programa; cadastrar unidades no SIA/SUS; consolidar e analisar dados de interesse estadual e alimentar o banco de dados nacional. Aos municípios ainda caberia adequar as unidades para possibilitar maior resolutividade e garantir a relação da assistência básica com outros níveis do sistema; manter o custeio das unidades; valorização da família e seu espaço social como núcleo privilegiado da atenção e contribuição na organização da comunidade para participação e controle social”. 187 preventiva e de promoção à saúde. Para isso, inicialmente será resgatado em documentos oficiais o sentido outorgado ao termo coresponsabilidade, posteriormente será explorada a compreensão que as famílias têm sobre o programa bem com se tentará construir, a partir dos relatos obtidos, quais seriam as responsabilidades que lhes são atribuídas no contato com as equipes de saúde da família. 5.2.6.1 Mudança de modelo assistencial e a questão da co-responsabilidade na ESF A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma Ata em 1978, é considerada o marco que define a Atenção Primária como novo modelo de atenção em saúde. O anterior modelo – o da medicina científica – ficou conhecido como “medicocêntrico” ou “hospitalocêntrico” pela sua ênfase no médico, na doença, nos hospitais e nos aspectos curativos, em detrimento dos preventivos e de promoção à saúde. No relacionamento com os pacientes, a medicina convencional concebia os usuários como receptores passivos das prescrições médicas. Nesse sentido, a novidade no modelo da atenção básica seria a concepção dos indivíduos e famílias como co-responsáveis pelas ações em saúde. A partir dos documentos que norteiam a ESF (BRASIL, 1997; BRASIL, 2010) é possível entender a configuração que a saúde da família tem e os sentidos que o termo “responsabilidade” assume neles. Desde já se exclui desta discussão a questão da responsabilidade institucional de cada esfera gestora a nível federal, estadual ou municipal. A discussão estará focada na compreensão da coresponsabilidade entre os envolvidos no cotidiano da saúde da família e nas implicações que esse conceito pode ter na delegação de responsabilidades para os usuários. Conforme consta no site do Ministério da Saúde (BRASIL, 2010), a nova visão do trabalho proposta pela atenção básica busca superar a atuação em saúde centrada unicamente na doença. Dentro dos princípios fundamentais da atenção básica (integralidade, qualidade, eqüidade e participação social) “as equipes Saúde da Família estabelecem vínculo com a população, possibilitando o compromisso e a co-responsabilidade destes profissionais com os usuários e a comunidade” (p.1). O ponto central do PSF estaria no “(...) estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e de 188 co-responsabilidade entre os profissionais de saúde e a população. (BRASIL, 1997, p.7). No arcabouço conceitual da Estratégia Saúde da Família é possível destacar alguns elementos que possibilitam qualificar a responsabilidade das equipes para com as famílias. O primeiro elemento de definição da responsabilidade das equipes é dado pelo território, isto é pela delimitação (adscrição) da população a ser atendida: “Cada equipe se responsabiliza pelo acompanhamento de cerca de 3 a 4 mil e 500 pessoas ou de mil famílias de uma determinada área, e estas passam a ter co-responsabilidade no cuidado à saúde.” Junto a essa população as equipes teriam por tarefa “(...) intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta; (...) prestar assistência integral, permanente e de qualidade; (...) realizar atividades de educação e promoção da saúde”. (BRASIL, 2010, p.1). O segundo elemento se refere à atribuição de tarefas das equipes. O documento de 1997, que destaca as linhas mestras da reorientação da Saúde da Família (BRASIL, 2007), determina que as equipes devem estar preparadas para (p.14): - conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase nas suas características sociais, demográficas e epidemiológicas - identificar os problemas de saúde prevalentes e situações de risco aos quais a população está exposta - elaborar, com a participação da comunidade, um plano local para o enfrentamento dos determinantes do processo saúde/doença - prestar assistência integral, respondendo de forma contínua e racionalizada à demanda organizada ou espontânea, com ênfase nas ações de promoção à saúde - resolver, através da adequada utilização do sistema de referência e contra-referência, os principais problemas detectados - desenvolver processos educativos para a saúde, voltados à melhoria do autocuidado dos indivíduos - promover ações intersetoriais para o enfrentamento dos problemas identificados 189 Quanto ás atividades das equipes, o mesmo documento define que as equipes devem realizar visitas domiciliares, internação domiciliar e participar de grupos comunitários. Depois de definir as atividades das equipes, o documento passa a detalhar as atribuições de cada um dos membros (Médico, enfermeiro, ACS). Essas atribuições estão definidas em torno da população pela qual a equipe é responsável. O terceiro elemento de definição de responsabilidade se refere à estreita relação entre responsabilidade e vínculo. Consta no documento de reorientação do novo modelo assistencial (BRASIL, 1997) que o seu potencial transformador estaria nos vínculos de compromisso e co-responsabilidade que se estabelecem entre os serviços de saúde e a população. Ao invés da unidade de saúde “ficar esperando” pela população, incumbe aos ACS a função de visitar as famílias nos seus lares de modo a aproximar os serviços de saúde das famílias. Na atuação da equipe, o ACS desempenha papel fundamental, pois será ele o principal responsável pelo estabelecimento do vínculo com as famílias. A despeito das equipes terem as suas atribuições bem definidas não há menção nos documentos da Estratégia saúde da Família à parte que cabe às famílias no exercício da co-responsabilidade. A exceção está num documento relativamente recente, intitulado Carta dos direitos dos usuários da saúde (BRASIL, 2007), texto elaborado de modo conjunto pelo Ministério da Saúde, pelo Conselho Nacional de Saúde e pela Comissão Intergestora Tripartite. A Carta contém os princípios que devem assegurar o direito aos sistemas de saúde, quer sejam públicos ou privados. Dentre os seis direitos que a carta elenca, o quinto “assegura as responsabilidades que o cidadão também deve ter para que seu tratamento aconteça de forma adequada” 95. Para isso ele deve se comprometer a (op. cit., p. 6-7): I. Prestar informações apropriadas nos atendimentos, nas consultas e nas internações Os seis princípios rezam (BRASIL, 2007): “O primeiro assegura ao cidadão o acesso ordenado e organizado aos sistemas de saúde, visando a um atendimento mais justo e eficaz. (...) O segundo assegura ao cidadão o tratamento adequado e efetivo para seu problema, visando à melhoria da qualidade dos serviços prestados. (...) O terceiro assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e livre de discriminação, visando à igualdade de tratamento e a uma relação mais pessoal e saudável. (...) O quarto assegura ao cidadão o atendimento que respeite os valores e direitos do paciente, visando a preservar sua cidadania durante o tratamento. (...) O quinto assegura as responsabilidades que o cidadão também deve ter para que seu tratamento aconteça de forma adequada. (...) O sexto assegura o comprometimento dos gestores para que os princípios anteriores sejam cumpridos.” 95 190 sobre queixas, enfermidades e hospitalizações anteriores, história de uso de medicamentos e/ou drogas, reações alérgicas e demais indicadores de sua situação de saúde. II. Manifestar a compreensão sobre as informações e/ou orientações recebidas e, caso subsistam dúvidas, solicitar esclarecimentos sobre elas. III. Seguir o plano de tratamento recomendado pelo profissional e pela equipe de saúde responsável pelo seu cuidado, se compreendido e aceito, participando ativamente do projeto terapêutico. IV. Informar ao profissional de saúde e/ou à equipe responsável sobre qualquer mudança inesperada de sua condição de saúde. V. Assumir responsabilidades pela recusa a procedimentos ou tratamentos recomendados e pela inobservância das orientações fornecidas pela equipe de saúde. VI. Contribuir para o bem-estar de todos que circulam no ambiente de saúde, evitando principalmente ruídos, uso de fumo, derivados do tabaco e bebidas alcoólicas, colaborando com a limpeza do ambiente. VII. Adotar comportamento respeitoso e cordial com os demais usuários e trabalhadores da saúde. VIII. Ter sempre disponíveis para apresentação seus documentos e resultados de exames que permanecem em seu poder. IX. Observar e cumprir o estatuto, o regimento geral ou outros regulamentos do espaço de saúde, desde que estejam em consonância com esta carta. X. Atentar para situações da sua vida cotidiana em que sua saúde esteja em risco e as possibilidades de redução da vulnerabilidade ao adoecimento. XI. Comunicar aos serviços de saúde ou à vigilância sanitária irregularidades relacionadas ao uso e à oferta de produtos e serviços que afetem a saúde em ambientes públicos e privados. A respeito do documento, alguns destaques merecem ser feitos. Enquanto elemento normativo ele ainda carece de maior divulgação entre usuários da saúde. A mera existência de um documento não 191 garante o conhecimento do mesmo por parte dos que deveriam utilizálo. O documento, pelo seu caráter por vezes irrealista e pela sua redação apurada, própria de um ambiente jurídico, pode ser pouco acessível para a população alvo. Quanto à noção de seguir o tratamento recomendado pelo profissional e pela equipe, vale destacar que a ênfase dada recai em seguir o tratamento e em nenhum momento se fala em compreender o itinerário terapêutico dos usuários. A ênfase está na questão de como o usuário tem que se comportar em relação aos serviços oferecidos, mas falta apontar como os serviços devem se comportar em relação aos usuários, mais especificamente no que se refere aos aspectos relativos ao itinerário dos usuários: a quem eles recorrem em casos de doenças, quais as estratégias que as famílias montam no cotidiano para lidar com situações de doença e descobrir as dificuldades que elas têm. Quanto à afirmação de que os usuários devem informar sobre qualquer mudança inesperada na sua condição de saúde, haveria que se verificar se na prática cotidiana das unidades de saúde (com horários e dias prédefinidos para cada micro área) e com a realidade do pouco tempo das famílias se estas teriam condições de relatarem mudanças inesperadas de saúde. O documento ignora que há problemas que afetam a saúde e que extrapolam comportamentos individuais ou até mesmo coletivos dos usuários. A menção é feita a respeito da indefinição sobre a quem os usuários devem recorrer para resolver problemas que tenham relação com a saúde. Por exemplo, como o usuário pode cuidar de aspectos sanitários do seu entorno se tem esgoto a céu aberto correndo nas proximidades da sua casa? Ou ainda, como conseguir recursos para resolver certos problemas de infra-estrutura mesmo que em esquema de mutirão?96 Há indefinição do ponto de vista dos usuários a respeito de quem pode resolver problemas, de quem pode ser responsabilizado quando há problemas de infra-estrutura que afetam a saúde. Se o documento se refere a atentar para situações da vida cotidiana em que a saúde esteja em risco e as possibilidades de redução da 96 Grisotti e Patrício (2006) relatam a dificuldade de uma comunidade de Florianópolis na tentativa de obter um pequeno financiamento junto ao Conselho Municipal de Saúde (CMS) para projeto de educação ambiental que buscava resolver problemas de lixo da comunidade. Os moradores solicitaram recursos apenas para a compra de material, já que estariam dispostos a construírem as lixeiras, em regime de mutirão. Como o CMS argüiu que havia limites burocráticos para viabilizar ajuda financeira foi sinalizada a possibilidade de celebrar convênio junto à Secretaria da Saúde (SMS) para aprovação do projeto. Foi marcada reunião com o secretário da SMS, com membros da Comissão de Meio Ambiente e com representantes do CMS. No entanto até o fim daquela pesquisa (quatro meses depois) ainda não havia relato de resolutividade para a necessidade apontada. 192 vulnerabilidade ao adoecimento, é impossível ignorar que a saúde está envolvida com vários setores da vida social que não só o atendimento médico. A saúde dos moradores de uma comunidade precária implica a articulação de um conjunto de outros serviços e não apenas dos oferecidos pelas unidades de saúde. O que, de fato, se constata é que não existe uma articulação institucional para resolver esses problemas estruturais. Uma coisa é saber que a população tem direito a uma vida digna, outra é saber o que o Estado tem feito de concreto e de forma articulada para atingir isso. Há uma distância significativa entre as responsabilidades preconizadas pela Carta dos Direitos dos Usuários e o que de fato as famílias entendem que precisam saber para melhor aproveitar os serviços que lhe são oferecidos e atuar de modo sinérgico com as equipes de saúde da família. Na tentativa de definir do ponto de vista do usuário quais seriam as suas incumbências no desempenho da co-responsabilidade, deduziram-se alguns aspectos práticos que definem as responsabilidades das famílias: - seguir orientações quanto à medicação; - saber os dias de marcação de consulta; - distinguir entre processos que se configurem em emergência de processos a serem tratados em consultas agendadas - seguir orientações preventivas; - insistir para obter uma marcação de consulta com especialista ou exame de alta complexidade, pois embora a ESF se insira no modelo da atenção primária o tratamento das doenças muitas vezes requer atendimento especializado. Sobre este último ponto cabe recordar que se trata de um dos aspectos de maior insatisfação entre os usuários e que melhor retrata a idéia de que o chamado à co-responsabilidade na realidade pode estar se tratando de um repasse de responsabilidades para as famílias. Entendese aqui que considerar as famílias como co-responsáveis é diferente de atribuir-lhes a elas a responsabilidade pela marcação de consultas, conforme será observado no diálogo entre a ACS e a usuária 4 da Área I. Note-se que parece como se a parte que foge ao escopo desse nível de atenção fosse de responsabilidade das famílias. Aí cabe se perguntar: Será que a ESF está cumprindo de maneira adequada o seu papel de porta de entrada no sistema? Ou simplesmente se limita aos aspectos preventivos e de baixa densidade tecnológica? Em mais de uma ocasião em que as ACS estavam presentes na entrevista as usuárias 193 reclamavam da demora em conseguir determinadas consultas e as ACS insistiam em que os usuários deveriam continuar tentando e insistindo. ACS: (...) Os que não conseguiram têm que continuar tentando marcar. Eles (a prefeitura) alegam isso: “não tem vaga”. A gente até tenta. Eu falo com o moço da marcação e ele diz “não tem vaga”. A gente comenta isso na reunião do grupo, mas é isso, tem que aguardar. Usuária 4: mas não adianta ... eles não vão ... ACS Mas é uma coisa que você tem que insistir. Podem lhe chamar de chata, não faz mal, volte lá, fique perguntando para o atendente “meus exames já foram marcados?”. Continue insistindo. Usuária 4: o médico do HU(Hospital Universitário) disse assim “a Sra. vai ter que se internar. Vai ficar internada, mas tem que ter o „urgente‟ (no documento) para fazer isso aí”. Só que eu já fiquei boa, não precisou internar e não foi marcado. ACS: Nós vamos continuar insistindo... o que não pode é ficar sossegado em casa. Fique lá insistindo. É o que tem que fazer. Vai perguntando, marca de volta a consulta e diz “o exame não foi marcado” e fica indo lá. É um direito seu. Usuária 4: mas se eles dizem qualquer coisa é capaz da gente responder mal, então não vou. Eu procuro muitas vezes conversar com a pessoa para não ofender,pois não gosto que me ofendam. ACS: as pessoas chegam nervosas... Usuária 4: eles não querem, não gostam... ACS: vou continuar tentando... Usuária 5 recebe da ACS a seguinte sugestão para acelerar a marcação da sua consulta: 194 ACS:Tenta tirar dúvida do exame. Liga para aquele telefone. Não vai incomodar ninguém. É teu direito saber o que é. Alguém te prometeu em 15 dias e já fazem mais de 6 meses e ainda não apareceu nada. Então tenta ver isso daí. Liga lá e pergunta. Tenha teu cartão em mãos que eles vão te perguntar o número do teu prontuário. Se tiver algum número do encaminhamento que você deixou eles vão perguntar para você. Tenha em mãos para passar para eles. Pergunte se sabem quanto tempo vai demorar, se tem previsão. E você precisa, assim que teu filho entrar em férias e ficar em casa pela manhã, peça para ele ir lá e marcar. No limite, parece que a responsabilidade pela marcação da consulta é de exclusiva competência do paciente. Chega a um ponto que parece que o insucesso na marcação da consulta foi provocado pela falta de insistência. O desânimo toma conta das usuárias que não querem mais insistir, mesmo que essa atitude possa ser interpretada como “ficar sossegado em casa”. Detalhe importante é que o usuário dos serviços de saúde teria que dispor de tempo para tentar diversas vezes até conseguir a tão almejada consulta. Isso é praticamente impossível se levar em consideração que a encarregada de ir atrás do tratamento terapêutico quase sempre é a mulher. Ela tentará compatibilizar a tentativa de marcar as consultas com a sua escassez de tempo, ditada pela sua dupla condição de mãe e trabalhadora. Na prática, as constantes negativas em muitos casos levam os usuários a desistirem para evitar atritos e dissabores. Enquanto ligação do usuário com a política pública, o agente de saúde tenta conseguir a consulta ou exame solicitado, mas diante da impossibilidade repassa para o usuário o poder de pressão. 5.2.6.2 Até que ponto as famílias têm conhecimento do novo modelo em saúde? Nas discussões propostas sobre as demandas que as famílias fazem às unidades de saúde, percebe-se que as noções do que é a atenção básica, secundária e terciária não estão claras para as entrevistadas. As famílias desconhecem que a função do centro de saúde é prover serviços próprios da atenção básica e não serviços de alta ou média complexidade. Na prática, o itinerário das famílias revela que sabem onde buscar auxílio. Mesmo que elas não saibam detalhes específicos do funcionamento dos serviços de saúde ou dos nomes que 195 recebem (“atenção básica”, “baixa, média ou alta complexidade”), a prática lhes fornece elementos que permitem construir esses conhecimentos. As famílias podem não ter ciência do nome do programa ou de certos detalhes, isso não quer dizer que elas tenham ficado inertes. As famílias construíram à sua maneira a representação de como funcionam os serviços de saúde. Por desconhecerem os limites de cada nível de atenção, os usuários passam a exigir algo que não está previsto pelo nível de atenção que a ULS oferece. O conhecimento que eles têm se limita a horários para marcação de consultas ou critérios que definem o que seria objeto de uma consulta ou de um atendimento de emergência 97. Quando questionadas diretamente sobre se conheciam o Programa (ou a Estratégia) Saúde da Família, as entrevistadas foram unânimes ao responder de forma negativa. Afirmam desconhecer o que seja o programa do mesmo modo que ignoram a existência e a função dos Conselhos Municipais de Saúde. As respostas obtidas revelam desde tentativas de explicar o que não sabiam até tentativas das ACS de esclarecer o significado do programa. Algumas entrevistadas de início afirmavam “ter ouvido falar” do programa, mas quando solicitadas que falassem o que sabiam confessavam de fato não saber do que se tratava. [Sabe o que é o PSF?] Já ouvi falar, mas não sei o que significa.(U5) [Sabe o que é o PSF] Mais ou menos [o que a Sra. Sabe?] não sei nada. (U2) Outra entrevistada confunde o PSF com a reunião que tem uma vez por mês do bolsa-escola. 97 Nem sempre a distinção entre consulta e emergência está clara para as usuárias. É o caso de entrevistada, possuidora de convênio com plano de saúde para dois dos seus quatro filhos, que confunde entre consulta e emergência “[quando tenho algum problema de saúde] vou com os meus dois filhos mais velhos pela Unimed. Os outros dois no posto. Particular é bem melhor. Só chega não precisa marcar e é atendido na hora. Eu levo no Hospital da Polícia ou em outras clínicas. (U12, Área II)”. A usuária prefere o convênio de saúde porque supostamente não teria que esperar por uma consulta. Entretanto desconhece que essa atenção imediata no hospital ou na clínica é considerada de emergência e que se tivesse que marcar exames de maior complexidade também enfrentaria demora. 196 As vezes tem uma reunião lá. Essa cesta básica tem uma reunião uma vez por mês. Nessa reunião eles perguntam sobre saúde, sobre a casa. Essa cesta básica que ganham. Eles querem saber se os filhos estão comendo, se gostam ou não gostam (da comida). Nessa cesta vem tudo de quilo: um quilo de arroz, um de feijão, um de açúcar, um óleo, uma caixinha de ovos, vem carne, e galinha. E depois vêm as verduras: laranja, batata. Isso pega no supermercado. Faz tudo a papelada primeiro direitinho, vai um carimbo, entrega para eles. Se não tiver com a assinatura do posto e da médica. Passam receita para os alimentos.(...) As “gurias” que fazem a reunião (da cesta) perguntam se está tudo bem, falaram se tiver alguma reclamação tem que ser agora , depois não adianta reclamar. (U3) Na frente da ACS, outra entrevistada responde de modo dúbio, talvez como forma de mascarar o seu desconhecimento: USUÁRIA: Já ouvi falar, mas nunca ouvi nada. (U4) Nesse momento, a ACS toma a iniciativa de entregar um folheto explicativo, como tentativa de sanar uma possível falha de comunicação: ACS: vou aproveitar para entregar para a Senhora este folheto que peguei da Universidade sobre o programa. Fala exatamente sobre o que é o agente comunitário, sobre o programa. Esse diálogo serviu de alerta para refletir sobre o real sentido da co-responsabilidade prevista pela ESF: aos poucos foi se delineando a quase impossibilidade de tornar a população co-responsável de um programa que eles desconhecem. Nas entrevistas percebeu-se o quão gritante é o desequilíbrio de saberes sobre o funcionamento do programa e do que pode e não pode ser cobrado dele. Chega a se pensar se os usuários sabem que as UBS são apenas a porta de entrada para o sistema O desconhecimento das famílias revela, não apenas desconhecimento de questões burocráticas relativas ao atendimento nas UBS, mas, fundamentalmente, desconhecimento de que o modelo de saúde que o SUS lhes coloca a disposição está ancorado em ações preventivas e de promoção da saúde. Tal vez por isso algumas 197 entrevistadas desfaçam das visitas das ACS, pela ênfase que essas visitas têm no repasse de noções gerais de cuidados, e não de tratamento efetivo de doenças graves ou lesões que estariam fora do foco de atuação da Atenção Básica. As famílias parecem desconhecer que essas noções gerais fazem parte de aspectos preventivos que são um dos pilares da saúde da família. As prescrições dadas muitas vezes podem ter cunho moralista ou até desconectado da realidade das famílias98 e não são articuladas com as demandas, interesses, conhecimentos ou com o itinerário terapêutico seguido por essas pessoas. Moralista, no sentido de que não foi criada uma relação em que haja um compartilhamento de saberes. O que ocorre de fato é que os profissionais de saúde repassam noções de cuidados que visam mudar comportamentos que teriam impactos no processo saúde-doença sem levar em consideração que a mudança de comportamento pode estar associada à compreensão do modo de agir da população usuária. No fim, isso pode gerar um comportamento unilateral por parte dos profissionais de saúde. Essa abordagem unilateral pode ignorar elementos fundamentais do cotidiano das famílias como a inserção maciça das mulheres no mercado de trabalho ou o excesso de responsabilidades que recaem sobre as mulheres que chefiam sozinhas as suas famílias. A desconsideração desses elementos pode estar provocando uma carga extra para essas mulheres, as quais talvez não consigam executar de modo adequado o que se espera delas. A inadequação de expectativas da população quanto aos serviços que os profissionais de saúde podem prestar e sobre o modelo em que estão inseridos se refletem em tentativas de explicar o que seria a Estratégia Saúde da Família e o papel que desempenham nela as ACS. Mesmo aqueles usuários que dispõem de informações as têm de modo incompleto. Uma entrevistada se referiu à ACS como a “líder do bairro”, enquanto outra a denominou de “responsável pela rua”. Elas vêm uma vez por mês aqui. Todo morro tem uma líder, né? Aí tem uma pessoa do posto que faz o cadastro das pessoas para saber como está, como não está. Ela que faz os documentos se precisar fazer algum exame, alguma coisa ela traz, ela que dá o recado. Os ACS são os olhos da comunidade perante o posto. (U10) 98 Exemplo disso é a indicação dada com freqüência para ferver a água a ser consumida, sem levar em consideração se as famílias teriam gás ou vasilhas apropriadas para a fervura e o armazenamento da água. 198 Uma outra entrevistada - que durante a entrevista havia reclamado da falta de visitas das ACS - afirmou: Ouvi falar, mas não saberia dizer o que é. Se elas viessem por aqui, as pessoas saberiam o que é. Aqui a população cresceu muito, mudou muito a rotina dos postos de saúde. A equipe que trabalhava bem saiu. (U11) A entrevistada faz menção a uma equipe que trabalhava na região dois anos antes. Considera que essa equipe era mais efetiva e que em particular a ACS que cuidava dessa micro área se preocupava em dar palestras ou em trazer pessoas da universidade para fazê-lo. Essa afirmação revela o quanto a divulgação da informação sobre a estrutura e o funcionamento do programa está atrelada ao vínculo que se cria entre a população e os ACS e ao agir dos indivíduos inseridos no programa. É como se em certa forma a divulgação da ESF dependesse da “boa vontade” de certos funcionários da unidade de saúde ou dos membros das equipes e não estivesse ligada a aspectos normativos ou institucionais da ESF. Mais do que boa vontade talvez se trate do desconhecimento que os profissionais engajados no atendimento à população tenham a respeito do novo modelo assistencial. Como revelam Pinto e Santos (2010) em pesquisa feita junto a profissionais ligados à ESF, mesmo eles não têm muita clareza a respeito do SUS, das suas políticas e práticas. As autoras atribuem parte desse desconhecimento ao fato de que, dentre os profissionais que compõem as equipes, os únicos que tiveram formação específica sobre a ESF são as ACS. Os médicos e técnicos de enfermagem não. E mesmo assim, as ACS desempenham outras funções para as quais não são qualificadas. Essa questão da boa vontade ou do desconhecimento das ACS pode ser percebida também nos momentos em que elas dão às pacientes sugestões sobre como acelerar a obtenção de exames que já deviam ter sido feitos e não foram, ou sobre como acessar serviços específicos do posto. Percebe-se nessa situação como é fundamental para o bom funcionamento do Programa esse contato entre os ACS e os usuários. A questão que fica no ar é o que fazem e como obtém informação as usuárias que por motivos de trabalho não se encontram nas suas casas em horário comercial para receberem as visitas das ACS? Importante, nesse sentido, é reforçar a indagação se a Atenção Básica, enquanto porta de entrada e primeiro contato das mulheres com 199 os serviços de saúde, estaria levando em consideração as peculiaridades delas na sua dupla condição de mães e trabalhadoras num contexto de enfraquecimento das redes de suporte familiares. Além do forte caráter preventivo e de promoção da saúde do novo modelo não ser plenamente conhecido pelas famílias, a ESF esbarra com a dificuldade que essas mães têm de comparecer às reuniões ou eventos programados. As vezes eu nem sei o que está acontecendo no posto, na verdade. Às vezes é muita coisa, tipo quando estava grávida tinha um grupo de gestantes e participava. Quando minha menina nasceu tinha um grupo de puericultura, que por sinal ela está faltando. Sempre quando caía era sempre um dia que tinha que ir trabalhar, Daí estou uns quatro ou cinco meses sem ir. Não tenho condições de ir. (U6) O forte caráter preventivo e de promoção da saúde das ações desenvolvidas pela ESF esbarra com a dificuldade que essas mães têm de comparecer às reuniões ou eventos programados. A ESF pensa numa família nuclear típica, com pai-sustentador, que trabalha fora e mãe que fica em casa cuidando dos filhos. A mãe, nesse caso, seria o ponto de contato das famílias com a política pública. Caberia a essa mulher estar em casa em horário comercial para receber as ACS, bem com ter disponibilidade de horário para participar dos eventos programados pelas ULS (como encontros de puericultura ou grupos de gestantes). A dificuldade de ter contato com agentes de políticas públicas não é privativo da saúde da família. Por ocasião de aplicação do Censo 2010 recenseadores relataram dificuldades para encontrar as famílias em casa para fornecerem as informações, sendo necessário em alguns casos coletar as informações em feriados ou fins de semana 99. A ausência das pessoas responsáveis pelo contato das famílias com os representantes das políticas públicas é aspecto não levado em consideração no desenho do programa. A despeito da forte ênfase no vínculo que deveria estabelecer-se entre as ACS e as famílias nas suas residências, as estratégias de formação dos vínculos como a acolhimento nas unidades 99 Matéria jornalística elaborada por Kremer (2010) mostra que os recenseadores enfrentam dois tipos de dificuldades para coletar os dados nas grandes municípios, lugares onde os moradores ficam menos nas suas casas. Em bairros de classe média ou alta as pessoas os responsáveis moram sozinhas ou com apenas um colega ou companheiro, trabalham o dia inteiro e estudam à noite. Já nas comunidades desfavorecidas a dificuldade encontrada foi a ausência dos responsáveis – nos lares haviam crianças ou adolescentes que não podiam dar as informações solicitadas. 200 de saúde ainda estão fortemente atreladas a o que ocorre na unidade de saúde, que pode configurar um conjunto de procedimentos postocentrados. O elo da política pública com a comunidade se corporifica na figura do Agente Comunitário de Saúde, que é a parte mais frágil do sistema e quem dispõe de menos recursos para resolver as demandas da população. São eles que “põem a cara para bater” e que muitas vezes tentam amenizar as deficiências que o sistema tem. O sentimento de impotência das ACS é frequente. Enquanto elemento mais próximo do usuário, o ACS se percebe impotente para resolver as demandas da população. Sobre a representação das ACS como agentes de políticas públicas foi emblemática a situação em que, numa determinada tarde, ao percorrer o bairro com uma ACS esta passou a ser xingada por uma pessoa pela existência de esgoto ao ar livre e pelas valas mal-cheirosas, aspecto que configurou um certo clima de hostilidade por parte da usuária100. A ACS tentou explicar que não era responsabilidade dela, mas da Prefeitura. Fato que motivou a seguinte resposta por parte da popular: “Sim, mas você não é funcionária da Prefeitura?”. Mais uma vez ficou evidente que a população não tem claro quais os limites de atuação dos agentes envolvidos na saúde da família. Essa fala também colocou em evidência mais um aspecto da co-responsabilidade com as famílias: o fato de que o Estado cobra das famílias a participação nos cuidados, mas não faz a sua parte em termos de melhoria da infraestrutura, aspecto fundamental para ter condições sanitárias adequadas. Conforme foi destacado anteriormente, a questão é que até mesmo para os profissionais de saúde existe indefinição a respeito de a quem cabe a resolução de certos problemas da comunidade. Por sua vez, os usuários também não sabem a quem recorrer e enxergam os operadores das políticas públicas como capazes de resolvê-las ou pelo menos 100 A demora no atendimento ou na marcação de consultas tem aumentado episódios de violência contra servidores da saúde. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem) pelo menos 80% dos servidores da saúde já sofreram algum tipo de agressão física ou verbal, situação semelhante em todo o estado de Santa Catarina (TONIAZZO, 2010). No mês de julho de 2010, no município de Correio Pinto (a 258 km de Florianópolis) aposentado de 65 anos matou funcionária da Secretaria da Saúde após ter feito boletim de ocorrência para reclamar que em pelo menos cinco ocasiões teria ido à Secretaria em busca de tratamento e teria voltado para casa sem atendimento. No depoimento à polícia afirmou que “praticou o crime „em nome do povo‟ e porque não aguentava mais o descaso no atendimento” (STRUCK, 2010, p.1). 201 encaminhá-las sem ter ciência dos limites de atuação desses profissionais. Mesmo que pareça que a luta de forças desiguais (representada pelo conhecimento que se tem do sistema) penda para o lado das ACS, estas têm um escopo de ação limitada. Se de um lado se joga a responsabilidade sobre as famílias, que têm que se adaptar às regras, de outro as ACS têm pouca ou nenhuma capacidade resolutiva nas questões que demandem atenção secundária. E que, diga-se de passagem, não é da sua responsabilidade, mas pela qual são cobrados pela população. Enquanto os operadores em saúde, notadamente as equipes de ESF, têm uma lista de atribuições que delimitam a sua atuação, as famílias não foram capacitadas para executar a sua parte da coresponsabilidade. As famílias parecem apenas esperar mais pelos aspectos curativos e não estariam cientes das alterações que o novo modelo de atenção em saúde (com ênfase nos aspectos preventivos) representado pela ESF trouxe para eles. Em certa forma se espera ocorra o que destacam Pessanha e Cunha (2009, p.237) que “a responsabilização (...) provocaria, por parte do indivíduo, o abandono de uma atitude passiva com relação à sua própria saúde”. Alonso (2003) chama a atenção para as expectativas despertadas na população, que nem sempre são cumpridas a despeito da boa vontade das ACS. Na questão da co-responsabilidade teria que haver uma definição clara das responsabilidades de cada uma das partes. Enquanto que os ACS (assim como para os outros membros das equipes) têm uma lista de atribuições (verificar vacinas, realizar VD, entregar medicamentos, etc.) as famílias não foram capacitadas para assumir a sua parte da co-responsabilidade. Como propõem Santos e Andrade (2008), deveria ser oferecida educação sanitária ao paciente a fim de fomentar maior responsabilidade do cidadão com a própria saúde. Se não tiverem qualificação e conhecimento da nova concepção epistemológica dos serviços de saúde qual será a sua parte na coresponsabilidade? O que lhe cabe? Reclamar? Pressionar? Muito mais se o modelo biomédico induziu as famílias a abandonarem suas práticas em saúde e com isso as fez transferirem para os serviços médicos, e seus recursos tecnológicos e medicamentosos, a responsabilidade pelos cuidados. As famílias, que ao longo de boa parte do século XX se tornaram dependentes desses cuidados medicocentrados, agora são chamadas a reassumirem esses cuidados em outras bases. Elas são convocadas a serem co-responsáveis, mas não têm nem conhecimento sobre o que se espera delas nem têm condições de aceder 202 a exames ou consultas especializadas que lhes possibilitem ter controle da sua dor. Pode ajudar a reverter esse quadro a incorporação dentre as equipes de SF de especialidades médicas que vejam o processo de saúde-doença desde uma perspectiva mais ampla como a homeopatia, ou ainda o esforço das equipes de repassar conhecimentos fitoterápicos para as famílias, que podem dinamizar o processo de auto cuidado. Na discussão sobre a co-responsabilidade dos cuidados, os conhecimentos oriundos da medicina familiar poderiam adquirir relevância para aumentar o compromisso das famílias com o resultado dos tratamentos e também para aumentar o grau de autonomia das famílias. A construção de um tratamento que levasse em consideração o conhecimento dos usuários (por mínimo que seja) fortaleceria o sentimento de autonomia e de co-responsabilidade dos mesmos. A questão que se coloca é: como se pretende aprimorar a autonomia dos indivíduos se não se resgata e valoriza o conhecimento que eles têm? A brevidade da consulta coage o médico a extrair o máximo de informação possível a partir dos sintomas que o paciente lhe relata (o mesmo ocorre nas visitas das ACS em que elas a partir do relato dos sintomas farão um quadro mental da situação dos usuários). Com certeza o profissional da saúde não tem tempo de fazer algumas perguntas que poderiam ser reveladoras sobre a percepção que o usuário tem sobre o processo saúde-doença e dos itinerários que ele segue na busca por cura ou mitigação da dor: de que forma o Sr./Sra. tem tratado disso? O que o Sr./Sra. faz para mitigar a dor? Que medicamentos o Sr./Sra. tem na sua casa para tratar disso? Tem procurado tratamentos alternativos? Está implícito no modus operandi da medicina oficial a sua pretensa superioridade, pois ela dita/estabelece o que deve ser feito. A questão é que talvez não teria como ser diferente pois ela detém conhecimentos complexos que as famílias não possuem. O dilema posto é como compatibilizar essa superioridade em termos de conhecimento com o chamado feito às famílias para que elas se sintam co-responsáveis por uma prescrição que elas não construíram. Em outras palavras, como pretender que as famílias assumam uma atitude de co-responsabilidade diante de um saber que lhes é imposto. 203 5.2.6.3 Como os profissionais da ESF percebem a monoparentalidade feminina e o repasse de responsabilidades Embora esta pesquisa tivesse seu objetivo restrito a captar a percepção que as famílias têm da proteção social oferecida pela ESF e explorar a sua compreensão do chamado à co-responsabilidade, no decorrer da pesquisa surgiu a necessidade de ouvir de pessoas ligadas à coordenação das equipes a sua percepção sobre as famílias monoparentais e a questão da co-responsabilidade com os usuários. Para tal fim, foram entrevistadas as coordenadoras e as assistentes sociais das unidades de saúde em estudo. A justificativa para incluir as assistentes sociais decorre do fato delas terem sido mencionadas com freqüência pelas chefes das famílias monoparentais como fonte de orientações para acessar direitos. Quando questionadas sobre os tipos de famílias que as unidades de saúde atendem, as coordenadoras entrevistadas afirmaram que prestam serviços para vários tipos de famílias: as do modelo tradicional, aquelas compostas por apenas um dos pais ou ainda aquelas em que a função de cuidadora é assumida pela avó. As assistentes sociais foram as que manifestaram a grande representatividade das mães chefes de família entre as usuárias. Isso se justifica pela atenção que essas profissionais podem prestar para as famílias. De fato, papel importante na tarefa de construir a consciência dos indivíduos como objeto das políticas públicas pode ser creditado à atuação de assistentes sociais dentro dos NASF (Núcleos de Apoio à Saúde da Família). Enquanto profissional capacitada para fortalecer os laços de proteção social, a assistente social tem por objetivo construir uma rede institucional de suporte social que instrumentalize as famílias quanto aos seus direitos. As possibilidades de auxílio em entidades próximas ao bairro são verificadas e caso não existam são procuradas em outras partes da cidade. Com a mediação dessa profissional, as famílias podem ter acesso a programas ou serviços que auxiliem em situações como solicitação de bolsa família, pensão alimentícia ou reconhecimento de paternidade. Cabe destacar que a constituição dos NASF é medida relativamente recente no município, pois a aprovação desses núcleos pelo Conselho Municipal de Saúde data de fevereiro de 2008 101. Menciona-se esse fato para destacar o potencial que os Núcleos terão 101 A nível nacional o NASF foi instituído em janeiro de 2008 pela Portaria nº 154/GM/MS. 204 daqui para frente para promover ações de educação em saúde e para contribuir na compreensão sobre as necessidades dos diversos segmentos que compõem o universo de usuários da saúde da família, dentre eles as famílias monoparentais. De acordo com informações constantes no site da Secretaria Municipal de Saúde do município de Florianópolis, os NASF foram criados pelo Ministério da Saúde para fortalecer a Atenção Primária à Saúde. Elas agregam a um conjunto de equipes de saúde da família (ESF) de uma unidade de saúde o apoio de profissionais de várias áreas (profissional de educação física, assistente social, nutricionista, farmacêutico, psicólogo, pediatra e psiquiatra). A intenção é promover, via co-responsabilização das NASF com as ESF, a capacidade de resposta para problemas de saúde mais complexos. Em termos operacionais, essa co-responsabilização seria possível pelo apoio matricial, isto é pelo trabalho integrado de ambas as equipes, em que cada profissional contribui com os saberes da sua área. De concreto, o apoio matricial se traduz em: “espaços de educação permanente; discussão de casos e atendimentos conjuntos; construção coletiva de planos terapêuticos; grupos compartilhados entre apoiadores e ESF; intervenções conjuntas no território e ações intersetoriais; atendimentos específicos do apoiador quando necessário” (PREFEITURA..., 2010, p.1). De acordo com as entrevistadas, ao setor de serviço social as famílias apresentam três tipos de demandas. Em primeiro lugar, estão as que apresentam necessidades primárias, como auxílio para obter a bolsa família ou procuram o setor relatando situações de carência extrema. Conforme as profissionais desse setor as caracterizam, trata-se de famílias muito apreensivas, que vivem sob risco de serem despejadas e que enfrentam sérias dificuldades para pagar contas essências como aluguel, luz ou água. Em segundo lugar, o serviço social das unidades de saúde atende, também, famílias que procuram aquelas necessidades que uma rede secundária de suporte poderia lhes proporcionar, como assistência jurídica para solucionar algum pleito. E, em terceiro lugar, estão as demandas relacionadas ao mundo do trabalho: como direitos trabalhistas negligenciados ou pedidos de auxílio doença. Quanto à questão da co-responsabilidade, as entrevistas manifestaram que é um processo em construção e que se trata de tema polêmico, pois toca na questão da autonomia ou da emancipação das famílias. 205 A unidade (de saúde) tem um limite de ação. Tem que ter também a parcela de responsabilidade das famílias e isso se dá nas mais diversas situações como, por exemplo, a dependência química, onde o sujeito usa determinada substância e isso lhe traz prejuízos sérios. Porém, ele é autônomo para decidir se quer usar ou não. Nós informamos quanto aos riscos, estamos abertos ao atendimento, mas muitas vezes esse usuário continua usando e se prejudicando ou aquele outro usuário que não faz tratamento adequado de AIDS, de tuberculose, de diabetes, que sabe que tem um tratamento adequado, mas não o faz. (...) Nós temos que respeitar a autonomia do sujeito, porque aí a agente consegue dividir essa responsabilidade, senão a agente fica muito sobrecarregado, muito absorvido pela demanda. (Assistente Social, Área I). Nota-se no depoimento anterior como se daria a divisão de responsabilidades em casos como a dependência química ou o de doenças em que a participação do indivíduo é decisiva, pois está posta diante dele uma tomada de posição. O usuário tem que decidir se irá parar com o uso de drogas ou se fará de maneira adequada o tratamento (para AIDS, tuberculose ou outras afecções), mas o que dizer daquelas situações que fogem a esse padrão? Ou seja, como co-responsabilizar as famílias se elas se sentem altamente dependentes do sistema de saúde e o sistema muitas vezes não lhes dá a resposta esperada? E mais, como torná-las co-responsáveis se, como destacou a mesma entrevistada, “as famílias não tem muito clara essa questão da co-responsabilidade. Muitas vezes colocam toda a responsabilidade no posto, para a unidade de saúde responder”. Para uma das coordenadoras entrevistadas isso em parte pode ser atribuído à mídia, que estaria prestando um desserviço à sociedade ao delegar as responsabilidades da saúde aos serviços de saúde e deixar de mostrar que a família também é responsável pelo autocuidado: “as pessoas além de ter acesso aos serviços de saúde, também deveriam aprender todos os dias a se cuidar melhor para que cada vez menos dependam dos serviços de saúde” (coordenadora 1) No que se refere aos aspectos preventivos e de promoção à saúde da ESF, as entrevistadas têm clara a necessidade de desenvolver nos usuários os seus direitos e de conscientizá-los das suas responsabilidades pela sua saúde. As entrevistadas de ambas as áreas destacam o forte trabalho que vem sendo desenvolvido de educação em saúde e chamam a atenção para ações concretas como a divulgação do 206 documento dos direitos dos usuários. Uma das entrevistadas chega a cogitar que se a população ainda não está ciente dos aspectos preventivos e de promoção à saúde deve-se a que as ACS no contato que têm com as famílias não estariam as alertando para isso. Novamente retorna-se aqui ao ponto de que há muitos aspectos do relacionamento com as famílias que ainda carecem de uma normatividade e que recai sobre as ACS (enquanto elementos de contato das famílias com a política pública) a tarefa de transmitir isso. 207 CAPÍTULO VI CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve por objetivo verificar se a ESF, enquanto mecanismo chave da atenção básica no Brasil estaria atendendo as necessidades de proteção social das novas configurações familiares, com destaque para as famílias vulneráveis com chefia feminina. Já de início, três aspectos poderiam ser alvo de questionamento: por que focar a análise nas famílias e, dentre elas, por que se deter nas famílias vulneráveis e com chefia feminina? Vale recordar que um dos princípios analíticos que orientou esta tese foi verificar se esta política pública atinge os seus objetivos, isto é se dá conta daquilo que se propõe a fazer. Nesse sentido, a Estratégia Saúde da Família, enquanto estratégia prioritária de reorientação do modelo em saúde deixa bem explícito que o seu objeto de atenção são as famílias. Nesse contexto, o que justificaria ter se detido apenas nas famílias vulneráveis, haja vista que a política de saúde, graças à reforma constitucional de 1988 passou a ter um caráter universal? Ocorre que na prática, a saúde pública assumiu um caráter focalizado (nos mais pobres) e excludente (pois exclui do SUS as classes médias e altas, mesmo que não propositalmente, pela via do estímulo aos convênios privados). Dentre as famílias, as chefiadas por mulheres são as que parecem enfrentar maior grau de precariedade, situação essa manifesta por todo um conjunto de situações adversas que as cercam. Outro fator que justificou a atenção nas famílias monoparentais é o seu significativo crescimento dentre o total de famílias brasileiras, conforme evidenciado nas estatísticas populacionais. Este estudo trabalha com a perspectiva de que o fato da ESF focar as famílias tem duas implicações: a necessidade de uma definição bem clara do que seja família e o significado e as conseqüências de considerá-las como co-responsáveis pelos cuidados. Tendo em mente esses dois aspectos, alguns questionamentos nortearam esta investigação, tais como: quais os problemas que a ESF busca responder? Quais as demandas que as famílias fazem ou buscam sanar ao acessar os serviços de saúde? De que forma os resultados dessa política pública podem ser impactados pela estrutura das famílias e suas novas configurações? De que forma as famílias, e mais explicitamente as mulheres, estão cientes e preparadas para os desafios que a nova configuração dos serviços de saúde lhes impõe? 208 A hipótese que orienta a discussão proposta é que a falta de clareza e conhecimento quanto à situação atual das famílias pode afetar a eficácia da ESF e que a noção da co-responsabilidade nos cuidados pode estar sobrecarregando as famílias e em particular as mulheres. A discussão do tema em estudo foi colocada no contexto das transformações pelas quais as sociedades industrializadas vêm passando, com destaque para quatro elementos. O primeiro deles, a reestruturação produtiva, retrata as mudanças ocorridas no âmbito da produção, com o advento da produção fordista – que se, de um lado, seria responsável pela recuperação da crise pela qual o capitalismo dos anos 1960 passava, por outro lado estaria acompanhada de desemprego, exclusão e aumento da vulnerabilidade social. O segundo elemento foca as transformações dos sistemas de proteção social, que após as crises fiscais dos países desenvolvidos nos anos 1970 mudam a configuração da proteção outorgada e chamam setores da sociedade, dentre eles as famílias para assumirem parte dos encargos que antes cabia ao Estado. A partir dessa discussão, é que a centralidade da família nas políticas públicas deve ser compreendida. O terceiro elemento, a reorientação do modelo de atenção em saúde e o foco nos cuidados primários, deve ser estudado nessa mesma perspectiva – com o olhar para a família. O quarto elemento trata das mudanças ocorridas no âmbito da família ou dos aspectos que a afetam de modo direto, como o ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho e do surgimento de novos arranjos familiares com destaque para as famílias com chefia feminina. Estes dois últimos aspectos são fundamentais para compreender as condições reais que as famílias têm de dar conta dos encargos que a configuração mais recente do sistema de proteção em saúde lhes atribui. O trabalho foi dimensionado de forma a entender se a ESF – enquanto proposta de mudança no paradigma da saúde-população em geral para a população-família – estaria levando em consideração as novas especificidades das famílias contemporâneas. E, nesse sentido, se ela não estaria mais sobrecarregando as famílias do que resolvendo os seus problemas de saúde. A questão da vulnerabilidade social se impôs como categoria teórica e analítica relevante por manifestar a situação de parcela crescente da população mundial. O conceito utilizado pretende superar visões parciais da pobreza que concebem o fenômeno a partir de características individuais associadas aos pobres, como níveis reduzidos de renda ou baixa dotação de capital humano. Também busca superar as visões que, direta ou indiretamente, culpabilizam os pobres pela sua 209 condição ou consideram essa situação como algo passageiro, a ser automaticamente superado pela via do crescimento econômico. A vulnerabilidade social, enquanto categoria central nesta tese, é concebida – a partir dos estudos de Robert Castel – como um fenômeno estrutural, que desde os anos 1970 retrata a quebra da associação entre assalariamento e proteção social. A partir dessa época, a desestabilidade e a precarização passariam a ser a marca característica das sociedades, mesmo das mais desenvolvidas economicamente. Se nos anos 1960-70 houve uma transformação em curso no âmbito produtivo com claros reflexos no aumento da vulnerabilidade social, os sistemas de proteção social também passaram por significativas mudanças de foco, decorrentes basicamente da crise do modelo keynesiano ou da crise da época de ouro do capitalismo (19451970). Restrições orçamentárias passaram a ser a tônica das políticas econômicas implementadas por países europeus e o padrão de proteção social implantado após a Segunda Guerra Mundial, com tinha foco numa proteção ampla, daria lugar a um mix de proteção (ou a um sistema de proteção plural) que repassa para a sociedade (famílias, empresas e terceiro setor) os encargos pela proteção social. A “redescoberta” da família como elemento de proteção social deve ser entendida nesse contexto. Em termos de sistemas de proteção social, o Brasil nunca chegou propriamente a ter um nos moldes dos sistemas de bem-estar europeus. Houve uma série de avanços entre os 1930 e 1988 (inspirados em certa forma nos modelos de proteção da Alemanha e da Inglaterra) que seriam severamente alterados no início dos anos 1990. De modo mais específico, se as reformas manifestas na Carta Constitucional de 1988 buscavam superar a frágil proteção associada ao trabalho e a tornar universal nas suas diversas formas (assistência social, educação, saúde), as reformas neoliberais imporiam o desmonte das incipientes formas de proteção social e passariam a privilegiar as políticas sociais focalizadas nos pobres. Ao mesmo tempo em que fixavam seu olhar nos pobres, as políticas sociais colocavam as famílias como centro da sua atenção. Dessa forma, o Brasil nos anos 1990, mesmo sem ter passado por uma fase estruturada de bem-estar social nos moldes europeus, embarcava na idéia de reformar seu frágil sistema de proteção e convocava as famílias como parceiras, fato que fica patente ao se analisar políticas específicas como a da assistência social ou da saúde. Para compreender cabalmente como o sistema de proteção social em saúde chegou a esse ponto foi necessário nesta tese resgatar o 210 desenvolvimento do sistema de saúde. Destaque-se que sua peculiar evolução esteve sujeita a condicionantes históricos do país e a pressões de atores e movimentos que lutaram pela sua institucionalização. Desde a época da Colônia até a segunda década do século XX as atividades de saúde restringiam-se às ações sanitárias, com forte caráter campanhista e muitas delas limitadas territorialmente ao Rio de Janeiro. O sistema de saúde passaria a ser gerido pela União em 1920 com a criação do Departamento Geral de Saúde Pública e o que é mais importante: a partir desse ato é que a saúde se torna “pública, estatal e nacional” como destaca Hochmann (1998). A criação desse órgão estatal seria a resposta ao intenso movimento denominado Liga Pro-Saneamento do Brasil, que advogava pela interiorização das ações em saúde. A partir desse marco, que constitui o nascimento da saúde como política pública, este trabalho resgatou a evolução tanto institucional quanto política que acompanhou a metamorfose da saúde no país até o grande momento, na Constituição de 1988, que instituiria a saúde (juntamente com a previdência e a assistência social) como parte do sistema brasileiro de proteção social. O SUS, que ali nascia, estabeleceria as bases de um sistema de saúde público baseado nos princípios da universalidade, da integralidade, da equidade, da participação popular e da descentralização dos recursos. Seria exatamente na esteira da descentralização das ações do Estado para a área e da implantação de um novo modelo de atenção em saúde que nasceria o Programa Saúde da Família (PSF) em 1994, denominado a partir de 1997 de Estratégia Saúde da Família (ESF). A respeito da descentralização das ações em saúde, foi assinalado nesta pesquisa que essa noção era defendida por dois grupos com argumentos diferentes. De um lado, a descentralização era proposta pelo Movimento da Reforma Sanitária como forma de aproximar as decisões e a gestão dos recursos dos estados e municípios, aspectos associados à concepção cidadã de universalidade das políticas públicas prevista pela Constituição de 1988. Por outro lado, a descentralização era vista, por teóricos alinhados com o discurso neoliberal, como parte de uma estratégia maior de reforma do Estado associada à redução de custos. Foi destacado que, em contraste com o caráter universalizante das políticas sociais pretendido pela descentralização proposta pelo primeiro grupo, para os defensores da reforma do Estado as políticas sociais deveriam ter o seu foco apenas nas populações desfavorecidas. Neste trabalho salientou-se que ambas as concepções tiveram influência na configuração do sistema de saúde, pois o SUS tanto é resultado da pactuação infraconstitucional que possibilitaria a participação da 211 sociedade nas decisões quanto na prática é focalizado. Assinalou-se que essa focalização não se manifesta através de uma atitude deliberada de atender apenas os pobres, mas pela decisão da saúde pública de cuidar diretamente da Atenção Básica que é mais barata e de estímulos para que as classes mais remediadas usem convênio sde saúde. Em outras palavras, a decisão de deixar para o mercado a atenção secundária e terciária não deve ser entendida apenas como uma atitude deliberada de deixar para o mercado os segmentos com maior potencial de lucro, mas que foi deixada nas mãos de setores com maior capacidade de investimento. Até hoje a insuficiência de recursos garantidos pelo Estado para financiar as ações em saúde evidencia a fragilidade dessa política pública e o quão distante ainda está de constituir-se em parte de um sistema de proteção sólido capaz de suportar embates políticoeleitorais, semelhante aos dos sistemas europeus de bem-estar social. Sobre o novo modelo de atenção em saúde é importante frisar que a atenção básica e o seu foco reducionista não pode ser unicamente atribuído a uma estratégia deliberada para enxugamento de custos por parte de políticos ou técnicos alinhados com o neoliberalismo. A Atenção Básica à Saúde adotada no Brasil (ou “Atenção Primária à Saúde”, na literatura estrangeira), enquanto modelo, ganharia caráter prioritário nos serviços de saúde em todo o mundo a partir das recomendações da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma Ata em 1978. Em substituição ao modelo hospitalocêntrico até então hegemônico e a sua ênfase na medicina curativa e na especialização, o modelo da atenção primária proposto privilegiava a saúde através de ações preventivas e educativas. Assim, o Programa Saúde da Família foi condicionado pelas discussões assinaladas, tanto da descentralização das políticas públicas, quanto da orientação para a adoção de um novo modelo em saúde, questões essas que modulariam experiências já existentes no país de medicina familiar ou comunitária, que tinham caráter mais restrito ou regionalizado. Assentado no modelo da atenção básica, a ESF, enquanto substituta do PSF, adota como objeto central da sua atuação as famílias e se empenha em estabelecer laços de compromisso e de co-responsabilidade entre as famílias e os profissionais da saúde. Esta tese chamou a atenção para o fato do tripé de sustentação desta política pública (promoção, prevenção e trabalho com famílias) não ter levado em consideração mudanças profundas que se operam nas famílias. Desconhecimento esse que pode ser crítico para a efetividade da política pública. A ESF 212 concretiza a promoção e a prevenção não necessariamente na unidade de saúde, mas preferencialmente no contato das ACS com as famílias nas residências. Só que se as famílias têm mudado de perfil – e aqui pode-se falar que a mudança mais significativa tem sido a maciça participação das mulheres no mercado de trabalho e a monoparentalidade feminina – questiona-se por que a ESF ainda trabalha com um modelo de família tradicional em que a mãe, como principal cuidadora teria tempo para se dedicar à sua parte do exercício da co-responsabilidade e estaria no domicílio boa parte do dia, o que facilitaria o contato com as ACS. A discussão feita nesta tese sobre os papéis sociais que cabem aos membros da família foi necessária para compreender quem, dentro da família, estaria arcando com a responsabilidade crescente que as políticas públicas atribuem às famílias. Chamou-se atenção para o fato de que os cuidados que envolvem a vida familiar recaem principalmente sobre as mulheres. Aspecto esse que deve ser levado em consideração pelos serviços de saúde. O fato é que quando o serviço de saúde tem em mente fazer contato com a família deve ter presente que quem a representa é quase sempre a mulher. Os serviços de saúde não podem desconhecer, sob pena de comprometer os seus resultados, que a mulher, enquanto elemento fundamental para o êxito do tratamento de saúde preconizado, tem ampliado seu universo de atividades para além do circuito dos cuidados domésticos. Como ser multifacetado, a mulher se inseriu no mercado de trabalho maciçamente e muitas vezes em condições mais precárias que as dos homens. Se para a geração anterior de mulheres a inserção no mundo produtivo era uma forma de emancipação contra a dominação patriarcal ou uma opção para a reafirmação da auto-estima feminina, na atualidade a incorporação das mulheres ao mercado de trabalho é algo natural e necessário para a sobrevivência do grupo familiar. Entretanto, a naturalidade com que deve ser vista a participação feminina no mundo do trabalho deve ser compreendida de acordo com o grupo social ao qual as mulheres pertencem. Se as de classes mais remediadas o fazem depois de ter-se qualificado ou em idade mais tardia, para as mulheres das classes subalternas o imperativo de garantir ou de contribuir para a sobrevivência do seu grupo familiar lhes impõe a inserção precoce em atividades precárias com escassas garantias trabalhistas, como o trabalho doméstico ou as faxinas. Tais observações são importantes para situar as usuárias dos serviços de saúde, pois da forma como na prática esses serviços tem sido configurados (com foco nas populações mais desfavorecidas) serão essas mães as que preferencialmente acessarão as 213 unidades básicas de saúde. Conforme foi destacado, o sistema de saúde não pode se isentar de conhecer quem são as famílias que buscam os seus serviços e, em particular quem são as usuárias que representam essas famílias, nem podem ignorar a forma como essas mulheres equilibram (se é que conseguem fazê-lo) as diversas funções que lhes cabe desempenhar. As transformações das famílias, com destaque para a monoparentalidade feminina, parecem não ter influência na elaboração das políticas que a elas dizem respeito, pois são elaboradas a partir de um modelo geral, sem atenção nas especificidades e nos processos dinâmicos da vida familiar. A ausência de percepção dos novos perfis familiares (no caso a monoparentalidade) pode ter dois impactos. Em primeiro lugar, pode impedir de dimensionar de maneira adequada as consequências que tem a transferência de responsabilidades sobre as famílias, as quais recaem principalmente sobre a mulher chefe de família, que já tem uma sobrecarga em relação àquelas mulheres que compartilham os cuidados com o seu cônjuge. O que se observa na prática é que a política pública está assentada num tipo de família tradicional – nuclear – em que a mãe, por permanecer mais tempo no lar, teria condições de executar a cota de atribuições que cabe à família no modelo da ESF. Em segundo lugar, o desconhecimento da diversidade de situações que se abrigam na categoria “monoparentalidade feminina” e na redes que oferecem suporte a essas mães impede que o sistema de saúde saiba quais os itinerários terapêuticos que essas famílias seguem na busca por tratamento médico. A questão da co-responsabilidade da família foi analisada neste trabalho com atenção. A discussão partiu da idéia de que alguém só pode ser julgado ou responsabilizado a partir do conhecimento que tenha das regras às quais se encontra submetido. Destacou-se que enquanto os profissionais envolvidos com a saúde da família (médicos, enfermeiros, ACS) têm suas funções claramente definidas não há, nos documentos oficiais, elementos que definam o exercício da co-responsabilidade por parte dos usuários. A preocupação maior dos documentos que orientam a reorganização da saúde da família está exatamente nos elementos organizacionais que devem estruturar o novo modelo. Nesse contexto, a família só é mencionada como “objeto principal da sua prática” e “chamada a ser co-responsável pelos cuidados em saúde”. Não há menção a elementos que orientem como o grupo familiar deve proceder para cuidar da sua parte da coresponsabilidade. 214 A pesquisa apontou que os usuários não sabem definir o que é o Programa (ou Estratégia) Saúde da Família, nem têm ciência da sua ênfase nos aspectos preventivos e de promoção à saúde. Na perspectiva da proteção social em saúde que as famílias recebem merece destaque o fato de que as famílias ignoram o que se espera delas. De maneira intuitiva, as famílias parecem entender o que lhes cabe na delimitação de responsabilidades: seguir orientações quanto à medicação; saber se determinada queixa de saúde deve ser encaminhada pra um setor de emergência ou tentar agendar uma consulta; seguir orientações preventivas e insistir na marcação de consultas com especialistas ou de exames de média e alta complexidade. Este último aspecto revela o quanto os serviços de saúde desconhecem as peculiaridades dos usuários. Por serem basicamente mulheres, mães e trabalhadoras, são limitadas as possibilidades que elas têm de ficar insistindo na unidade de saúde para obter a consulta ou o exame almejado. Além disso, o repasse da responsabilidade se daria hipoteticamente no contato entre a política pública – via ACS – e as usuárias. Só que como as ACS fazem as visitas em horário comercial esse contato tem reduzidas possibilidades de se concretizar no caso das mulheres que trabalham fora o dia todo. Sobre o desenho da ESF e a sua ênfase nos aspectos preventivos, cabe destacar que se, por um lado, tem correspondido à necessidade de superação do modelo hospitalocêntrico e à necessidade de criação de um sistema bem estruturado de atenção primária à saúde, por outro lado, carece de um olhar mais preciso sobre o objeto da sua prática – a família. As famílias por sua vez, parecem não compreender o caráter preventivo das ações em saúde propostas. Pela urgência das condições de vida que enfrentam – com pouco tempo disponível fora do trabalho e enxugamento da rede de suporte familiar – as usuárias mostraram-se mais interessadas em ações de efetividade mais imediata. Em outras palavras, parecem buscar serviços que o sistema de saúde não está apto a lhes oferecer e que poderiam ser resumidos a uma seqüência simples: consulta-medicamentos-cura. É importante salientar que a população usuária não tem condições de dimensionar o quanto o modelo de AB com o seu caráter preventivo tem sido responsável pela queda de diversos indicadores – mortalidade infantil, desnutrição, diversos tipos de doenças – e também não se pode exigir que saiba dessas estatísticas. Nesse sentido, ações de educação em saúde poderiam potencialmente alterar essa situação. A Atenção Básica supõe-se uma superação do modelo hospitalocêntrico ou médico-centrado. Entretanto ela tem limites. Pois 215 mesmo que se proponha superar o modelo curativo e enfatizar o preventivo, o que se vê em certas situações é o reforço de ações medicalizadas. Ao mesmo tempo, apesar da AB ser propalada como solução para a queda desses indicadores questiona-se o seu papel no caso de epidemias. Vale destacar a escassa participação dos serviços da AB no caso da gripe AH1N1 (inadequadamente chamada de “gripe suína”) quando se esperava maior envolvimento e resolutividade nos processos de notificação de casos na comunidade. Quanto à proteção social em saúde que o país disponibiliza constata-se, com certo alívio, que em contraste com o caráter restrito em termos geográficos e meritocráticos do acesso das políticas de saúde dos anos 1930, na atualidade todos os municípios (em seus diversos bairros) contam com unidades de saúde que atendem a população. Trata-se de milhões de pessoas que têm acesso à saúde não mais por possuir carteira assinada, mas porque constitucionalmente a saúde é um direito para todos os cidadãos do país. Os dilemas enfrentados pela saúde hoje são mais complexos. As famílias passam por transformações, a mulher se incorporou definitivamente ao mercado de trabalho e o quadro de vulnerabilidades econômicas e sociais se aprofunda. O sistema de saúde brasileiro além de ter que cuidar de endemias rurais e urbanas ainda não debeladas tem que dar conta da crescente demanda por atendimento médico que lota hospitais e ganha destaque negativo na mídia. ******** Nos agradecimentos das páginas iniciais desta tese fiz menção à situação da jovem mãe que no ano 2003 trabalhava na minha casa como empregada doméstica e perdia dias de trabalho quando os filhos adoeciam, pois precisava fazer fila de madrugada para conseguir uma consulta médica no “posto”. Não tenho mais contato com ela, mas com certeza não deve estar mais fazendo fila de madrugada quando precisa de atenção médica. A despeito de a mídia mostrar hospitais lotados e usuários insatisfeitos, a atenção básica oferecida nas unidades de saúde dá conta de muitas das demandas das famílias, como as que a moça referida fazia. Dores de garganta, febres repentinas ou gripes certamente devem receber atenção no mesmo dia nas unidades de saúde. Os gargalos permanecem no atendimento com especialistas e na obtenção de exames de média e alta complexidade. Do mesmo modo que os usuários do SUS, a população como um todo está sujeita a enfrentar dificuldades ao procurar atendimento hospitalar de emergência para 216 casos graves, como traumas, AVCs, queimaduras ou, ainda, em serviços que mesmo despidos do caráter de emergência são executados pelo setor público, como os transplantes de órgãos. Portanto, muitas dificuldades no acesso a serviços de saúde que estão presentes entre famílias vulneráveis são extensivas para aqueles que se consideram “protegidos” pelos planos de saúde. O falso sentimento de proteção dos usuários desses planos provém da sua percepção a respeito da relativa facilidade com que conseguem marcar consultas ou exames. Essas pessoas não se dão conta que lutar pelo SUS e pelos seus constantes aprimoramentos é dever de todos. Nesse sentido, espera-se que deficiências apontadas por esta tese sirvam na tarefa de construir um serviço de saúde cada vez melhor. 217 REFERÊNCIAS ACOSTA, Ana Roja; VITALE, Maria Amália Faller (orgs.). Família: redes, laços, e políticas públicas. São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos Especiais – PUC-SP, 2005. ACOSTA DÍAZ, Félix. Jefatura de hogar femenina y bienestar familiar: resultados de la investigación empírica. Papeles de población, UNAM, Toluca, n.28, p.41-97, abr./jun. 2001. AGARWAL, Bina. 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Topp 6 Morro da Mariquinha Prainha POPULAÇÃO COBRAPE / SMHSA 2006 Vila Santa Vitória Monte Serrat Subtotal MICROÁREAS CORRELATAS Morro da Queimada Morro do Mocotó 12001* (ULS M. Serrat),13001 13004,13005* 13103,13106 13107* 13007,13002 13003,13107* 1283 66 776 257 2816 176 4228 636 725 1330 257 Morro do Tico Tico Subtotal 4 Morro da Penitenciária Trindade Serrinha I Serrinha II Subtotal TOTAL 4 12001*,12009 * (ULS M. Serrat) 13005* 9 85001,85002 85003,85004 85010 85102,85103 85110 85108,85107 85109 569 3260 1131 1533 351 3 11 3015 17 46 16053 * Micro –área presente em mais de uma Área de Interesse Social 258 Localização das Áreas de Interesse Social por Unidades Locais de Saúde e Regionais de Saúde Regional Continente - Setembro 2007 - REGIONAL UNIDADE LOCAL DE SAÚDE Abraão Balneário Subtotal Capoeiras Subtotal Coloninha Subtotal Estreito Jardim Atlântico CONTINE NTE Subtotal ÁREAS DE INTERESSE SOCIAL Ponta do Leal 1 Morro do Flamengo 1 Nossa Senhora do Rosário 1 - MICROÁREAS CORRELATAS 02102 1 1 257 257 06005 1 07005,03103 (ULS Sapé) 2 01007 PC3 POPULAÇÃO COBRAPE / SMHSA 2006 472 472 491 491 148 1 04101,04102 04104,04105 Chico Mendes 04106,04402 04404* 04001,04004 Monte Cristo 04007 Nossa Senhora 04401,04403 Monte da Glória 04404* Cristo Nova 04201* Esperança Novo 04103 Horizonte Santa 04003,04006 Terezinha I Santa 04201*,04206 Terezinha II 17 Subtotal 7 10003* Morro da CCI Caixa Jardim Ilha 10007,10009 Morro da Continente 10010 148 2188 753 499 226 909 866 558 5999 176 710 259 Caixa Morro da Caixa I 10001,10002 10006 Morro da Caixa II 10003* 831 7 3796 Subtotal 4 Policlínica II Sapé - Vila Aparecida 2079 - Arranha Céu 09006* 472 Maclaren Nova Jerusalém 09002* 09006*,09009 09010 452 Vila Aparecida I 09001,09004 1209 Vila Aparecida II 09002*,09007 940 878 7 Subtotal TOTAL 5 3951 7 20 36 15114 * Micro–área presente em mais de uma Área de Interesse Social 260 Localização das Áreas de Interesse Social por Unidades Locais de Saúde e Regionais de Saúde Regional Leste - Setembro 2007 - REGIONAL UNIDADE LOCAL DE SAÚDE Barra da Lagoa Canto da Lagoa Córrego Grande Costa da Lagoa Itacorubi LESTE ÁREAS DE INTERESSE SOCIAL Morro do Quilombo Subtotal 1 João Paulo Lagoa da Conceição Pantanal Pantanal Subtotal 1 Morro do Janga Sol Nascente (Morro do Atanásio, Saco Grande Caju, Belo Horizonte) Morro do Balão Vila Cachoeira TOTAL MICROÁREAS CORRELATAS POPULAÇÃO COBRAPE / SMHSA 2006 19001,19010 2 - 628 628 16002,16003 398 2 33304,33305 398 893 33001,33002 33004,33005 33006,33007 33202,33201 2184 33303,33306 417 33301,33307 807 Subtotal 4 14 4301 3 6 18 5327 261 Localização das Áreas de Interesse Social por Unidades Locais de Saúde e Regionais de Saúde Regional Norte - Setembro 2007 - REGIONAL UNIDADE LOCAL DE SAÚDE ÁREAS DE INTERESSE SOCIAL Cartódromo Cachoeira I do Bom Jesus Vila União Subtotal MICROÁREAS CORRELATAS 40101* 40101*,40102 40103,40104 4 2 Canasvieiras 38004 invasão Morro do 38202,38203 Mosquito Canasvieiras Rio 38106 Papaquara (São Bernardo) 4 Subtotal 3 NORTE Ingleses Subtotal Jurerê Ponta das Canas Ratones Rio Vermelho Santo Antônio de Lisboa Vargem Grande Vargem Pequena TOTAL 3 Adão dos Reis Rua do Siri (Vila Arvoredo) 2 - POPULAÇÃO COBRAPE / SMHSA 2006 328 683 1011 39 199 137 375 43101 125 43102,43103 616 3 741 - 7 11 2127 262 Localização das Áreas de Interesse Social por Unidades Locais de Saúde e Regionais de Saúde - Regional Sul Setembro 2007 - REGIONAL UNIDADE LOCAL DE SAÚDE ÁREAS DE INTERESSE SOCIAL Armação Alto Ribeirão Caeira da Barra do Sul Campeche Carianos Panaia Subtotal 1 Costeira do Pirajubaé 27102 1 121 121 359 Costeira III 30104,30105 207 Costeira IV 30001,30007 30102,30104 30103 30201,30202 601 267 5 Fazenda do Rio Tavares Rio Tavares II Subtotal 1 Morro das Areias dos Pedras Campeche Subtotal 1 Pântano do Rio das Sul Pacas Subtotal 1 Ribeirão da Ilha Rio Tavares - 30005 Rio Tavares (Seta) Subtotal POPULAÇÃO COBRAPE / SMHSA 2006 Costeira II Costeira V SUL MICRO-ÁREAS CORRELATAS - 542 10 30203 ( ULS C. Pirajubaé) 78001,78003 3 25004,25007 1976 2 562 23005 433 433 562 23 1 - 23 263 Costeira I Caeira da Vila Saco dos Operária Limões I,II,III Carvoeira (Boa Vista) Subtotal 3 Tapera I Tapera Subtotal TOTAL 7 Tapera II 2 14 31003,31005 31004 31101,31107 31203,31204 31205,31206 31207 31006 218 2831 324 11 26001,26002 26003,26004 26006,26201 26202,26203 26204,26205 3373 26104,26105 12 944 6494 40 5550 12982 264 265 ANEXO II UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) Prezada Senhora: Pedimos sua gentileza de colaborar com a pesquisa que tem por título “Proteção social para famílias vulneráveis com monoparentalidade feminina via Estratégia Saúde da Família”. Trata-se de pesquisa, para curso de Doutorado em Sociologia da UFSC, que pretende levantar dois aspectos principais: 1. Entender se as necessidades de saúde da sua família têm sido atendidas de maneira adequada pelo pessoal da Saúde da Família. 2. As dificuldades enfrentadas pelas famílias chefiadas por mulheres, no que se refere às questões de saúde. Caso a Sra. aceite participar estaremos solicitando que responda um questionário, em que não haverão questões que a identifiquem. A Sra. pode dar uma olhada no questionário antes e ver o tipo de questões que serão feitas. Suas dúvidas serão esclarecidas durante a pesquisa e fique à vontade para recusar, ou até solicitar sua retirada do grupo entrevistado, mesmo depois de ter respondido às questões. Suas respostas serão utilizadas somente para esta pesquisa. Desde já agradecemos e nos colocamos à sua disposição para qualquer informação. Profa. Dr. Márcia Grisotti (orientadora) Curso de Pós-graduação em Sociologia Política Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFSC Telefone: xxxx-xxxx ramal xx e-mail: [email protected] Carmen Gelinski (pesquisadora) Telefones: xxxx-xxxx (res.) xxxx-xxxx(com.) e-mail: [email protected] Nome da Sra: ........................................................................................................ Sua assinatura : ...................................................................................................... 266 267 ANEXO III ROTEIRO PARA ENTREVISTAS Público Alvo: (1) mulheres que pertencem a famílias que podem ter os dois cônjuges e (2) famílias com chefia feminina (aqueles em que só tem a figura da mulher) PERFIL SOCIO-ECONÔMICO: estrutura das famílias, funcionamento das famílias em rede- ver se dá para caracterizar o tipo de família (família/indivíduo, família/domicílio, família/comunidade, família/risco social) 1. Qual a sua idade? ......... 2. Até que série estudou? 1( ) até quinta série 2( ) da sexta à oitava série 3( ) segundo grau incompleto 4( ) segundo grau completo 5 ( ) nível superior 6( ) Não sabe/ não responde 3. Qual a sua cidade de nascimento? ............................................................ 4. Desde quando mora aqui, nesta cidade e neste bairro? (considerar o fato de que pode estar morando no município mais tempo e que tenha mudado de bairro algumas vezes) ........................................................................................... 5. Qual o seu nível de renda em salários mínimos? 1( ) até 2 salários mínimos 2( ) 2 a 4 SM 3( ) acima de 4 SM 268 6. Que pessoas compõem sua família? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 7. Só a Sra. tem renda na família? ............................................................................................................. ............................................................................................................. 8. Quantas pessoas moram nesta casa? Quem são elas? (Pais, sobrinhos, amigos/conhecidos) ............................................................................................................. ............................................................................................................. 9. A sra é casada/juntada ( )1 Separada? ( )2 Viúva ( )3 10. Em que atividade trabalha? ............................................. 11. Quantos dias por semana? ............................................. 12. (Para as que têm cônjuge) Em que atividade trabalha o seu esposo? ...................................................................................................... 13. Tem filhos? Qual a idade deles. Eles vão para a escola? Qual o turno? 14. O que fazem seus filhos fora do horário de aula? Quem cuida deles quando a Sra vai para o seu trabalho? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 15. Me conte um pouco da sua rotina diária. (a que horas levanta, como vai para o trabalho, quanto tempo demora no ônibus, quando ou quem faz as atividades domésticas, a que horas dorme) – se for o caso: o que faz no fim de semana ...................................................................................................... ...................................................................................................... 269 ...................................................................................................... ...................................................................................................... NECESSIDADES/DEMANDAS DE SAÚDE E ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DA ESF - carências referidas, demandas associadas com a saúde, transferência de responsabilidades, visita do ACS, percepção cognitiva do programa e dos processos de saúde-doença. 16. Você, ou alguém da sua família, sofre de alguma doença ou alguma dor frequente? (inquirir sobre possíveis doenças crônicas) ou Que problemas de saúde tem tido ultimamente? (itinerário terapêutico - depende da gravidade da doença?) ...................................................................................................... ...................................................................................................... 17. Como resolve os problemas de saúde? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 18. Com quem você pode contar para lhe dar uma mão quando tem problemas de saúde? Quem lhe ajuda a cuidar dos seus quando ficam doentes? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 19. Você lembra como era na época da sua mãe? Quem ajudava a cuidar dos doentes? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 20. Quem cuida dos seus filhos quando eles adoecem e você precisa trabalhar? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 21. - Quem os leva ao posto de saúde? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 270 22. - Quem cuida de você quando você mesma tem problemas de saúde? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 23. O que o pessoal do posto vem fazer na sua casa? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 24. Com que freqüência recebe as visitas dos ACS? ( ) uma vez por semana ( ) a cada 15 dias ( ) uma vez por mês ( ) uma ou duas vezes por ano 25. Desde quando eles fazem visitas à sua casa? ...................................................................................................... ...................................................................................................... ................................................................ 26. Quando a sra. ou alguém da sua família adoece o que faz o pessoal do posto? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 27. É fácil conseguir consulta? Quando precisa de uma consulta é só chegar no posto e ser atendida? Demora a conseguir consulta? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 28. E consulta com especialista, é fácil ou difícil? ..................................................................................... 29. Quando tem problemas de saúde, fica à vontade para ir ao posto ou prefere se tratar sozinha e só vai em último caso? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 271 30. Quando se consulta segue direitinho as indicações do que deve fazer? (tomar os remédios, seguir uma dieta, etc.) ...................................................................................................... ...................................................................................................... ...................................................................................................... 31. É cobrada pelo pessoal do posto a seguir as indicações? Se sente cobrada? ...................................................................................................... ...................................................................................................... ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DO PSF – a visita do ACS e a percepção sobre o PSF 32. Com que freqüência recebe as visitas dos ACS? ( ( ( ( ( ) uma vez por semana ) a cada 15 dias ) uma vez por mês ) uma ou duas vezes por ano ) nunca recebeu 33. Como se procede a visita? (como a entrevistada vê o trabalho dos ACS – ver se dá para captar um possível aspecto invasivo da visita) ...................................................................................................... ...................................................................................................... 34. Recebe visitas do médico? ........................................................................................ 35. Recebe visitas da enfermeira? ................................................................................ 36. Você sabe o que é o Programa Saúde da Família? ................................................... 272 37. Quando implantaram o PSF houve algum programa/palestra explicando como seria o funcionamento do programa? ...................................................................................................... 38. A Sra acha que eles estão mais preocupados em prevenir doenças (e explicar como não pega-las) ou em curar as doenças existentes? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 39. Assiste às palestras proferidas pelas equipes de SF? Essas palestras tem sido úteis para você e sua família? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 40. Na unidade de saúde do bairro que tipo de serviços tem usado? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 41. Tem facilidade de acesso aos serviços que a Unidade lhe oferece? ...................................................................................................... ...................................................................................................... 42. Desde quando recebe atenção do posto? (ver se dá para captar mudanças no funcionamento com o PSF – datar) ...................................................................................................... ......................................................................................................