Cefaléias Primárias e sua Relação com o Sono Yagihara F, Lucchesi L, Smith Anna, Speciali J. Primary Headaches and their Relationship with Sleep. Sleep Science. 2012; volume 5(1): 28-32. (Resumo traduzido pela Dra. Danielle Louise Sposito Bourreau) Em geral, a dor afeta o sono e vice-versa. As cefaléias primárias podem ser desencadeadas por privação do sono, um sono fragmentado ou não reparador. Em contrapartida, o sono é eficaz no alívio dos sintomas da dor. As dores de cabeça primárias e os distúrbios do sono são comuns e muitas vezes coexistem no mesmo paciente. Nestes casos, a dor de cabeça ocorre, geralmente, durante a noite ou ao despertar ou o paciente queixa-se de cefaléias crônicas diárias. A anatomia, a bioquímica e a fisiologia explicam a interação “cefaléias primárias x distúrbios do sono” através de uma fisiopatologia comum entre “dor x sono x humor,” envolvendo a serotonina e a melatonina, além de fatores de risco tais como idade, sexo (feminino / 50 a 59 anos), obesidade, ansiedade, síndrome das pernas inquietas, insônia e pesadelos. Há um tipo de cefaléia secundária relacionada à apnéia obstrutiva do sono, a dor de cabeça relacionada à hipóxia. Os principais tipos de cefaléias primárias associadas com os distúrbios do sono são: Enxaquecas: São dores de cabeça graves, geralmente unilaterais, cujos sintomas são fotofobia, fonofobia, náuseas, vômitos, transtornos de humor e alterações sensoriais. Estão intimamente ligadas ao sono, mais comumente à insônia, e podem ocorrer por falta de sono ou por dormir demais. Os problemas de sono ocorrem três vezes mais em pacientes portadores de enxaquecas. A natureza cíclica das crises (relacionadas à menstruação e sono, por exemplo) indica que seu mecanismo é controlado pelo hipotálamo. Cefaléias em salvas: São dores de cabeça graves, insuportáveis, geralmente retroorbitárias e relacionadas com hiperemia conjuntival, lacrimejamento, rinorréia, congestão nasal, sudorese facial, edema palpebral, miose e ptose. As crises ocorrem, geralmente, 90 minutos após o paciente dormir, coincidindo com o primeiro episódio de sono REM. Ocorrem uma ou duas vezes no ano, o que confirma sua natureza circanual, no qual há influência do hipotálamo, em particular o núcleo supraquiasmático. Estes pacientes tem um alto risco de apnéia obstrutiva do sono e a polissonografia é um exame fundamental para os pacientes resistentes ao tratamento habitual. A eficácia do lítio nos tratamentos que envolvem o hipotálamo resulta num acúmulo seletivo e estabilização da serotonina no sistema nervoso central, causando inibição do sono REM e alterações no ritmo circadiano. Cefaléias tensionais: Estas dores podem ser episódicas ou crônicas. O diagnóstico das dores episódicas requer uma história pregressa de 10 episódios com duração de 30 minutos à 7 dias e uma pressão que comprime bilateralmente a cabeça, não agravada pela atividade física, com exames neurológicos e clínicos normais. Náuseas, vômitos, fono ou fotofobia excluem o diagnóstico de cefaléia tensional. As dores crônicas ocorrem mais de 15 dias por mês (ou mais de 180 dias por ano). A insônia tem sido associada às dores de cabeça crônicas e pode piorar o prognóstico para a dor de cabeça tensional. Da mesma forma, o bruxismo do sono e a síndrome das pernas inquietas são associados com uma maior frequência de dor de cabeca, especialmente a tensional. A polissonografia dos pacientes portadores de cefaléias tensionais mostra despertares frequentes e uma redução do estágio 3 do sono NREM. Dor de cabeça hípnica (dor de cabeça “despertador”): é um tipo raro de dor de cabeça crônica primária, que ocorre exclusivamente durante o sono, usualmente em pessoas com mais de 50 anos de idade. É caracterizada por ligeira a moderada dor que acorda o paciente, podem ocorrer mais de 15 vezes por mês e a dor permanece por 15 minutos ou mais após despertar. É o único tipo de dor de cabeça que está estritamente relacionada com o ato de dormir (dia ou noite) e acorda o paciente. Pode estar associada a uma disfunção hipotalâmica, pois implica numa desregulação sono x vigília. Como o primeiro episódio ocorre na quinta ou sexta década de vida, pode ser associada a mudanças no padrão do sono relacionadas à idade, tais como despertares frequentes, redução do sono 3 e redução da secreção da melatonina. Hemicraniana paroxística crônica: é uma síndrome rara que, normalmente, se manifesta como crises unilaterais de dor intensa, que ocorrem abruptamente várias vezes ao dia, seguidas de sintomas autonômicos trigeminais. A dor ocorre principalmente na região oftálmica do nervo Trigêmio, mas outras partes da cabeça podem ser afetadas. Não há um período específico do dia para que a crise ocorra, porém quando ocorre durante o sono, é geralmente associada ao sono REM. Cefaléias secundárias relacionadas ao sono (distúrbios da homeostase): dores de cabeça matinais, acompanhada de foto ou fonofobia, atribuída à apnéia do sono. Os critérios de diagnóstico incluem dores de cabeça recorrentes (mais de 15 dias por mês), que estão presentes no despertar e desaparecem após o tratamento eficaz da apnéia do sono. Em um estudo de Goder et al. A verificação da polissonografia da noite anterior às dores de cabeça matinais incluiu uma redução no tempo total de sono, da eficiência do sono e da quantidade de sono REM e um maior número de despertares. As queixas de cefaléias matinais também são relatadas em uma proporção 3 a 5 vezes maior entre pacientes portadores da síndrome das pernas inquietas. Evans et al. relataram que dores de cabeça em uma pessoa que acorda durante a noite são devido ao sono interrompido: apnéia obstrutiva do sono, hipóxia noturna, hipercapnia, movimentos periódicos dos membros inferiores, insônia psicofisiológica, depressão e ansiedade. Num estudo epidemiológico realizado em São Paulo, pelos autores deste artigo, os despertares noturnos com cefaléias foram associados ao bruxismo, à síndrome das pernas inquietas, à pesadelos e à insônia, mas não à apnéia. Considerações finais: É importante ressaltar e considerar uma possível associação neurobiológica entre sono e dores de cabeça. O hipotálamo é uma região importante do cérebro, que facilita o sono (parte anterior) e mantém a vigília (parte posterior). Além de outras funções hipotalâmicas, a homeostase, o controle da dor, a transição da vigília para o sono e vice-versa, temos também uma associação ao mecanismo da dor de cabeça. Além disso, a associação dos sintomas da depressão e do estresse com muitos casos de cefaléia é explicada, em parte, por ações do sistema serotoninérgico. Os mecanismos são complexos, multi-fatoriais e ainda mal compreendidos. Todos os distúrbios do sono estão, em algum grau, relacionados à cefaléias. Todas as avaliações de pacientes com dor de cabeça devem incluir perguntas sobre os padrões de sono e queixas relacionadas. Pacientes com dor de cabeça durante a noite ou ao acordar, que são resistentes aos tratamentos prescritos requerem avaliações através de polissonografias a fim de excluir um distúrbio do sono tratável.