. 97 Reflexos pragmáticos-discursivos da L1 na aquisição de inglês como L2: um estudo sobre o uso da cláusula vs Roberto de Freitas Junior 1. Introdução O artigo discutirá o uso da ordem Verbo-Sujeito (VS) em inglês como L2 (EL2), com base na distinção entre modo de comunicação pragmático e modo de comunicação sintático da lingüística funcionalista americana e com base nas pesquisas de Naro e Votre (1999) com relação ao uso da ordem VS em português. A abordagem funcionalista estuda a estrutura gramatical inserida na situação real de comunicação, considerando o objetivo da interação, os participantes e o contexto discursivo. Procura, nesses elementos, a motivação para os fenômenos investigados. Segundo essa linha de estudo “cada porção do comportamento lingüístico tem um propósito comunicativo específico que o ativa; (...) a forma é determinada por sua adequação para expressar esse propósito no interior da organização pragmática geral da comunicação” (NARO & VOTRE, 1986:454). Essa citação refere-se ao princípio universal da iconicidade, segundo o qual a forma lingüística tende a ser motivada pela função. Isto não quer dizer que não haja arbitrariedade lingüística, mas que o usuário molda o seu discurso de acordo com os seus propósitos comunicativos, o que pode explicar desvios de uso de estruturas no discurso de L2. Cadernos de Letras - n. 23 - p. 97-112 - jan./dez. 2007 98 . Para explicarmos determinadas transferências da gramática de L1 para a de L2, utilizaremos a concepção apresentada por Givón (1979 e 1995) de que existe um modo pragmático e um modo gramaticalizado de comunicação, ligados ao princípio da iconicidade. 2. Modo pragmático e modo sintático/gramaticalizado Givón (1979 e 1995) postula a existência de dois modos de comunicação: o modo pragmático e o modo sintático ou modo gramaticalizado. O modo pragmático é mais icônico, vinculado ao contexto de comunicação, apresenta orações mais justapostas ou coordenadas, apresenta estrutura de tópico-comentário e ordem de palavras controladas por princípios pragmáticos. O modo sintático ou gramaticalizado, por outro lado, é menos vinculado ao contexto imediato de comunicação, apresenta mais coesão, com orações encaixadas, conectivos variados, estrutura sujeitopredicado e ordem de palavras mais fixa. Segundo o autor, os falantes utilizam os dois modos de comunicação depois que adquirem totalmente sua língua materna, mas cada modo tem um contexto específico para uso. Quando a criança está aprendendo a língua materna, por exemplo, usa mais o modo pragmático, com estruturas menos subordinadas, ordens de palavras mais livres, etc. À medida que se insere na cultura dos adultos, aprende a usar o modo sintático, mas não abandona o modo pragmático. Quando adulta, controla uma escala que vai do extremo pragmático a um extremo sintático, gramaticalizado. Tal calibragem se dá de acordo com a tensão comunicativa envolvida no processo comunicativo interacional. Assim, o modo pragmático é retomado em diferentes situações: no uso de um pidgin, na aquisição de L2 e nas situações mais informais de fala. No caso da aprendizagem de L2, em cursos de línguas, as regras são, em geral, claramente expressas, são . 99 repetidas e o aluno já tem um conhecimento metalingüístico aprendido nas aulas de L1. No entanto, mesmo sendo apresentado formalmente às regras, o indivíduo, ao falar a L2, utiliza o modo pragmático, ao produzir orações soltas, sem conectivos, ordem de palavras mais livre e mais icônica (do tipo tópico-comentário), repetição de palavras, pouca flexão, tudo isso por estar numa situação de estresse comunicativo mais acentuado. Quanto à escrita, apesar de Givón não expressar isso claramente no seu trabalho, podemos dizer que a língua escrita do aprendiz de L2 se assemelha à língua oral de uma criança aprendendo a escrever em L1: com uso de frases soltas, com poucos elementos de ligação e pouca subordinação, dentre outras características; os elementos de ligação existentes são coordenativos e bastante previsíveis (em português as conjunções e, mas, então, aí e porque são muitos freqüentes). À medida que imerge nos estudos da L2, este indivíduo adquire o modo sintático daquela língua. Givón afirma que a diferença entre os modos pragmático e sintático também pode ser vista na comparação entre a fala informal e a fala formal. Quanto mais planejado o discurso, menos orações justapostas, menos repetições, menos construções tópicocomentário há no discurso e vice-versa. Podemos, assim, dizer que sendo a escrita mais planejada que a fala, na escala que vai do modo mais pragmático ao modo mais gramaticalizado, a fala informal está em um dos pólos e a escrita formal no outro. Apresentamos a seguir as hipóteses relacionadas aos modos de comunicação que estão sendo testadas nessa pesquisa: (a) como a aquisição de L2 pressupõe o uso do modo pragmático, a ordem de palavras dos textos dos indivíduos que estão iniciando a aprendizagem de EL2 é mais livre do que a de um nativo de inglês; (b) além disso, como a ordem VS é motivada em português, os indivíduos tendem a usar a ordem VS em EL2 nos mesmos contextos semântico-pragmáticos que a utilizam em português. 100 . 3. A questão da aquisição de língua e da ordenação vocabular: implicações Com base na hipótese givoniana de que o adulto em processo de aquisição de L2 retorna ao modo pragmático de comunicação, desenvolvemos uma pesquisa funcionalista sobre o uso agramatical da posposição do sujeito (VS) em contextos narrativos escritos de aprendizes de EL2, como os apresentados nos exemplos (1) e (2) a seguir, retirados das redações que compõem o nosso corpus: (1) When we were coming back appeared a thief and stilling the Bank Itaú the police arrived and arrested them (nível básico BAS) (2) But again, in the middle of the trip happened another thing that changed their lives again, but this time was a very good thing (nível avançado - AVD) Vemos que os alunos colocaram os sujeitos “a thief” e “another thing that changed their lives again” na posição pósverbal, o que é permitido em português, mas não no inglês (pelo menos não em contextos como esses, sem a presença de um sujeito expletivo there). Acreditamos que os alunos transfiram a posposição do sujeito, fenômeno discursivamente motivado na sua língua materna, para o inglês como L2, segundo os mesmos princípios funcionais que direcionam o surgimento de VS na sua prática discursiva diária em L1. Para compreendermos o fenômeno, utilizamos os estudos funcionalistas de Naro e Votre (1999) sobre a co-ocorrência das ordens VS / SV no Português do Brasil (PB). Para esses autores, a ordem VS possui papel funcional importante, no que diz respeito ao relevo discursivo do texto do falante por estarem organizadas . 101 no plano de fundo das narrativas, enquanto a ordem SV tende a surgir em trechos discursivos de maior relevância – pertencentes ao plano de figura – compondo a linha principal de progressão do discurso, não estando, contudo, restrita a este contexto. São os objetivos comunicativos do falante que determinarão a organização textual: da escolha de palavras à construção de sentenças específicas, chegando ao texto como um todo. O uso das cláusulas VS nas narrativas em PB caracteriza tal representação, o que significaria uma estratégia específica da língua portuguesa. A respeito da associação do uso da ordenação VS com a questão do modo pragmático, podemos afirmar que o uso da ordem contempla a proposta de Givón apresentada, visto que, segundo o autor, é típico de aprendizes de uma L2 o uso, como já dito, de uma ordenação de palavras mais frouxa e com reflexos pragmáticos de comunicação. Sendo o inglês uma língua SVC, o uso de construções de sujeito posposto seria, a priori, inadequado, se os informantes em questão não fossem aprendizes de um segundo idioma. Em outras palavras, podemos dizer que o uso agramatical da ordenação verbo-sujeito se deve a motivações pragmáticas, tais como: a) a ordem VS apresenta um referente novo no discurso codificado através de sujeito posposto, e este referente novo não é tópico e b) a ordem VS, por conta disso, representa o comentário do fluxo de informação – função do PB de determinar orações de fundo. Acreditávamos que, graças a estas características da cláusula VS, sua ocorrência fosse possível na produção discursiva de brasileiros aprendizes de EL2. Teríamos, desta forma, a associação de dois fatores propiciadores do uso: a transferência comunicativa de um recurso discursivo típico da L1 para a L2 e a tendência universal de falantes de um segundo idioma reverterem o modo pragmático de comunicação para dar conta de suas necessidades comunicativas. 102 . 4. Análise dos dados O corpus desta pesquisa foi construído com dados retirados de testes de julgamento de aceitabilidade e de redações feitas por alunos de uma instituição de ensino de idiomas na cidade do Rio de Janeiro. A amostra final foi composta por 255 testes de aceitabilidade e 255 redações (narrações), sendo 85 de cada um destes aplicados em informantes do ciclo básico, 85 em informantes do ciclo intermediário e 85 em informantes do ciclo avançado. O teste de aceitabilidade consistiu em um primeiro exercício em que apresentamos 21 frases descontextualizadas, em inglês, todas com algum tipo de erro gramatical. Desse grupo, apenas 6 sentenças tratavam especificamente do fenômeno VS. Caberia ao aluno classificar cada frase do exercício como correta ou incorreta. Se o aluno julgasse determinada sentença como inaceitável, ele deveria corrigir as frases, que, por sua vez, foram cláusulas de cunho narrativo e possuíam características de orações de fundo, com verbos apresentativos, do tipo to appear, to arrive etc. Neste mesmo teste, foi aplicado um segundo exercício apenas aos 85 informantes do ciclo intermediário e aos 85 do ciclo avançado, compondo outra amostra de 170 testes. Neste exercício, encontrava-se uma pequena narração, de onde foram separadas sentenças contendo palavras, expressões ou orações assinaladas para que o aluno pudesse identificar alguma estrutura considerada errada naqueles contextos. Novamente, foram registrados problemas diversos, sendo que apenas duas sentenças tratavam do fenômeno da inversão de sujeito. Com relação à produção dos alunos (redações), encontramos 23 ocorrências de uso de VS com verbos intransitivos e 14 com verbos cópula, como no exemplo (3) e (4) a seguir: . 103 (3) When I went there and opened the door I saw all my friends that was playing with me, all my family, my friends at school. For me it was a big surprise because I didn’t imagine that they did one party. When I was talking to my friends on the street, passed a motorcycle and splilled water all over my body. That day I will never forget. (INT) (4) For some minutes I thought about their’s opinions, but sudanly appered a man to show me many aparts at that area, so I became almost convinced, but after the man told me about the price I became worried and I spoke with the man that the price were very high, after that I decided to look for other’s apartments to compare with those one. (AVD) Nos dados acima, os alunos usaram a ordem VS, ao invés de SV, em ‘passed a motorcycle’ e appered a man’. O nivelamento destes alunos foi definido pelo critério de tempo de exposição ao idioma, conforme o quadro: Nível Básico Intermediário Avançado Tempo de Exposição ao idioma exposição de até 2,5 anos à língua exposição de até 4,5 anos à língua exposição de até 7 anos à língua Quadro 1 – Classificação dos grupos por tempo de exposição à língua Como dissemos, a expectativa era a de que o tempo de exposição ao input da L2 definisse a percepção de aceitabilidade e o uso de VS por falantes não nativos de inglês. Em outras palavras, esperava-se que a ordem SV prevalecesse nos discursos de sujeitos fluentes, o que apontaria para o desenvolvimento do modo de comunicação sintático (GIVÓN, 1979). Assim, o modo pragmático, mais icônico e que atende as necessidades discursivas mais imediatas do usuário, passaria a ser menos presente na 104 . gramática do falante de L2, a qual apresentaria sintaxe mais fixa, regular e menos sujeita a pressões discursivas típicas da L1. Da mesma forma, postulou-se que o uso inapropriado da ordem VS em contexto de aquisição escrito de L2 diminuísse também nas redações numa relação inversamente proporcional a um maior tempo de exposição ao input. Em termos práticos, este fato refletiria o encaminhamento do modo sintático em detrimento ao modo pragmático. O falante, por não mais precisar de estratégias comunicativas que facilitassem a expressão de suas vontades, passaria a apresentar um modelo comunicativo de menor variação interna, sintaxe mais estável e com ordenação vocabular mais consistente e coerente com o sistema adquirido. Logo, o encaminhamento gramatical do discurso em L2 se reflete pela diminuição de uso da posposição do sujeito em função da ordem fixa SV. Para verificar a diminuição do número de ocorrências de cláusulas VS nos textos escritos pelos alunos em L2, utilizamos um cálculo que verifica a regularidade de ocorrências do fenômeno dentro de um dado campo amostral, aqui o número de palavras. Verificamos a ocorrência de VS em cada 1000 palavras produzidas por cada grupo de alunos (cada nível de aprendizagem). Não era esperado um grande número de dados devido à baixa proficiência de alunos do nível básico, que representaria uma limitação à produção como um todo1. Na Tabela 1, encontramos o número de ocorrências de VS por ciclo e sua média a cada mil palavras de representatividade dentro da amostra: Tabela 1 – Ocorrência de VS por nível2 Avançado N MP 7 0,06 6 0,41 .............. Intermediário N MP 6 0,5 3 0,24 .............. V1 V2 Básico N MP 10 1,3 5 0,65 .............. VS . 105 Observando apenas os dados com verbos intransitivos (V1), identificamos a média de 1,3 ocorrências de VS a cada 1000 palavras no ciclo básico, 0,5 no ciclo intermediário e 0,06 no avançado3. Os resultados revelam que, na passagem do nível básico para o intermediário, há diminuição de ocorrência de uso VS que passa de 1,3/1000 palavras para 0,5/1000. O mesmo ocorre na passagem do ciclo intermediário para o avançado, onde se percebeu diminuição de uso de 0,5/1000 palavras para 0,06/1000. Tais dados mostram, assim, importante diminuição de uso da estratégia da inversão do sujeito, na passagem entre os três ciclos. Pode-se inferir que, numa abordagem longitudinal de estudo de aquisição de L2, a força desta estratégia pragmática diminui em função do domínio da gramática e das estratégias pragmáticas da L2 adquirida. Pelos dados, observamos então que a estratégia discursiva de uso da ordem VS diminui, conforme esperávamos, ao longo do período de exposição à L2, chegando ao índice de uso mais baixo no ciclo avançado (0,06 /1000) e confirmando a hipótese de Givón sobre o processo de sintaticização, presente não apenas na passagem de pidgins a crioulos, na aquisição de L1 e no domínio da linguagem formal, mas também na aquisição de uma L2. A tendência longitudinal da diminuição de dados VS do tipo V1 é visualizada no gráfico 1: Gráfico 1 – Diminuição longitudinal do uso de VS 106 . O resultado da análise dos dados das redações converge para a hipótese principal desta pesquisa de que, ao manifestar a inversão do sujeito em inglês, o aluno aprendiz está transferindo da L1 uma estratégia discursiva específica. As características do item verbal e sujeito das cláusulas VS verificadas correspondem àquelas atestadas na pesquisa de Naro e Votre (1999). Quanto ao item sujeito, vimos que este geralmente é um dado novo dentro do discurso, além de (-) volitivo, (-) individuado e extenso. O item verbal, por sua vez, reflete o uso freqüente dos verbos intransitivos ‘to appear’ e ‘to happen’ nas cláusulas VS em inglês e apresenta manutenção de tempo e aspecto de forma coerente com a função de informação de fundo a que se constitui a cláusula VS. Além do mais, percebemos a tendência de que estes verbos não denotem a informação semântica que isoladamente representam, o que também contribui para o aspecto difuso da cláusula. Tais características estão também presentes na cláusula (5), produzida por aluno, apresentada a seguir: (5) I had dinner and go out with my mom […] but, suddenly, appeared the most beautiful and perfect boy in the world. Wow! What a boy! (BAS) Em suma, há uma tendência geral, de que, no discurso em L2, a ordenação VS também corresponda às circunstâncias fora da seqüência narrativa, ou seja, do plano de fundo, conforme seu condicionamento em PB como L1 e compondo a porção de comentário do conjunto textual. Os resultados dos testes de aceitabilidade também favorecem a hipótese da transferência do uso motivado de VS e da implicatura da presença do modo pragmático comunicativo de Givón. Os resultados gerais mostram que a posposição do sujeito passa a ser mais percebida como uma estrutura não comum no inglês à medida que o aluno internaliza a gramática deste idioma e identifica a . 107 forma SV como a mais recorrente nesta L2. Na Tabela 2 apresentamos os resultados referentes à percepção dos alunos quanto ao uso de VS em inglês. Tabela 2 - Percentuais de Percepção da ordem VS como gramatical no inglês Níveis Nível Básico Nível Intermediário Nível Avançado Percepção Não- Percepção Não- Percepção Não- Percepção do aluno percepção percepção percepção Totais 92% 8% 84% 16% 73% 27% Estes resultados comprovam nossa hipótese sobre a transferência do uso discursivo da ordenação VS no processo de aquisição de EL2, visto que, nos três níveis testados durante o experimento, predomina a percepção de cláusulas VS como gramaticais por parte dos alunos, já que eles não reconhecem que essas orações estão incorretas. Percebemos, em linhas gerais, que 92% da totalidade de informantes do ciclo básico, 84% dos alunos do ciclo intermediário e 73% dos alunos do nível avançado aceitam a ordenação VS como construção do inglês. Consideramos que tal informação indica um alinhamento com nossa hipótese quanto à relação inversamente proporcional de que quanto mais alto o nível do aluno, maior exposição ao input da língua inglesa e menor necessidade pragmática de usos lingüísticos de situações comunicativas específicas, no caso, próprios de sua L1. Verificamos que os alunos de nível básico e intermediário tendem a reconhecer a agramaticalidade da cláusula na L2 em menor escala que o aluno de nível avançado. De qualquer modo, os dados iniciais também nos surpreendem por revelar uma ampla aceitação da ordem por alunos com tempo mais longo de exposição 108 . à língua. Isso parece indicar que, como eles não estão totalmente expostos à cultura de falantes de inglês como L1, esses alunos levam mais tempo para adquirir o modo gramaticalizado (de um modo mais completo) da língua em questão. Além disso, investigando as cláusulas VS manipuladas nos testes de aceitabilidade, encontramos evidências de que o grau de transitividade das sentenças foi fator determinante para a aceitabilidade maior ou menor das orações como estruturas inglesas. As cláusulas que, segundo Hopper & Thompson (1980), apresentaram menor grau de transitividade detiveram os resultados de aceitabilidade mais altos (ou seja, os alunos não as viram como incorretas, na maior parte das vezes), posto que as propriedades de transitividade destas orações revelam cláusulas mais próximas da VS prototípica que funciona no plano de fundo das narrativas em PB, como a frase ‘I was in the bank line when crashed two cars in front of the bank’ , inclusive foi pouco reconhecida como errada até mesmo pelos alunos do nível avançado. Por outro lado, as cláusulas que apresentaram os menores índices de aceitabilidade, ao contrário das primeiras, apresentavam graus de transitividade maiores, o que as aproxima mais das cláusulas do plano de figura. As características de transitividade que se sobressaem quanto à diferenciação de resultados são as que dizem respeito ao traço de cinese dos verbos, e as características de volição e agentividade do item sujeito. Cabe ressaltar, no entanto, que todas as cláusulas foram amplamente aceitas pelos alunos testados nos três níveis de aprendizagem considerados neste experimento, embora umas tenham apresentado média de aceitabilidade maior que outras. Assim, esta pesquisa constata que a transferência de VS existente entre o PB como L1 e o inglês L2 não fica estanque ao nível sentencial, mas extrapola a questão estrutural em função das necessidades comunicativas requeridas a um falante aprendiz de L2. Ou seja, ao aceitar que cláusulas VS de transitividade mais . 109 baixa se constituam como integrantes da estrutura inglesa, o falante de L2 mostra que uso da estratégia relacionada à ordem VS na sua língua materna permanece latente durante o processo de aquisição de L2. 5. Conclusão Como podemos ver, os pressupostos teóricos do funcionalismo americano se alinham com a pesquisa aqui apresentada, relacionada ao desenvolvimento (ou dificuldade de desenvolvimento) do modo sintático ou gramaticalizado. Os indivíduos que aprendem o inglês como L2, quando estão nos níveis iniciais, apresentam ordens de palavras mais frouxas e usam a ordem VS nos mesmos contextos em que a usariam em português, ou seja, em situações de fundo quando o sujeito não é tópico, quando o verbo é não-cinético, etc. À medida que os alunos aprofundam o estudo da língua estrangeira, deixam de usar o modo mais pragmático e diminuem sensivelmente o uso de estratégias agramaticais como o uso da ordem VS. Entretanto, apesar da tendência universal do modo sintaticizado (gramaticalizado) se sobrepor ao modo comunicativo pragmático nas línguas estabilizadas, o modo pragmático permanece latente na competência lingüística do falante o que favoreceria o surgimento de VS em níveis mais avançados, embora com menor destaque. Postulou-se, então, que a questão da transferência de aspectos oriundos da L1 para a aquisição de L2 extrapola desdobramentos lingüísticos sentenciais. Verificou-se, a partir dos estudos funcionalistas de Naro e Votre (1999), que (a) o uso da inversão do sujeito em inglês reflete características da posposição do sujeito no português brasileiro, ordenação que, nesta língua, representa uma estratégia pragmática de construção do relevo discursivo narrativo; e (b) o uso da inversão em contexto escrito de aquisição está de acordo com o princípio da iconicidade, 110 . segundo o qual formas lingüísticas devem ser explicadas, dentre outros aspectos, pelas motivações cognitivas que levam o usuário daquela língua a usá-las. Os resultados favorecem a hipótese principal desta pesquisa sobre a transferência deste recurso pragmático da L1 para a facilitação da comunicação em L2. Em outras palavras, ao apresentarem índices de aceitabilidade diferenciados para as diversas cláusulas dos testes de aceitabilidade, os resultados confirmam a hipótese da transitividade de Hopper & Thompson (1980), que apontam para a tendência de orações intransitivas constituírem porções do plano de fundo da narrativa. O uso da ordenação VS, já descrito por Naro e Votre (1999), exerce no PB esta mesma função comunicativa, e, ao transferir seu uso para o inglês, o aluno também sinaliza, para seu interlocutor, que a porção de informação assim codificada pertence ao plano de fundo. Sobre o uso do modo pragmático por aprendizes de uma L2, proposto por Givón (1979), podemos dizer que este também é verificado nos resultados, visto que, em todos os três níveis de aprendizado, houve aceitabilidade da ordenação VS. Isto mostra que, embora o nível avançado tenha apresentado aceitabilidade menor para todas as cláusulas, o uso do recurso da ordenação vocabular frouxa e que reflete a função comunicativa das formas permanece nos três níveis de aprendizado da testagem. Seguindo a perspectiva de estudos de transferência lingüística, temos, então, um processo de transferência que está além do plano sintático-estrutural, mas no plano pragmático-discursivo, ou seja, no campo de uso de estratégias eficazes de comunicação. Roberto Freitas mestrando, UFRJ . 111 Notas Vale ressaltar que o fato de estarmos lidando com um fenômeno de cunho sintático e de ordem marcada no PB limitou o número de dados. 2 N- Número de Palavras; MP – Média em 1000 palavras; V1 – verbos intransitivos; V2 – verbos cópula 3 Dados referentes aos verbos intransitivos. Devido às idiossincrasias do verbo cópula, ele foi descartado desta análise. 1 Referências Bibliográficas FREITAS JR, Roberto F. Reflexos pragmático-discursivos da L1 na aquisição de inglês como L2: um estudo sobre o uso da cláusula VS. Dissertação de Mestrado. UFRJ, 2006, 128p. F URTADO DA C UNHA , Maria A., R IOS DE O LIVEIRA , Mariangela. MARTELOTTA, Mario. (Orgs.) Lingüística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. G IVÓN , Talmy. Functionalism and Grammar. Armsterdan: John Benjamins, 1995. ____________. On understanding grammar. New York/San Francisco/ London: Academic Press, 1979 H OPPER, Paul & T HOMPSON , Sandra. Transitivity in grammar and discourse. Language 56:251-299, 1980. NARO, Anthony J. & Votre, Sebastião J. Discourse Motivations for linguistic regularities; Verb/subject order in spoken Brazilian Portuguese. Probus 11: 73-98. 1999. ___________. Discurso e ordem vocabular. In: Anais do Quarto Encontro de Variação e Bilingüismo na Região Sul, Porto Alegre.1986. Resumo A motivação para a pesquisa apresentada surge com a percepção do uso da ordem VS no discurso narrativo escrito de alunos brasileiros aprendizes de inglês como L2, língua que restringe a posposição do 112 . sujeito, ao menos nos contextos observados. Tentou-se verificar se este fenômeno sinalizaria transferência de uso da língua materna (L1) para a língua alvo (L2). A hipótese da pesquisa foi a de que o uso desta estrutura nas narrações inglesas seguiria a mesma motivação discursiva que explica seu uso na língua portuguesa, confirmando a hipótese funcional apresentada em Naro e Votre (1999), com base em Hopper & Thompson (1980), a cerca de seu uso no plano de fundo das narrativas. Palavras-chave funcionalismo, aquisição de L2, transitividade Abstract The aim of this research emerges with the perception about the occurrence of VS clauses in the narrative discourse of Brazilian students of L2 English – a SVC language. The main hypothesis was that the inversion might occur on a L1 transfer basis. The study verifies if the phenomenon is in agreement with the discoveries of the functional studies about this word order in Brazilian Portuguese (BP). Naro and Votre (1999), based on Hopper & Thompson (1980), researched the VS word order in the light of a functional perspective, and realized that it tends to be cognitively motivated to occur in the background of narratives. Key-words Functional Syntax, SLA, transitivity