UNIVERSIDADE FUMEC FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS E DA SAÚDE Curso de Mestrado em Direito RAQUEL RIBEIRO MAYRINK A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE CAUSAS CONCERNENTES À PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO, ESPECIFICAMENTE QUANTO AOS TRABALHADORES VINCULADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Belo Horizonte - MG 2015 RAQUEL RIBEIRO MAYRINK A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE CAUSAS CONCERNENTES À PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO, ESPECIFICAMENTE QUANTO AOS TRABALHADORES VINCULADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade FUMEC como requisito para obtenção da titulação em Mestre em Direito, Área de Concentração: ―Instituições Sociais, Direito e Democracia‖, Linha de pesquisa ―Autonomia Privada, Regulação e Estratégia‖. Orientadora: Profª. Dra. Lutiana Nacur Lorentz Belo Horizonte - MG 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M474c Mayrink, Raquel Ribeiro, 1982A competência da justiça do trabalho para processamento e julgamento de causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, especificamente quanto aos trabalhadores vinculados à administração pública / Raquel Ribeiro Mayrink. – Belo Horizonte, 2015. 108 f. ; 29,5 cm Orientadora: Lutiana Nacur Lorentz Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade FUMEC, Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, Belo Horizonte, 2015. 1. Justiça do trabalho - Brasil. 2. Ambiente de trabalho - Brasil. 3. Direito processual coletivo - Brasil. 4. I. Título. II. Lorentz, Lutiana Nacur. III. Universidade FUMEC, Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde. CDU: 331.4 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da FCH-FUMEC RAQUEL RIBEIRO MAYRINK A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE CAUSAS CONCERNENTES À PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO, ESPECIFICAMENTE QUANTO AOS TRABALHADORES VINCULADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade FUMEC como requisito para obtenção da titulação em Mestre em Direito, Área de Concentração: ―Instituições Sociais, Direito e Democracia‖, Linha de pesquisa ―Autonomia Privada, Regulação e Estratégia‖. BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________ Profª. Dra. Lutiana Nacur Lorentz – FUMEC (Orientadora) ___________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos Balbino Gambogi - FUMEC ___________________________________________ Prof. Dr. Vitor Salino de Moura Eça - PUCMINAS Belo Horizonte, 27 de novembro de 2015 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por me propiciar força e coragem, por guiar meus passos e por iluminar meu caminho durante esta gratificante jornada acadêmica. À Professora Drª. Lutiana Nacur Lorentz, pela motivação, disponibilidade e orientação conferida quando da realização deste trabalho e, principalmente, pelo formidável exemplo de profissionalismo. Aos demais colegas, professores e funcionários do curso de Mestrado em Direito da FUMEC, por se fazerem presentes em minha formação acadêmica, contribuindo para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. RESUMO O presente estudo objetiva analisar a competência para o processamento e julgamento de ações concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente laboral. Para tanto, inicialmente é realizada a contextualização do meio ambiente do trabalho como sendo um direito fundamental, correlacionando-o aos princípios da igualdade e não discriminação. Em seguida, são abordados os principais aspectos inerentes ao meio ambiente do trabalho, quais sejam, evolução histórica, definição, princípios aplicáveis e legislações conexas. Posteriormente, é realizado um paralelo entre a competência trabalhista e o meio ambiente do trabalho. Assim sendo, são analisadas a perspectiva história da Justiça Laboral e as alterações advindas da Emenda Constitucional n. 45/04, notadamente no que tange ao art. 114, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Após, são estudados aspectos conceituais relativos aos agentes públicos, à competência em razão da matéria e em razão da pessoa, bem como à causa de pedir. Desta feita, conclui-se que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual se submetem tais trabalhadores. Por fim, o processo coletivo é apontado como sendo o instrumento protetivo na defesa do meio ambiente laboral, especificando, para tanto, as diversas espécies de ações coletivas ambientais previstas pelo ordenamento jurídico pátrio. PALAVRAS-CHAVE: MEIO AMBIENTE DO TRABALHO, COMPETÊNCIA E JUSTIÇA DO TRABALHO ABSTRACT This study aims to analyze the competence for processing and judgment of actions concerning the prevention and restoration of the environment working. For this initially is conducted the contextualization of the work environment as a fundamental right, correlating it to the principles of equality and non-discrimination. Then are discussed the main aspects inherent in the working environment, namely, historical evolution, definition, principles and related legislation. Subsequently, it conducted a parallel between labor competence and the working environment. Thus, it analyzed the historical perspective of the Labor Justice and the changes arising from the Constitutional Amendment. 45/04, especially in relation to art. 114, item I, of the Constitution of 1988. After are studied conceptual aspects of public agents, the competence on account of matter and on account of the person, as well as the cause of the action. So is concluded that the Labour Court has jurisdiction to adjudicate causes concerning the prevention and remedying of the working environment, inclusive in relation to workers linked to public administration, independently the legal regime which submit such workers. Finally, the collective process is pointed as being the protective instrument in the defense of the working environment, specifying, to this end, the various types of environmental class actions foreseen by the Brazilian legal system. KEYWORDS: ENVIRONMENT WORKING, COMPETENCE AND LABOR JUSTICE LISTA DE QUADROS Quadro 1: Alterações na redação do art. 114 da CR/88 decorrentes da EC n. 45/04.......................................................................................................... LISTA DE ABREVIATURAS ADI – Ação Direta de Constitucionalidade CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CR/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 EC – Emenda Constitucional MPT – Ministério Público do Trabalho NR – Normas Regulamentadoras expedidas pelo Ministério do Trabalho OIT – Convenções da Organização Internacional do Trabalho OJ – Orientação Jurisprudencial PEC – Proposta de Emenda Constitucional SDI – Seção de Dissídios Individuais STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TST – Tribunal Superior do Trabalho 49 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO 05 COMO DIREITO FUNDAMENTAL................................................................ 07 2.1 Distinção ente direitos fundamentais e direitos humanos................ 2.2 O trabalho e o meio ambiente laboral enquanto direitos fundamentais................................................................................................. 2.3 07 14 O meio ambiente do trabalho e sua correlação com os princípios da igualdade e não discriminação...................................................................... 18 3 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.................................................... 23 3.1 Evolução histórica do meio ambiente do trabalho............................... 23 3.2 Definição de meio ambiente do trabalho............................................. 28 3.3 Princípios aplicáveis ao meio ambiente do trabalho........................... 30 3.4 Legislação protetiva atinente ao meio ambiente do trabalho.............. 34 3.4.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988............... 34 3.4.2 Legislação Infraconstitucional sobre meio ambiente do trabalho... 37 3.4.3 Convenções Internacionais sobre meio ambiente do trabalho....... 41 4 COMPETÊNCIA TRABALHISTA E MEIO AMBIENTE DE TRABALHO................................................................................................... 43 4.1 Perspectiva histórica da organização e jurisdição trabalhista brasileira.............................................................................................. 4.2 A competência da Justiça do Trabalho e o art. 114, inciso I, da CR/88.................................................................................................. 4.3 43 52 Definição de Servidor Público Estatutário, Empregados Públicos e Servidores Temporários...................................................................... 56 4.4 Meio ambiente do trabalho estatutário, celetista e misto.................... 59 4.5 Competência em razão da matéria e da pessoa no que concerne à Justiça do Trabalho............................................................................. 62 4.6 A causa de pedir e o meio ambiente do trabalho................................ 66 4.7 A competência da Justiça do Trabalho e sua inter-relação com a tutela do meio ambiente de trabalho................................................... 70 5 O PROCESSO COLETIVO COMO INSTRUMENTO PROTETIVO NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO................................... 79 5.1 Espécies de Ações Coletivas Ambientais........................................... 80 5.1.1 Ação Civil Pública Ambiental.......................................................... 80 5.1.2 Ação Popular Ambiental.................................................................. 85 5.1.3 Mandado de Segurança Coletivo Ambiental................................... 87 5.1.4 Mandado de Injunção Ambiental..................................................... 90 5.2 Responsabilidade Civil Objetiva por Danos Ambientais..................... 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 95 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 92 96 5 1 INTRODUÇÃO Inicialmente, há que se frisar o importante papel atribuído à Justiça do Trabalho, pois, ao aperfeiçoar as condições de pactuação da força de trabalho na sociedade capitalista, acaba por interferir nos aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos, traduzindo, assim, uma significativa dimensão social dos Direitos Humanos. Nesta toada, cita-se o seguinte ensinamento trazido por Maurício Delgado Godinho: O universo social, econômico e cultural dos Direitos Humanos passa, de modo lógico e necessário, pelo ramo jurídico trabalhista, à medida que este regula a principal modalidade de inserção dos indivíduos no sistema socioeconômico capitalista, cumprindo o papel de lhes assegurar um patamar civilizatório de direitos e garantias jurídicas, que, regra geral, por sua própria força e/ou habilidades isoladas, não alcançariam. A conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego, normatizado pelo Direito do Trabalho. (DELGADO, 2014, p. 82). Neste contexto, tem-se que é de extrema importância analisar as implicações advindas com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004, também conhecida como reforma do Judiciário, que trouxe inúmeras repercussões para o ordenamento jurídico pátrio, especialmente no que tange ao alargamento da competência da Justiça do Trabalho. Deste modo, ressaltam-se as inúmeras controvérsias que surgiram a respeito da nova redação conferida ao art. 114 da Constituição Federal de 1998, cujo objetivo foi ampliar a competência da Justiça Laboral, na medida em que houve alteração da redação ―dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores‖ pelo conceito jurídico mais amplo de relação de trabalho. 6 A partir de então, surgem diversos debates doutrinários e divergentes decisões jurisprudenciais, ensejando reflexões e produções científicas a fim de que sejam efetivados os ajustes necessários à nova ordem constitucional. Dentre eles, destaca-se a concessão de medida liminar referente à ADI n. 3.3951, datada de 01/02/2005, com o intuito de suspender toda e qualquer interpretação dada ao inciso I, do art. 114, da CR/88 que inclua na competência da Justiça do Trabalho apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Ocorre que, contudo, quanto aos casos envolvendo julgamento de matéria atinente ao meio ambiente do trabalho, o Supremo Tribunal Federal já havia se manifestado, em 10 de dezembro de 2003, quando da edição da súmula n. 7362, no sentido de que ―compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores‖. Destarte, hodiernamente, verifica-se que permanecem as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema e, consequentemente, no ordenamento jurídico pátrio ainda paira o questionamento a respeito de qual seria a Justiça competente para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à administração pública. É, portanto, este aspecto a que este trabalho se propõe a analisar. 1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal na Reclamação ADI 3395. Ministro Nelson Jobim. Brasília: DJe, 04 fev. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 21 de dez. de 2014. 2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 736: DJe, 10 dez. 2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=736.NUME.%20NAO%20S.FLS V.&base=baseSumulas>. Acesso em: 29 de dez. de 2014. 7 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL 2.1 Distinção ente direitos fundamentais e direitos humanos Inicialmente, antes de abordar a questão específica da competência material da Justiça do Trabalho para julgar ações sobre meio ambiente do trabalho, há que se fazer a distinção existente entre os ―direitos fundamentais‖ e os ―direitos humanos‖. Assim sendo, Fernando José Cunha Belfort, em sua obra Meio Ambiente do Trabalho – Competência da Justiça do Trabalho, destaca que: ―os direitos fundamentais‖ são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do Direito Constitucional positivo de determinado Estado; ―os direitos humanos‖, por sua vez, guardam relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos o povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional) (BELFORT, 2003, p. 25). Esse mesmo sentido conceitual pode ser encontrado na obra de Canotilho, segundo a qual haveria uma distinção quanto à origem e significado das expressões direitos do homem e direitos fundamentais. Deste modo, têmse que, Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaciotemporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. (CANOTILHO, 2003, p. 393). De igual modo, segundo Gilmar Mendes Ferreira, tem-se que: 8 A expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam índole filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular. A expressão direitos humanos, ainda, e até por conta da sua vocação universalista, supranacional, é empregada para designar pretensões de respeito à pessoa humana, inseridas em documentos de direito internacional. Já a locução direitos fundamentais é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado. São direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os consagra. (MENDES, 2014, p. 147). Logo, percebe-se que as expressões ―direitos humanos‖ e ―direitos fundamentais‖ não são sinônimas, vez que apresentam significados diversos. Assim, enquanto os direitos fundamentais referem-se às positivações encontradas nos textos constitucionais dos Estados, os direitos humanos traduzem a uma perspectiva filosófica anterior à positivação constitucional, ao mesmo tempo que aludem a um reconhecimento internacional não delimitado espacialmente e territorialmente. Há que se destacar, neste ponto, a questão do relativismo cultural3. Isso porque a ideia de direitos humanos como direitos inatos ao homem, de modo absoluto e atemporal, se contrapõe à noção histórica e individual da liberdade cultural subjetiva. Há, assim, um embate entre a corrente universalista que tende a generalizar os direitos humanos e a corrente relativista, que tende a conceder um valor maior aos direitos das minorias. Neste sentido, eis o ensinamento de Norberto Bobbio: Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez, e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 1992, p. 5). 3 Maiores aprofundamentos sobre a questão da evolução histórica dos direitos humanos e do relativismo cultural podem sem encontrados nas seguintes obras: COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10. ed. comemorativa. São Paulo, SP: Saraiva, 2015 e LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 9 Neste contexto, há que se ressaltar que a positivação dos direitos humanos em âmbito internacional, como norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens), por si só, não garante segurança quanto à efetiva proteção de tais direitos. Nesta toada, Celso Lafer nos explica que: É sabido, no entanto, que o processo de positivação das declarações de direitos não desempenhou esta função estabilizadora, pois no século XVIII até os nosso dias, o elenco dos direitos do homem contemplados nas constituições e nos instrumentos internacionais foram-se alterando com a mudança das condições históricas. É difícil, conseqüentemente, atribuir uma dimensão permanente, não-variável e absoluta para direitos que se revelaram historicamente relativos. (LAFER, 1988, p. 124). De igual modo, Fábio Konder Comparato, preceitua que: Mas nada assegura que falsos direitos humanos, isto é, certos privilégios da minoria dominante, não sejam também inseridos na Constituição, ou consagrados em convenção internacional, sob a denominação de direitos fundamentais. O que nos conduz, necessariamente, à busca de um fundamento mais profundo do que o simples reconhecimento estatal para a vigência desses direitos (COMPARATO, 2015, p. 71). Assim sento, tem-se a necessidade de se conjugar a vertente universalista com a historicidade dos direitos do homem, a fim de se garantir a efetiva proteção da dignidade humana, de forma a assegurar a proteção dos direitos da minoria, sem, no entanto, desrespeitar o valor intrínseco e inerente atinente à vida humana. Destarte, do mesmo modo que a doutrina universalista deve respeitar as singularidades e subjetividades existentes na diversidade cultural, lado outro, o relativismo também não pode ser suscitado como forma de negar os direitos humanos, devendo, por conseguinte, se atender ao mínimo ético irredutível da existência humana. Nesta toada, segundo Antônio Augusto Cançado Trindade, tem-se que: As culturas não são pedras no caminho da universalidade dos direitos humanos, mas sim elementos essenciais ao alcance desta última. A diversidade cultural há que ser vista, em perspectiva adequada, como um elemento constitutivo da própria universalidade dos direitos humanos, e não como um obstáculo a esta. Não raro a falta de informação, ou o controle – e mesmo o monopólio – da informação 10 por poucos pode gerar dificuldades, estereótipos e preconceitos. Não é certo que as culturas sejam inteiramente impenetráveis ou herméticas. Há um denominador comum: todas revelam conhecimento da dignidade humana. (TRINDADE, 2003, p. 355-336). Há que se apontar, assim, a classificação existente na doutrina clássica em direitos humanos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões, destacando-se, porém, que, a doutrina contemporânea aponta a existência da quarta e quinta dimensão de direitos. Assim sendo, faz-se necessário ressaltar que, no diz respeito ao nascimento de tais direitos geracionais, há uma polêmica sobre quem teria criado essa classificação, se Norberto Bobbio, ou se Karel Vasak (TRINDADE, 2000). Deste modo, historicamente, em que pese muitos atribuam a autoria de tal teoria a Norberto Bobbio, observa-se que a classificação dos direitos humanos em gerações foi formulada pela primeira vez por Karel Vasak, que a apresentou pela primeira vez em 1979, em conferência ministrada no Instituto Internacional de Direitos Humanos, em Estrasburgo, sendo que, posteriormente, tal teoria veio a ser aperfeiçoada por Norberto Bobbio (TRINDADE, 2000). Neste sentido, Trindade em palestra que realizada no ―Seminário Direitos Humanos das Mulheres‖ afirma que: Eu não aceito de forma alguma a concepção de Norberto Bobbio das teorias de Direito. Primeiro, porque não são dele. Quem formulou a tese das gerações de direito foi o Karel Vasak, em conferência ministrada em 1979, no Instituto Internacional de Direitos Humanos, em Estrasburgo. Pela primeira vez, ele falou em gerações de direitos, inspirado na bandeira francesa: liberté, legalité, fraternité. A primeira geração, liberté: os direitos de liberdade e os direitos individuais. A segunda geração, legaIité: os direitos de igualdade e econômicosociais. A terceira geração diz respeito a solidarité: os direitos de solidariedade. (TRINDADE, 2000). Este mesmo entendimento pode ser exemplificado através da transcrição da seguinte passagem: As gerações de direito explicitam a transição da posição Estatal no que diz respeito aos direitos humanos. Propostas inicialmente por Karel Vasak, e mais tarde desenvolvidas por Noberto Bobbio, estão divididas nos direitos de primeira, segunda e terceira gerações, a 11 saber, direitos de liberdade, da igualdade e da fraternidade. (OLIVEIRA, 2007, p. 50). Neste contexto, verifica-se que a classificação de direitos em gerações foi inspirada na bandeira francesa: liberté, egalité, fraternité. Assim sendo, os direitos de primeira dimensão estão ligados à ideia de liberdade, que visam à inibição da interferência indevida do Estado na vida do cidadão, traduzindo-se nos direitos e garantias individuais, civis e políticas. Logo, tem-se que, na lição do doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite, Os direitos de primeira geração correspondem aos direitos individuais ou direitos de liberdade. Têm sua origem com o declínio do Estado 4 Absolutista, com a superação do Ancién Régime . Representam a proposta de instauração do liberalismo político e econômico e que vige o modelo estatal absenteísta, não intervencionista. (LEITE, 2004. p. 12). Já os direitos de segunda dimensão relacionam-se com a questão da igualdade, traduzindo-se nos direitos sociais, econômicos e culturais, revelando, portanto, um caráter social. Esses direitos pressupõe uma interferência do Estado a fim de que seja garantida a igualdade material dos indivíduos. Neste sentido, segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, Nesta nova geração de direitos, a liberdade cede espaço à igualdade. Não se rejeita mais a atuação estatal para que prevaleçam as vontades individuais, pelo contrário, passa-se a exigir do Estado uma participação ativa na promoção do bem comum. Paralelamente, a sociedade deixa de constituir apenas um conjunto de partículas (indivíduos) e assume a configuração de um todo, vista por alguns teóricos como um organismo articulado. (LEITE, 2004. p. 14). Observa-se, assim, com a implementação dos direitos sociais de segunda dimensão, um abandono da visão isolada do indivíduo, haja vista que eles deixam de ser os únicos atores sociais, pois passam a estar integrados em 4 Maiores informações sobre o declínio do Estado Absolutista e surgimento da doutrina do liberalismo como superação do problema da limitação do poder soberano atribuído ao Estado podem ser encontradas na obra de Paulo Bonavides, Do estado liberal ao estado social, 5.ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p 27-49. 12 grupos representativos de determinadas classes (por ex: trabalhadores, mulheres, negros etc). Os direitos de terceira dimensão, por sua vez, relacionam-se aos direitos de solidariedade ou fraternidade, já que detém titularidade coletiva ou difusa. Entre eles, encontra-se o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, à comunicação e à proteção do consumidor. Desta forma, visam tutelar os interesses de um número indeterminado de pessoas. Destarte, Carlos Henrique Bezerra Leite, em sua obra Direitos Metaindividuais, afirma que, Os direitos de terceira geração não se vinculam à noção de Estado nacional, nem de grupos reduzidos de pessoas. Existem em prol da humanidade, são destinados à proteção do gênero humano. [...] Por isso os titulares dos direitos de terceira geração, além de indeterminados, são indetermináveis. A própria natureza desses direitos revela-se incompatível com o individualismo ou com a idéia de grupos específicos. Não se trata mais de mera coletividade, mais ou menos precisa, inserida no âmbito restrito dos Estados Nacionais (LEITE, 2004. p. 14-15). Os direitos de quarta dimensão, por sua vez, segundo orientação de Norberto Bobbio, relacionam-se à questão do biodireito, uma vez que decorrem dos avanços ocorridos no campo da engenharia genética. Neste sentido, temse que: [...] se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direito de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo (BOBBIO, 1992, p. 6). Por outro lado, Bonavides introduz, ainda, dentre os direitos de quarta geração, aqueles direitos originários do mundo globalizado, traduzindo-se na possibilidade de legítima globalização política, como por exemplo, o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Nesta toada, para clarificar tal entendimento, cita-se a seguinte passagem: [...] A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. São direitos 13 de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (BONAVIDES, 2014, p. 585-586). Neste contexto, há que ressaltar que, em que pese Karel Vasak tenha elencado o direito à paz como sendo um direito de terceira dimensão, Bonavides entende que ele deve ser abordado de forma autônoma, apontandoo como um direito de quinta dimensão, haja vista a ascensão do terrorismo, a globalização, a interligação da economia dos países, a relativização das soberanias e a intolerância. Neste sentido, cita-se o seguinte trecho escrito pelo doutrinador Paulo Bonavides: [...] A concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica configura um dos mais notáveis progressos já alcançados pela teoria dos direitos fundamentais. Karel Vasak, o admirável precursor, ao colocá-lo no rol dos direitos da fraternidade – a saber, da terceira geração –, o fez, contudo, de modo incompleto, teoricamente lacunoso. Não desenvolveu as razões que a elevam à categoria da norma. Sobretudo aqueles que lhe conferem relevância pela necessidade de caracterizar e encabeçar e polarizar toda uma nova geração de direitos fundamentais, como era mister fazer, e ele não o fez. (BONAVIDES, 2014, p. 594). Assim sendo, verifica-se que Paulo Bonavides, ao elencar a paz como um direito de quinta dimensão, coloca-a como um supremo direito da Humanidade. Neste sentido, tem-se que: [...] A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos. Tal dignidade unicamente se logra, em termos constitucionais, mediante a elevação autônoma e paradigmática da paz a direito de quinta geração. (BONAVIDES, 2014, p. 598-599). Esta classificação se mostra importante, pois, como se examinará, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se constitui como direito fundamental de terceira geração, uma vez que possui natureza difusa. Neste sentido, segundo a lição preceituada por Romeu Faria Thomé da Silva, em sua obra Manual de direito ambiental, tem-se que: 14 [...] tratar-se de um interesse de caráter transindividual, por extrapolar o âmbito particular, individual. Todos nós, de forma indistinta, somos interessados na preservação do meio ambiente saudável, direito fundamental intrinsecamente vinculado ao direito à vida. Não restam dúvidas de que o direito à integridade do meio ambiente consitui, portanto, prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, e não individual. (SILVA, 2011. p. 113). Esse entendimento também é ilustrado por meio da seguinte passagem, constante da obra intitulada Direito constitucional ambiental brasileiro, de José Joaquim Gomes Canotinho e José Rubens Morato Leite, segundo a qual: O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de terceira geração, alicerçado na ―fraternidade‖ ou na ―solidariedade‖. Nessa categoria, tem-se que direitos não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existência concreta. (CANOTILHO e LEITE, 2012. p. 129). Destarte, tem-se que a titularidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é indeterminada, vez que sua natureza é difusa e indivisível, apresentando-se, por conseguinte, como um direito transindividual, pois transcende os interesses individualmente considerados. 2.2 O trabalho e o meio ambiente laboral enquanto direitos fundamentais Inicialmente, faz-se necessário apontar que a Constituição Brasileira de 1988 elencou o trabalho como direito fundamental, sendo, portanto, uma prerrogativa essencial à dignidade da pessoa humana. Neste sentido, Maurício Godinho Delgado, em sua obra ―Princípios de direito individual e coletivo do trabalho‖, preceitua que: A valorização do trabalho, especialmente do emprego, é um dos princípios cardeais da ordem constitucional brasileira democrática. Reconhece a Constituição a essencialidade da conduta laborativa como um dos instrumentos mais relevantes de afirmação do ser 15 humano, quer no plano de sua própria individualidade, quer no plano de sua inserção familiar e social. (DELGADO, 2013, p. 31). Desta forma, destaca-se que o art. 1º, inciso IV, aponta, como fundamento da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, sendo pressupostos para a constituição do Estado Democrático de Direito. O art. 5º, inciso XIII, por sua vez, ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, preceitua que ―é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer‖. Já o art. 6º, elege, dentre outros, o trabalho como um direito social. Do mesmo modo, o art. 7º aborda diversos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, conferindo a eles força normativa constitucional, visando a melhoria de sua condição social. Ressalta-se, também, que o art. 170, caput, da CR/88, ao dispor sobre os princípios gerais da atividade econômica, preceitua que a ordem econômica e financeira fundamenta-se em dois pilares, quais sejam, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, assegurando a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Por fim, observa-se que o art. 193, também da CR/88, destaca, que ―a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais‖. Conclui-se, portanto, que o trabalho, no ordenamento jurídico brasileiro, é um direito fundamental, que contém uma dupla dimensão, pois é, ao mesmo tempo, um direito e um dever, que tem, em seu fim último, a consecução da existência digna do ser humano. Na esteira deste entendimento, tem-se que: [...] o trabalho adquire no Texto Constitucional inúmeras feições, que, embora diferentes, são ligadas entre si e complementares aos objetivos e fundamentos da República no sentido de assegurar a todos uma existência digna num sistema onde haja justiça social. Assim, ora o trabalho surge enquanto instrumento de tutela pessoal, essencial à sobrevivência do homem indivíduo (por exemplo, o direito social ao trabalho), ora surge enquanto política a ser implementada pelo Estado, numa dimensão difusa e essencial aos objetivos apregoados pelo Estado Democrático de Direito. (COELHO, 1995. p. 10). 16 Assim sendo, faz-se necessário apontar que, tal como o trabalho, o meio ambiente laboral também possui inegável status de direito fundamental. Isso porque a proteção do meio ambiente do trabalho tem natureza vinculada à proteção da saúde e, como tal, é um direito de todos que visa, em última instância, a própria dignidade da pessoa humana. Neste sentido, tem-se a seguinte passagem extraída da obra ―Curso de direito ambiental brasileiro‖, de Celso Antonio Pacheco Fiorillo: Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o poder constituinte originário elevou à categoria de direito fundamental, e, portanto, de cláusula pétrea, a proteção à saúde do trabalhador bem como de todo e qualquer destinatário das normas constitucionais. (FIORILLO, 2012. p. 611). Tal entendimento também está amparado pela lição trazida por Romeu Faria Thomé da Silva, em sua obra ―Manual de direito ambiental‖, segundo a qual: O direito a um meio ambiente equilibrado está intimamente ligado ao direito fundamental à vida e à proteção da dignidade da vida humana, garantindo, sobretudo, condições adequadas de qualidade de vida, protegendo a todos contra os abusos ambientais de qualquer natureza. Como salienta Édis Milaré ―o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência – a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver. (SILVA, 2011, p. 66). Neste contexto, destaca-se que a expressão meio ambiente de trabalho deve abranger tudo que se refira ao habitat laboral, devendo ser saudável e seguro, para que haja garantia da efetiva proteção à vida, à saúde e à própria dignidade dos trabalhadores. Deste modo, faz-se necessário ressaltar que a pessoa trabalhadora é a destinatária do direito do meio ambiente do trabalho, englobando, portanto, todas as categorias de trabalhadores, independentemente do regime por ela adotado. Nessa toada, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, em sua obra Curso de Direito Ambiental Brasileiro, afirma que ―jamais se deve restringir a proteção 17 ambiental trabalhista a relações de natureza unicamente empregatícia‖ (FIORILLO, 2012, p. 615). Isto porque, sendo o meio ambiente do trabalho um direito fundamental de natureza difusa, aplica-se o princípio da Universalidade ou Indivisibilidade do meio ambiente laboral, no qual os direitos e garantias a serem tutelados compõem um único conjunto de direitos, não podendo ser analisados de maneira isolada ou separada. Frise-se que tal entendimento pode ser depreendido da seguinte transcrição: Quanto ao meio ambiente laboral, quando considerado como interesse de todos os trabalhadores em defesa de condições da salubridade do trabalho, ou seja, o equilíbrio do meio ambiente do trabalho e a plenitude da saúde do trabalhador, constituem direito essencialmente difuso, inclusive porque sua tutela tem por finalidade a proteção da saúde, que, sendo direito de todos, de toda a coletividade, caracteriza-se como um direito eminentemente metaindividual . (ROCHA, 1997, p. 32). Neste sentido, por ser um direito de natureza coletiva ou difusa, a prevenção e proteção ao meio ambiente de trabalho saudável e equilibrado está tutelada pela Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública. Destarte, segundo o doutrinador Celso Antonio Pacheco Fiorillo, As ações coletivas e especialmente a ação civil pública (Lei n. 7.347/85) passam, portanto, a cumprir importante papel visando à defesa da saúde dos trabalhadores diante das hipóteses indicadas pela Carta Magna e que serão apreciadas, caso a caso, pela Justiça do Trabalho. (FIORILLO, 2012, p. 621). Além disso, segundo a classificação dos direitos fundamentais abordada no item anterior, pode-se afirmar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se constitui como direito fundamental de terceira geração, uma vez que possui natureza difusa e está tutelado pelas normas instrumentais destinadas à proteção dos interesses coletivos e difusos. Por esta razão, a Constituição Federal de 1988 fez expressa referência à sua proteção em diversas passagens, dentre as quais se destacam: 18 Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Art. 200 – Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Logo, torna-se evidente que o meio ambiente de trabalho é espécie do gênero meio ambiente, restando claro, portanto, que o meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado é direito fundamental de todos os trabalhadores, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para a presente e futura gerações. A prevenção de irregularidades e desrespeito ao meio ambiente do trabalho é, por conseguinte, tarefa árdua a ser realizada por todos, ou seja, pelos trabalhadores, empregadores e pelo próprio Poder Público. 2.3 O meio ambiente do trabalho e sua correlação com os princípios da igualdade e não discriminação Tendo em vista a natureza universal e indivisível atribuída ao meio ambiente de trabalho, faz-se necessário, por conseguinte, estabelecer uma correlação deste com os princípios da igualdade e não discriminação, amplamente utilizados no Direito do Trabalho. Nesta toada, urge ressaltar que os princípios jurídicos trazem as diretrizes gerais e centrais de todo o sistema jurídico. Na esteira deste 19 entendimento, lança-se mão da seguinte passagem preceituada pelo doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual princípio: [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (BANDEIRA, 2008, p. 96). Deste modo, Maurício Godinho Delgado, em sua obra ―Princípios de direito individual e coletivo do trabalho, afirma que: Os princípios gerais do Direito são diretrizes gerais informadoras da noção, estrutura e dinâmica essenciais do Direito. Sua abrangência é ampla, tendendo a atingir todos os segmentos da árvore jurídica, independentemente das particularidades diferenciadoras de cada ramo. (DELGADO, 2013, p. 22). Tem-se, portanto, que os princípios integram o direito, desempenhando funções diferenciadas e combinadas, contribuindo, assim, para o processo de apreensão, compreensão e aplicação do direito. Neste sentido, faz-se necessário apontar que as funções desempenhadas pelos princípios possuem natureza informadora, normativa e interpretativa. Além disso, verifica-se que os princípios atuam em duas fases do fenômeno jurídico, sendo a primeira durante a construção da norma, e a segunda, no momento de sua realização e aplicação social. Tal questão encontra-se fundamentada pela seguinte passagem elucidada por Maurício Godinho Delgado: A fase de construção da regra – fase pré-jurídica, de natureza essencialmente política – corresponde ao estágio histórico de elaboração das regras de Direito. Aqui, os princípios já existentes no próprio universo jurídico agem por influência teórico-ideológica, no processo de construção das novas regras. A fase jurídica típica, surgida desde que consumada a elaboração da regra, corresponde ao estágio histórico em que ela irá reger as organizações e condutas sociais. Certamente será aqui, nesta fase, que os princípios cumprirão seu papel mais relevante. (DELGADO, 2013, p. 15). Isto posto, passa-se a análise dos princípios da igualdade e não discriminação. Destarte, inicialmente, é importante ressaltar que ambos os 20 princípios têm, por fundamento constitucional, doutrinário e internacional, a própria dignidade do ser humano (Plá Rodrigues, 2000, p. 440). Neste sentido, há que se apontar a diferença existente entre as práticas discriminatórias, haja vista que estas podem ser lícitas ou ilícitas. Assim sendo, são tidas como lícitas as ações que permitem a inclusão social, sendo, consequentemente, válidas; ao passo que as ilícitas, são aquelas ações juridicamente intoleráveis, vez que desacatam direitos fundamentais e propiciam a exclusão injustificada. Na esteira deste entendimento, cita-se o seguinte trecho: As práticas discriminatórias podem ser lícitas ou ilícitas, ou seja, validadas ou não pela ordem jurídica, também podem ser positivas ou negativas, ―validas‖ aquelas que visam melhorar a qualidade de vida, trabalho, saúde, educação, etc. de um grupo, categoria ou classe de pessoas vulneráveis e ―ilícitas‖ as que visam piorar a qualidade de vida, trabalho, saúde, educação, etc. de um grupo, categoria ou 5 classe de pessoas. (LORENTZ, MIRANDA, 2104, p. 39) . Neste contexto, há que se destacar a existência duas direções, uma positiva e outra negativa. Assim sendo, enquanto o princípio da igualdade impõe o dever de agir de forma a igualizar o tratamento jurídico às pessoas, o princípio da não-discriminação se traduz em uma obrigação de não fazer, ou seja, um comando proibitivo de conduta de forma a impedir a incidência de diferenciações injustas e indevidas. Na esteira deste entendimento, cita-se a seguinte passagem explanada por Maurício Delgado Godinho: O princípio da não-discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. Já o princípio da isonomia é mais amplo, mais impreciso, mais pretensioso. Ela ultrapassa, sem dúvida, a mera não-discriminação, buscando igualizar o tratamento jurídico a pessoas ou situações que tenham relevante ponto de contato entre si. (DELGADO, 2013, p. 162). 5 Aprofundamentos teóricos sobre as discriminações positivas e negativas, lícitas e ilícitas no ordenamento jurídico podem ser encontradas na obra de LORENTZ, Lutiana Nacur e MIRANDA, Wagner, intitulada como “A discriminação nas relações laborais pré contratuais, contratuais e pós contratuais através das listas sujas”. Florianópolis: CONPEDI, 2014, v. 1, p. 34-52. 21 Faz-se necessário ressaltar, ainda, que, quanto ao conteúdo, o princípio da igualdade não significa uma completa igualação. Neste sentido é imperioso realizar uma concepção valorativa da igualdade, haja vista a proibição não incide sobre todas as diferenças, mas tão somente naquelas que são injustificadas. Desta forma, segundo preceitua Américo Plá Rodriguez, [...] os seres humanos devem ser tratados de uma forma igualitária, desde que se encontrem em situações semelhantes, mas não quando se encontram em situações diferentes. É tão injusto tratar diferentemente situações iguais como tratar igualmente duas situações díspares. (RODRIGUEZ, 2000, p. 441) Logo, tem-se que a igualdade não pode ser absoluta, sendo imprescindível ponderar. Assim sendo, verifica-se que o princípio da igualdade traz, em seu bojo, a ideia da equiparação, pois o direito não proíbe todas as diferenças, mas somente aquelas que são arbitrárias e injustificadas. Nesta toada, com fulcro na dignidade da pessoa humana, é imperioso aplicar os princípios da igualdade e da não-discriminação às questões atinentes ao meio ambiente de trabalho. Isso porque a base da humanização do trabalho envolve tanto a proteção jurídica da pessoa trabalhadora como a do meio ambiente laboral, de forma a garantir a saúde física e psíquica dos obreiros. Tal raciocínio é encontrado na seguinte passagem preceituada por Luiz de Pinho Pedreira da Silva, em sua obra ―Principiologia do Direito do Trabalho‖: A finalidade do Direito do Trabalho (imediata, porque a mediata é o equilíbrio social) consiste na proteção jurídica ao trabalhador, necessária de uma parte, porque a relação de emprego, implicando na prestação de serviços sob as ordens e direção do empregador, e em organização e ambiente por este predispostos, que podem acarretar riscos para a incolumidade física e moral do empregado, compromete a própria pessoa deste, de que é inseparável a energia de trabalho. (SILVA, 1999, p.124) Logo, a proteção ao meio ambiente do trabalho constitui, de forma inquestionável, uma forma necessária à implementação da valorização do trabalho humano. Destarte, segundo Alfredo Ruprecht, tem-se que: 22 Esse respeito à dignidade humana do trabalhador tem diversas vertentes. Em primeiro lugar, deve ser respeitado como homem com todos os direitos que lhe outorga essa categoria. Além disso, a sua remuneração lhe deve permitir, a ele e a sua família, pelo menos uma vida honrada, de acordo – justamente – com essa categoria de ser humano. Deve também fazer que seu trabalho se desenvolve em condições de segurança, higiene e condições adequadas de trabalho. (RUPRECHT, 1995, p. 105). Frise-se ainda que as normas atinentes à proteção ao meio ambiente de trabalho são consideradas normas de ordem pública e, por conseguinte, de indisponibilidade absoluta. Assim sendo, segundo Maurício Godinho Delgado, [...] Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (art. 1º, III e 170, caput, da CF/88). (DELGADO, 2013, p. 146). Conclui-se, assim, que o meio ambiente de trabalho, de forma absoluta e imperiosa, deve ser tutelado em sua totalidade pelo ordenamento jurídico. Não cabe, pois, qualquer forma de discriminação ou desigualdade, nem mesmo em função do regime de contratação ou em razão do empregador ao qual os trabalhadores encontram-se submetidos. 23 3 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO Como preceituado nos itens anteriores, verifica-se que a proteção ao meio ambiente do trabalho é um aspecto imprescindível para a obtenção da dignidade humana da pessoa trabalhadora. Por isso, é necessário assinalar breves apontamentos sobre o meio ambiente. 3.1 Evolução histórica do meio ambiente do trabalho A relação entre trabalho e saúde, mesmo que esparsa e difusa, monta há muito tempo. Neste sentido, é possível encontrar, na Grécia clássica, menção ao problema da saúde dos trabalhadores. Neste sentido, segundo Júlio César de Sá da Rocha, em sua obra Direito ambiental e meio ambiente do trabalho, tem-se que: Os problemas com a saúde dos trabalhadores remontam há muito tempo. Encontram-se alusões na Grécia Clássica à proteção dos flautistas colocando uma bandagem de couro para proteção dos lábios e ao trabalho dos escravos por longas horas em minas. Nos próprios escritos hipocráticos, existe referência a um caso de envenenamento por chumbo de um mineiro. (ROCHA, 1997, p. 28). Na obra intitulada Meio ambiente do trabalho e ação civil pública trabalhista, de Laura Martins Maia de Andrade, também se observa apontamentos sobre a relação estabelecida entre trabalho e saúde ocupacional entre os gregos. Veja-se: Os primeiros a estabelecer a relação entre trabalho e saúde foram os gregos. Os métodos desenvolvidos por eles serviram aos romanos, que os utilizaram para descrever algumas doenças do trabalho, marcando os primeiros passos na evolução da saúde ocupacional e compreensão do conceito genérico de saúde e de saúde pública. (ANDRADE, 2003, p. 79). 24 Assim sendo, verifica-se que, durante os séculos XV e XVI, foram correlacionadas a doenças ocupacionais principalmente relativas aos trabalhos desenvolvidos por mineiros e metalúrgicos. Neste sentido, tem-se que: A história avançou e as doenças dos trabalhadores intensificaram. Durante os séculos XV e XVI, com a busca incessante de ouro e prata, aprofundaram as doenças e acidentes dos mineiros. Diversas publicações foram dedicadas às doenças ocupacionais, com monografias de Georg Agricola (1556), Theophrastus Von Hohenheim, conhecido como Paracelso (1567), Bernadino Ramazzini (1770), dentre outros. (ROCHA, 1997, p. 28-29). Esta mesma informação é corroborada através da transcrição da seguinte passagem: [...] encontramos análises de doenças ocupacionais relativas a mineiros e metalúrgicos, como a empreendida por Georg Agricola, em 1556, que, em tratado sobre mineração, menciona o padecimento dos mineiros, indicando prevenção e tratamento para as doenças das juntas, pulmões e olhos; a monografia de Paracelso (Theophrastus Von Hohenheim), datada de 1567, sobre a tísica dos mineiros e outras doenças das montanhas e, finalmente, em 1700, a obra de Bernardinho Ramazzini, que constituiu o marco de maior evidência em relação ao estudo da saúde dos trabalhadores: Morbis Artificum Diatriba (Módena-Itália), traduzido para o vernáculo com o título ―As Doenças dos Trabalhadores‖. (ANDRADE, 2003, p. 80). Frise-se que, em que pese a existência destes trabalhos e estudos científicos, até o surgimento da chamada Revolução Industrial, tais questões foram marcadas pela ausência de mornas jurídicas de proteção à saúde do trabalhador. Com isso, tem-se que: O período relativo ao industrialismo, que se iniciava, foi marcado pela ausência de normas jurídicas de proteção à saúde do trabalhador, mas as sementes lançadas por Ramazzini estabeleceram os pilares que deram sustentação a futuras construções, inclusive, jurídicas sobre o tema relativo à proteção da saúde do trabalhador. (ANDRADE, 2003, p. 80). Neste panorama, com o advento da Revolução industrial, intensificam-se as deploráveis condições de trabalho e de vida. Há, assim, o implemento de condições de trabalho indignas e degradantes, que atentavam contra a saúde dos trabalhadores, mediante imposições desproporcionais à idade ou sexo. 25 Acrescente-se a isso ao surgimento da divisão de trabalho denominada taylorismo, caracterizado pela intensa divisão e fragmentação do processo produtivo, com uma completa dissociação do homem trabalhador com a origem e os resultados da atividade que desenvolve 6. Neste sentido, A Revolução Industrial, em seu desenvolvimento, deu origem à divisão do trabalho denominada taylorismo, que consiste em processo identificado com técnicas de configuração do trabalho em tempos e movimentos, de organização rígida, que segundo Dejours é capaz de dominar a vida da pessoa humana não somente durante as horas de trabalho, mas de invadir-lhe as horas de repouso, prejudicando seu período de descanso. (ANDRADE, 2003, p. 81). Faz-se necessário ressaltar que, associado ao taylorismo, tem-se a técnica do fordismo, a qual implementa, nos postos de trabalho, a chamada ―esteira rolante‖ e a produção em massa. Nesta esteira, cita-se: Houve a segunda revolução industrial (petróleo, produção de bens em massa, carros, eletrodomésticos, etc.) e o surgimento das técnicas que são molduras na produção capitalista como o Taylorismo, em 1911 (Frederik Winslow Taylor) que criou a teoria da administração científica do trabalho, com fragmentação do tempo e saber operários que foi depois aperfeiçoada e intensificada pelo Fordismo (Henry Ford), em 1913, que associou esta técnica a sua ―esteira rolante‖ e a produção e crédito em massa. (LORENTZ, NEVES, 2012, p. 76). Posteriormente, essa dimensão tecnológica Taylorista-Fordista foi substituída pela técnica Toyotista, que efetivou, dentre outros fatores, o enxugamento da fábrica por meio de terceirizações, a prática Just in time e a formação de uma fábrica horizontalizada como forma de reduzir gastos, fatores estes que acabaram por precarizar as formas e os direitos trabalhistas. Nesta toada, segundo Lutiana Nacur Lorentz e Rubia Carneiro Neves, tem-se que: A produção Ohnista ou Toyotista foi idealizada pelo então vicepresidente da Toyota, Tachii Ohno, que empregava as seguintes técnicas: enxugamento ao máximo dos empregados da empresa, através do emprego da terceirização tanto interna, quanto externa, 6 Detalhamento maior sobre Taylorismo, Fordismo e Toyotismo é encontrado na seguinte bibliografia: LORENTZ, Lutiana Nacur; NEVES, Rubia Carneiro. Terceirização feita pelas organizações empresariais de vigilância e segurança: aspectos trabalhistas, empresariais e a Súmula 331, V, do TST. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília. Brasília, Ano XXI, n. 43, p. 71-101, março 2012. 26 com o escopo de diminuir gastos com pessoal e precarizar, reduzir, direitos; emprego da técnica Just in Time, ou seja, o produto só é fabricado a partir dos pedidos, o que evita gastos com estoques (no Brasil, a consequência trabalhista direta desta técnica foi a criação do ―banco de horas‖, art. 59, § 2º, da CLT); criação de uma fábrica não mais hierarquizada, dividida entre a alta gerência produtiva e todos os demais empregados, chamados de ―chão de fábrica‖, e sim de uma fábrica ―horizontalizada‖, criando a falsa sensação de que os empregados se autodirigem, quando, na verdade, eles trabalham em uma espécie de frenética competição entre times (ao ―time‖ vencido sobra o desemprego e ao vencedor, a manutenção do emprego, por ora...). Tudo isso afetou o movimento sindical, fragilizando-o e enfraquecendo-o. (LORENTZ, NEVES, 2012, p. 78). Há que se ressaltar, ainda, o surgimento de outra técnica denominada volvismo, a qual pretendia combinar dois fatores fundamentais: a internacionalização da produção e a democratização da vida no trabalho. Neste sentido, cita-se: Sua estratégia parece combinar os requisitos e demandas do mercado, os aspecto tecnológicos, os imperativos do dinâmico processo de transformação da organização do trabalho e as instáveis condições da reestruturação da indústria. Operando num mercado de trabalho complexo, a Volvo adequou sua estratégia a dois fatores fundamentais: a internacionalização da produção e a democratização da vida no trabalho (WOOK JUNIOR, 1992, p. 16). É preciso frisar, ainda, que a técnica do volvismo, infelizmente, não logrou êxito em sustentar-se no mercado mundial (LORENTZ e MIRANDA, 2014, p. 47-48). Neste sentido, cita-se: [...] infelizmente a técnica do Volvismo não logrou sustentar-se, em âmbito mundial, com enxugamento da fábrica, terceirização, Just in time, desemprego em massa, subemprego, emprego das técnicas como os CCQs, Kanban e Kaizem (competição entre times de empregados, ou como queiram os arautos do Toyotimo ―autocontrole operário‖), com a consequente criação de múltiplas clivagens operárias, fragmentação de seus interesses, roupagens jurídicas e fragilização sindical. (LORENTZ, NEVES, 2012, p. 77). Observa-se, portanto que, associada à Revolução Industrial, tem-se o desenvolvimento do sistema capitalista de produção. Tal fato, além de implicar modificações nas estruturas do trabalho, também irá impactar em prejuízos ao meio ambiente. Deste modo, tem-se que: 27 É claro que a degradação ambiental existe praticamente desde que existe o homem, mas o que resulta do processo capitalista de produção é a magnitude e a acumulação dos problemas ambientais que desencadearam uma crise de dimensões até então desconhecidas. (PADILHA, 2002, p. 35). Diante deste cenário, como reação à precariedade das condições as quais estavam submetidos os trabalhadores, emergem as primeiras regulamentações trabalhistas, bem como surgem o chamado sindicalismo, movimentos de solidariedade entre os trabalhadores. Assim sendo, O liberalismo, como referencial ideológico, a livre concorrência e iniciativa privada, sem intervenção do poder público, e a busca de reprodução do capital a qualquer custo, causaram danos imensos à massa trabalhadora, principalmente à saúde dos trabalhadores, que se uniram para reagir, num sentido primário de sobrevivência, buscando melhores condições para o trabalho e, finalmente, o reconhecimento de sua dignidade. (ANDRADE, 2003, p. 82). Esta preocupação com a saúde dos trabalhadores intensifica-se a partir da primeira metade do século XX, culminando na criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que tem, em sua competência, a proteção contra os acidentes do trabalho e as doenças profissionais, cujos riscos devem ser eliminados, neutralizados ou reduzidos por medidas apropriadas de engenharia e medicina do trabalho. Nesta toada, [...] o movimento sindical teve início em contrapartida aos abusos perpetrados pelo capital, sob inspiração do liberalismo econômico. Entretanto, a preocupação em defender a integridade físico-psíquica do trabalhador, diante da constatação de tais abusos, assumiu proporções amplas, internacionalizando-se, dando ensejo à atuação de organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho - OIT. (ANDRADE, 2003, p. 84). Desde então, foram realizadas diversas conferências internacionais, sendo elaboradas várias convenções pela OIT com propósitos de proteção à saúde, segurança e integridade física dos trabalhadores. 28 3.2 Definição de meio ambiente do trabalho Inicialmente, há que se destacar que o meio ambiente do trabalho se traduz em uma espécie da qual o meio ambiente é o gênero. Assim sendo, o artigo 3º da Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, traz a definição legal de meio ambiente como sendo o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. De igual modo, o poluidor, é conceituado como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Neste contexto, destaca-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma significativa preocupação com o meio ambiente, dedicando um capítulo específico a este assunto, qual seja, ―CAPÍTULO VI - DO MEIO AMBIENTE‖. Neste sentido, o art. 225, da CR/88, dispõe que: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Ressalta-se que a norma esculpida no art. 225 encontra complementação no art. 170, inciso VI, da CR/88, que elenca a defesa do meio ambiente como um dos princípios gerais da ordem econômica e financeira. Isto posto, faz-se necessário destacar que o meio ambiente pode ser classificado nas seguintes espécies, quais sejam: 1) meio ambiente natural ou físico: constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora e fauna e suas interações entre si e com o meio; 2) meio ambiente cultural: valores históricos, ou seja, o patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico; 3) meio ambiente artificial: espaço urbano construído pelo ser humano, englobando o conjunto de edificações e espaços urbanos públicos; 4) meio ambiente do trabalho: local de realização da atividade laboral. 29 Na esteira deste entendimento, cita-se a seguinte passagem referida pelo doutrinador Celso Antonio Pacheco Fiorillo: A divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido. Não se pode perder de vista que o direito ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados. E com isso encontramos pelo menos quatro significativos aspectos que já indicávamos desde a 1ª edição de nosso Curso (2000) e que acabaram sendo acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. (FIORILLO, 2012, p. 77). Neste mesmo sentido, tem-se a lição preceituada por Júlio Cesar de Sá da Rocha: Quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em ―meio ambiente ecologicamente equilibrado‖, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. Podemos, portanto, compreendê-lo como meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. (ROCHA, 1997, p. 25). Assim sendo, especificamente quanto ao meio ambiente do trabalho, ressalta-se que ele também goza de previsão e proteção constitucional. Deste modo, de acordo com o art. 200, inciso VIII, da CR/88, resta indiscutível que a proteção do meio ambiente se estende ao do trabalho7. Destaca-se, ainda, o art. 7º, incisos XXII e XXIII, os quais preveem, respectivamente, os seguintes direitos: redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. Deste modo, na lição de Fernando José Cunha Belfort, em sua obra Meio Ambiente do Trabalho – Competência da Justiça do Trabalho, o meio ambiente do trabalho pode ser conceituado nos seguintes termos: (...) pode-se traduzir o meio ambiente do trabalho como sendo o local onde se desenvolve a prestação dos serviços, quer interna ou externamente, e também o ambiente reservado pelo empregador para 7 Apontamentos sobre o meio ambiente do trabalho, notadamente no que tange às pessoas com deficiência, são encontrados na seguinte obra: LORENTZ, Lutiana Nacur. A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: LTr, 2006. 30 o descanso do trabalhador, dotado de condições higiênicas básicas, regras de segurança capazes de preservar a integridade física e a saúde das pessoas envolvidas no labor, com o domínio, o controle, o reconhecimento e a avaliação dos riscos concretos ou potenciais existentes, assim considerados agentes químicos, físicos e biológicos, no objetivo primacial de propiciar qualidade de vida satisfatória e a proteção secundária do conjunto de bens móveis e imóveis utilizados na atividade produtiva (BERFORT, 2003, p. 54). Observa-se, portanto, que o meio ambiente como um todo, e em especial o meio ambiente do trabalho, está inserido no âmbito dos direitos humanos fundamentais, apresentando-se, assim, como um direito difuso ou coletivo, passível de ser tutelado por meio de ações coletivas ambientais. 3.3 Princípios aplicáveis ao meio ambiente do trabalho Para que o meio ambiente do trabalho seja efetivamente tutelado pelo ordenamento jurídico, faz-se necessário destacar os principais princípios do direito ambiental aplicáveis ao meio ambiente do trabalho. O primeiro deles refere-se ao princípio do desenvolvimento sustentável. Assim sendo, nos termos do art. 170, inciso VI, da CR/88, tem-se que a atividade econômica deverá ter seus limites condicionados pelo respeito ao meio ambiente sendo incluído neste conceito, também o meio ambiente do trabalho (ingerência do art. 200, inciso VIII, da CR/88). Neste sentido tem-se que a ideia principal é assegurar, juntamente com o desenvolvimento econômico, a dignidade dos trabalhadores, mediante defesa de aspectos atinentes à vida e à saúde relacionadas as atividades laborais. Neste contexto, eis a passagem citada por Celso Antonio Pacheco Fiorillo: Tanto isso é verdade que a Constituição Federal estabelece que a ordem econômica, fundada na livre iniciativa (sistema de produção capitalista) e na valorização do trabalho humano (limite ao capitalismo selvagem), deverá regrar-se pelos ditames de justiça social, respeitando o princípio da defesa do meio ambiente, contido no inciso VI do art. 170. Assim, caminham lado a lado a livre concorrência e a defesa do meio ambiente, a fim de que a ordem econômica esteja voltada à justiça social. [...] Devemos lembrar que a ideia principal é assegurar existência digna, através de uma vida com qualidade. Com 31 isso, o princípio não objetiva impedir o desenvolvimento econômico. Sabemos que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar de forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto. O correto é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes adequados para a menor degradação possível. (FIORILLO, 2012, p. 95). Outro princípio aplicável é o princípio da precaução, ou também denominado precautelar, quando aplicável ao meio ambiente do trabalho. Este princípio sugere a implementação de cuidados antecipados visando prevenir não só a ocorrência de danos ao meio ambiente, como também, e mais especificamente, o próprio perigo da ocorrência de danos. Assim sendo, mesmo que haja controvérsia ou incerteza no plano científico sobre os efeitos poluidores de determinada atividade ou substância sobre o meio ambiente, presente o perigo de dano grave ou irreversível, a atividade ou substância deverá ser rigorosamente controlada. Logo, tem-se que a ausência ou incerteza científica não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando prevenir a degradação do meio ambiente. Para ilustrar este entendimento, cita-se a seguinte passagem, preceituada por Laura Martins Maia de Andrade: Atua, então, o princípio da prevenção, como regra inafastável na proteção ambiental, para evitar possíveis danos. Prevenir, coibir, antecipar e evitar são ações absolutamente imprescindíveis para que não ocorra o dano. (ANDRADE, 2003, p. 113). Outro princípio a ser destacado é o princípio do poluidor-pagador, ou ainda, do empregador-predador, quando aplicável ao meio ambiente do trabalho. Este princípio encontra respaldo no art. 225, §3º, da CR/88, que diz que ―as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados‖. Do mesmo modo, o art. 4º, inciso VI, combinado com o §1º do art. 14 da Lei nº. 6.938/81, dispõe que ―é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade‖. 32 Ressalta-se que essa responsabilidade é objetiva, sendo, no caso de degradação ao meio ambiente do trabalho, sempre do empregador, pois é este quem assume os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Importante destacar, também, que dentro do poder de direção está contido o poder de organização, isto é, como o trabalho deve ser desenvolvido, sendo, por conseguinte, a defesa e preservação do meio ambiente do trabalho um direito-função intrínseco à atividade do empregador. Neste sentido, para concluir as implicações deste princípio do empregador-predador, lança-se mão do entendimento explanado por Fernando José Cunha Belfort, em sua obra Meio Ambiente do Trabalho – Competência da Justiça do Trabalho, cuja transcrição segue abaixo: Assim, pela degradação que já foi ou que possa vir a ser causada ao meio ambiente de trabalho, que possa vir ou já afetou a saúde dos trabalhadores, ou de terceiros, ante a utilização inadequada dos métodos de produção, busca-se a responsabilização do empregador para que não só seja obrigado a pôr fim a poluição que deu causa ou que possa vir a dar e a garantir a todos os empregados um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado no sentido de preservar a vida daqueles com dignidade (BELFORT, 2003, p. 58). Um quarto princípio a ser apontado diz respeito à informação e à participação. O princípio da informação diz que cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive, informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades. Assim, a informação ambiental, uma vez recebida pelos órgãos públicos ou pelas organizações não-governamentais, deve ser sistematicamente transmitida à sociedade civil, e tem como fim não só a formação da opinião pública, mas também formar a consciência ambiental dos canais competentes administrativos e judiciais. Já o princípio da participação tem como assento básico a participação popular visando à conservação do meio ambiente e insere-se num quadro mais amplo da participação diante dos interesses difusos e coletivos. Neste sentido, especificamente quanto ao meio ambiente do trabalho, o grande destinatário da informação seriam os trabalhadores para formação da consciência dos riscos ambientais que poderiam ser ocasionados no desempenho do trabalho que executam, bem como o da participação seria a 33 participação dos trabalhadores visando à conservação do meio ambiente do trabalho com a finalidade de evitar a sua degradação quando fossem utilizar determinado produto até então desconhecido ou uma nova técnica de produção. Nesta toada, lança-se mão do seguinte raciocínio trazido por Laura Martins Maia de Andrade: No tocante ao meio ambiente do trabalho, entendemos que não só o Poder Público, como também os sindicatos e os próprios trabalhadores e empregadores devem envolver-se com essa tarefa. Essa ação conjunta reflete o princípio em exame, que está relacionado com o próprio regime democrático adotado pela Constituição Federal e que proclama a necessidade de participação de todos nas diversas esferas em que está situado o interesse da sociedade. (ANDRADE, 2003, p. 115). Ressalta-se, ainda, que em muitos de seus aspectos, as normas atinentes à relação de trabalho, atualmente, é tutelada por disposições de ordem pública, tendo como característica a indisponibilidade, com as quais o Estado impõe sua vontade em nome do interesse coletivo. Neste sentido, citase: O caráter de ordem pública das normas trabalhistas não tem as mesmas características das demais disciplinas. Os direitos que estabelece são, em sua grande maioria, protetores dos trabalhadores e, portanto, seu caráter imperativo é outorgado em seu benefício e, por conseguinte, de nenhuma maneira podem ser infringidos; mas nada impede que, pelo contrário, se aumente o que pode ser feito de comum acordo. Vale dizer que seu conteúdo é de ordem pública até um certo limite que pode ser superado em proveito dos trabalhadores. (RUPRECHT, 1995, p. 36). Desta forma, pode-se concluir que as normas protetivas atinentes ao meio ambiente do trabalho são de ordem pública e, portanto, indisponíveis. Como exemplo, têm-se as regras atinentes à saúde, higiene e segurança no ambiente de trabalho. 34 3.4 Legislação protetiva atinente ao meio ambiente do trabalho Faz-se necessário destacar que a preocupação com o meio ambiente tem dimensões globais. Assim sendo, também terá a proteção ao meio ambiente laboral, especificamente no que diz respeito à saúde e à qualidade de vida dos trabalhadores. 3.4.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 A preocupação com a preservação do meio ambiente do trabalho adquire tamanha relevância a ponto de ser alçada a nível constitucional. Por esta razão a Constituição Federal de 1988, em diversas passagens, fez expressa referência à sua proteção. Frisa-se que logo no início, no Título I – Dos Princípios Fundamentais, a CR/88 elenca, no inciso IV do art. 1º, como fundamento da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Deste modo, torna-se inquestionável a forte presença da valorização do trabalho na Carta Magna, haja vista que, para garantir a dignidade da pessoa humana, elenca o trabalho como direito fundamental. Na esteira deste entendimento, lança-se mão do seguinte ensinamento preceituado por Maurício Godinho Delgado, segundo o qual: Os princípios e regras de proteção à pessoa humana e ao trabalho constituem parte estrutural da Constituição da República brasileira. Sabiamente, a Carta Magna percebeu que a valorização do trabalho é um dos mais relevantes veículos de valorização do próprio ser humano, uma vez que a larga maioria dos indivíduos mantém-se e se afirma, na desigual sociedade capitalista, essencialmente, por meio de sua atividade laborativa. (DELGADO, 2013, p. 30). Neste contexto, a valorização do trabalho também é abordada através do art. 5º, inciso XIII, da CR/88, que garante o ―livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. De igual modo o art. 6º elenca o trabalho como um direito social. 35 O art. 7º, por sua vez, visando melhorias nas condições sociais obreiras, tutela diversos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Conclui-se, portanto, que a tutela e valorização do trabalho são aspectos reiterados e realçados pela Constituição Federal de 1988. Tal questão, inclusive, é enfatizada por Maurício Godinho Delgado, ao afirmar que: A valorização do trabalho está repetidamente enfatizada pela Constituição de 1988. Desde seu ―Preâmbulo‖, esta afirmação desponta. Demarca-se, de modo irreversível, no anúncio dos ―Princípios Fundamentais‖ da república Federativa do Brasil e da própria constituição (Título i). especifica-se, de maneira didática, ao tratar dos ―direitos sociais‖ (arts. 6º e 7º) — quem sabe para repelir a tendência abstracionista e excludente da cultura juspolítica do país. concretiza-se, por fim, no plano da economia e da Sociedade, ao buscar reger a ―ordem econômica e Financeira‖ (Título Vii), com seus ―Princípios Gerais da atividade econômica‖ (art. 170), ao lado da ―ordem Social‖ (Título Viii) e sua ―disposição Geral‖ (art. 193). (DELGADO, 2013, p. 32). Ademais, faz-se necessário apontar que há, no texto constitucional, uma correlação da valorização do trabalho com os princípios gerais da ordem econômica e financeira. Isto porque, nos termos do inciso VI do art. 170 da CR/88, a defesa do meio ambiente é elencada como meio de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Além disso, verifica-se que o art. 193, também da CR/88, destaca, que ―a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bemestar e a justiça sociais‖. Assim sendo, constata-se que, em diversas passagens, a valorização do trabalho é amparada e tutelada pelo texto constitucional. Para exemplificar tal dimensão, cita-se o entendimento trazido por Norma Sueli Padilha, nos seguintes termos: Assim é que a Constituição considera o trabalho como um dos fundamentos da República, um valor social, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político (art. 1º). Estabeleceu, ainda, que a ordem econômica deverá estar apoiada na valorização do trabalho (art. 170) e a ordem social terá como base o primado do trabalho (art. 193), que é também considerado um Direito Social (art. 6º), e a educação deverá estar voltada para o desenvolvimento da pessoa e sua qualificação para o trabalho (art. 205). Tais disposições constitucionais dão-nos conta 36 das premissas básicas da dignificação do trabalho humano e de sua primazia sobre a ordem econômica. (PADILHA, 2002, p. 57). Conclui-se, portanto, segundo preceitua Maurício Godinho Delgado, [...] que os títulos que tratam da ordem econômica e da ordem social na Constituição de 1988 também conferem ao trabalho o status de objetivo e finalidade de tais ordens concretas da vida humana e comunitária. Com isso, a Constituição completa feixe normativo incomparável no corpo e sentido de suas disposições. (DELGADO, 2013, p. 33). Neste sentido, ressalta-se que, tal como o trabalho, o meio ambiente laboral também goza de guarida e proteção constitucional. Assim sendo, o art. 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção direta ao meio ambiente, ao afirmar que ―todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações‖. De igual modo, o texto constitucional também faz uma referência imediata ao meio ambiente do trabalho, pois, ao tratar da saúde, especificamente no art. 200, aborda a questão da proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Neste sentido, segundo prescreve Norma Sueli Padilha, tem-se que: Assim, a tutela mediata do meio ambiente do trabalho encontra-se no próprio texto do art. 225 da Constituição Federal, uma vez que a expressão ―meio ambiente‖, ali referida, abrange todos os seus aspectos, inclusive, o do meio ambiente do trabalho. Também se verifica a referência imediata do tema, no texto constitucional, através da previsão do direito à saúde preconizada em vários de seus artigos, assentando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida mediante políticas sociais e econômicas. (PADILHA, 2002, p. 55). Tal entendimento também é abordado por Laura Martins Maia de Andrade nos seguintes termos: [...] sobre o local, em que se realiza o trabalho, incide tutela imediata, esta visa proteção da saúde da pessoa humana, objeto de sua dignidade, indissociável de seu direito fundamental à vida, mediatamente tutelada pelas normas de proteção ambiental. (ANDRADE, 2003, p. 49). 37 Conclui-se, portanto, que o cerne da proteção ao meio ambiente do trabalho é, em última instância, o próprio direito à saúde humana e sadia qualidade de vida, sendo que é dever do Poder Público, juntamente com a coletividade, defender e preservá-lo enquanto direito social dos trabalhadores. 3.4.2 Legislação Infraconstitucional sobre meio ambiente do trabalho Além da proteção constitucional, já mencionada anteriormente, a defesa do meio ambiente do trabalho também é disciplinada por meio de legislação infraconstitucional. Neste sentido, há que se ressaltar que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81) foi recepcionada pela ordem constitucional vigente. Destarte, segundo preceitua Julio Cesar de Sá da Rocha, tem-se que: Com a Constituição de 1988, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 31.8.1981) foi recepcionada pela ordem constitucional vigente. Dessa forma quando a Lei n. 6.938/81 conceitua o meio ambiente (art. 3º, I), deve ser compreendido nessa definição legal o meio ambiente do trabalho. (ROCHA, 1997, p. 41). Desta forma, tem-se que, no art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938/81, há a definição legal de meio ambiente como sendo ―o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas‖. De igual modo, o inciso IV deste mesmo art. 3º traz a conceituação de poluidor, caracterizado como ―pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental‖. Logo, segundo leciona Julio Cesar de Sá da Rocha, tem-se que, A degradação no meio ambiente de trabalho, resultante de atividades que prejudicam a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores, ocasiona-lhe punição, impondo ao poluidor a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados independente da existência de culpa (art. 4º c/c o art. 14 da Lei n. 6.938/81). (ROCHA, 1997, p. 47). 38 Observa-se, assim, que a Lei n. 6.938/81, no § 1º do art. 14, atribui responsabilidade objetiva ao poluidor do dano ambiental, sendo, por conseguinte, necessário apenas demonstrar a existência de dano e o nexo causal. Frise-se ainda que tal responsabilidade é plenamente aplicável aos casos de poluição do meio ambiente do trabalho. Na esteira deste ensinamento, cita-se a o seguinte fragmento exposto por Norma Sueli Padilha: A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente estabelece, assim, a responsabilidade objetiva do poluidor que prescinde da existência de culpa para reparar o dano ambiental (art. 14, § 1º). Da mesma forma, é irrelevante a licitude da atividade e não há que se falar em qualquer excludente de responsabilidade. (PADILHA, 2002, p. 67). Outro instrumento legislativo infraconstitucional que contém normas de proteção ao meio ambiente do trabalho diz respeito à CLT - Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943). Neste sentido, a CLT dispõe a matéria em um capítulo próprio, qual seja, o Capítulo V, que aborda, nos arts. 154 a 201, aspectos atinentes da segurança e da medicina do trabalho. Ressalta-se também que, por força do art. 200 da CLT, as matérias atinentes à segurança e saúde do trabalho são complementadas, nos termos da Portaria n. 3.214 de 1978, por normas regulamentadoras expedidas pelo Ministério do Trabalho (NR). Atualmente são em número 35 as normas regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, haja vista que a NR-27 (Registro Profissional do Técnico de Segurança do Trabalho no MTB) foi revogada pela Portaria GM n.º 262, 29/05/2008. Assim, têm-se, a seguir, as seguintes normas regulamentadoras8: NR-01 (Disposições Gerais); NR-02 (Inspeção Prévia); NR-03 (Embargo ou Interdição); NR-04 (Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho); NR-05 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes); NR-06 (Equipamentos de Proteção Individual – EPI); NR-07 (Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional); NR-08 (Edificações); 8 Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm>. Acesso em: 04 de abr. de 2015. 39 NR-09 (Programas de Prevenção de Riscos Ambientais); NR-10 (Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade); NR-11 (Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais); NR-12 (Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos); NR-13 (Caldeiras e Vasos de Pressão); NR-14 (Fornos); NR-15 (Atividades e Operações Insalubres); NR-16 (Atividades e Operações Perigosas); NR-17 (Ergonomia); NR-18 (Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção); NR-19 (Explosivos); NR-20 (Segurança e Saúde no Trabalho com Inflamáveis e Combustíveis); NR-21 (Trabalho a Céu Aberto); NR-22 (Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração); NR-23 (Proteção Contra Incêndios); NR-24 (Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho); NR-25 (Resíduos Industriais); NR-26 (Sinalização de Segurança); NR-28 (Fiscalização e Penalidades); NR-29 (Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário); NR30 (Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário); NR-31 (Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura); NR-32 (Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde); NR-33 (Segurança e Saúde no Trabalho em Espaços Confinados); NR-34 (Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção e Reparação Naval); NR-35 (Trabalho em Altura); e NR-36 (Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados). Destaca-se ainda, dentre as legislações infraconstitucionais de proteção ao meio ambiente do trabalho, a Lei orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90) e as Leis de Benefícios e Custeio da Previdência Social (Lei n. 8.212/91 e Lei n. 8.213/91). Isto porque a Lei Orgânica da Saúde dispõe, em diversos dispositivos, sobre a proteção do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador. A título exemplificativo cita-se o art. 3ª do referido diploma legal, que estabelece que: Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. 40 Neste sentido, cita-se o seguinte ensinamento trazido por Sebastião Geraldo de Oliveira: [...] a Lei n. 8.080/1990 (atual Lei Orgânica da Saúde), estabelece no art. 3º que: a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. (Oliveira, 2011, p. 125). Nesta toada, Julio Cesar de Sá da Rocha também preceitua que: A Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre a saúde, em diversos de seus dispositivos, menciona uma tutela e colaboração na proteção ao meio ambiente do trabalho e na saúde do trabalhador. Dentro da atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) está a execução de ações de saúde do trabalhador (art. 6º, I, c); colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o trabalho (art. 6º, V); conceito de saúde do trabalhador (art. 6º, § 3º); assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho (art. 6º, § 3º, I); informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidente de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como resultados de fiscalizações, avaliações ambientais (art. 6º, § 3º, V). (ROCHA, 1997, p. 43). De igual maneira, as Leis de Benefícios e Custeio da Previdência Social (Lei n. 8.212/91 e Lei n. 8.213/91) abordam questões atinentes à proteção e segurança da saúde do trabalhador. Como exemplo, tem-se o §1º do art. 19 da Lei n. 8.213/91 que preceitua que ―a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador‖9. 9 Maiores detalhamentos sobre a proteção jurídica atinente ao meio ambiente laboral são encontrados nas seguintes obras: OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2011 e SOARES, Evanna. Ação ambiental trabalhista: uma proposta de defesa judicial do direito humano ao meio ambiente do trabalho no Brasil. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2004. 41 3.4.3 Convenções Internacionais sobre meio ambiente do trabalho A Organização Internacional do Trabalho – OIT tem, como finalidades, a elevação da qualidade de vida obreira, a proteção da saúde dos trabalhadores, bem como a melhoria das condições e do meio ambiente do trabalho. Neste sentido, lança-se mão do seguinte trecho abordado por Norma Sueli Padilha: A Organização Internacional do Trabalho, criada pelo Tratado de Versalhes, em 1919, pela Sociedade das Nações, tem sua finalidade intimamente associada à necessidade de estipulação de melhores condições de trabalho ao operariado, com o propósito de dar às questões trabalhistas um tratamento uniformizado. (PADILHA, 2002, p. 88). Assim sendo, para atingir seus objetivos, a OIT realiza conferências nas quais os Estados-membros, reunidos em Assembleias, votam Convenções e Recomendações. A distinção entre recomendações e convenções é devidamente explicitada por Norma Sueli Padilha, nos seguintes termos: As Recomendações se referem a matérias sobre as quais ainda não há consenso para serem incorporadas às Convenções. Destinam-se, assim, a sugerir normas para serem adotadas pelos países-membros da OIT, servindo de mera orientação de ação aos Estados-membros e fixação de determinadas metas. Não têm força normativa como têm as Convenções ratificadas, mas servem de sugestão para o processo legislativo. As Convenções, por sua vez, têm como finalidade a criação de obrigações para os Estados que as ratificam, possuem o status de leis internacionais, mas só obrigam os Estados-membros após a competente ratificação. As Convenções permitem, inclusive, no caso de seu descumprimento, a instauração de processo de reclamação ou queixa por parte de organizações representantes das classes obreiras ou patronais de um Estado-Membro (arts. 24 e 25 da Constituição da OIT). (PADILHA, 2002, p. 89). Neste contexto, destaca-se que o Brasil ratificou diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT, dentre as quais destacam-se as que mais se relacionam com o tema do meio ambiente de trabalho 10: 115 (Proteção Contra as Radiações); 119 (Proteção das máquinas no ambiente de trabalho), 120 (Higiene no comércio e nos escritórios); 136 (Proteção contra os 10 Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/convention>. Acesso em: 04 de abr. de 2015. 42 riscos da intoxicação pelo benzeno); 139 (Prevenção e controle de riscos profissionais causados por substâncias ou agentes cancerígenos); 148 (Proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais da contaminação do ar, do ruído e das vibrações); 152 (Segurança e higiene dos trabalhos portuários); 155 (Segurança, saúde dos trabalhadores e meio ambiente do trabalho); 159 (Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes); 161 (Serviços de saúde no trabalho); 162 (Utilização do Amianto com Segurança); 164 (Proteção à Saúde e Assistência Médica aos Trabalhadores Marítimos); 167 (Segurança e saúde nas construções); 170 (Segurança no Trabalho com Produtos Químicos); 171(Trabalho Noturno); 174 (Convenção sobre a Prevenção de Acidentes Industriais Maiores) e 176 (Convenção sobre segurança e saúde nas minas). 43 4 COMPETÊNCIA TRABALHISTA E MEIO AMBIENTE DE TRABALHO 4.1 Perspectiva histórica da organização e jurisdição trabalhista brasileira Analisando a perspectiva histórica do sistema jurídico trabalhista brasileiro tem-se que, inicialmente, não havia uma Justiça especializada. Assim sendo, outrora, questões trabalhistas eram disciplinadas por leis civis e comerciais, sendo dirimidas pela Justiça Comum. Na esteira deste entendimento, cita-se a passagem da obra intitulada ―História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho‖, de Irany Ferrari, Amauri Nascimento e Ives Martins Filho: Da mesma forma que o Direito do Trabalho surgiu do desmembramento de uma parte do Direito Civil relativa aos contratos de locação de serviços, a Justiça do Trabalho surgiu como corolário da independência da nova disciplina jurídica. No entanto, antes de seu surgimento, cabia à Justiça Comum a apreciação das controvérsias relativas a esses contratos, regidos pelas leis civis e comerciais. (FERRARI, NASCIMENTO e MARTINS FILHO, 1998, p. 177). Neste sentido, tendo em vista o caráter essencialmente agrícola em que o Brasil se encontrava, as primeiras chancelas de proteção específica obreira foram direcionadas aos trabalhadores do campo. Observa-se, assim, o surgimento de sindicatos que tinham objetivos gerais, de cunho mais econômico do que efetivamente político ou jurídico, tais como a intermediação de crédito agrícola e a aquisição de equipamento e venda da produção do pequeno agricultor. Veja-se: Sendo o Brasil, nos seus primórdios, um país agrícola, o protecionismo estatal dirigiu-se basicamente ao trabalhador manual do campo, especialmente o imigrante. O Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903 facultou aos trabalhadores do campo a organização de sindicatos para defesa de seus interesses, mas com objetivos mais amplos: intermediação de crédito agrícola, aquisição de equipamento e venda da produção do pequeno agricultor. Sua feição era mais econômica do que política ou jurídica. (FERRARI, NASCIMENTO e MARTINS FILHO, 1998, p. 178). 44 Após, em 1923, surge a primeira iniciativa de âmbito federal, com a instituição do Conselho Nacional do Trabalho - CNT. Ressalta-se que esse Conselho possuía uma pequena estrutura administrativa, atuando apenas como órgão consultivo dos poderes públicos em assuntos referentes à organização do trabalho e previdência social. Tais informações são corroboradas por meio do trecho extraído da obra ―A história da Justiça do Trabalho no Brasil: multiplicidade de olhares‖, elaborada pela Comissão de documentação do TST: Em 30 de abril de 1923, a legislação inovou e deu mais um passo decisivo para superação da precariedade em que se encontrava a intermediação dos conflitos entre patrões e empregados. O Decreto n. 16.027 criou, no âmbito do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), uma estrutura administrativa modesta que deveria atuar como ―órgão consultivo dos poderes públicos em assumptos referentes à organização do trabalho e da previdência social‖. Era o nascimento do Conselho Nacional do Trabalho (CNT), que anos mais tarde seria transformado em Tribunal Superior do Trabalho (TST). O art. 2° do Decreto 16.027 trazia um rol não exaustivo dos temas que seriam da alçada do CNT: Dia normal de trabalho nas principais indústrias; Sistemas de remuneração do trabalho; Contratos coletivos de trabalho; Sistemas de conciliação e arbitragem, especialmente para prevenir greves; Trabalho de menores; Trabalho de mulheres; Aprendizagem e ensino técnico; Acidentes de trabalho; Seguros sociais; Caixas de aposentadoria e pensões de ferroviários; Instituições de crédito popular; Caixas Agrícolas. (TST, 2011, p. 2627). Entretanto, foi somente após a Revolução de 1930 que medidas mais efetivas foram tomadas no sentido da implantação de uma Justiça do Trabalho com um papel mais abrangente. Deste modo, em 1932, surgem dois órgãos que tiveram uma importância mais significativa no contexto trabalhista, quais sejam, as Comissões Mistas de Conciliação (para a conciliação dos conflitos coletivos) e as Juntas de Conciliação e Julgamento (para os conflitos individuais). No entanto, tais órgãos, por possuir natureza administrativa, não poderiam executar suas decisões. A seguinte passagem retrata bem tal situação: Surgiram as Comissões Mistas de Conciliação (Decreto n° 21.396/1932), uma via conciliatória para os dissídios coletivos. Essas comissões poderiam ser criadas em Municípios onde existissem sindicatos de classe ou, na falta desses, em qualquer lugar, a critério do Ministro do Trabalho. Sua composição, a exemplo do CNT, era 45 paritária. O Decreto n° 22.132, também de 1932, criou as Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ), sobre as quais recairia uma expectativa de resolução rápida e barata dos dissídios trabalhistas individuais. Porém, assim como no CNT, a natureza administrativa das JCJ dificultava a imposição de suas decisões (TST, 2011, p. 28). Após, com a Constituição de 1934, tem-se a previsão para o estabelecimento da Justiça do Trabalho, sendo que a sua implementação ocorreu somente em 1941, como órgão administrativo, não havendo uma equiparação dos juízes do trabalho com os demais magistrados vinculados ao Poder Judiciário. A título ilustrativo cita-se: [...] E assim, surgia uma Justiça do Trabalho de caráter administrativo, tal como desenhada no art. 122 da Constituição de 1934, cuja redação era a seguinte: “Art. 122 – Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I. Parágrafo único – A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de seus membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do governo, escolhido dentre pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual” (grifos nossos). Tal como prevista na nova Constituição, a Justiça do Trabalho não seria independente, já que ligada ao Poder Executivo, com seus juízes não gozando das garantias da magistratura nacional (conforme estabelecido no final do caput do artigo em tela). Ademais, nascia a Justiça do Trabalho com a marca da representação classista paritária. (FERRARI, NASCIMENTO e MARTINS FILHO, 1998, p. 183-184). Ressalta-se que a integração formal da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário só ocorreu mediante a Constituição de 1946. Assim, pode-se afirmar que a estrutura especializada trabalhista foi organizada em 1941 e integrada formalmente ao Judiciário em 1946, sendo, portanto, recente a sua criação. Neste sentido, tem-se que: O terceiro e último movimento foi o que efetivamente consolidou uma Justiça do Trabalho propriamente dita. O Decreto n° 979, de 09 de setembro de 1946, promoveu algumas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dentre elas, a modificação do nome do CNT para Tribunal Superior do Trabalho e dos Conselhos Regionais do Trabalho para Tribunais Regionais do Trabalho. Com isso estava tudo preparado para que, em 18 de setembro de 1946, a nova 46 Constituição Federal elencasse, em seu art. 94, os Juízes e Tribunais do Trabalho entre os órgãos componentes do Poder Judiciário. (TST, 2011, p. 30). A partir de então, a Justiça do Trabalho foi confirmada pelas Constituições posteriores da história brasileira. Deve-se lembrar, ainda, de que a EC n. 20/98 inseriu, na competência da Justiça Trabalhista, a execução de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; e que a EC n. 24/99 alterou a composição da Justiça do Trabalho, extinguindo as denominadas Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecendo, assim, uma composição paritária de Varas do Trabalho. Logo, atualmente, nos termos do art. 111 da CR/88, a Justiça do Trabalho é composta pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), sua instância máxima, por Tribunais Regionais do Trabalho e por Juízes do Trabalho. A EC n. 45/04, por sua vez, ampliou significativamente as matérias atinentes à competência da Justiça do Trabalho. Neste sentido, para uma melhor compreensão deste estudo, faz-se necessário tecer breves apontamentos sobre a tramitação da EC n. 45/04 no Congresso Nacional, que, na Câmara dos Deputados, recebeu o n. 96/92, e no Senado Federal (SF), passou a ter o n. 29/2000. Neste contexto, ressalta-se a tormentosa discussão sobre a reforma do Poder Judiciário, haja vista a EC n. 45/04 durou mais de 12 anos para ser aprovada pelo Congresso Nacional. A título ilustrativo, cita-se a seguinte passagem, extraída da obra de Grijalbo Fernandes Coutinho, intitulada como ―Justiça do trabalho: competência ampliada‖: Depois de doze anos de tramitação no Congresso Nacional, finalmente a PEC que trata da Reforma do Poder Judiciário foi votada, com promulgação da Emenda Constitucional no dia 31 de dezembro de 2004. A razoável demora guarda estreita relação com a prioridade real dada pelos poderes Legislativo e Executivo ao tema. (COUTINHO e FAVA, 2005, p. 93). Frise-se que, durante este período, a PEC teve várias versões. Nas primeiras, a Justiça do Trabalho permaneceu praticamente inalterada. Dentro e fora do Congresso Nacional, pouco se falava sobre a sua competência. 47 Posteriormente, surgiram alguns segmentos que discutiam a mantença, ou não, do poder normativo. Outros questionavam a existência do TST. Na esteira deste raciocínio tem-se que: Se a Justiça do Trabalho não tiver a capacidade de alargar sua atuação para todas as causas dos trabalhadores, num mundo do trabalho de frenéticas mudanças, será colocada em xeque pelos setores que sempre a aceitaram com restrições. Foi por essa razão que vozes influentes da área econômica do Governo Fernando Henrique Cardoso, diversas vezes, falaram em sua extinção. (COUTINHO e FAVA, 2005, p. 105). Deste modo, observa-se que, como pano de fundo, o Governo Federal (Fernando Collor e depois Fernando Henrique Cardoso) ensaiava suas propostas de flexibilização das normas trabalhistas. Falou-se, até mesmo, em desconstitucionalização dos direitos dos trabalhadores. Tudo isto foi devidamente embalado por um falso discurso que dizia que o salário no Brasil era muito alto, que os trabalhadores tinham direitos demais, e que os encargos sociais eram exorbitantes e obstruíam o investimento do capital estrangeiro. Neste sentido, veja-se: [...] A outra corrente que se opõe ao comando constitucional vislumbra com nitidez o que representa a Justiça do Trabalho com a sua competência ampliada. São os setores empresariais, nacionais e estrangeiros, os seus economistas e os professores neoliberais que criticam o intervencionismo da Justiça Laboral nas relações entre o capital e o trabalho. Esses atores reclamam do custo do trabalho, da CLT e de tudo que possa diminuir as extraordinárias margens de lucro. (COUTINHO e FAVA, 2005, p. 105). Observa-se que tais propostas eram claramente impopulares e prejudiciais aos trabalhadores (leia-se: eleitores). Neste contexto, verificam-se notórias dificuldades para aprovar uma legislação precarizadora de direitos. No decorrer deste percurso, chegou-se, inclusive, a se propor a extinção da própria Justiça Trabalhista, não de forma explícita, mas sugerindo-se a incorporação da Justiça do Trabalho à Justiça Federal. Nesta toada, cita-se a seguinte passagem: No meio daquele quadro (flexibilização, CPI, reforma, classistas), o Deputado Aloysio Nunes apresentou seu relatório. Surpreendeu, mas nem tanto. Extinguia a própria Justiça do Trabalho – e ponto final. 48 Não usava de todas as letras; valia-se de um certo eufemismo: ―incorporava‖ a Justiça do Trabalho à Justiça Federal. A proposta equivalia a colocar o Brasil dentro de Portugal, como bem lembrou a ex-presidente da ANAMATRA, Beatriz de Lima Pereira. (COUTINHO e FAVA, 2005, p. 155). Assim sendo, a reação de repúdio da sociedade civil foi imediata. As associações dos magistrados, sindicatos, OAB, partidos políticos e, até, a imprensa engrossaram o coro de vozes das ruas que pugnavam pelo aborto desta proposta. Depois disso, observa-se uma mudança, vez que houve uma proposta no sentido de que a Justiça do Trabalho deveria não apenas permanecer, mas também passaria a ter, no âmbito de sua competência, todas as relações de trabalho humano. Havia, ainda, pareceres para alargar ainda mais esta competência, abrangendo-se pontualmente os conflitos sindicais, a execução de multas administrativas, os danos morais, dentre outras atribuições. Para exemplificar tal ponto, lança-se mão do seguinte trecho: Não durou muito, o Deputado Aloysio, na condição de relator. Logo depois, ele foi nomeado Secretário da Presidência da República. Em substituição, foi escolhida a Deputada Zulaiê Cobra. E na primeira versão, a parlamentar paulista repôs as coisas no seu devido lugar. A Justiça do Trabalho não apenas permaneceu como estava, como passou a compreender, no seu âmbito, todas as relações de trabalho humano. Concomitantemente, o relatório da deputada alargava ainda mais esta competência, abrangendo pontualmente os conflitos sindicais, a execução de multas administrativas, os danos morais etc. Neste aspecto, atendia especificamente ao pleito da ANAMATRA. (COUTINHO e FAVA, 2005, p. 155-156). Destarte, com a promulgação da EC n. 45/04, diante da ênfase dada pelo legislador mediante ampliação significativa das matérias atinentes à Justiça do Trabalho, torna-se praticamente indiscutível a necessidade de sua existência. Nesta toada, tem-se que: Especificamente para a Justiça do Trabalho, a Emenda Constitucional nº 45/2004 soterrou a ameaça de extinção visto que, entre outras alterações, ampliou sua competência transferindo para sua jurisdição causas antes julgadas pela Justiça Comum. (TST, 2011, p. 310). 49 Deste modo, finalmente, após 12 anos de tramitação, foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004, em de 8 de dezembro de 2004. Assim sendo, para se verificar as alterações ocorridas quanto à competência da Justiça do Trabalho, deve-se fazer um paralelo entre a antiga e a nova redação do art. 114, da CR/88, conforme exposto no quadro abaixo: Quadro 1: Alterações na redação do art. 114 da CR/88 decorrentes da EC n. 45/04 Art. 114 da Constituição de 1988 – Texto com as alterações decorrentes das EC’s nº. 20/98 e 24/99. Art. 114 da Constituição de 1988 – Texto decorrente da alteração introduzida pela EC n. 45/04 Art. 114. Compete a Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II - as ações que envolvam exercício do direito de greve; III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. § 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. 50 § 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho. § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. § 3º - Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no § 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. art. 195, I ―a‖, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. Neste sentido, ressalta-se que, antes da EC n. 45/04, o art. 114, inciso I, da CR/88, em sua redação originária, estabelecia que a Justiça do Trabalho era competente para conciliar e julgar as lides existentes entre ―trabalhador e empregador‖. Com isso, a competência da Justiça do Trabalho estava restrita à idéia da relação de emprego, caracterizada pela presença do empregador e do empregado subordinado. Ademais, antes da EC n. 45/04, somente excepcionalmente, desde houvesse previsão expressa em lei ordinária, poderia a Justiça do Trabalho processar e julgar relações de trabalho no sentido lato, sem estar caracterizada a relação de emprego (como por exemplo, tem-se o art. 652, alínea ―a‖, incisos III e V, da CLT), haja vista a utilização da expressão ―e outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei‖. Com o advento da EC n. 45/04, tem-se que a nova redação do inciso I do art. 114 da CR/88 aborda a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, e não mais da relação de emprego apenas. Há, assim, a acréscimo da competência da Justiça Laboral. Neste sentido, cita-se: A Emenda Constitucional nº 45/2004 introduz profundas modificações em todo o Poder Judiciário nacional e, no que diz respeito especificamente à Justiça do Trabalho, aumenta as suas atribuições, dando-lhe competência para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho que, até então, estava restrita às relações de emprego, alcançando apenas os litígios entre empregados e empregadores. (TST, 2011, p. 446). 51 Deste modo, observa-se uma ampliação, vez que enquanto antes só podiam ser julgadas, como regra geral, questões entre trabalhadores e empregadores, agora podem ser decididas, em princípio, todas as questões de relação de trabalho, mesmo aquelas que não envolvam especificamente o vínculo empregatício. Retira-se, portanto, a idéia de restrição da competência da Justiça Laboral às lides empregatícias. Ademais, verifica-se que houve uma inversão, pois o que só podia ser julgado em caráter excepcional, mediante lei autorizante, passou a não mais depender de uma lei atributiva de competência. Neste sentido, cita-se: Entendemos que houve primeiro uma inversão. O que só podia ser julgado em caráter excepcional mediante lei autorizante, passou a não mais depender de uma lei atributiva de competência. Segundo, uma ampliação, porque enquanto antes só podiam ser julgadas, como regra geral, questões entre trabalhadores e empregadores, agora podem ser decididas todas as questões de relação de trabalho, mesmo aquelas cujo pólo passivo do vínculo não venha a ser empregador. (COUTINHO e FAVA, 2005, p. 36). Além disso, pode-se afirmar que, antes da EC n. 45/04, a competência da Justiça do Trabalho se dava, basicamente, em função da pessoa (presença da figura do empregador em um dos polos da ação judicial), e que, com o advento da EC n. 45/04, a competência passa a ser definida essencialmente em razão da matéria (litígios decorrentes da relação de trabalho). Na esteira deste entendimento, tem-se a seguinte passagem: A Emenda Constitucional 045/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho. Antes essa Justiça especializada era reduzida apenas ao julgamento de processos relativos às relações de emprego, majoritariamente as verbas rescisórias. Ampliou-se em todo o país e passou a receber demandas relativas às relações de trabalho, o que inclui indenização por dano moral, acidente de trabalho, eleições sindicais, entre outros. (TST, 2011, p. 389). A partir deste contexto, faz-se necessário, portanto, sistematizar a distinção existente entre os conceitos de relação de trabalho e de relação de emprego. Assim sendo, a relação de trabalho é caracterizada pelo estabelecimento de relações jurídicas que têm sua prestação em uma obrigação de fazer, consubstanciada em trabalho humano. Isto é, em outras palavras, a relação de trabalho constitui o vínculo que se estabelece no âmbito 52 do trabalho. De uma forma geral, faz referência às relações entre o trabalho/ mão-de-obra (que presta o trabalhador) e o capital (pago pela entidade empregadora) no âmbito do processo de produção. Nesta toada, tem-se que: A Ciência do Direito enxerga clara distinção entre relação de trabalho e relação de emprego. A primeira expressão em caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a todas modalidade de contratação do trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de serviços existentes no mundo atual. (DELGADO, 2014, p. 287). Neste sentido, a relação de emprego seria, por conseguinte, uma espécie da relação de trabalho (gênero), sendo caracterizada pela presença de cinco pressupostos quais sejam, trabalho prestado por pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação (arts. 2º e 3º, CLT). Conclui-se, portanto, que a relação de trabalho tem uma abrangência ampla, referindo-se, assim, a todo o labor produzido pelo ser humano, ou seja, pelo conjunto das atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir um determinado fim. 4.2 A competência da Justiça do Trabalho e o art. 114, inciso I, da CR/88 Isto posto, passa-se à discussão sobre a competência da Justiça do Trabalho para processamento e julgamento de causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, especificamente quanto aos trabalhadores vinculados à administração pública. Neste sentido, conforme abordado anteriormente, tem-se que a promulgação da Emenda Constitucional n. 45, também conhecida como 53 ―Reforma do Judiciário‖, que trouxe impactos significativos no que tange à Justiça Laboral em decorrência das alterações introduzidas no art. 114, da CR/88, ampliando, assim, a área de atuação, bem como o rol de competências que deveriam ser julgadas pela Justiça do Trabalho. Nesta toada, faz-se necessário destacar que a AJUFE (Associação dos Juízes Federais) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, a ADI n. 3.395, a qual tem como objetivo questionar a redação dada pela EC n. 45 ao inciso I, do art. 114 da CR/88. Isto porque, o legislador constituinte derivado, no processo legislativo referente à promulgação da EC n. 45, acabou incorrendo em vício de formal. Assim sendo, a redação do inciso I do art. 114, da CR/88, preceituou que ―compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios‖, muito embora não tivesse sido essa a redação aprovada pela Câmara dos Deputados, sendo, por conseguinte, inserida no Senado Federal sem que a alteração do texto voltasse para a Câmara. Deste modo, o STF concedeu medida liminar, na referida ADI n. 3.395, suspendendo toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CR/88 que inclua na competência da Justiça do Trabalho apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídicoadministrativo. Segue, abaixo, a transcrição da supracitada decisão11: Ementa - INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. 11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal na Reclamação ADI 3395. Ministro Nelson Jobim. Brasília: DJe, 04 fev. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 15 de jun. de 2015. 54 Faz-se importante ressaltar, portanto, que em nenhum momento essa decisão afastou a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar toda e qualquer relação de trabalho havida com a Administração, mas tão somente aquelas em que há a natureza estatutária e/ou de caráter jurídicoadministrativo típicas. Ademais, observa-se que, até o presente momento, a ADI n. 3.395 não foi definitivamente julgada quanto ao seu mérito. Ademais, observa-se que, mesmo antes da promulgação da EC n. 45, já era pacífico o entendimento jurisprudencial de que a Justiça do Trabalho tinha competência para processar e julgar ações envolvendo Administração Pública e outras formas de contratação em que não há a configuração da natureza estatutária e/ou de caráter jurídico-administrativo típicas, como por exemplo, ações envolvendo empregados públicos e terceirizados regidos pela CLT, ou abarcando a contratação irregular de ―servidor público‖. Como exemplo, cita-se o acórdão proferido pelo TRT da 15ª Região12: COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPREGADO PÚBLICO MUNICIPAL. RELAÇÃO EMPREGATÍCIA CONTRATUAL REGIDA PELA CLT POR FORÇA DE LEI MUNICIPAL. OCORRÊNCIA. É da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar reclamação trabalhista na qual o empregado público demonstre vinculação à Administração Municipal, mediante contrato de trabalho regido pela CLT, por expressa disposição de Lei do Município. FAZENDA PÚBLICA. CONTRATO DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO. NULIDADE, RESG. Tal entendimento pode, também, ser exemplificado pelo seguinte julgamento proferido pelo STJ13: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL E TRABALHISTA. SERVIDOR MUNICIPAL CONTRATADO APÓS A CF/88 SEM APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. PRECEDENTES. Em se tratando de relação de emprego decorrente de contratação irregular, ou seja, sem prévia aprovação em concurso público, não 12 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região no Recurso "Ex Offício" 7954/2003. Relator Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva. Brasília: DJe, 04 abr. 2003. Disponível em: <http://portal.trt15.jus.br/consulta-processual>. Acesso em: 15 de jun. de 2015. 13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça no AgRg 33709 RN 2001/0169374-3. Ministro Felix Fischer. Brasília: DJe, 01 set. 2003. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/>. Acesso em: 15 de jun. de 2015. 55 obstante tenha o Município adotado o Regime Jurídico Estatutário, a competência para processar e julgar o pleito é da Justiça Trabalhista. Precedentes. Agravo regimental desprovido. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) também havia pacificado esse entendimento, sendo que, inclusive, chegou a editar a súmula n. 363, bem como a OJ n. 205, da Seção de Dissídios Individuais n. 1 (SDI-I), do TST, estando esta atualmente cancelada, cujas transcrições seguem abaixo: TST Enunciado nº 363 – CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO SEM CONCURSO - EFEITOS E DIREITOS - A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. OJ - SDI1 – 205 – COMPETÊNCIA MATERIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. ENTE PÚBLICO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. REGIME ESPECIAL. DESVIRTUAMENTO (cancelada) I – Inscreve - se na competência material da Justiça do Trabalho dirimir dissídio individual entre trabalhador e ente público se há controvérsia acerca do vínculo empregatício. II – A simples presença de lei que disciplina a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, inciso IX, da CF/1988) não é o bastante para deslocar a competência da Justiça do Trabalho se se alega desvirtuamento em tal contratação, mediante a prestação de serviços à Administração para atendimento de necessidade permanente e não para acudir a situação transitória e emergencial. Ocorre que, no entanto, após a decisão liminar em sede da ADI n. 3.395, o que se observa é que reiteradas decisões jurisprudenciais vem sendo proferidas no sentido de reduzir drasticamente a competência da Justiça do Trabalho, afastando qualquer competência desta justiça especializada quando se configura a Administração Pública no polo passivo da ação, independentemente de ser relação celetista, de se tratar de terceirização ou de outros casos assemelhados, havendo, assim, um próprio desvirtuamento da decisão originária proferida na ADI n. 3.395. Tal fato implicou, inclusive, no cancelamento da OJ n. 205, da Seção de Dissídios Individuais n. 1 (SDI-I), pelo TST, no dia 23 de abril de 2009, sob o fundamento de que o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, já havia se manifestado em sentido contrário a referida tese da OJ n. 205, entendendo pela incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar demanda relativa à 56 contratação temporária por ente público, inclusive em reclamações ajuizadas contra decisões do TST. Tal entendimento, data vênia, não merece prosperar, haja vista que, conforme se verá a seguir, a Justiça do Trabalho é o órgão do Poder Judiciário competente para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual se submetem tais trabalhadores. 4.3 Definição de Servidor Público Estatutário, Empregados Públicos e Servidores Temporários Antes de se adentrar ao mérito do presente estudo, para melhor compreensão do tema, faz-se necessário apontar a correta definição das terminologias utilizadas acerca daquele trabalhador que é vinculado à Administração Pública. Neste sentido, tem-se que, em sentido lato, a expressão agente público é utilizada de forma genérica para se designar todos aqueles que prestam sua força de trabalho ao Poder Público, seja de modo temporário ou permanente. Nesta esteira, cita-se o seguinte entendimento do doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello: Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente (MELLO, 2012, p. 248). Tal entendimento também é corroborado por Hely Lopes Meirelles, segundo o qual agentes públicos ―são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal‖ (MEIRELLES, 2014, p. 77). Nesta toada, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, os agentes públicos podem ser classificados em quatro categorias, quais sejam: agentes 57 políticos, servidores públicos, militares e particulares em colaboração com o Poder Público (DI PIETRO, 2014, p. 596). Assim sendo, em sentido amplo, o conceito de servidor público compreende todas as pessoas físicas que mantêm vínculo profissional, de caráter não eventual e sob vínculo de dependência, integrados em cargos ou empregos, vinculados ao Estado e com pessoas de Direito Público da Administração Indireta. Neste sentido, citam-se as seguintes definições doutrinárias: São servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos. (DI PIETRO, 2014, p. 598). Servidor público, como se pode depreender da Lei Maior, é a designação genérica ali utilizada para englobar, de modo abrangente, todos aqueles que mantêm vínculos de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Em suma: são os que entretêm com o Estado e com as pessoas de Direito Público da Administração indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência. (MELLO, 2014, p. 253-254). Frise-se que Hely Lopes Meirelles atribui a esta categoria a nomenclatura de agentes administrativos, não diferindo, entretanto, quanto à sua definição. Veja-se: Agentes administrativos: são todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico determinado pela entidade estatal a que servem. [...] Os agentes administrativos não são membros de Poder de Estado, nem o representam, nem exercem atribuições políticas ou governamentais; são unicamente servidores públicos, com maior ou menor hierarquia, encargos e responsabilidades profissionais dentro do órgão ou da entidade a que servem, conforme o cargo, emprego ou a função em que estejam investidos (MEIRELLES, 2014, p. 81). Ademais, faz-se necessário apontar a existência de subdivisões atinentes aos servidores públicos. Assim sendo, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, é possível identificar duas espécies de servidores públicos, 58 quais sejam, os servidores titulares de cargos públicos e os servidores detentores de empregos públicos. Nesta esteira, tem-se: [...] as seguintes espécies: a) Servidores titulares de cargos públicos da Administração Direta (anteriormente denominados funcionários públicos), nas autarquias e fundações de Direito Público da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como no Poder Judiciário, e na esfera administrativa do Legislativo; b) Servidores empregados das pessoas suprarreferidas. Aí se incluem servidores que se encontrem sob vínculo empregatício. (MELLO, 2014, p. 254). Já Hely Lopes Meirelles aponta a existência das seguintes modalidades: a) servidores públicos concursados; b) servidores públicos exercentes de cargos ou empregos em comissão, titulares de cargo ou emprego público; e c) servidores temporários. Neste sentido, tem-se que: A categoria de agentes administrativos – espécie do gênero agente público – constitui a imensa massa dos prestadores de serviços à administração direta e indireta do Estado nas seguintes modalidades admitidas pela Constituição Federal de 1988: a) servidores públicos concursados (artigo 37, II); b) servidores públicos exercentes de cargos ou empregos, titulares de cargo ou emprego público (artigo 37, V); c) servidores temporários, contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, IX) (MEIRELLES, 2012, p. 82). Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, afirma que estão compreendidos na definição de servidor público as seguintes categorias: a) servidores estatutários; b) empregados públicos; e c) servidores temporários. Assim sendo, compreende-se, dentre os servidores públicos: 1. os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos; 2. os empregados públicos, contratados sob o regime da legislação trabalhista e ocupantes de empregos públicos; 3. os servidores temporários, contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da Constituição); eles exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público. (DI PIETRO, 2014, p. 598-599). Deste modo, como se verá, independentemente do regime jurídico ao qual os agentes públicos estejam submetidos, tem-se que a Justiça do 59 Trabalho é o órgão do Poder Judiciário competente para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho 4.4 Meio ambiente do trabalho estatutário, celetista e misto Antes de se adentrar especificamente na questão referente ao meio ambiente do trabalho estatutário, celetista e misto, faz-se necessário apontar que a Administração Pública, em sentido formal, é caracterizada pelo conjunto de órgãos instituídos para consecução de objetivos (MEIRELLES, 2014, p. 66). Neste sentido, tem-se que o Estado pode prestar serviços públicos ou de interesse público por si mesmo ou por meio de entes descentralizados. Nesta esteira, cita-se: [...] o Estado tanto pode prestar por si mesmo as atividades administrativas, com pode desempenhá-las por via de outros sujeitos, caso em que se estará perante a chamada descentralização. Anotouse, ainda, que nesta hipótese ora o Estado transfere o exercício de atividades que lhe são pertinentes para particulares, ora cria pessoas auxiliares suas, para desempenhar os cometimentos dessarte descentralizados (MELLO, 2012, p. 153). Deste modo, pode-se afirmar a existência de dois conceitos distintos, quais sejam, desconcentração e descentralização, para determinar se o desempenho dos serviços públicos ou de interesse público serão prestados, respectivamente, pela própria unidade centralizada, ou se por pessoas jurídicas diversas. Veja-se: [...] Descentralização e desconcentração são conceitos claramente distintos. A descentralização pressupõe pessoas jurídicas diversas: aquela que originariamente tem ou teria titulação sobre certa atividade e aqueloutra ou aqueloutras às quais foi atribuído o desempenho das atividades em causa. A desconcentração está sempre referida a uma só pessoa, pois cogita-se da distribuição de competências na intimidade dela, mantendo-se, pois, o liame unificador da hierarquia. Pela descentralização, rompe-se uma unidade personalizada e não há vínculo hierárquico entre a Administração Central e a pessoa estatal descentralizada. Assim, a segunda não é ―subordinada‖ à primeira. O que passa a existir na relação entre ambas, é um poder chamado controle. (MELLO, 2012, p. 155). 60 Neste contexto, faz-se necessário destacar, também, a correlação existente entre Administração Pública direta e indireta, vez que a primeira refere-se ao conjunto de órgãos da própria estrutura administrativa central, ao passo que essa diz respeito aos entes vinculados à Administração Pública que prestam serviços públicos ou de interesse público. Para clarificar tal apontamento, cita-se: Observamos que a Administração Pública não é propriamente constituída de serviços, mas, sim, de órgãos a serviço do Estado, na gestão de bens e interesses qualificados da comunidade, o que nos permite concluir, com mais precisão, que, no âmbito federal, a Administração direta é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa da União e a Administração indireta é o conjunto dos entes (personalizados) que, vinculados a um Ministério, prestam serviços públicos ou de interesse público. Sob o aspecto funcional ou operacional, Administração Pública direta é a efetivada imediatamente pela União, através de seus órgãos próprios, e indireta é a realizada mediatamente, por meio dos entes a ela vinculados. (MEIRELLES, 2014, p. 840-841). Deste modo, tem-se que a Administração indireta é composta por autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista (MELLO, 2012, p. 164). Em linhas gerais, para se demonstrar os aspectos comuns e as diferenciações existentes entre tais entes, lança-se mão da seguinte passagem: As pessoas jurídicas que integram a Administração indireta da União – autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedade de economia mista – apresentam três pontos em comum: criação por lei específica, personalidade jurídica e patrimônio próprio. A autarquia, pessoa jurídica de Direito Público, realiza um serviço destacado da Administração direta, exercendo, assim, atividades típicas da Administração Pública; a fundação pública, também pessoa jurídica de Direito Público, realiza atividades apenas de interesse público; a empresa pública, pessoa jurídica de Direito Privado, revestindo qualquer das formas admitidas em direito, com capital exclusivo da União, tem por finalidade a exploração de atividade econômica por força de contingência ou de conveniência administrativa; a sociedade de economia mista, pessoa jurídica de Direito Privado, constituída sob a forma de sociedade anônima e sob o controle majoritário da União ou de outra entidade da Administração indireta, tem por objetivo a exploração de atividade econômica, independentemente das circunstâncias que justificam a criação de empresa pública. (MEIRELLES, 2014, p. 841). 61 Verifica-se, assim, que as autarquias e fundações públicas constituem pessoa jurídica de Direito Público, ao passo que as empresas públicas e sociedades de economia mista são formadas por pessoa jurídica de Direito Privado. Em outras palavras, tem-se que a Administração Pública pode se submeter ao regime jurídico de direito público ou ao regime jurídico de direito privado, sendo que a opção, em regra, está contida na própria Constituição Federal ou na lei (DI PIETRO, 2014, p. 60). Nesta toada, tem-se que o art. 173, §1º, II, da CR/88 estabelece que a empresa pública, a sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços deverão observar o regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Isto posto, correlacionando tais aspectos conceituais ao meio ambiente do trabalho, pode-se afirmar que o meio ambiente do trabalho estatutário é aquele no qual se encontram laborando os agentes públicos vinculados à Administração Pública Direta, autárquica e fundacional, também denominados servidores estatutários. Já o meio ambiente do trabalho celetista refere-se a todos aqueles trabalhadores que se encontram submetidos às normas da CLT, incluindo-se, dentre eles, os agentes públicos celetistas vinculados à Administração Pública indireta composta pelas empresas públicas e sociedades de economia mista. O meio ambiente do trabalho misto, por sua vez, é aquele no qual laboram, simultaneamente, diversos trabalhadores com vínculos jurídicos distintos, como por exemplo, estatutários, celetistas e temporários. Neste contexto, cabe ressaltar que os empregados públicos, regidos pela CLT, vinculados à Administração Pública, não se encontram abarcados pelo teor da decisão proferida pelo STF na ADI 3.39514, estando, por conseguinte, incontroverso que tais trabalhadores encontram-se abrangidos pela competência da Justiça do Trabalho. 14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal na Reclamação ADI 3395. Ministro Nelson Jobim. Brasília: DJe, 04 fev. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 21 de dez. de 2014 62 Via de consequência, conclui-se que o cerne da discussão paira especificamente quanto aos servidores públicos vinculados à Administração por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Neste sentido, é preciso ressaltar que, por ser o meio ambiente do trabalho um direito fundamental de natureza difusa, aplica-se o princípio da Universalidade ou Indivisibilidade, não podendo, por conseguinte, os aspectos tutelados serem analisados de modo isolado. Na linha deste raciocínio, segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, temse que ―o ambiente de trabalho não pode ser avaliado de forma fracionada ou apenas como uma soma de problemas distintos‖. (OLIVEIRA, 2011, p. 115). De igual modo, cita-se: O servidor público, assim como qualquer outro trabalhador, tem assegurado o direito a um meio ambiente do trabalho salutar e equilibrado, que lhe acarrete uma sadia qualidade de vida. O fato de possuírem como tomador dos respectivos serviços o Estado não pode jamais mitigar ou dificultar a aplicação de todas as normas de higiene, saúde e de segurança do trabalho, independentemente do regime jurídico a que estejam submetidos, sejam celetistas ou estatutários. (VILLELA, 2010, p. 3). Logo, deve prevalecer o entendimento de que a Justiça do Trabalho é o órgão do Poder Judiciário competente para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual se submetem tais trabalhadores. 4.5 Competência em razão da matéria e da pessoa no que concerne à Justiça do Trabalho No estudo em apreço, no que tange ao questionamento sobre qual a Justiça competente para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, notadamente no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à administração pública, verifica-se que a análise 63 perpassa o embate entre a competência em razão da matéria e a competência em razão da pessoa. Assim sendo, inicialmente, há que se ressaltar que a competência é um critério de distribuição da jurisdição segundo a qual os conflitos são distribuídos de forma uniforme aos juízes, a fim de que seja garantida uma maior efetividade ao Poder Judiciário. Neste sentido, cita-se o seguinte ensinamento trazido por Carnelutti: O instituto da competência tem origem na distribuição do trabalho entre os diversos ofícios judiciais ou entre seus diversos componentes. Já que o efeito de tal distribuição se manifesta no sentido de que a massa das lides ou negócios se dividia em tantos grupos, cada um dos quais é designado a cada um dos ofícios, a potestade de cada deles se limita praticamente às lides ou aos negócios compreendidos pelo mesmo grupo. Portanto, a competência significa a pertinência a um ofício, a um oficial ou a um encarregado de postestade a respeito de uma lide ou de um negócio determinado; naturalmente, tal pertinência é um requisito de validade do ato processual, em que a potestade encontra seu desenvolvimento (CARNELUTTI, 2000, p. 255-256). Desta forma, pode-se afirmar, segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, que ―a jurisdição tem íntima relação com a competência. Tradicionalmente, fala-se que a competência é a medida da jurisdição de cada órgão judicial. É a competência que legitima o exercício do poder jurisdicional‖. (LEITE, 2014. p. 193). Cleber Lúcio de Almeida, em sua obra intitulada Direito Processual do Trabalho, também preceitua que: A jurisdição é uma função pública e, como tal, una, mas o seu exercício é dividido entre os vários órgãos que compõem o Poder Judiciário. Esta divisão de trabalho define a medida ou a porção da jurisdição de cada um destes órgãos, o que corresponde à sua competência. Dito de outra forma, a jurisdição é exercida pelos órgãos do Poder Judiciário dentro de certos limites e estes limites correspondem à sua competência. A competência é, destarte, a medida da jurisdição de cada órgão do Poder Judiciário. (ALMEIDA, 2014. p. 247). Nesta toada, segundo Chiovenda, destacam-se três critérios para distribuição de competência, os quais influenciaram o ordenamento jurídico brasileiro, a saber: a) critério objetivo; b) critério funcional; e c) critério territorial. 64 Nesses termos, cita-se a seguinte passagem: [...] o critério objetivo ou do valor da causa (competência pelo valor) ou da natureza da causa (competência por matéria). O critério extraído da natureza da causa refere-se, em geral, ao conteúdo especial da relação jurídica em lide [...] o critério funcional extrai-se da natureza especial e das exigências especiais das funções que se chama o magistrado a exercer num processo [...] o critério territorial relaciona-se com a circunscrição territorial designada à atividade de cada órgão jurisdicional [...] Em resumo: o critério objetivo é critério de distribuição das causas entre tribunais de tipo diferente. O critério territorial é critério de distribuição das causas entre tribunais do mesmo tipo. O critério funcional é critério de distribuição das causas tanto entre tribunais de do mesmo tipo, quanto de tipo diferente (CHIOVENDA, 2000. p. 184-185). Neste contexto, o doutrinador Mauro Schiavi, destaca que há um certo consenso na doutrina processual brasileira, segundo o qual é possível destacar os seguintes critérios de competência: a) em razão da natureza da relação jurídica (competência em razão da matéria ou objetiva); b) em razão da qualidade das partes envolvidas na relação jurídica controvertida (competência em razão da pessoa); c) em razão do lugar (competência territorial); d) em razão do valor da causa; e e) em razão da hierarquia dos órgão judiciários (competência interna ou funcional) (SCHIAVI, 2014. p. 202-203). Neste contexto, há que se ressaltar que as competências em razão da matéria, da pessoa e funcional são absolutas. Nesta esteira, tem-se que: As competências em razão da matéria, da pessoa e da função só permitem o exercício da jurisdição pelo juiz que estiver legalmente autorizado a exercê-la. Diz-se, portanto, que todas essas competências são de natureza absoluta, razão pela qual a sua inobservância contamina todos os atos praticados no processo. A competência absoluta, na tríplice dimensão mencionada, não pode ser prorrogada e deve ser decretada ex officio pelo juiz em qualquer tempo e grau de jurisdição enquanto não formada a coisa julgada (preclusão máxima), isto é, o seu reconhecimento independe de provocação das partes que participam da correspondente relação jurídica processual. Caso já tenha operado a coisa julgada material, somente por ação rescisória, será possível desconstituir a sentença proferida por juiz absolutamente incompetente (CPC, art. 485, II). (LEITE, 2014, p. 320). A competência em razão do território, por sua vez, é relativa, devendo a parte invocá-la no momento processual oportuno, sob pena de sua prorrogação (art. 114 do CPC). Há que se destacar ainda que, nos termos do parágrafo 65 único do art. 112 do CPC, para os casos de nulidade da cláusula de eleição de foro em contrato de adesão, a incompetência relativa poderá ser declarada de ofício pelo juiz. Destarte, tem-se que: A competência é relativa quando o dissídio pode ser julgado, sem risco de nulidade fundada em incompetência, em juízo diverso daquele que deveria julgá-lo originalmente. A competência relativa é fixada atendendo, principalmente, aos interesses das partes, razão pela qual não pode ser declinada de ofício. Relativa, no processo do trabalho, é a competência territorial ou em razão do lugar. (ALMEIDA, 2014. p. 253). Faz-se necessário ressaltar, assim, que o questionamento a respeito de qual seria a Justiça competente para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, notadamente no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à administração pública, permeia o conflito existente entre duas competências absolutas, quais sejam, a competência em razão da matéria (ratione materiae) e a competência em razão da pessoa (ratione personae). Nesta linha de raciocínio, Carlos Henrique Bezerra Leite ao dispor sobre competência em razão da matéria, preceitua que: A competência em razão da matéria no processo do trabalho é delimitada em virtude da natureza da relação jurídica material deduzida em juízo. Tem-se entendido que a determinação da competência material da Justiça do Trabalho é fixada em decorrência da causa de pedir e do pedido. (LEITE, 2014, p. 195). Lado outro, no que tange à competência em razão da pessoa, tem-se que ela é fixada em virtude da qualidade da parte que figura na relação processual (LEITE, 2014, p. 290). Destarte, pode-se concluir que o cerne da questão do presente estudo encontra-se no embate existente entre essas duas competências absolutas, quais sejam: a competência em razão da matéria (preceituada no art. 114 da CR/88) e a competência em razão da pessoa (art. 37 e 39 da CR/88). 66 4.6 A causa de pedir e o meio ambiente do trabalho Conforme se verá a seguir, deve-se primar pela competência da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento de causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual se submetem tais trabalhadores, preponderando-se, assim, a competência em razão da matéria, preceituada no art. 114 da CR/88. Neste contexto, ressalta-se que é a causa de pedir que irá definir a questão da competência, atraindo, por conseguinte, para a Justiça do Trabalho a atribuição para dirimir questões atinentes ao meio ambiente laboral. Assim sendo, é preciso destacar que a causa de pedir é um dos elementos da ação que permite identificar e delimitar o objeto do litígio. Em outras palavras, pode-se afirmar que os elementos da ação (partes, causa de pedir e pedido) são os requisitos mais importantes da petição inicial, vez que determinam quem, porque e o que se pede. (NERY JÚNIOR e NERY, 2014, p. 682). Na linha deste raciocínio, cita-se: Os elementos da ação, que se apresentam logo na própria petição inicial (art. 282, II, III e IV, CPC), genericamente considerados, são os meios pelos quais podemos realizar a atividade mental de identificação da ação proposta, a individualização da ação ajuizada (da demanda). (TUCCI e BEDAQUE, 2002, p. 91). Vale ressaltar, inclusive, que esses elementos identificadores da ação conferem segurança ao ordenamento jurídico, haja vista que incidem em litispendência e coisa julgada, impedindo, assim, novo pronunciamento jurisdicional sobre questões já levantadas. Veja-se: Como não se tolera, a bem da segurança jurídica das partes, que uma só lide possa corresponder mais de uma solução jurisdicional, impõe-se identificar as causas para evitar que um novo processo possa vir a reproduzir outro já findo ou ainda pendente de julgamento final. (THEODORO, 2012, p. 86). 67 Neste sentido, enquanto as partes (sujeitos ativo e passivo) são classificadas como elementos de ordem subjetiva, a causa de pedir e o pedido são considerados elementos de ordem objetiva (TUCCI e BEDAQUE, 2002, p. 92). Deste modo, pode-se afirmar que a causa de pedir é identificada como sendo o motivo, o porquê e as razões pelas quais a parte autora necessita do provimento jurisdicional (TUCCI e BEDAQUE, 2002, p. 94). Em outras palavras, tem-se que a causa petendi não é necessariamente a norma legal invocada pela parte, mas sim o fato jurídico que ampara a pretensão deduzida em juízo (THEODORO, 2012, p. 87). Desta feita, não se pode confundir fundamento fático com fundamento legal, vez que aquele é imprescindível, e este dispensável (THEODORO, 2015, p. 397). Para exemplificar tal entendimento, cita-se: Todo pedido tem uma causa. Identificar a causa petendi é responder à pergunta: porque o autor pede tal providência? Ou, em outras palavras, qual o fundamento de sua pretensão? Constitui-se a causa petendi do fato ou do conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito jurídico por ele visado (MOREIRA, 2002, p. 15). Nesta toada, pode-se identificar duas teorias que embasam a causa de pedir, quais sejam: a teoria da substanciação e a da individuação. Assim sendo, enquanto a primeira teoria, da substanciação enfoca os fatos ensejadores da relação jurídica, a outra, da individuação, enfatiza o fundamento jurídico da situação afirmada pela parte autora. Veja-se: Historicamente, duas correntes teóricas têm se enfrentando na disputa de melhor precisar o conteúdo da causa de pedir. São as teorias da substanciação e da individuação. Para a primeira teoria, da substanciação, faz-se necessária à correta apresentação da causa de pedir a exposição dos fatos constitutivos do direito firmado pelo autor. A causa de pedir seria o conjunto de fatos em que o autor baseia sua ação. Para a segunda, da individuação, não interessariam aqueles fatos constitutivos; bastaria sim, para a configuração da causa petendi, a afirmação do autor em qual relação jurídica se fundamenta seu pedido. (TUCCI e BEDAQUE, 2002, p. 95). É preciso, portanto, ressaltar que o direito brasileiro, nos termos do artigo 282, inciso III, do CPC, adotou a teoria da substanciação, vez que exige 68 que esteja presente na petição inicial a narração dos fatos constitutivos do direito firmado pelo autor. Na esteira deste entendimento, cita-se: Causa de pedir são os fundamentos de fato e de direito do pedido. É a razão pela qual se pede. O direito brasileiro, a exemplo do direito alemão (ZPO § 253 2), adotou a teoria da substanciação do pedido, segundo a qual se exige, para a identificação do pedido, a dedução dos fundamentos de fato e de direito da pretensão. (NERY JÚNIOR e NERY, 2014, p. 452). Desta forma, tem-se que: A indicação errônea do dispositivo legal não torna inepta a inicial, mesmo porque dispensável essa referência. Nesse sentido os brocados latinos: iura novit curia (o juiz conhece o direito) e da mihi factum, dabo tibi ius (exponha o fato, direi o direito). (TEIXEIRA, 2003, p. 224). Ademais, vale frisar a distinção existente entre causa de pedir próxima e remota. Neste sentido, os fatos correspondem à causa de pedir remota, ao passo que os fundamentos jurídicos seriam a causa de pedir próxima. Veja-se: O Código de Processo Civil dispõe em seu art. 282, III, que a causa de pedir é constituída pelos fatos e fundamentos jurídicos do pedido. Como repetido pelos doutrinadores brasileiros, pelo menos em sua corrente majoritária, os fatos correspondem, tradicionalmente, à causa de pedir remota e os fundamentos jurídicos à causa de pedir próxima. (CHEKER, 2014, p. 40-41). Ressalta-se, no entanto, que, para Nelson Nery Júnior, a causa de pedir próxima é caracterizada pelo inadimplemento do negócio jurídico, isto é, pela lesão ou ameaça de lesão a direito, ao passo que a causa de pedir remota é o direito ou o título jurídico que fundamenta o pedido. Veja-se: Causa de pedir remota: é o direito que embasa o pedido do autor; o título jurídico que fundamenta o pedido. É a razão mediata do pedido. Causa de pedir próxima: caracteriza-se pelo inadimplemento do negócio jurídico; pela lesão ou ameaça a lesão a direito. É a razão imediata do pedido. (NERY JÚNIOR e NERY, 2014, p. 452). Neste contexto, tem-se que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide (THEODORO, 2015, p. 398). Assim sendo, no que tange às causas envolvendo à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, 69 nítida é a correlação entre o pedido, a causa de pedir e a competência da Justiça do Trabalho. Para exemplificar tal questão, cita-se o seguinte julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal15: COMPETÊNCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDIÇÕES DE TRABALHO. Tendo a ação civil pública como causas de pedir disposições trabalhistas e pedidos voltados à preservação do meio ambiente do trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados, a competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho. Tal raciocínio também pode ser encontrado na seguinte decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho16: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. ENTE PÚBLICO. NATUREZA CELETISTA OU ESTATUTÁRIA DA RELAÇÃO JURÍDICA. IRRELEVÂNCIA. 1. Trata-se de ação civil pública pela qual se busca "a interdição do edifício sede da Procuradoria Geral do Estado", "no qual laboram, além de servidores estatutários, ' dezenas de trabalhadores terceirizados, regidos pela CLT, os quais também se encontram diuturnamente expostos aos graves e iminentes riscos verificados nas dependências daquela edificação'". A demanda "visa à preservação da saúde e a segurança da coletividade dos trabalhadores que prestam serviço na edificação, sejam eles inseridos numa relação contratual trabalhista ou estatutária, bem como toda a sociedade que transita por aquele ambiente". Diante do quadro, o e. TRT concluiu que "A natureza do vínculo existente entre as partes, se estatutária ou celetista, não tem o condão de afastar a competência da Justiça do Trabalho, na medida em que a preservação do meio ambiente de trabalho afigurase como um direito social (art. 7º, XXII, da Constituição Federal), e nessa condição, direito de todo e qualquer trabalhador". Acrescentou que "o ambiente laboral em causa põe em risco não apenas os ocupantes de cargos públicos, mas todos os trabalhadores que ali prestam serviços - aí incluídos os terceirizados, cuja relação é estritamente celetista. Isto já seria suficiente para atrair a competência da Justiça do Trabalho". 2. Não há justificativa jurídica ou faticamente plausível para cindir o meio ambiente em setores celetista e estatutário. O ambiente de trabalho é um só e as diretrizes elementares e imperativas de segurança, saúde e higiene do trabalho aplicam-se a todos aqueles que laboram no recinto público, não guardando relevância a qualificação do vínculo jurídico que possuam com o ente público tomador dos serviços. O que se tutela na presente demanda é a higidez do local de trabalho e não o indivíduo 15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal no Re 206220. Ministro Marco Aurélio. Brasília: DJe, 17 set. 1999. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em 14 de set. de 2015. 16 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho no AIRR 1285007020135130025. Ministro Hugo Carlos Scheuermann. Brasília: DJe, 18 ago. 2015. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/consulta-unificada>. Acesso em 14 de set. de 2015. 70 trabalhador em si - e esta é a razão pela qual a qualificação ao vínculo jurídico que ostenta é irrelevante. 3. Dessarte, não há como conferir outra solução à lide, que não a de considerar a Justiça do Trabalho competente para as ações alusivas ao meio ambiente do trabalho. Inteligência da Súmula 736 do STF. Precedentes. Intacto o art. 114, I, da Constituição Federal. 4. Divergência jurisprudencial formalmente válida não demonstrada (art. 896, a, da CLT). Agravo de instrumento conhecido e não provido. Desta feita, tendo em vista que a causa de pedir, tanto remota como próxima, referem-se a normas de saúde, higiene e segurança no trabalho, as quais constituem um direito social previsto constitucionalmente a todo e qualquer trabalhador (art. 7º, XXII, da Constituição Federal), deve-se atribuir à Justiça Laboral a competência para processar e julgar as causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual estão submetidos. 4.7 A competência da Justiça do Trabalho e sua inter-relação com a tutela do meio ambiente de trabalho Conforme abordado anteriormente, tem-se que a EC n. 45/2004, dentre as várias alterações que trouxe à estrutura do Poder Judiciário, ampliou significativamente a competência material da Justiça do Trabalho. Neste sentido, na lição de Mauro Schiavi, tem-se que: Conforme se denota da redação do referido artigo, a EC n. 45/04 trouxe significativas mudanças na competência material da Justiça do Trabalho brasileira. Tradicionalmente, esta Justiça Especializada julgava os conflitos oriundos da relação entre empregados e empregadores e, excepcionalmente, as controvérsias decorrentes da relação de trabalho. O critério da competência da Justiça do Trabalho, que era eminentemente pessoal, ou seja, em razão das pessoas de trabalhadores e empregadores, passou a ser em razão de uma relação jurídica que é a de trabalho. (SCHIAVI, 2014, p. 204). Neste contexto, conforme se verá, há que se primar pela competência da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento de causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, inclusive 71 no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual se submetem tais trabalhadores. Isso porque a Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário efetivamente vocacionado para tratar de questões relacionadas ao trabalho. Por isso, não merece persistir o enfoque meramente subjetivo que o STF vem adotando, notadamente por meio da ADI n. 3.395,17 deixando de reconhecer a competência da Justiça do Trabalho nos casos nos quais a Administração Pública configura-se no polo passivo da ação. A título exemplificativo, cita-se o seguinte julgamento proferido pelo Supremo Tribuna Federal brasileiro, na Reclamação nº 17086 PI18: Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. VÍNCULO DE ORDEM ESTATUTÁRIA OU JURÍDICO-ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM. ALEGAÇÃO DE OFENSA À ADI 3.395-MC. PROCEDÊNCIA. PUBLICAÇÃO DE LEI LOCAL INSTITUIDORA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO. QUESTÃO ESTRANHA À RECLAMAÇÃO. PRECEDENTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 734 DO STF. NÃO OCORRÊNCIA. 1. É de competência da Justiça Comum o processo e julgamento dos dissídios entre o Poder Público e seus servidores subordinados a regime jurídico estatutário, a teor do que decidiu o STF na ADI (MC) 3.395, Min. Cezar Peluso, DJ de 10.11.06. 2. A reclamação ajuizada por alegado desrespeito à ADI 3.395-MC não comporta discussão quanto à legitimidade formal de lei que instituiu o regime jurídico dos servidores públicos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. É preciso, pois, primar pela competência da Justiça Laboral no que tange à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, visando, assim a efetiva proteção de todos os trabalhadores. Nesta linha de raciocínio, cita-se o seguinte trecho: Sem entrar na discussão relativa à inconstitucionalidade formal do art. 114, inciso I, da Constituição da República e voltando o foco apenas para o sentido do texto normativo, não há como deixar de registrar o equívoco de qualquer interpretação que exclua os servidores públicos federais, estaduais e municipais do âmbito da competência trabalhista. [...] Com efeito, os servidores públicos são trabalhadores 17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal na Reclamação ADI 3395. Ministro Nelson Jobim. Brasília: DJe, 04 fev. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 21 de dez. de 2014. 18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal na Rcl 17086. Ministro Luiz Fux. Brasília: DJe, 16 set. 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em 29 de ago. de 2015. 72 subordinados que se encontram em um dos polos de um tipo específico de relação de trabalho. [...] Ademais, o novo texto constitucional não faz alusão seja a empregado, seja a empregador, de modo que se possa pensar que os sujeitos jurídicos aos quais se refere são os sujeitos da relação empregatícia. (COUTINHO e FAVA, 2005, p. 503). Destarte, quando se discute aspectos atinentes ao meio ambiente de trabalho, não há que se analisar o regime jurídico ao qual a pessoa trabalhadora está submetida, nem tão pouco quem é o seu empregador (se Pessoa Física ou Pessoa Jurídica, se Pessoa Jurídica de Direito Privado ou se Pessoa Jurídica de Direito Público). Tal entendimento é também é encontrado na seguinte passagem: [...] o posicionamento aqui explanado e defendido, tendo-se como possível – e até recomendado – a incidência da jurisdição trabalhista aos agente públicos em casos que tais; seja pela notória especialização da qual se reveste o Judiciário Trabalhista (e seus próprios agentes) para as lides que versam sobre a tutela do meio ambiente do trabalho, seja – e ora com muito mais peso – pelo fato de que tais lides prescindem da verificação do vínculo havido entre o agente e o Estado, eis que a proteção é direcionada ao meio ambiente do trabalho – de estatura constitucional – , como legítimo bem jurídico a ser tutelado. (CUNHA, 2010, p. 164). Tal fato é, inclusive, corroborado mediante análise do último edital aberto para o XVI Concurso Público para provimento de cargo de Juiz Federal Substituto da 1ª REGIÃO19. Assim sendo analisando o referido edital, verificase que não há, dentre as matérias do programa, nenhuma previsão quanto às normas de prevenção e reparação atinentes ao meio ambiente laboral, especificamente no que tange à segurança e higiene do trabalho. Em contrapartida, tem-se que o último concurso para provimento do cargo de Juiz Substituto do Trabalho da 3ª Região20, cujo edital foi registrado sob nº 01/2013, traz expressa menção, em seu conteúdo programático, às normas de segurança e higiene do trabalho, sendo que, dentre elas, incluem-se 19 Tribunal Regional Federal da 1ª REGIÃO - XVI Concurso Público para provimento de cargo de Juiz Federal Substituto da 1ª REGIÃO Edital de Abertura. Disponível em: <http://portal.trf1.jus.br/data/files/7A/07/E6/09/A9C4C410520032C4F42809C2/EDITAL%20ABERTURA %20XVI%20CONCURSO.pdf>. Acesso em 15 de jun. de 2015. 20 Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – Edital do Concurso Público nº 01/2013 para provimento do cargo de Juiz do Trabalho Substituto da 3ª Região. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/download/concursos/juiz/concurso_01_2013/edital_01_2013.pdf>. Acesso em 15 de jun. de 2015. 73 as Convenções e Recomendações expedidas pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, bem como as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho, expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Ademais, há que se ressaltar que o esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho acarretará inúmeras consequências negativas. A primeira delas diz respeito ao incômodo proporcionado pelos julgamentos proferidos pela Justiça do Trabalho, bem como pela atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), uma vez que a celeridade é um aspecto inerente à tramitação dos processos na Justiça Laboral, o que acaba por ameaçar aqueles que persistem em infringir a legislação trabalhista. Na esteira deste raciocínio, cita-se: Tal ―incômodo‖ decorre, como não é difícil imaginar, da celeridade inerente à tramitação dos processos na Justiça trabalhista, o que ocorre por uma série de fatores, dentre eles o rito ali utilizado, que faz com que, em alguns Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), a exemplo do TRT da 13ª Região, que abrange o Estado da Paraíba, um processo demore menos de 2 (dois) meses, em média, para ter seu julgamento de segunda instância. (LIMA, 2010, p. 257-258). Neste contexto, frisa-se a importância atribuída às ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, nos seguintes termos: As Ações Civis Públicas ajuizadas pelo MPT na Justiça do Trabalho, portanto, têm, via de regra, tramitação bastante célere, sendo rapidamente proferidas decisões por meio das quais se impede que os gestores continuem a se valer das malsinadas contratações irregulares e sejam obrigados a desligar os contratos irregularmente, o que, por conseguinte, impede que os maus gestores públicos continuem a se utilizar dos cargos públicos como forma de se perpetuar no poder, servindo-se dos mesmos como moeda política e como forma de inserir nos quadros da Administração toda uma gama de apaniguados e, ainda, engordar os rendimentos familiares por meio da reiterada contratação de parentes e amigos que tantos malefícios trazem à sociedade, a qual, além de tudo isso, com a prática de contratar trabalhadores irregularmente de forma direta ainda fica impedida de concorrer ao preenchimento dos cargos por critérios isonômicos, haja vista serem os mesmos disponibilizados apenas aos chamados ―amigos do rei‖, trazendo prejuízos também para a qualidade dos serviços, haja vista não serem escolhidos os mais aptos, ao contrário do que ocorre quando se realiza concursos dotados de critérios efetivamente objetivos. (LIMA, 2010, p. 258). 74 Para exemplificar tal questão, cita-se a seguinte decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em face do Agravo de Instrumento nº 41646321: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONDIÇÕES DE TRABALHO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ARTS. 114 E 129, DA CONSTITUIÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. O acórdão recorrido prestou, inequivocamente, jurisdição, sem violar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, tendo enfrentado as questões que lhe foram postas. Legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses difusos e coletivos no âmbito trabalhista. Questões referentes ao ambiente, às condições e à organização do trabalho. Competência da Justiça do Trabalho. Súmula 736/STF. Agravo regimental a que se nega provimento. Além disso, ressalta-se que, com a reforma do Judiciário, o Ministério Público do Trabalho passou a incomodar não apenas os interesses escusos de alguns empresários, mas também de determinados maus gestores públicos, que tentam desvirtuar a competência da Justiça do Trabalho, fato este que acaba por acarretar um prejuízo para a toda a sociedade. Neste sentido, tem-se que: [...] todas essas tentativas de reduzir ao mínimo a competência de um ramo do Judiciário especializado e vocacionado justamente para tratar de questões relacionadas ao trabalho – e que vem sendo impedido de fazer isso, em muitos casos – não trazem vantagem alguma para a sociedade, mas tão somente para os transgressores do ordenamento jurídico e, no caso das matérias relacionadas à Administração Pública, para os maus gestores, que tantos malefícios causam à coletividade. (LIMA, 2010, p. 248). Outra repercussão negativa refere-se ao congestionamento dos outros ramos do Poder Judiciário, vez que a retirada de ações envolvendo a Administração Pública da competência da Justiça do Trabalho irá sobrecarregar ainda mais os outros ramos do Poder Judiciário, que já se encontram, inquestionavelmente, assoberbados. Assim sendo, lança-se mão do seguinte trecho: 21 BRASIL. Supremo Tribunal Federal no AI 416463. Ministro Joaquim Barbosa. Brasília: DJe, 22 jun. 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em 29 de ago. de 2015. 75 Desse modo, ao lado de argumentos jurídicos, vai-se tratar, também, das possíveis consequências do esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho, assoberbando ainda mais outros ramos do Judiciário ao passo em que se subutiliza um ramo capitalizado e eficiente, que julga os processos ao mesmo submetidos com inegável celeridade. (LIMA, 2010, p. 247). Ademais, verifica-se que, na Justiça Laboral, as competências se distribuem a parte objecti e não ex ratione personae. Logo, toda a matéria relativa ao trabalho subordinado deve ser destinada à Justiça do Trabalho em razão de seu objeto (o trabalho) e não pelo seu titular. É neste contexto que se insere a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, objetivando, por conseguinte, resguardar um meio ambiente de trabalho equilibrado e saudável também no âmbito da Administração Pública. Na esteira deste raciocínio, a título exemplificativo, cita-se a seguinte passagem: [...] a competência do Judiciário Trabalhista para o deslinde das questões afetas à higiene, segurança e saúde do Trabalho, tanto de servidores estatutários como de celetistas, sobretudo porque em tais ações não se discute nada relacionado ao vínculo havido, mas sim às condições de trabalho, em sentido lato. Há de ser seguida, pois – e para todos agentes públicos – , a orientação dada na Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal (CUNHA, 2010, p. 161). Nesta toada, no que tange à questão envolvendo o meio ambiente de trabalho, especificamente, ressalta-se a existência da súmula n. 736, do Supremo Tribunal Federal, que preceitua que ―compete à justiça do trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores‖. Observa-se, assim, que não há nenhuma restrição atinente ao regime jurídico ao qual se submetem os trabalhadores, se celetista, estatutário ou outro qualquer. Neste aspecto, cabe ressaltar que a súmula n. 736 do STF (aprovada em sessão plenária em 26/11/2003), mesmo sendo anterior à decisão que 76 concedeu a medida liminar na ADI n. 3.39522 (datada de 01/02/2005), ainda continua em vigor. Logo, conclui-se que a decisão proferida em sede da ADI n. 3.395 em nada alterou a competência da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento de ações que tenham como causa de pedir questões concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho. Ademais, frise-se que o art. 173, §1º, inciso II, da CR/88 preceitua que a empresa pública, a sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços sujeitarão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhistas. Tal entendimento, embora infelizmente ainda não seja pacífico na jurisprudência, pode ser encontrado em acertados julgamentos, como o proferido pelo TRT da 14ª Região, a seguir transcrito23: TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. NORMAS DE PROTEÇAO AO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS E CELETISTAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é competência para executar Termo de Ajustamento de Conduta que trata de normas de proteção ao meio ambiente de trabalho, independente do regime jurídico a que estejam submetidos os trabalhadores que serão beneficiados (celetista ou estatutário). Inteligência da Súmula 736 do STF. Neste ponto, há que se mencionar, outro marco importante para a caracterização da competência da Justiça do Trabalho para processamento e julgamento de lides envolvendo matéria atinente ao meio ambiente do trabalho de trabalhadores vinculados à Administração Pública, haja vista que o próprio Supremo Tribunal Federal, em 19 de novembro de 2007, em sede da Rcl n. 3.303/PI, proferiu decisão favorável no sentido de que a ação civil pública em face do Poder Público piauiense, que tem por objetivo exigir o cumprimento das 22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal na Reclamação ADI 3395. Ministro Nelson Jobim. Brasília: DJe, 04 fev. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 15 de jun. de 2015. 23 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região no AP 104320060051400. Relatora Juíza Elana Cardoso Lopes Leiva de Faria. Brasília: DJe, 14 mar. 2008. Disponível em: <http://www.trt14.jus.br/consulta-processual>. Acesso em: 15 de jun. de 2015. 77 normas trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores, não desrespeita ao decidido na ADI 3.395-MC. Assim sendo, por meio da Rcl. N. 3.303, o Estado do Piauí alega a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho e, consequentemente, da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, para processar e julgar questões atinentes à saúde, segurança e higiene do trabalho no âmbito do Instituto de Medicina Legal do Estado – IML, setor da Secretaria Pública do Estado do Piauí, órgão da Administração Direta estadual. Não obstante a argumentação desfavorável, foi reconhecida a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para mover a referida ação, bem como considerou-se a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar a lide em questão, conforme se pode depreender da transcrição da ementa abaixo transcrita24: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. ADI 3.395-MC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, PARA IMPOR AO PODER PÚBLICO PIAUIENSE A OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO NO ÂMBITO DO INSTITUTO MÉDICO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA. 1. Alegação de desrespeito ao decidido na ADI 3.395-MC não verificada, porquanto a ação civil pública em foco tem por objeto exigir o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores. 2. Reclamação improcedente. Prejudicado o agravo regimental interposto. Até mesmo, porque, caso não seja esse o entendimento a ser adotado, poder-se-ia chegar à absurda hipótese na qual se encontram laborando para a Administração Pública, em um mesmo ambiente de trabalho, funcionários públicos estatutários, empregados públicos celetistas e terceirizados também celetistas, sendo que cada um disporia de princípios e direitos próprios no que diz respeito ao meio ambiente de trabalho, afrontando, assim, o princípio da indivisibilidade do meio ambiente laboral. Resta, portanto, novamente comprovada a necessidade de se concretizar o entendimento de que é da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio 24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal na Rcl 3303. Ministro Carlos Britto. Brasília: DJe, 16 maio 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em 29 de ago. de 2015. 78 ambiente do trabalho, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual se submetem tais trabalhadores. 79 5 O PROCESSO COLETIVO COMO INSTRUMENTO PROTETIVO NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO Conforme já exposto, a prevenção e proteção ao meio ambiente de trabalho, por ser um direito de natureza coletiva ou difusa, está tutelado mediante ação coletiva prevista pelo ordenamento jurídico pátrio. Nesta linha de raciocínio, cita-se: As ações propostas na defesa de direitos coletivos, em sua acepção ampla, requerem provimento jurisdicional específico à prevenção ou reparação de danos, com indicação de consequências futuras, dimensionando a lesão e avaliando o seu impacto social; diferem, pois, da grande parte das ações em que a atividade jurisdicional situa-se no campo do exame de fatos pretéritos, a partir da prova dos autos. (ANDRADE, 2003, p. 139-140). Neste sentido, ressalta-se que as ações coletivas diferem das ações individuais, tendo, consequentemente, peculiaridades que lhes são próprias e inerentes, razão pela qual se faz necessário apontar algumas de suas particularidades. Deste modo, conforme preceitua Celso Antonio Pacheco Fiorillo, tem-se que a jurisdição civil coletiva é formada principalmente por dois diplomas legais, quais sejam: Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85). Veja-se: [...] falar em devido processo legal em sede de direitos coletivos lato sensu é fazer menção à aplicação de um outro plexo de normas e não do tradicional Código de Processo Civil, sob pena de assim violarmos a Constituição, impedindo o efetivo acesso à justiça. Esse outro plexo de normas inova o ordenamento jurídico, instituindo o que passaremos a chamar de jurisdição civil coletiva. Esta é formada basicamente por dois diplomas legais: o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85). (FIORILLO, 2012, p. 642). Assim sendo, antes de adentrar nas peculiaridades do Processo Coletivo, é importante frisar que a defesa do meio ambiente do trabalho, em razão de sua natureza difusa, recebe tratamento direto e primário das normas procedimentais específicas da jurisdição coletiva (Código de Defesa do 80 Consumidor e Lei da Ação Civil Pública), sendo que, somente de forma subsidiária, é aplicável o Código de Processo Civil e demais diplomas legais. 5.1 Espécies de Ações Coletivas Ambientais No que tange à proteção e prevenção do meio ambiente do trabalho, verifica-se que o ordenamento jurídico pátrio efetivou a sua tutela mediante várias ações que têm amparo constitucional. Neste sentido, lança-se mão da seguinte passagem: No que toca à proteção do meio ambiente, esta pode ser efetivada através de vários instrumentos colocados à disposição dos cidadãos e dos legitimados, como por exemplo, o mandado de segurança coletivo, a ação popular constitucional, o mandado de injunção e a ação civil pública. (FIORILLO, 2012, p. 706). Nesta toada, faz-se necessário, portanto, analisar as espécies de ações coletivas ambientais, quais sejam, ação civil pública ambiental, ação popular ambiental, mandado de segurança coletivo ambiental e mandado de injunção ambiental. 5.1.1 Ação Civil Pública Ambiental Inicialmente, há que se ressaltar que a ação civil pública está prevista constitucionalmente, haja vista que o art. 129, inciso III, da CR/88, estabelece ser função do institucional do Ministério Público ―promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos‖. Neste sentido, tem-se que: A Lei n. 7.347/1985 disciplina a ação civil pública. Seu texto atual é integrado por modificações inseridas pelas normas processuais da Lei n. 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). O 81 preâmbulo da lei indica a disciplina de ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, além de outras providências. Cabe-nos salientar que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, sob viés da legitimação ativa do Ministério Público, porquanto menção lhe é feita no art. 129, III, que cuida das funções institucionais daquele órgão. (ANDRADE, 2003, p. 143-144). Deste modo, tem-se que os legitimados ativos, nos termos do art. 5º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) c/c com o art. 82 da Lei n. 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) são: o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; a associação que, concomitantemente esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Para exemplificar tal entendimento, cita-se: Os legitimados ativos são os encartados nos arts. 82 do Código de Defesa do Consumidor e 5º da Lei da Ação Civil Pública, inclusive o Ministério Público, que, se não tiver proposto a ação, intervirá obrigatoriamente no processo como fiscal da lei, nos termos do art. 92 do Código e 5º, §1º, da lei. (FIORILLO, 2012, p. 708). Faz-se necessário frisar que não há ordem para legitimação, sendo esta, pois, concorrente e disjuntiva, vez que qualquer um dos legitimados pode ajuizar a ação civil pública, não sendo um pré-requisito a existência de anuência dos demais. Na esteira deste raciocínio, lança-se mão do seguinte trecho: A ordem de colocação dos legitimados não significa preferência: qualquer deles poderá promover a ação civil pública. É, pois, concorrente e disjuntiva a legitimação ativa contemplada pela Lei n. 7.347, de 1985, uma vez que cada um dos co-legitimados pode, sozinho, propô-la, sem a anuência dos demais. (ANDRADE, 2003, p. 148-149). Neste aspecto, vale ressaltar a importância da atuação do Ministério Público mediante, inclusive, instauração de inquérito civil, que é uma medida 82 preparatória e eventual para a propositura da ação civil pública. Assim sendo, tem-se que: O inquérito civil tem por escopo a colheita de material de suporte para o ajuizamento da ação civil pública, averiguando-se a existência de circunstância que enseje a aplicação da Lei n. 6.938/81, de modo a formar a convicção do promotor de justiça e evitar a propositura da ação temerária. Assim como o inquérito policial, o civil é peça dispensável, de forma que, existindo elementos, o Ministério Público poderá de imediato ajuizar ação civil ou arquivar as peças de informação, conforme a formação de sua convicção. (FIORILLO, 2012, p. 709). Ademais, tem-se que, por ocasião do inquérito civil, nos termos do §6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85, poderá ser firmado o compromisso de ajustamento de conduta, o qual objetiva a efetivação do direito material, prevenindo o litígio judicial. Frise-se, no entanto, que o ajustamento de conduta difere da transação, vez que não há uma concessão mútua de direitos, não podendo, por conseguinte, ser firmado em patamar mínimo inferior à proteção legal cedida ao bem ou direito tutelado. Para exemplificar tal entendimento, cita-se: [...] a lei admitiu a celebração de compromissos de ajustamento de conduta para prevenir o litígio, mas sujeitou ao cumprimento das exigências legais, não podendo ser firmado em patamar inferior à proteção mínima legalmente outorgada ao bem ou direito tutelado. Portanto, decorre da natureza indisponível do direito violado a necessidade de integral reparação do dano, nos termos da lei (ANDRADE, 2003, p. 152-153). Neste mesmo sentido, Celso Antonio Pacheco Fiorillo preceitua que: Trata-se o instituto de meio de efetivação do pleno acesso à justiça, porquanto se mostra como instrumento de satisfação da tutela dos direitos coletivos, à medida que evita o ingresso em juízo, repelindo os reveses que isso pode significar à efetivação do direito material. Imaginemos uma empresa poluidora e que, por ocasião do inquérito civil, verifique-se que sua atividade está ofendendo normas ambientais nos pontos ―X‖, ―Y‖, ―W‖ e ―Z‖. Admitindo ainda que, usando do compromisso de ajustamento de conduta, o Ministério Público faça acordo extrajudicial com essa empresa no sentido de que ela se comprometa a regularizar, no prazo de vinte dias, os itens ―X‖ e ―Z‖. Ora, justamente por não se tratar do instituto da transação, consagrado pelo direito civil (em que deve haver uma concessão mútua de direitos), nada impedirá que o próprio Ministério Público, ou qualquer outro legitimado nos termos da lei, venha a entrar em juízo 83 contra a empresa por causa dos itens ―Y‖ e ―W‖, que não foram objeto do acordo (FIORILLO, 2012, p. 709). Destaca-se, assim, que a celebração do compromisso de ajustamento de conduta não impede a propositura judicial da ação civil pública pelos demais co-legitimados, mesmo porque é cabível a discordância dos termos do compromisso firmado. Deste modo, como exemplo, poderá o sindicato representativo dos trabalhadores, enquanto associações civis, ajuizar a ação civil pública para defesa dos interesses coletivos da categoria. Neste contexto, cita-se: Estando o meio ambiente do trabalho, aspecto integrante do meio ambiente, a ser preservado, entre outras medidas, pela ação civil pública, conforme dispõe o inciso I de seu art. 1, entre os interesses coletivos emergentes das relações de trabalho, mantidas entre trabalhadores e empregadores, estão os sindicatos constitucionalmente legitimados à sua defesa. (ANDRADE, 2003, p. 155). Nesta toada, ressalta-se que, nos termos do art. 11 da Lei n. 7.347/85, a sentença proferida em sede de ação civil pública envolverá o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, e/ou indenização pecuniária, sendo primordialmente condenatória. Neste sentido, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva ao ambiente do trabalho, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. Nesta linha de raciocínio, cita-se: Outrossim, do art. 11 da Lei da Ação Civil Pública advém, ainda, a natureza cominatória atribuída à sentença, posto que este comando normativo, nas ações que têm por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, permite ao juiz, de ofício ou a requerimento do autor estabelecer cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível até que haja o efetivo cumprimento da obrigação. (ANDRADE, 2003, p. 163). Ademais, tem-se que os efeitos da sentença transitada em julgado, em sede de jurisdição coletiva, devem guardar simetria com o largo espectro dos conflitos metaindividuais, em consonância com o disposto do art. 16 da Lei n. 84 7.347/85, o qual preceitua que ―a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova‖. Deste modo tem-se que: Os efeitos da sentença transitada em julgado, em sede de jurisdição civil coletiva, serão erga omnes ou ultra partes, pois as caracteriza a transcendência subjetiva, em decorrência da natureza do objeto demandado; o resultado útil ou adequado ao atendimento do direito material certamente levará a decisão a produzir os seus efeitos nos lugares e em relação a todas as pessoas afetadas. (ANDRADE, 2003, p. 164). Neste sentido, é preciso ressaltar que, se a ação civil pública for julgada improcedente por insuficiência de provas, não incidirá os efeitos da coisa julgada erga omnes, vez que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Na esteira deste raciocínio, cita-se: A sentença na ação civil pública tem eficácia de coisa julgada erga omnes e não apenas inter partes. Se, entretanto, a ação for julgada improcedente por insuficiência de provas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Qualquer legitimado, inclusive o próprio autor que decaiu da ação, posto que a lei nenhuma restrição estabelece a respeito. (BATALHA, 1992, p. 320). Na tutela de interesses difusos e coletivos a decisão, respectivamente, erga omnes e ultra partes favorecem ou não favorecem igualmente a todos os que estiverem compreendidos sob seus efeitos. Porém, se a ação foi julgada improcedente, por insuficiência de provas, qualquer legitimado poderá intentar ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, nos precisos termos do art. 16 da LACP. Nessa última hipótese não há autoridade da coisa julgada. (ANDRADE, 2003, p. 164). Ademais, tem-se que a sentença favorável beneficia a todos e que a desfavorável não impede o ajuizamento de processos individuais. Impede, somente, o ajuizamento de nova ação coletiva, mas não proíbe que cada um 85 busque individualmente o bem jurídico que lhe foi negado pela sentença coletiva (ANDRADE, 2003, p. 164-163). 5.1.2 Ação Popular Ambiental A ação popular também está prevista constitucionalmente, vez que o art. 5º, inciso LXXIII, da CR/88 dispõe que ―qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência‖. Neste sentido, tem-se que a ação popular é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, para defesa de bens de natureza pública e difusa. Assim sendo, segundo preceitua Celso Antonio Pacheco Fiorillo, tratando-se da defesa do meio ambiente, aplica-se o procedimento adotado pela Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor ao passo que, se se tratar da defesa de patrimônio público, o procedimento será o disposto pela Lei n. 4.717/65, a qual dispõe sobre a ação popular. Neste sentido, cita-se: [...] importante frisar que a ação popular presta-se à defesa de bens de natureza pública (patrimônio público) e difusa (meio ambiente), o que implica a adoção de procedimentos distintos. Com efeito, tratando-se da defesa do meio ambiente, o procedimento a ser adotado será o previsto na Lei da Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor, constituindo, como sabemos, a base da jurisdição civil coletiva. Por outro lado, tratando-se da defesa de bem de natureza pública, o procedimento a ser utilizado será o previsto na Lei n. 4.717/65. (FIORILLO, 2012, p. 716). Para exemplificar a aplicabilidade de tal ação coletiva, cita-se o seguinte julgamento proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho25: 25 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho no RR 29200-62.2004.5.03.0112. Relator Hugo Carlos Scheuermann. Brasília: DJe, 02 nov. 2011. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/consulta-unificada>. Acesso em 29 de ago. de 2015. 86 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DANOS MORAIS COLETIVOS. INDENIZAÇÃO. LESÃO A INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. 1. Cabe ao Ministério Público do Trabalho, conforme se infere na expressa redação do artigo 129, inciso III, da Constituição da República, propor ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos - (grifo nosso). Assim, o ajuizamento da presente ação civil pública, buscando a proteção da ordem jurídica e dos direitos metaindividuais socialmente relevantes da coletividade dos trabalhadores encontra abrigo na norma constitucional. 2 . A condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, por seu turno, encontra abrigo na exegese sistemática do disposto no artigo 5º, X, da Constituição da República combinado com preceitos contidos nas Leis de n os 4.717/65 (Lei de Ação Popular), 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio-Ambiente), 8.881/94 (Lei de Abuso do poder Econômico), 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). O preceito contido no artigo 5º, inciso, X, da Constituição da República, ao relacionar como bens protegidos a honra, a imagem e a intimidade da pessoa, não exclui outros assegurados na legislação infraconstitucional, consoante inteligência do disposto no artigo 7º, cabeça, da Constituição. 3. Hipótese em que não divisa a alegada ofensa aos mencionados preceitos da Constituição da República. 4. Recurso de revista de que não se conhece. Neste contexto, nos termos do art. 1º, § 3º, da Lei n. 4.717/65, a detém legitimidade ativa para a ação popular qualquer cidadão, sendo que a prova, para ingresso em juízo, é feita com a apresentação do título eleitoral ou documento que a ele corresponda. Deste modo tem-se que: [...] O primeiro requisito para o ajuizamento da ação popular é o de que o autor seja cidadão brasileiro, isto é, pessoa humana no gozo de seus direitos cívicos e políticos – requisito, esse, que se traduz na sua qualidade de eleitor. Somente o indivíduo (pessoa física) munido de seu título eleitoral poderá propor ação popular, sem o quê será carecedor dela. (MEIRELLES, WALD e MENDES, 2014, p. 181). Há que ressaltar no entanto que, para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, em se tratando de ação popular em defesa do meio ambiente, não se pode restringir o conceito de cidadão à ideia ou conotação política, vez que todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, independentemente da condição de eleitor, são destinatários do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, portanto, legitimados à propositura da ação popular ambiental. Assim, em sede de ação popular ambiental, a legitimação ativa não se restringe ao conceito de cidadão encartado na Lei n. 4.717/65, cabendo esse instrumento a todos aqueles que são passíveis de 87 sofrer os danos e lesões ao meio ambiente, quais sejam, brasileiros e estrangeiros residentes no País. (FIORILLO, 2012, p. 720). Deste modo, o pressuposto para a propositura da ação popular é tão somente a existência de ato lesivo ao meio ambiente, podendo figurar, no polo passivo, qualquer pessoa considerada poluidora ao meio ambiente. 5.1.3 Mandado de Segurança Coletivo Ambiental Outro remédio constitucional para defesa do meio ambiente diz respeito ao mandado de segurança coletivo, nos termos do art. 5ª, inciso LXX, da CR/88. Deste modo, o mandado de segurança coletivo poderá ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional e por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associado. Como exemplo, tem-se o seguinte julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal26: LEGITIMIDADE MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO SINDICATO REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO. A legitimidade de sindicato para atuar como substituto processual no mandado de segurança coletivo pressupõe tão somente a existência jurídica, ou seja, o registro no cartório próprio, sendo indiferente estarem ou não os estatutos arquivados e registrados no Ministério do Trabalho. REGIME JURÍDICO DECESSO. Uma vez ocorrido decesso remuneratório com a implantação do novo regime jurídico, mostra-se harmônico com a Constituição Federal o reconhecimento da diferença a título de vantagem pessoal. REGIME JURÍDICO NOVO CONTEXTO REMUNERATÓRIO RESSALVA. Se estiver prevista na lei de regência do novo regime jurídico a manutenção de certa parcela, descabe concluir pela transgressão à Carta da Republica no fato de o acórdão proferido revelar o direito do servidor. Verifica-se, portanto, que o mandado de segurança coletivo difere do mandado de segurança individual quanto à legitimação ativa. Neste sentido tem-se que: 26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal no RE 370834. Ministro Marco Aurélio. Brasília: DJe, 26 set. 2011. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/consulta-unificada>. Acesso em 29 de ago. de 2015. 88 De fato, o termo ―coletivo‖ do mandado de segurança diz respeito à regra de legitimidade ativa, todavia, não identifica o bem objeto da tutela. Isso significa dizer que o mandado de segurança coletivo não se presta somente à tutela de direitos do mesmo nome. (FIORILLO, 2012, p. 727). Assim sendo, tem-se que o mandado de segurança coletivo deve ser interpretado à luz do disposto no inciso LXIX do art. 5ª da CR/88, sendo um instrumento hábil para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, diferindo, apenas, quanto à legitimação. Destarte, faz-se necessário destacar, entretanto, a possibilidade de impetração do mandado de segurança coletivo por outros agentes além daqueles enumerados no inciso LXX do art. 5ª da Constituição Federal de 1988, vez que tal rol não é taxativo. Neste sentido, lança-se mão do seguinte ensinamento: [...] tratando-se de tutela de bens de valores ambientais, cuja natureza transcende a individualidade, não há como se negar ao Ministério Público, por conta de sua própria função institucional, que é a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis, a atuação na tutela processual de bem de valores ambientais, conforme se verifica no art. 127 da Constituição Federal. (FIORILLO, 2012, p. 730). Tal entendimento também é encontrado em: O mandado de segurança coletivo está previsto no art. 5º, LXX, da Carta Magna, que estabelece que o writ pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Apesar de não estar presente como legitimado ativo no dispositivo supracitado, o Ministério Público é parte legítima para o ajuizamento do mandado de segurança coletivo, já que se trata de uma ação coletiva que envolve interesse social, um dos objetos de defesa daquela instituição. (CANOTILHO, LEITE, 2012, p. 396) Deste modo, utilizando-se de uma interpretação sistemática, pode-se afirmar que a legitimidade ativa para a propositura do mandado de segurança coletivo deverá ser analisada combinando-se o inciso LXX do art. 5º da CR/88 89 com o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor. Para exemplificar tal raciocínio, cita-se: Desta forma, não existindo taxatividade, em sede constitucional, no tocante a regra de titularidade ativa para a propositura do mandado de segurança coletivo (inciso LXX do art. 5º), e, muito menos em sede infraconstitucional, como se verifica no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, temos que a tutela de direitos coletivos lato sensu por via desse instrumento, será possível pelos legitimados elencados no citado art. 82. Outro não pode ser o entendimento, sob pena até de se retirarem o sentido e a operatividade do sistema. (FIORILLO, 2012, p. 731). Ademais, no que tange à legitimidade passiva, em consonância com o disposto no inciso LXX do art. 5º da CR/88, tem-se que o sujeito passivo, responsável pela ofensa ao direito líquido e certo, mediante ilegalidade ou abuso de poder, deverá ser autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Nesta toada, vale lembrar que: Disso surge uma acentuada restrição à utilização do mandado de segurança na tutela do meio ambiente, porque o conceito de poluidor, que é trazido pela Lei n. 938/81 e principalmente observado em face do que determina o art. 225, §3º, da Constituição Federal, é muito mais amplo do que aquele que pode ser encontrado na norma constitucional, de modo que essa dissonância acaba por torná-lo um instrumento de diminuta operatividade quanto à defesa de bens e valores ambientais. Além disso, a exigência de prova pré-constituída da liquidez e certeza do fato que se afirma pode inviabilizar a utilização do mandamus, na medida em que, não poucas vezes, exigir-se-á realização de prova pericial para a efetiva demonstração do dano ambiental. (FIORILLO, 2012, p. 736). Assim sendo, pode-se afirmar que, em que pese este instrumento seja cabível para a tutela do meio ambiente laboral, devido à restrição imposta aos sujeitos passivos e ante a necessidade de verificação por meio de perícias in loco, o mandado de segurança coletivo não é tão amplamente utilizado. 90 5.1.4 Mandado de Injunção Ambiental O mandado de injunção, previsto no art. LXXI do art. 5º da Constituição Federal, é a ação constitucional cabível sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. A título ilustrativo, cita-se a seguinte ementa proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de mandado de injunção27: AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI N. 8.213/1991. 1. A inexistência de norma estadual que estabeleça critérios para a aferição das condições especiais de trabalho que prejudiquem a saúde ou integridade física dos servidores públicos não impede o julgamento do mandado de injunção. A indefinição desses critérios decorre da omissão legislativa objeto do mandado de injunção. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento. Assim sendo, em sede de defesa do meio ambiente, o mandado de injunção será instrumento hábil a tutelar, ante a ausência de norma regulamentadora, a sadia qualidade de vida, haja vista que, nos termo do art. 225 da CR/88, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Neste sentido, tem-se que: O mandado de injunção é instrumento hábil para tutelar o meio ambiente, na medida em que o direito ambiental tem como objeto uma vida de qualidade. Em outras palavras, não se tutela somente a vida, acrescenta-se a esta uma exigência: qualidade. Falar em vida com qualidade é buscar tornar efetivos os preceitos dos arts. 5º e 6º da Constituição, e estes são indiscutivelmente objeto do mandado de injunção, porquanto ostentam a natureza de direitos constitucionais. (FIORILLO, 2012, p. 737). 27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal no MI 1169. Ministra Cármen Lúcia. Brasília: DJe, 22 ago. 2011. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/consulta-unificada>. Acesso em 29 de ago. de 2015. 91 Deste modo, tem-se que o pressuposto para a impetração do mandado de injunção é a ausência de uma norma regulamentadora, presumindo-se, portanto, a existência de uma omissão. Na esteira deste raciocínio, cita-se: O pressuposto do mandado de injunção é a inexistência de norma regulamentadora, como tal entendendo-se amplamente a norma legal, a norma regulamentar, a portaria ou a instrução, enfim todo e qualquer complemento indispensável à aplicação de normas de proteção ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. (BATALHA, 1992, p. 198). Nesta toada, o mandado de injunção é o instrumento hábil a evitar que a ausência da norma impeça ou dificulte o exercício de direito ou prerrogativa constitucional, aplicando-se, também, no que tange ao direito ambiental. Vejase: Com efeito, o direito ao meio ambiente está irremediavelmente ligado ao direito à vida e, mais ainda, a uma vida com saúde e qualidade que proporcione bem-estar aos habitantes. E, para que esse preceito seja verificado, não há como desvinculá-lo da satisfação dos direitos sociais encartados no art. 6º da Constituição Federal, os quais estabelecem o piso vital mínimo. Com isso, toda vez que se objetivar suprir a ausência de norma que torne inviável o exercício do direto a uma vida saudável, o mandado de injunção terá por objeto um bem de natureza difusa. Verificado que o mandado de injunção não tem por objeto apenas a regulamentação das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas sim a todo e qualquer direito constitucional, seja ele difuso, coletivo ou individual (puro ou homogêneo), fácil verificar a sua aplicação no direito ambiental. (FIORILLO, 2012, p. 740). Ademais, quanto ao procedimento, em se tratando de defesa de meio ambiente, tem-se a aplicabilidade do disposto na Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), eis que afetos à jurisdição civil coletiva. Para exemplificar tal entendimento, cita-se a seguinte passagem: Deve-se frisar que, em se tratando de tutela de bens e valores ambientais, o procedimento a ser adotado não é o previsto pela Lei do Mandado de Segurança, mas sim o constante na Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), combinada com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), porque, com o advento daquela, iniciou-se no ordenamento pátrio, de modo quase embrionário, a 92 formação de uma nova espécie de jurisdição: a civil coletiva. Assim, determinados direitos, denominados difusos e coletivos, quando tutelados por via de ação civil pública, deveriam encontrar rigidez procedimental na referida lei. Isso representou ao nosso ordenamento grande avanço, elevando-o à condição de um dos modelos jurisdicionais mais avançados do mundo no que respeita à tutela processual dos direitos supraindividuais. (FIORILLO, 2012, p. 743). No que tange à legitimidade, verifica-se que não há restrições ao polo ativo, podendo o mandado de injunção ser impetrado por pessoa natural, jurídica, de direito público ou privado, de modo individual ou coletivo. Já quanto ao polo passivo, tem-se que o instrumento será direcionado para aquele que detenha a competência e poderes para atender ao objeto tutelado pelo writ (FIORILLO, 2012, p. 743-744). 5.2 Responsabilidade Civil Objetiva por Danos Ambientais Ante o exposto, após análise das espécies de ações coletivas ambientais, faz-se importante tecer alguns apontamentos sobre a responsabilidade civil em sede de danos ambientais. Assim sendo, inicialmente, há que se destacar que o § 3º do art. 225 da CR/88 preceitua que ―as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados‖. Observa-se, assim, que a Constituição Federal de 1988 adotou a caracterização da responsabilidade objetiva em matéria de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, em consonância com o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Tem-se, portanto, que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. Para exemplificar tal entendimento, cita-se: 93 Quanto à tutela ambiental, a responsabilidade objetiva é determinada expressamente na Lei 6.938/81, art. 14, § 1º, c/c o art. 4º, VII. O primeiro desses dispositivos sujeita os transgressores do meio ambiente a penalidades tais a multa, a perda ou restrição de incentivos fiscais; a perda ou suspensão de financiamento; a suspensão da atividade. Tudo sem prejuízo, lê-se no § 1º do art. 14, de ficar "o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". Já no art. 4º se diz que "a Política Nacional do Meio Ambiente visará: VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos" (MANCUSO, 2002, p. 325). Além da responsabilidade objetiva, segundo preceitua o doutrinador Rodolfo de Camargo Mancuso, a responsabilidade por danos ambientais também será solidária, sendo que a reparação é exigível de todos os poluidores responsáveis. Neste sentido, veja-se: Outrossim, cabe lembrar que em sede de responsabilidade por danos a interesses difusos, aplicam-se as regras da solidariedade; a reparação é exigível de todos e de qualquer um dos responsáveis, inclusive podendo ser oposta àquele que se afigure o mais solvável, o qual ao depois se voltará contra os demais, em via de regresso. (MANCUSO, 2002, p. 350). Nesta toada, no que tange à responsabilização civil do Estado, a Constituição Federal, em seu art. 37, § 6º, preceitua que ―as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa‖. Deste modo, vale ressaltar que, historicamente, a responsabilidade civil do Estado, no Brasil, se processou em três fases, a saber: 1ª) marcada pela ideia da irresponsabilidade; 2ª) conhecida como Teoria Civilista, disciplinada por princípios do direito civil; e 3ª) Publicista, aplicada atualmente, norteada por princípios de direito público. Neste sentido, lança-se mão do seguinte trecho: [...] a evolução da ideia da responsabilidade do Estado se processou em três fases, nitidamente caracterizadas pelo regime político dominante em cada uma. A primeira fase, de cunho absolutista, era 94 dominada pela ideia da irresponsabilidade pessoal dos agentes. A segunda, marcada pelo individualismo do século passado, procurava resolver o problema com os princípios do direito civil. Por fim, já neste século, iniciou-se a terceira fase do direito público, onde se afirma a predominância do direito social [...] (PACHECO, 2012, p. 484). Nesta toada, pode-se concluir que também o Estado, nos termos do §6º do art. 37 da CR/88, responderá de forma objetiva pelos danos causados ao meio ambiente, podendo, dependendo do caso, ingressar com ação de regresso em face ao agente público, o qual detém responsabilidade apenas subjetiva. 95 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Hodiernamente, não há como se almejar por um Estado Democrático de Direito no qual não se prima pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, para que seja assegurada a efetividade deste postulado basilar, há que se reconhecer um catálogo mínimo de direitos fundamentais. Neste sentido, frisa-se o importante papel atribuído à Justiça do Trabalho, eis que, ao aperfeiçoar as condições de pactuação da força de trabalho, assegura um patamar civilizatório mínimo de direitos e garantias jurídicas, traduzindo, assim, uma significativa dimensão social dos direitos humanos. Destarte, no que diz respeito ao mínimo existencial social, destaca-se, a necessidade básica do ser humano ao trabalho, ao meio ambiente saudável e equilibrado, à saúde e à segurança de todos os trabalhadores. Ressalta-se, assim, que o ordenamento jurídico pátrio, notadamente através dos artigos 1º, 170, 200 e 225 da Constituição Federal de 1988, elencou o trabalho e o meio ambiente laboral a um inegável status de direito fundamental. Ademais, há que se apontar que o meio ambiente de trabalho equilibrado e sadio está diretamente vinculado à proteção da saúde dos trabalhadores o qual visa, em última instância, a própria dignidade humana. Neste contexto, faz-se necessário apontar que o direito ao meio ambiente laboral equilibrado e sadio é um direito fundamental de terceira geração, vez que sua natureza é difusa e indivisível, sendo, portanto, um direito que transcende aos interesses individuais. Deste modo, o princípio da universalidade ou indivisibilidade preceitua que o meio ambiente laboral deve ser analisado em sua totalidade, independentemente das categorias de trabalhadores envolvidos. Assim sendo, não se admite qualquer forma de discriminação ou desigualdade, nem mesmo em razão do regime de contratação ou em função do empregador ao qual os trabalhadores encontram-se submetidos. É preciso frisar que o ambiente laboral, por ser único, não pode ser abordado de forma fracionada, como sendo um somatório de problemas 96 distintos. Isto porque qualquer lesão ou ameaça de lesão ao meio ambiente do trabalho põe em risco não apenas os ocupantes de cargos públicos, mas todos os trabalhadores que laboram no mesmo espaço. A tutela presente nas ações atinentes ao meio ambiente do trabalho paira sobre a higidez do local do trabalho, e não sobre o indivíduo trabalhador em si. Logo, o vínculo existente entre as partes, se celetista e estatutário, não possui o condão de afastar a competência da Justiça do Trabalho. Não há, pois, justificativa fática ou juridicamente plausível capaz de cindir o meio ambiente laboral em setores, estatutários ou celetistas. Neste contexto, é preciso destacar que as diretrizes elementares e imperativas de segurança, saúde e higiene do trabalho formam um único conjunto de normas, aplicando-se a todos os trabalhadores que laboram no recinto público, sendo, portanto, irrelevante a qualificação jurídica estabelecida com a Administração Pública. Até mesmo porque, caso não seja esse o entendimento a ser adotado, poder-se-ia chegar à absurda hipótese na qual se encontram laborando para a Administração Pública, em um mesmo ambiente de trabalho, servidores estatutários, empregados públicos e terceirizados regidos pela CLT, sendo que cada um estaria submetido a princípios e direitos próprios, havendo, inclusive, a possibilidade de se haver decisões judiciais conflitantes caso não seja atribuída a competência à Justiça do Trabalho. Ademais, é preciso ressaltar que o pedido e a causa de pedir é que definem a natureza da lide. Logo, no que tange às ações envolvendo a prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, nítida é a correlação entre o pedido, a causa de pedir e a competência da Justiça do Trabalho. Por todo exposto, conclui-se que a Justiça do Trabalho é o órgão do Poder Judiciário mais vocacionado para processar e julgar causas concernentes à prevenção e reparação do meio ambiente do trabalho, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores vinculados à Administração Pública, independentemente do regime jurídico ao qual estão submetidos. Por fim, tem-se que a tutela do meio ambiente laboral se dá, principalmente, por meio de ações coletivas ambientais, dentre elas, ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo e mandado de injunção. 97 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALCURE, Fábio Aurélio da Silva, SATO, Juliana Patrícia. ―Meio ambiente do trabalho: apontamentos sobre responsabilidade preventiva e sua extensão‖. Revista do Ministério Público do Trabalho: Brasília. Brasília, v. 21, n. 41, p. 175-201, março 2011. ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Direito processual do trabalho. 5. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte, MG: Del Rey, 2014. ANDRADE, Laura Martins Maia de. 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