A FORMAÇÃO IDEOPOLÍTICA DOS MILITANTES DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB): EMANCIPAÇÃO POLÍTICA OU EMANCIPAÇÃO HUMANA? Carmen Gomes Macedo 1 Ednéia Alves de Oliveira 2 Resumo Este projeto objetiva analisar a formação ideopolítica dos militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) de Ponte Nova, Minas Gerais. Atualmente a região possui cinco barragens, com acampamentos envolvendo um número aproximado de 250 militantes. O público-alvo entrevistado será de 10 de cada um destes acampamentos, privilegiando a população adulta. O surgimento do MAB está associado ao processo de consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, quando acentua a expulsão dos trabalhadores rurais para atender aos ditames do crescimento econômico sob a égide da ditadura militar, sobretudo no que se refere à construção de usinas hidrelétricas, elemento fundamental para ampliar a produção e consumo de bens duráveis no país. Diante desta realidade, os moradores que viviam nas áreas de interesse da construção destas usinas, as barragens, foram expulsos de suas terras e moradias. Este processo gerou uma organização política destes trabalhadores, o que posteriormente resultou na formação de um movimento social articulado com as questões imediatas e posteriormente como estratégia de luta contra a ordem vigente. Interessa-nos, portanto, conhecer quais são as formas de luta e organização do MAB e de que forma os militantes deste movimento compreendem o seu protagonismo na transformação da ordem social e se a luta de classes proposta pelo MAB está inserida numa perspectiva de emancipação política ou emancipação humana. Esta pesquisa será de fundamental importância para a universidade, pois está atrelada ao projeto de extensão e o curso de formação política que já vem sendo desenvolvido na instituição. Espera-se dar visibilidade às lutas sociais na região e também criar um pólo de discussão para dar assessoria aos movimentos sociais, considerados importantes instrumentos de luta por uma sociedade mais digna e justa. INTRODUÇÃO O surgimento do MAB está associado ao processo de intensificação da industrialização nos anos de 1960 e 1970. O milagre econômico promovido pelos militares, logo se revelou num pesadelo social para a grande parcela dos trabalhadores, sobretudo aqueles inseridos na zona rural ou no mercado informal de trabalho. A entrada do capital estrangeiro no campo transformou a agricultura em agronegócio e acirrou a concentração de terás no campo, o que associado ao incremento dos investimentos no setor hidrelétrico 1 Estudante de Serviço Social pela Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista de Iniciação Cientifica PIP/UFOP. Email: [email protected] 2 Professora Adjunto Dra. do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto. Email: [email protected] 2 provocou a expulsão de grande parcela de trabalhadores da zona rural, provocando um inchaço dos grandes centros urbanos aumentando por sua vez, a mendicância, a violência, a criminalidade, tendo em vista que nem todos conseguiam ser inseridos no mercado formal de trabalho ou ainda receber salários que permitissem uma condição de vida mais digna. Não é por acaso que o final dos anos de 1970 será marcado por uma recrudescência das lutas populares, tanto no campo quanto na cidade, revelando a emergência de movimentos sociais urbanos e rurais. A luta era na defesa da redemocratização, mas também de acesso aos serviços urbanos que a ditadura militar não promoveu. Embora estes movimentos tivessem um elemento em comum, haja vista a luta pela redemocratização, eles se diferenciavam na sua conformação política. Os movimentos urbanos tinham uma luta mais imediata, de reafirmar sua identidade de raça, etnia, religião, gênero, sexual, etc. Já os movimentos rurais tinham uma perspectiva mais classista, indo além, das questões imediatas, na defesa de uma outra ordem societária. É dentro desta perspectiva que o MAB inicia seu processo de organização. Originário da zona rural, das regiões oriundas das construções das barragens, o MAB inicia uma luta imediata por indenização justa, sendo que muitas vezes as famílias expulsas de suas casas nem indenizações recebiam. Denuncia as altas taxas de lucro obtidas pelas empresas de energia, que favorecem a expansão do capitalismo no Brasil, ao oferecer energia de baixo custo para as grandes empresas e onerando a população com os valores mais altos. Denunciam também o abandono em que vivem as famílias, na espera da indenização, comumente relegadas ao abandono. Para além destas questões imediatas existe no interior do movimento uma concepção de ruptura com a ordem social burguesa. Contudo, o fato do movimento defender esta bandeira não significa que a militância tenha conhecimento do que venha a ser uma concepção de classe, pois a consciência não é algo transmitido de cima para baixo, mas implica um processo ideológico que envolve a soma dos vários complexos sociais presentes nas diferentes dimensões da reprodução social dos sujeitos. Por outro lado, a própria sociabilidade burguesa impõe valores e princípios que se contrapõem a luta pela emancipação humana, caminhando no sentido da Emancipação Política, ou seja, de maneira a reforçar a defesa de um projeto reformista que apenas minimize as desigualdades sociais. Entendendo que a emancipação política pode ser um caminho para se chegar a emancipação humana, mas esta ainda contém limites no que diz respeito a liberdade do homem: “Os limites da emancipação política surgem imediatamente no fato de o Estado se poder libertar de um constrangimento, sem que o homem se encontre realmente liberto; de o Estado conseguir ser um Estado livre, sem que o homem seja um homem livre.” 3 (Marx, p. 10, 2010). Já a emancipação humana implica liberdade de toda a humanidade, e essa liberdade acontecerá apenas com a supressão da propriedade privada, uma vez que esta através do modo de produção capitalista é responsável pela alienação do homem. OBJETIVOS Objetivo Geral: Compreender o processo de construção ideopolítica desenvolvido pelos militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na cidade de Ponte Nova Objetivos Específicos: - Analisar a formação sócio-histórica brasileira; -Analisar a configuração de classes no Brasil contemporâneo; -Compreender o processo de consolidação da organização do MAB; -Compreender os processos que deram origem às lutas sociais no Brasil; -Entender o papel da militância na construção de uma ordem societária alternativa; -Analisar a compreensão dos militantes do MAB sobre a categoria da emancipação humana; JUSTICATIVA A organização da classe trabalhadora não é um fato recente na história da sociedade. Desde o século 19 quando tem inicio o amadurecimento do processo de industrialização nos países mais desenvolvidos, os trabalhadores através de partidos, sindicatos e movimentos sociais vem se organizando na tentativa de melhorar suas condições de vida e de trabalho. Um exemplo foi o movimento Luddita, o movimento cartista, as tradeunion, os partidos de esquerda como o Partido Comunista na Itália e França. A emergência destes movimentos tinham como reivindicação imediata a diminuição da jornada de trabalho, a regulamentação do trabalho feminino e infantil, etc.. Somente em meados do século 19, os trabalhadores começam a ter uma organização mais política, graças à aproximação dos ideais 4 revolucionários de Marx e Engels, o que possibilitou uma luta mais superadora da visão imediatista. Contudo as medidas repressivas do Estado tentaram conter as lutas populares e impedir a organização dos trabalhadores criando leis que proibiam a associação sindical e partidária e o direito de greve. Tais leis, contudo não conseguiram não lograram o êxito desejado, pois os trabalhadores continuaram se mobilizando, utilizando como instrumento as contínuas greves. Estas, por sua vez, impediam o processo produtivo nas fábricas, obrigando o Estado a adotar medidas para regulamentar o trabalho, criando leis trabalhistas e algumas políticas sociais, minimizando os conflitos e garantindo o processo produtivo. É neste contexto que a Europa começa já no inicio do século 20 a implementar o seguro desemprego, a previdência social, a lei de férias, a jornada de trabalho de 40 horas semanais etc. No caso do Brasil, o desenvolvimento do capitalismo seguiu uma trajetória bem diversa dos países centrais, tanto no que se refere à questão do tempo e do espaço quanto em relação aos aspectos econômicos e sociais. Isto não significa dizer que a nossa história não tenha sido permeada por um leque de interpretações, sobretudo no sentido de compreender como o processo de modernização do país ocorreu conjugando presente e passado e que este último traz consigo ainda grande influência para o futuro do país. Um legado difícil de ser demolido gerando uma estrutura sociocultural, política e econômica com características de modernização e de atraso, onde um se alimenta no outro, como bem ressaltou Fernandes (1987). A herança escravocrata ilustra bem esta conjugação do novo e do arcaico, pois a modernização veio com os traços da relação trabalhista deste período, revelando uma cultura de baixos salários, de forte repressão aos movimentos de esquerda no país, e na configuração de uma política social que reforçava a cultura do assistencialismo, do favor e não do reforço da cidadania e do direito social. Com a chegada do imigrante no país, tendo em vista que a escravidão não era mais a base da força de trabalho, ocorre uma alteração na estrutura social brasileira, pois grande parte dos imigrantes foi absorvida no setor industrial nascente, influenciando a organização sindical e partidária. Contudo, tais organizações foram duramente perseguidas pelos regimes ditatoriais civis e militares durante longas décadas, enfraquecendo a participação popular e reforçando as péssimas condições de vida do povo brasileiro. Somente no final de 1970 com o esgotamento do modelo econômico implementado pelos militares é que há um recrudescimento das lutas sociais, tanto no campo quanto nas cidades. O pesadelo social legado pelos militares evidenciou a situação de pobreza e a falta de infraestrutura urbana em que viviam milhares de brasileiros. Esta reorganização da sociedade civil reacendeu o debate por melhores salários, 5 por direitos de organização e expressão política e, sobretudo pela redemocratização do país. Neste contexto, emerge no cenário político um sindicalismo em franca oposição à estrutura sindical vigente, marcado pela criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT). Nas cidades emergem uma série de movimentos urbanos que clamavam por melhorias de acesso aos serviços urbanos e de infraestrutura, assim como dando visibilidade a questões de discriminação de gênero, raça, etnia, ecologia e meio ambiente, direitos humanos, etc. (Duriguetto, 2008) dando luz ao que ficou denominado de novos movimentos sociais por se caracterizarem por demandas muito específicas. O campo também acompanhou este movimento, realizando uma série de lutas para a realização da reforma agrária, denunciando a violência no campo e se opondo ao grande latifúndio. A fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) foi fundamental para dar visibilidade ao problema do campo, pressionando juntamente com outros movimentos rurais o debate em torno da questão da terra e do avanço do agronegócio. (Oliveira, 2000). Sendo assim essa pesquisa se justifica em razão da necessidade de maior visibilidade aos sujeitos coletivos históricos e permitir que sua luta se articule com as demais lutas sociais da região. Para o Serviço Social, esta pesquisa é fundamental, pois permite conhecer a forma de pensar e viver dos usuários dos serviços sociais, permitindo um fazer profissional em consonância com o projeto ético-político da profissão, que tem como um dos seus princípios fundamentais a defesa da emancipação humana. METODOLOGIA A pesquisa consiste numa pesquisa bibliográfica sobre as categorias que deram luz ao surgimento do MAB. Este material divulgado pelo próprio movimento será de grande importância para analisar as condições sócio-históricas e político-econômicas que permitiram a organização do movimento, os pressupostos ideológicos, a formação da militância, as estratégias de luta e suas principais reivindicações. Posteriormente será feito uma entrevista semiestruturada com a militância do movimento envolvendo desde a coordenação nacional, estadual até os militantes da base. Por base entendem-se aqueles que participam das ações, mas não tem um papel mais atuante no nível político, tendo em vista que permanecem acampados durante longos períodos, sendo 6 constituído por ex-moradores das áreas de barragens, trabalhadores rurais e urbanos que perderam suas casas e seu trabalho. Interessa-nos analisar se o conceito de classe está sendo compreendido pelos diferentes estratos do movimento, se a luta ultrapassa os interesses imediatos e qual o conceito que eles têm de cidadania. A entrevista será feita com a utilização de gravadores, tendo em vista que a militância é formada, na sua maioria por pessoas semianalfabetas. A opção pelo gravador é por permitir uma apropriação das falas na sua íntegra. Atualmente a região de Ponte Nova possui 5 barragens: Fumaça em Diogo, Candonga Rio Doce, Casa nova em Guaraciaba e Granada e Emboque no distrito de Abre Campo e Raul Soares, totalizando um total de aproximadamente 250 militantes. Por se constituir um universo muito amplo, a pesquisa terá por base uma amostra de 50 militantes, maiores de 18 anos, divididos por acampamento. Ou seja, 10 militantes de cada barragem somando um total de 50 entrevistados. A escolha destas barragens não foi aleatória, mas por ser próximo à região de Mariana, o que facilita a pesquisa, haja vista as visitas periódicas que deverão ser feitas e também por já estarmos fazendo um trabalho de aproximação desde o início do ano, com atividades de visitas de ambos os lados. Em seguida serão feitas a tabulação e análise dos dados. A transcrição das entrevistas, através da sistematização das falas dos militantes permitirá um enriquecimento do material colhido, pois seremos fiéis aos depoimentos dos entrevistados. Portanto a análise dos dados será feita qualitativamente e será de fundamental importância para dar visibilidade à luta do MAB, possibilitando a assessoria ao movimento no sentido de promover cursos de formação política e também de promover uma maior articulação com os outros movimentos da região, dando visibilidade a sua luta na sociedade. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Como a pesquisa ainda se encontra em fase de conclusão apenas algumas considerações podem ser feitas. A primeira delas é que o MAB não luta apenas por indenizações justas e reassentamentos, mas também denuncia as altas taxas de lucro obtidas pelas empresas de energia, que favorecem a expansão do capitalismo no Brasil, ao oferecer energia de baixo custo para as grandes empresas e onerando a população com os valores mais altos. Denunciam também o abandono em que vivem as famílias, na espera da indenização, 7 comumente relegadas ao abandono. Para além destas questões imediatas existe no interior do movimento uma concepção de ruptura com a ordem social burguesa. Contudo, o fato do movimento defender esta bandeira de ruptura com a ordem capitalista, não significa que a militância tenha conhecimento do que venha a ser uma concepção de classe, pois a consciência não é algo transmitido de cima para baixo, mas implica um processo ideológico que envolve a soma dos vários complexos sociais presentes nas diferentes dimensões da reprodução social dos sujeitos. Por outro lado, a própria sociabilidade burguesa impõe valores e princípios que se contrapõem a luta pela emancipação humana, caminhando no sentido da Emancipação Política, ou seja, de maneira a reforçar a defesa de um projeto reformista que apenas minimize as desigualdades sociais. Entendendo que a emancipação política pode ser um caminho para se chegar a emancipação humana, mas esta ainda contém limites no que diz respeito a liberdade do homem: “Os limites da emancipação política surgem imediatamente no fato de o Estado se poder libertar de um constrangimento, sem que o homem se encontre realmente liberto; de o Estado conseguir ser um Estado livre, sem que o homem seja um homem livre.” (Marx, p. 10, 2010). Já a emancipação humana implica liberdade de toda a humanidade, e essa liberdade acontecerá apenas com a supressão da propriedade privada, uma vez que esta através do modo de produção capitalista é responsável pela alienação do homem. REFERÊNCIAS DURIGUETTO, Maria Lucia. Movimentos sociais no Brasil – trajetórias e teorias. Juiz de Fora, 2008, mimeo. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. 3. Ed. RJ, Editora Guanabara, 1981. MARX, Karl. Para a questão Judaica. São Paulo: Expressão Popular, 2010. OLIVEIRA, Ednéia Alves et al. As políticas de assentamento rural do governo Fernando Henrique. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Serviço Social, UFJF, 2000.