Contribuições da teoria histórico-cultural e da teoria da atividade na educação atual Joicy Mara Rezende Rolindo* Mestranda em Educação pela Universidade Católica de Goiás Coordenadora do curso de Pedagogia da Faculdade Latino Americana - Anápolis Coordenadora da Banca Corretora de Redação da Faculdade Latino Americana - Anápolis e-mail: [email protected] *Bolsista FUNADESP Resumo Abstract Este texto consiste numa apresentação sucinta da importância da educação para o desenvolvimento humano, com destaque à educação intencional. Em seguida, far-se-á um destaque à abordagem histórico-cultural e seus princípios com destaque ao pensamento de Vygotsky. Na parte seguinte, abordar-se-á a Teoria da Atividade, a qual, segundo o objetivo do texto, constitui-se no principal subsídio teórico para a educação atual. Nessa parte faz-se uma explanação sobre os principais preceitos desta teoria, destacando a abordagem de Davydov. This text is based in the simple presentation about the importance of the education to the human development, focusing the intentional education. In the following topics, we treat about the historic and cultural approach and the main principles in Vigotsky. Then, we dedicate a part to the Activity Theory in which, considering the objective of the text, it constitutes the main theory topic to the real education. In this part, we make an explanation about the aims of this theory, pointing the Davydov approach. Palavras-chave: Educação intencional, abordagem histórico-cultural, Teoria da Atividade. A educação, o ensino - Angústias e perspectivas Definir educação não é uma tarefa fácil de ser realizada, visto o termo ser utilizado em vários contextos distintos. A concepção mais comum atribuída a este termo refere-se à escolarização, portanto liga-se às atividades que têm lugar nas instituições de ensino. Vale ressaltar, porém, que essa é somente uma das peças que compõem o significado do conceito de educação. Sabese o quanto este é um fator imprescindível para o desenvolvimento humano. O homem, diferente dos outros animais, necessita dos processos educativos para a sua existência. Vygotsky, ratificando essa idéia, define educação da seguinte forma: A educação pode ser definida como a influência e a intervenção planejadas, adequadas ao objetivo, premeditadas, conscientes, nos processos de crescimento natural do organismo. Por isso, só terá caráter educativo o estabelecimento de novas reações que, em 48 Key-word: Intentional Education, cultural and historic approach, Activity Theory. alguma medida, intervenham nos processos de crescimento e os oriente. Vygotsky (2003, p.82), Considerando as palavras de Vygotsky, ninguém pode escapar da educação. Ainda, Brandão (1995) assim define a educação: Uma prática social (como saúde pública, a comunicação social, o serviço militar) cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa humana pode ser aprendido entre os tipos de saber existentes em uma cultura, para a formação de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de sua sociedade, em um momento da história de seu próprio desenvolvimento (Brandão, 1995, pp.73-74) Sendo a educação uma prática social, então, os principais canais de divulgação, implementação e conservação são as instituições sociais como a família, a igreja, o mercado profissional, à escola, a mídia, etc. Assim considerando, pode-se compreender duas categorias centrais da educação (Cortella, 2000): a) A educação vivencial e espontânea, o “vivendo e aprendendo”; b) A educação propositada e intencional, deliberada e organizada em locais prédeterminados e com instrumentos específicos. A educação intencional ou propositada com base na abordagem histórico-cultural, e na teoria da atividade é a base da presente análise. Essa educação intencional surge como resposta à necessidade de organização dos indivíduos, à sua procura incansável pelo controle do meio, do poder, do capital; uma ‘fonte’ capaz de promover avanços necessários ao desenvolvimento do ser humano. Em relação às demandas referentes ao ensino e à aprendizagem no atual século XXI, pode-se afirmar que estão vinculadas às necessidades e aos motivos das mais variadas ordens, os quais colocam em constante movimento a educação (o termo educação será tomado neste texto sempre falando na educação intencional). Em todos os momentos da existência do ser humano, ele sempre buscou, com certeza, conseguir condições de vida adequadas à sua existência. O que hoje não seria diferente. Tanto que é comum na literatura “a humanização do homem”. Em princípio, essa afirmação poderia ser um pleonasmo, porém representa as desilusões referentes, por exemplo, à persistência da desigualdade no desenvolvimento mundial; as tensões vividas entre nações e entre grupos étnicos; a necessidade de se aprender a viver no mundo globalizado; etc. O ser humano vivendo um sentimento de desencanto. E diante desse desencanto, a educação é chamada a desempenhar importante papel na construção de um mundo melhor, pautado no desenvolvimento dos homens, na compreensão mútua entre os povos. Segundo Libâneo (2004) as crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e internalizar os meios cognitivos de compreender e transformar o mundo. O autor continua, afirmando que a razão pedagógica está também associada, inerentemente, a um valor intrínseco, que é a formação humana, visando a ajudar os outros a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas, aptas a participar ativa e criticamente na vida social, política, profissional e cultural. Delors (1996) afirma que: A educação deve organizar-se à volta de quatro aprendizagens fundamentais que durante toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo os pilares do conhecimento: o aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver em comum, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas, finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. (Delors, 1996, p. 77, grifo da autora) Essa demanda para educação do século XXI exige uma mudança na concepção de educação e, conseqüentemente, um modelo de ciência. E, nas palavras de Caraça (2002), deve-se deixar de olhar a ciência como uma coisa criada, com um aspecto todo harmonioso, no qual não há contradições, dúvidas, hesitações. Esse autor afirma que “devemos conceber a ciência como um organismo vivo, impregnado de condição humana, com as suas forças e as suas fraquezas e subordinado às grandes necessidades do homem na sua luta pelo entendimento e pela libertação, ou seja, como um grande capítulo da vida humana social”. Segundo Elkonin (apud Davydov, 1988, p.19), o ensino libera seu papel principal no desenvolvimento mental primariamente através do conteúdo do conhecimento a ser assimilado. Logo, um ensino caracterizado pelo empirismo pode promover, nas crianças, uma mera memorização. A nosso juízo, a estrutura moderna das disciplinas escolares (...) deve propiciar a formação, nos alunos, de um nível mais elevado de consciência e de pensamento que aquele a qual se orienta a organização no momento vigente do processo de estudo da escola. (Davydov, 1988, p.39)1 Para Davydov, os conteúdos e métodos de ensino primários vigentes se orientam predominantemente pelas bases da consciência e do pensamento empírico, caminho importante, mas não efetivo, na atualidade, para o desenvolvimento psíquico. Essa limitação da teoria empírica do pensamento no ensino dos conceitos científicos pode ser claramente percebida quando a comparamos com as características do conhecimento teórico, o qual “significa uma combinação unificada de abstração substancial, generalização e conceitos teóricos”, segundo Davydov (1988). Este autor (1998) ainda afirma que desde a Antigüidade, na História da Filosofia se diferenciam dois tipos de pensamento: atividade mental orientada a separar e registrar os resultados da experiência sensorial e o pensamento, que ponha descoberto a essência dos objetos, as leis internas de seu desenvolvimento. De acordo com esse autor (1982), o conhecimento teórico constitui o objeto principal da atividade de ensino, é por meio de sua aquisição que se estrutura a formação do pensamento teórico e, por conseqüência, possibilita o desenvolvimento psíquico da 49 criança. Para tornar tais afirmações mais claras, veja o quadro comparativo entre o conhecimento empírico e o conhecimento teórico adaptado de Rubtsov (1996): De acordo com Davydov os resultados do pensamento empírico, de que resultam as tarefas de classificar os objetos, fazem-no mediante seus traços externos. Os processos de pensamento se limitam a: a) comparar os dados sensoriais concretos com o fim de distinguir seus traços formalmente gerais e realizar sua classificação; b) identificação dos objetos sensoriais concretos com o fim de incluí-los numa ou noutra classe. Nossa perspectiva, o ensino segue as premissas da indução - do particular para o geral. O geral é, nesse caso, o resultado da comparação dos objetos singulares, de sua generalização em um conceito sobre uma e outra classe de objetos. (Davydov, 1988, p.111). Assim, há uma ascensão do sensorial-concreto para o mental-abstrato, expresso na palavra. Neste esquema, “empírico” e “teórico” recebem uma interpretação peculiar. Segundo o autor, o primeiro é sensorial-concreto e o segundo, abstrato-geral, verbal. A capacidade de pensar abstratamente se interpreta como índice de alto nível de desenvolvimento do pensamento. 50 Dadas as restrições do ensino caracterizado pelo caráter empirista, faz-se necessário uma organização do ensino que possibilite ao indivíduo o seu desenvolvimento mental (Sforni, 2003, Bernardes, 2000) e, portanto, que possa oferecer-lhe as condições de uma aprendizagem significativa. A esse respeito, Davydov afirma que os problemas do ensino e da educação que impulsionam o desenvolvimento estão estritamente ligados à fundamentação lógico-psicológica da estrutura das disciplinas escolares. O conteúdo destas e os meios de desenvolvê-las no processo didático-educativo determinam essencialmente o tipo de consciência e pensamento que se forma nos estudantes durante a assimilação dos correspondentes conhecimentos, aptidões e hábitos. Para corroborar com essa idéia Vygotsky (1998) afirma que “o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”. Essas reflexões introdutórias visam contextualizar o objetivo do presente texto: retomar as principais idéias de Vygotsky, bem como a teoria da atividade e as idéias defendidas por Davydov como uma contribuição destes autores a iluminar um caminho diante das inúmeras “angústias” da educação intencional. A abordagem histórico-cultural Conhecer a biografia de alguns teóricos é necessário para compreender sua teoria. Assim, a vida de Vygotsky exemplifica tal afirmação, conhecer sua história para compreender sua obra. Nascido em 1896, na cidade de Orsha (na então Rússia), Lev Semenovich Vygotsky morreu de tuberculose antes de completar 38 anos. De uma família altamente letrada, Lev Vygotsky cresceu num ambiente desafiador, de grande estimulação intelectual. Desde cedo se interessou pelo estudo e pela reflexão sobre várias áreas do conhecimento. Em 1917, forma-se em Direito pela Universidade de Moscou. Também estudou história, filosofia, literatura, e psicologia e medicina. Seu percurso acadêmico foi marcado pela interdisciplinaridade. Outro fator marcante em sua formação e que lhe permitiu mergulhar na produção acadêmica do séc. XX foi o aprendizado de diversas línguas – chegou a estudar alemão, latim, hebraico, francês e inglês. Estava com 21 anos quando eclodiu a Revolução Russa e, juntamente com um grupo de jovens intelectuais entre os quais Alexander Ramonovich Luria (1902 1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904 - 1979), trabalhava em um clima de efervescência cultural. O momento histórico vivido por esse grupo contribuiu para definir a tarefa intelectual a que se dedicaram: a tentativa de criar um modelo explicativo que reunisse tanto os mecanismos cerebrais subjacentes ao funcionamento psicológico como a constituição do sujeito e da espécie humana ao longo de seu processo histórico-cultural (Oliveira, 2005:8). Esse objetivo teórico implica uma abordagem qualitativa, interdisciplinar, orientada para os processos de desenvolvimento. No início daquele século, a psicologia soviética (bem como a européia e a americana) estava dividida em duas tendências: de um lado havia a psicologia como ciência natural que procurava explicar processos elementares sensoriais e reflexos, detinha-se na descrição das formas exteriores do comportamento, entendidas como habilidades mecanicamente constituídas. Essa tendência vincula-se à Psicologia Experimental, a qual buscava aproximar seus métodos às ciências naturais, cuja preocupação era a quantificação de fenômenos observáveis e a subdivisão dos processos complexos em partes menores, mais facilmente analisáveis. De outro lado, inspirada nos princípios da filosofia idealista, havia a psicologia como ciência mental, a qual acreditava que a vida psíquica humana não poderia ser objeto de estudo da ciência objetiva, visto ser uma manifestação do espírito. Rego (2003) esclarece que este grupo não ignorava as funções mais complexas do ser humano, mas se detinha na descrição subjetiva de tais fenômenos. Esta segunda tendência coloca a psicologia como sendo mais próxima da filosofia e das ciências humanas, com uma abordagem descritiva, subjetiva e dirigida a fenômenos globais, sem preocupação com a análise desses fenômenos em componentes mais simples (Oliveira, 2005). A primeira abordagem - materialista - deixava de abordar as funções psicológicas mais complexas do ser humano; a segunda - idealista - detinha-se em descrições subjetivas desses processos, não aceitáveis para a ciência. Foi de questionamentos a essas duas tendências que um grupo de psicólogos, com o intuito de promover uma mudança na abordagem da compreensão e transformação da vida humana, formula os conceitos básicos de uma nova linha teórica para a psicologia. Os principais responsáveis pelas bases conceituais dessa nova linha teórica são Vygotsky, Leontiev e Luria, a chamada “troika”2; essas bases conceituais constituem o alicerce da abordagem histórico-cultural. Vygotsky e seus colaboradores desenvolveram a idéia de que o homem não reage diretamente ao meio, é mediada por signos, significados e ferramentas culturais. A cultura passa a ser considerada como um elemento da natureza humana, num processo histórico ao longo do desenvolvimento do indivíduo, modelando as ações psicológicas do homem. Essa proposta buscava uma abordagem alternativa, que possibilitasse uma síntese entre as duas abordagens – materialista e idealista. Nesse ponto, tornase essencial compreender o significado de síntese em Vygotsky. A síntese de dois elementos não é a simples soma ou justaposição desses elementos, mas a emergência de algo novo, anteriormente inexistente. Esse componente novo não estava presente nos elementos iniciais: foi tornado possível pela interação entre esses fenômenos, num processo de transformação que gera novos fenômenos. Assim, a abordagem que busca uma síntese para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie e participante de um processo histórico (Oliveira, 2005, p. 23) Vygotsky com seus colaboradores buscava a superação das idéias defendidas pelas correntes idealista e mecanicista por eles criticadas; utilizava métodos e princípios do materialismo dialético, para compreender o aspecto intelectual humano. Para ele, através dessa abordagem seria possível descrever e explicar as funções psicológicas superiores3. Vygotsky defende a transformação do ser biológico (natural) em um ser cultural (social). Nessa transformação, o pensamento e a linguagem – funções psicológicas superiores - constituem funções mentais resultantes do processo social. Para analisar a importância desse conceito de mediação, é importante citar que, do ponto de vista metodológico, as tendências psicológicas da época adotavam um ponto de vista comum que era o uso do seguinte esquema binominal de análise (Leontiev, 1983) 51 O que Vygotsky e seus companheiros elaboraram pode ser representado por uma estrutura trinominal, a qual representa uma atividade indireta, mediada. Para Vygotsky, o principal meio de mediação era a linguagem. Esse autor mostrou que a linguagem é usada inicialmente na interação entre adultos e crianças como um meio para comunicação e colaboração; depois, ela é internalizada num meio com a finalidade de a criança controlar e pensar sua própria atividade; somente por meio dos outros é que podemos nos realizar (Vygotsky, 2003). mesmo. A segunda é decorrência da idéia anterior, refere-se à origem cultural das funções psicológicas tipicamente humanas se originam nas relações do indivíduo e seu contexto cultural e social. Isto é, o desenvolvimento humano não é dado a priori, não é mutável e universal, não é passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento histórico e das formas sociais da vida humana. A cultura é, portanto, parte constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá através da internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações. A terceira tese se refere à base biológica do funcionamento psicológico: o cérebro, visto como órgão principal da atividade mental. Nesse ponto, Rego destaca o caráter de “plasticidade” do cérebro, ou seja, a possibilidade de ser moldado pela ação de elementos externos. O cérebro pode servir a novas funções; criadas na história do homem, sem que sejam necessárias transformações no órgão físico (Oliveira, 2005). Idéias básicas de Vygotsky O que a abordagem histórico-cultural pretendia era encontrar uma síntese para uma nova ciência humana que, numa perspectiva mais holística, procurava estudar o homem enquanto unidade indissolúvel de corpo e mente, ser biológico e ser social, membro da espécie humana e participante do processo histórico-cultural (Fichtner, 1996). Para compreender essa abordagem, é necessário compreender as teses básicas presentes em sua obra, assim descritas por Rego (2003): A primeira delas refere-se à relação indivíduo/ sociedade. Vygotsky afirma que as características tipicamente humanas não estão presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são mero resultado das pressões do meio externo. Elas resultam da interação dialética do homem e seu meio sócio-cultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma a si 52 Seguindo a descrição de Rego (2003), a quarta tese diz respeito à característica de mediação presente em toda atividade humana. São instrumentos técnicos e os sistemas de signos, construídos historicamente, que fazem mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo. Vygotsky confere à linguagem um papel de destaque, sendo esta um signo mediador por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana. Em sua quinta tese defende que a análise psicológica deve ser capaz de conservar as características básicas dos processos psicológicos, exclusivamente humanos. Este princípio está baseado na idéia de que os processos psicológicos complexos se diferenciam dos mecanismos mais elementares e não podem, portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos. Vygotsky aponta a necessidade de se estudar as mudanças que ocorrem no desenvolvimento mental a partir do contexto social. O autor aborda a consciência como produto da história social. Teoria da atividade: possibilidades na educação atual Segundo Libâneo “A teoria da atividade inicialmente desenvolvida por Leontiev, Rubinstein e Luria, é geralmente considerada uma continuidade da escola histórico-cultural iniciada por Vygotsky” e cujas principais teses foram anteriormente descritas. Vygotsky, com bases nos pressupostos teóricos marxistas, é o precursor da Teoria Psicológica da Atividade. Segundo esta teoria, uma atividade é uma forma de agir de um sujeito direcionado para um objeto. No nível individual, uma atividade possui três elementos: sujeito, objeto e ferramenta de mediação. O sujeito (agente) é aquele que atua sobre o objeto de atividade. O objeto é o elemento alvo das ações da atividade para o qual essas ações estarão direcionadas. O objeto pede algo material, ou algo menos tangível, por exemplo, um plano ou uma idéia. A relação sujeito e o objeto da atividade é sempre mediada por ferramentas, também chamadas de artefatos de mediação. Para Leontiev (2001), atividades são “(...) apenas aqueles processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem sua necessidade especial correspondente a ele”. As atividades são sempre estimuladas por um motivo, o qual coincide com o objetivo do sujeito para realizar determinada atividade. Para esse autor, os elementos estruturais da atividade são: necessidade, motivo, ação e operação. As necessidades humanas motivam o homem a agir por meio de diferentes ações, quer no plano material, quer no plano ideal, utilizando-se de vários instrumentos que são estratégias de ação, operacionalizando-as através da manipulação de instrumentos para satisfazer a necessidade inicial. Na realização de uma determinada ação, é possível desencadear outras ações em seu processo. Assim, Leontiev define atividade: (...) aqueles processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele (...) Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo que o processa, como um todo, se dirige (isto é, objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar essa atividade, isto é, o motivo. (Leontiev, 2001, p.68) De acordo com Davydov (1988), “a atividade do homem tem uma estrutura complexa; seus componentes são o desejo, as necessidades, os motivos, as finalidades, as tarefas, as ações, as operações que se encontram em permanentes inter-relações e transformações”. Percebese que este autor acrescenta um componente à estrutura de atividade dada por Leontiev, o desejo. Este muda o núcleo básico a partir do qual se desencadeia a atividade. Acredito que o desejo deve ser considerado como um elemento da estrutura da atividade. (...) Necessidades e desejos compõem a base sobre a qual as emoções funcionam. (...) O termo desejo reproduz a verdadeira essência da questão: as emoções são inseparáveis de uma necessidade. (...) Em seus trabalhos, Leontiev afirma que as ações são conectadas às necessidades e motivos. Discordo desta tese. Ações, como formações integrais, podem ser conectadas somente com necessidades baseadas em desejos - e as ações ajudam na realização de certas tarefas a partir dos motivos. (...) É esta a estrutura da atividade que tentei apresentar-lhes. (...) Os elementos são os seguintes: desejos, necessidades, emoções, tarefas, ações, motivos para as ações, meios usados para as ações, planos (perceptual, mnemônico, pensamento, criativo) - todos se referindo à cognição e, também, à vontade. (Davydov, 1998) Segundo Libâneo (2004), esse ponto põe em relevo as relações entre a afetividade e a cognição. A integração do cognitivo e do afetivo na personalidade humana na obra de Vygotsky permite ver aproximações das idéias de Davydov e Vygotsky (González Rei, 2000, apud Libâneo, 2004). Davydov defende que as necessidades e emoções humanas antecedem a ação, a relação com os outros, as linguagens. Libâneo esclarece que as ações humanas estão impregnadas de sentido subjetivo, projetando-se em várias esferas da vida dos sujeitos, obviamente também na atividade dos alunos, na compreensão das disciplinas escolares, no envolvimento com o assunto estudado. Para Leontiev (2001) há diferença entre ação e atividade. Um ato ou ação é um processo cujo motivo não coincide com seu objeto (isto é, com aquilo para o qual ele se dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte. Para ilustrar esse conceito, traz o exemplo de um 53 aluno nos estudos para o exame. Ao ler o livro somente para passar no exame, esse aluno realiza uma ação e não uma atividade. Atividade seria a leitura do livro por si mesmo, por seu conteúdo, por dominar o conhecimento. Moura e Moraes (2004) afirmam que, ao tomar a educação sob esta perspectiva teórica, é preciso compreendê-la em movimento, considerando-a em seus aspectos sociais, históricos, econômicos, políticos e culturais. Ao destacar a importância da Teoria da Atividade na educação torna-se necessário destacar algumas idéias que embasam tal afirmação. Moura (2004) considera que as ações de cada sujeito, envolvido no trabalho educativo, constituem-se em objeto de análise, para que possamos conhecer as diferentes dimensões da educação escolar. Nessa perspectiva, a educação escolar é a que tem por objetivo possibilitar aos indivíduos a apropriação dos bens culturais elaborados pela humanidade. Assim, Davydov (1998) afirma que “a escola deve ensinar os alunos a pensar, isto é, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo, para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento”. Nesse ponto, é preciso retomar as idéias apresentadas na introdução e questionar que tipo de pensamento a escola deve desenvolver nos sujeitos dela participantes. Vygotsky, Leontiev, Davydov, entre outros autores da perspectiva teórico materialista histórica esclarecem que é o pensamento teórico. Em especial Davydov (1988) dedicou-se a explicar a importância do desenvolvimento do pensamento teórico nos escolares. Esse autor diferencia pensamento empírico e pensamento teórico. Logo, coloca como objetivo principal da educação escolar – intencional – possibilitar ao indivíduo apropriar-se do pensamento teórico. O conteúdo do pensamento teórico é a existência mediatizada, refletida, essencial. O pensamento teórico é o processo de idealização de um dos aspectos da atividade objetivo-prática, a reprodução, nela, das formas universais das coisas. Tal reprodução tem lugar na atividade laboral das pessoas como peculiar experimento objetivo-sensorial. Logo este experimento adquire cada vez mais um caráter cognoscitivo, permitindo às pessoas passar, com o tempo, a realizar os experimentos mentalmente. (Davydov, 1988, p.125) O pensamento empírico tem caráter externo, imediato; as representações estão ligadas diretamente à atividade prática e os dados são obtidos da atividade 54 sensorial. A esse respeito, Davydov (1988) ressalta: (...) é necessário sublinhar que o fundamento e a fonte de todos os conhecimentos do homem sobre a realidade são as sensações, as percepções dos dados sensoriais. Porém os resultados da atividade dos órgãos dos sentidos do homem são expressos por este em forma verbal, a que acumula a experiência de outras pessoas. (Davydov, 1988, pp. 124-125) Em conformidade ao objetivo da escola “desenvolvimento do pensamento teórico”, os conteúdos de ensino devem ser constituídos pelos “conhecimentos teóricos”. Davydov (2002) ressaltou que o saber contemporâneo pressupõe que o homem domine o processo de origem e desenvolvimento das coisas mediante o pensamento teórico, que estuda e descreve a lógica dialética. É contundente ao afirmar que a escola deve ensinar às crianças a pensar teoricamente. Lembrando que o pensamento teórico tem seus tipos específicos de generalização e abstração, seus procedimentos de formação dos conceitos e operações. A formação desses conceitos abre aos escolares o caminho para dominar o fundamento da cultura teórica atual. Os trabalhos de Davydov estão geralmente, associados a uma abordagem do ensino e da aprendizagem na qual é o conhecimento teórico seu principal foco. Daniels (2002) afirma que este autor “insistiu que a tradição do ensino de conhecimento empírico deveria ser mudada para um foco no ensino do conhecimento teórico, e desenvolveu um programa de ‘Ensino desenvolvimental’ que perseguia esse objetivo.” Em primeiro lugar, Davydov, seguindo Vygotsky, argumenta que o ensino desempenha um papel essencial no desenvolvimento mental da criança. Isto é, a instrução formal não deve contribuir apenas para aquisição de habilidades e conhecimentos especiais, mas também para o desenvolvimento mental geral das crianças. O bom ensino desenvolve no indivíduo a capacidade para se relacionar com os problemas de uma maneira teórica e para refletir sobre o pensamento. Em seguida, Davydov desenvolve uma extensa análise do conhecimento baseada numa filosofia materialista-dialética. Esse conceito distinguiu-se do conceito de conhecimento e pensamento usado pelas tradições cognitivas e piagetiana porque enfatiza que o conhecimento é constituído pelas relações entre o objeto de conhecimento e outros objetos, em vez de algumas propriedades e características essenciais que definem o objeto. Em terceiro, Davydov descreve na teoria e na prática como usar essa teoria do conhecimento em programas de ensino específicos (Hedegaard e Chaiklin, apud Daniels, 2001, p 128). A formulação do “Ensino desenvolvimental”, formulado por Davydov (1982, 1988, 1988b), traz as seguintes contribuições pedagógicas: - A educação, que é constituída pelo ensino e pela aprendizagem dos humanos, destina-se ao desenvolvimento da personalidade como um todo; - O desenvolvimento da personalidade, dentro da educação exige a criação de condições para descobrir e criar as potências criativas dos alunos; - Os alunos tornam-se sujeitos da atividade de aprendizagem; - Os professores e educadores devem dirigir e guiar a atividade individual do aluno, mas não devem forçá-las ou ditar sua própria vontade para eles. “O ensino e aprendizagem e a educação autêntica vêm pela colaboração entre adultos e crianças e crianças e adolescentes” (Daniels, 2001, p. 31). - Os métodos de ensino e aprendizagem devem atender à diversidade e particularidades dos alunos, não tornando tais métodos uniformes. A questão que aqui se coloca é como ensinar para atingir esses objetivos. Então, é necessário analisar o papel do professor na organização do ensino. No exercício de sua atribuição de ensinar, cabe ao professor organizar meios e situações adequadas para assimilação, por parte dos estudantes, da “experiência histórico-social”. (...) compete ao professor propor tarefas de estudo, que irão desencadear a mobilização dos estudantes rumo à concretização dos objetivos próprios da aprendizagem e do ensino (Serrão, 2004, p.119) A esse respeito, Moura (2000) afirma que o professor não pode ficar restrito à compreensão do como fazer, somente no sentido de operacionalização das atividades, é preciso tornar-se sujeito desse processo interagindo por meio de ações que promovam a aprendizagem dos alunos. Reforça que “a atividade de ensino quase sempre está associada à idéia de busca do professor por um modo de fazer com que o aluno aprenda um determinado conteúdo escolar”. As idéias defendidas por Ariza e Toscano (2001, p.37) a respeito das fontes de conhecimento profissional do professor vêm ao encontro do anteriormente exposto. Para esses autores o saber dos professores não pode reduzir-se ao conhecimento acadêmico e formal de uma disciplina. O saber profissional deve organizar-se ao menos de quatro fontes de conteúdos profissionais: a) Das diversas disciplinas científicas, analisadas cada uma delas da perspectiva lógica, histórica, sociológica e epistemológica, o que constituiria a dimensão científica do saber profissional. b)Das diferentes disciplinas que estudam os problemas do ensino e da aprendizagem de uma forma geral, o que constituiria a dimensão pedagógica desse saber. c) Da própria experiência, dos professores e alunos, o que constituiria a dimensão empírica do saber. d)Das didáticas específicas que atuam como disciplinas de síntese que integram as três dimensões anteriores. Essas quatro fontes de conteúdo profissionais definidas por Ariza e Toscana corroboram para o desenvolvimento do pensamento teórico. Visto ser o papel do professor de fundamental importância para a Teoria da Atividade. Se, de acordo com essa proposta, os alunos devem ser sujeitos na realização de atividades de ensino, as propostas dos professores devem gerar necessidade nos alunos, caso contrário não constituirão atividades na perspectiva defendida por Leontiev e Davydov. Conforme Davydov: (...) a necessidade da atividade de estudo estimula os escolares a assimilar os conhecimentos teóricos; os motivos, a assimilar os procedimentos de reprodução destes conhecimentos por meio das ações de estudo, dirigidas a resolver as tarefas de estudo. Davydov (1988, p.178): Considerações finais Diante do que foi exposto, é possível inferir que a Teoria da Atividade constitui-se em uma perspectiva teórica importante para a qualificação da educação atual. Essa teoria oferece elementos para a compreensão da prática humana em geral e para prática educacional em particular. Ao mesmo tempo oferece subsídios para a organização do ensino por parte do professor, constituise em uma maneira de cumprir a função principal da escola. Isto é, promover situações que possibilitem a apropriação dos conceitos científicos, do pensamento teórico superando a formação com bases no pensamento empírico. Na atividade de ensino ficou evidente a importância do professor na organização do ensino e, na atividade de aprendizagem, o papel ativo e consciente do aluno no processo de apropriação dos conhecimentos 55 teóricos, conteúdo das atividades de ensino e de aprendizagem. De acordo com Libâneo: Entender, pois, o papel da educação escolar no mundo contemporâneo implica saber que a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento de capacidades mentais dos alunos incluem o conhecimento teórico, juntamente com o desenvolvimento de competências cognitivas complexas. (Libâneo, 2004, p.22) Assim, nas palavras de Libâneo, coerentes com o exposto neste texto, a Teoria da Atividade presta-se a muitas finalidades, mais especialmente pode auxiliar nas formas de desenvolvimento do pensamento teórico (valendo para os alunos, mas também para os professores); na compreensão da estrutura docente; na explicitação dos procedimentos e definição de ações e tarefas de aprendizagem para aumentar a eficácia das aprendizagens; na proposição de métodos e procedimentos de estudo e análise das práticas, em especial os contextos sócios culturais da atividade para promover a transformação de espaços institucionais. Ainda, a abordagem de Vygotsky dedica especial atenção à educação escolar e parece apontar para a necessidade de uma escola bem diferente da atual. Uma escola em que, coerente com o exposto, “as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes”. Onde há espaço para transformações, para as diferenças, para o erro, para as contradições, para a colaboração mútua e para a criatividade (Rego, 2003, p.118). Uma escola no qual o conhecimento seja significativo. A Teoria da Atividade, a partir da perspectiva histórico-cultural vygotskyana, destaca a importância do aprendizado através da ação e das interações com o meio sócio-cultural, possibilitando o desenvolvimento das pessoas; sendo, dessa forma, uma possibilidade às necessidades educacionais contemporâneas. Referências Bibliográficas ARIZA, Rafael P. & TOSCANO,, José M. El saber Prático de Los Profesores especialistas: aportaciones desde lãs didácticas específicas. In MOrosine, Marília C. (Org). Professor do ensino superior - identidade, docência e formação. Brasília: Plano Editora, 2001. BRANDÃO, C. O que é Educação. 33ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2002. CARAÇA, B. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa:Gradiva, 2002. DAVYDOV, Vasili. 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