UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ELANE NARDOTTO RIOS ENSINO/APRENDIZAGEM DE CONHECIMENTOS GRAMATICAIS NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA VITÓRIA 2008 2 ELANE NARDOTTO RIOS ENSINO/APRENDIZAGEM DE CONHECIMENTOS GRAMATICAIS NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação, na área de concentração em Educação e Linguagens. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cleonara Maria Schwartz VITÓRIA 2008 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ELANE NARDOTTO RIOS ENSINO APRENDIZAGEM DE CONHECIMENTOS GRAMATICAIS NA PERSPECTIVA DOS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS EM AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação. Aprovada em 23 de Julho de 2008. COMISSÃO EXAMINADORA __________________________________________________ Professora Doutora Cleonara Maria Schwartz Universidade Federal do Espírito Santo __________________________________________________ Professora Doutora Claudia Maria Mendes Santo Universidade Federal do Espírito Santo __________________________________________________ Professora Doutora Edith Frigotto Universidade Federal Fluminense 4 A Ronney e Tarsila, presentes de Deus na minha vida. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida e pela oportunidade de realização desse estudo. Aos meus pais, por terem sido colaboradores em potencial no processo da minha trajetória pessoal e intelectual. A Ronney, pela atenção, amor e paciência a nossa filha Tarsila, especialmente, nesses momentos de minha “ausência”. À professora e aos alunos, sujeitos desta pesquisa, pelo “desprendimento” ao fazerem parte do nosso estudo. Aos professores do PPGE/UFES, cujos ensinamentos marcarão para sempre minha trajetória tanto intelectual quanto profissional. Aos colegas da turma XX, pelo conhecimento compartilhado. Em especial, a minha amiga e companheira de estudo Conceição, por ter sido interlocutora desse trabalho e, também, pelos momentos de alegria compartilhados no decorrer desses dois anos. À professora Cleonara, por ter acreditado nesse “projeto” de estudo e ter orientado com disposição, humildade, responsabilidade, competência e, sobretudo, com sabedoria. Além disso, por ter contribuído na minha trajetória profissional, ao oportunizar momentos de reflexão e interlocução enriquecedores. 6 RESUMO Este trabalho objetiva investigar o processo de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais em aulas de Língua Portuguesa, levando em consideração a indicação dos gêneros textuais como unidade básica do ensino da língua materna. Parte da premissa delineada em trabalhos de pesquisa e documentos curriculares de que o ensino de conhecimentos gramaticais pode ser refletido e analisado nas práticas de leitura e de produção de gêneros textuais. Desse modo, investiga como os conhecimentos gramaticais foram enfocados nas atividades de leitura e de produção de gêneros textuais escritos em aulas de Língua Portuguesa. Opta por uma abordagem de pesquisa qualitativa pautada numa metodologia do estudo de caso. A coleta de dados, ocorreu numa turma de oitava série do Ensino Fundamental, turno vespertino, em uma unidade de ensino da Instituição Pública do Município de Serra - ES, no período de abril a setembro de 2007. Para a análise dos dados, pauta-se nos pressupostos teóricos dos autores russos Mikhail Bakhtin e Lev Semenovichi Vigotski. Mediante tal análise, constata-se que ocorreram situações de ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais integrados à dimensão discursiva das práticas de leitura e de produção de gêneros textuais escritos, apontando possibilidades de se pensar um ensino de conteúdos gramaticais numa perspectiva enunciativa e discursiva dos gêneros textuais. Ao mesmo tempo, verifica-se que os conhecimentos gramaticais foram trabalhados de forma desintegrada das atividades de leitura e de produção dos gêneros textuais e que essa desintegração se constituiu de duas formas diferentes: os gêneros foram concebidos como pretexto para o ensino de conteúdos gramaticais; os conhecimentos gramaticais foram trabalhados nas situações de ensino/aprendizagem em que frases e palavras descontextualizadas constituíram-se em exemplificação de definições e de nomenclaturas gramaticais. Conclui que no interior da sala de aula ocorreram “iniciativas” de se pensar os conhecimentos gramaticais nas atividades de leitura e de produção escrita. Mas verifica que há muito o que fazer, visto que, nas aulas de Língua Portuguesa observadas, o ensino gramatical continua pautado no reconhecimento de terminologias em frases descontextualizadas. 7 Palavras-chave: Conhecimentos gramaticais. Ensino/aprendizagem. Língua Portuguesa. Gêneros textuais escritos. 8 ABSTRACT This research aims to investigate the teaching/learning process of grammatical knowledges in Portuguese Language classes, taking into consideration the indication of the textual genders as basic unity of the mother tongue teaching. According to the premise described in researches and curricular documents the grammatical knowledges teaching can be reflected and analyzed in the reading and textual gender production practices. Thus, it investigates how the grammar knowledges were focused in the reading activities and in the written textual gender production in the Portuguese Language classes. lt opts for an approach of qualitative research regulated in a methodology of the case study. The data coliection occurred in a group of eighth grade of Basic Education, afternoon shift, in a teaching unity of the Public Institution of Serra — ES, in the period from April to September of 2007. For the analysis of the data, it is regulated in the theoretical presuppositions of the Russian authors Mikhail Bakhtin and Lev Semenovichi Vigotski. Through such analysis, it is confirmed that some situations of the teaching/learning of the grammatical knowledges integrated to the discursive dimension of the reading practice and of written textual gender production, mentioning possibilities of thinking a grammatical coqtents teaching in an enunciatively and discursive perspective of the textual genders. At the same time, it is verified that the grammatical knowledges were molded in a disintegrated manner from the reading activities and from the textual gender production and that such disintegration constituted itself of two different manners: the genders were conceived as a pretext for the grammatical contents teaching; the grammatical knowledges were worked in the teaching/learning situations in which discontextualized sentences and words constituted themselves in exemplification of definitions and of grammatical terminologies. lt concludes that inside the classroom some “initiatives” of thinking the grammatical knowledges in the reading activities and written production have occurred. But it is verified that there is much to do, considering that in the observed Portuguese Language classes, the grammatical teaching continues being regulated in the recognition of terminolog ies in discontextualized sentences. Key words: Grammatical knowledges. Written textual genders. Teaching/learning. Portuguese Language. 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Demonstrativo da faixa etária dos alunos da 8ª série..............103 Tabela 2 – Demonstrativo da profissão e do grau de escolaridade dos pais dos alunos pesquisados.....................................................................104 Tabela 3 – Demonstrativo percentual de atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa.................................................................. ....108 Tabela 4 – Demonstrativo percentual dos suportes das aulas..................117 Tabela 5 – Demonstrativo dos gêneros textuais nas aulas e Língua Portuguesa......................................................................................140 Tabela 6 – Demonstrativo percentual dos suportes dos gêneros textuais escritos utilizados.........................................................................142 Tabela 7 – Demonstrativo das atividades desenvolvidas a partir dos gêneros textuais........................................................................................151 Tabela 8 – Demonstrativo da ocorrência dos conhecimentos gramaticais trabalhados em atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa.................................................................................................179 Tabela 9 – Demonstrativo das atividades de leitura e os conhecimentos gramaticais estudados..............................................................................186 Tabela 10 – Demonstrativo das atividades de produção e reescrita e os conhecimentos gramaticais...............................................................203 Tabela 11 – Demonstrativo da ocorrência dos conhecimentos gramaticais de forma autônoma e seus respectivos suportes..................210 10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Demonstrativo do percentual de ocorrência dos gêneros textuais escritos nas aulas de Língua Portuguesa.....................................139 Gráfico 2 – Demonstrativo do percentual de circulação dos conhecimentos gramaticais nas aulas de Língua Portuguesa....................177 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................14 CAPITULO I....................................................................................................21 1 A TRADIÇÃO GRAMATICAL E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA...............................................................................................21 1.1 TRADIÇÃO GRAMATICAL NO BRASIL...................................................29 1.2 A GRAMÁTICA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA.....................34 CAPITULO II...................................................................................................42 2 O PROBLEMA DE ESTUDO......................................................................42 CAPITULO III..................................................................................................63 3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS...................................................................63 3.1 A REALIDADE SOCIAL DA LÍNGUA: LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO VERBAL..........................................................................................................64 3.2 GÊNEROS DO DISCURSO: UMA COMPREENSÃO PARA AS FORMAS DA LÍNGUA.....................................................................................................68 3.3 REFLEXÕES SOBRE O ENSINO/APRENDIZAGEM DE GRAMÁTICA NA ESCOLA: “DIÁLOGO- PONTE” COM OS PRESSUPOSTOS BAKHTINIANOS..............................................................................................78 3.3.1 Vigotski e o ensino de gramática na escola......................................78 3.3.2 Outras reflexões teóricas que permitem repensar o ensino gramatical nas aulas de Língua Portuguesa.....................................................................82 CAPITULO IV..................................................................................................86 4 ABORDAGEM METODOLÓGICA..............................................................86 4.1 O PROCESSO DE INSERÇÃO EM CAMPO E DE COLETA DE DADOS............................................................................................................89 4.2 O CONTEXTO DA PESQUISA..................................................................94 4.2.1 A escola e a sala de aula......................................................................94 4.2.2 Os sujeitos da pesquisa.......................................................................97 4.2.2.1 A professora.......................................................................................98 12 4.2.2.2 Os alunos.........................................................................................103 CAPITULO V.................................................................................................107 5 AS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA ................................................107 5.1 SUPORTES TEXTUAIS UTILIZADOS NAS AULAS...............................118 5.1.1 Livro didático......................................................................................118 5.1.2 Folha xerocopiada..............................................................................129 5.1.3 Livro paradidático, jornal, revista e gibi...........................................133 5.1.4 Quadro de pincel................................................................................133 5.1.5 Gêneros textuais escritos produzidos por alunos..........................134 5.1.6 DVD/ Televisão....................................................................................135 CAPITULO VI................................................................................................137 6 O TRABALHO COM OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA.........................................................................137 6.1 OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E SEUS RESPECTIVOS SUPORTES...................................................................................................138 6.2 OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA.....................148 6.3 OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E OS CONHECIMENTOS GRAMATICAIS..............................................................................................158 CAPITULO VII...............................................................................................177 7 O CONHECIMENTO GRAMATICAL NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA.............................................................................................177 7.1 LEITURA, PRODUÇÃO ESCRITA E ANÁLISE LINGÜÍSTICA (OS CONHECIMENTOS GRAMATICAIS) NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA.............................................................................................182 7.1.1 A leitura de gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais...................................................................................................184 7.1.2 A produção de gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais...................................................................................................202 7.2 OS CONHECIMENTOS GRAMATICAIS DE FORMA AUTÔNOMA.......210 13 7.2.1 Aula expositiva de conhecimentos gramaticais..............................213 7.2.2 O material didático: “a cartilhazinha".............................................218 7.2.3 “Possibilidades” de produção de sentido para as formas da língua............................................................................................................221 7.2.4 Os conceitos e o ensino metalingüístico.........................................222 CAPITULO VIII..............................................................................................227 8 OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E OS CONHECIMENTOS GRAMATICAIS: UMA SÍNTESE..................................................................227 REFERÊNCIAS.............................................................................................235 APÊNDICES.................................................................................................241 14 INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo foi realizar uma reflexão sobre o ensino gramatical e os gêneros textuais, uma vez que estamos num momento oportuno de debates e publicações em torno do ensino de língua materna, especialmente no que tange à adoção dos gêneros como unidade básica para o ensino/aprendizagem em aulas de Língua Portuguesa. Nessa perspectiva, no decorrer do estudo, algumas questões foram impondo-se como ponto de partida para a nossa investigação. Foram elas: O que muda no ensino de conhecimentos gramaticais quando se propõe um ensino pautado nos gêneros do discurso? Os ensinos prescritivo e descritivo de conhecimentos gramaticais são necessários para falantes que se comunicam e se relacionam por meio de gêneros discursivos em diferentes situações sociais de interação verbal, conforme aponta Bakhtin (1992)? Na perspectiva dos gêneros do discurso, é possível conceber os conhecimentos gramaticais articulados à atividade de leitura e de produção de textos? Considerando tais questionamentos, buscamos alguns estudos que têm tratado da conciliação entre o ensino gramatical e os gêneros textuais para o ensino/aprendizagem de língua materna. Verificamos que trabalhos de pesquisa (BARBOSA, 2001; ROJO, 2000; DOLZ; SCHENEUWLY, 2004) e documentos curriculares (MEC, 2001; PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2004) acenam para um trabalho com os gêneros textuais como forma de redimensionar o ensino da Língua Portuguesa, ao buscar a integração entre as atividades de leitura, de produção de textos e de análise e reflexão sobre a língua. Vale destacar que os referidos estudos mostram a importância de se efetivar o trabalho de ensino/aprendizagem dos conteúdos gramaticais da língua, no interior da sala de aula, a partir da leitura e da produção de diferentes gêneros textuais. No entanto, alguns desses trabalhos (BARBOSA, 2001; SILVA, Wagner Rodrigues, 2006) sinalizam que esta não parece ser uma tarefa fácil, o que nos fez acreditar que seria oportuno pesquisar se tem havido em aulas de Língua Portuguesa a busca 15 por essa conciliação, já que as orientações oficiais (Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental PCNs-LP) também indicam a referida perspectiva para o trabalho com os conteúdos gramaticais. Dessa forma, diante das discussões acerca da importância de se tomar o gênero como unidade básica para o ensino de língua materna, consideramos importante investigar como se vem efetivando o ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais em aulas de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. O interesse na investigação sobre como ocorre o trabalho de ensino de conhecimentos gramaticais a partir de atividades de leitura e de produção de gêneros textuais foi motivado também pela tradição do ensino da gramática na escola apontado por estudiosos, como Brito (1997), Ribeiro (2001), Silva (2002), Gnerre (2003), Neves (2004). Esses autores chamam atenção principalmente para o fato de essa tradição ter-se pautado, no decorrer dos séculos, em uma concepção de língua normativa-purista, em que regras de bom uso da língua devem ser seguidas e descritas.1 Tal concepção constituiu-se historicamente, trazendo no bojo relações de poder entre os usuários da língua. Tem-se como exemplo dessas relações a legitimação de uma variedade lingüística em detrimento de outras, o que contribuiu para demarcar posições sociais entre interlocutores. De acordo com Gnerre, [...] a associação entre uma determinada variedade lingüística e a escrita é o resultado histórico indireto de oposições entre grupos sociais que eram e são “usuários” (não necessariamente falantes nativos) das diferentes variedades [...] a partir de uma determinada tradição cultural, foi extraída e definida uma variedade lingüística usada [...] em grupos de poder, e tal variedade foi reproposta como algo de central na identidade nacional, enquanto portadora de uma tradição e de uma cultura (GNERRE, 2003, p. 8-9). Conforme dito, a tradição do ensino de gramática regulada por uma concepção purista e normativa da língua é uma realidade em aulas de Língua Portuguesa, e 1 A referida concepção de língua está presente nas gramáticas normativas que, de acordo com Franchi (2006, p. 16) são concebidas como “conjunto de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores”. Ainda conforme o autor, essa concepção de gramática é muito antiga, sendo denominada também de gramática tradicional em que se presentificam normas e descrições de bom uso da língua. 16 pesquisadores brasileiros do campo da linguagem (GERALDI, 1999; POSSENTI, 1996; BRITO, 1997; TRAVAGLIA, 2002) concordam em que não se rompeu com esse tipo de ensino em aulas de língua materna. Os estudos mostram a sua pertinência, desde que seja associado ao desenvolvimento de capacidades dos indivíduos de fazerem uso das formas da língua nos processos interlocutivos. Desse modo, tem-se investido em propostas para que o ensino gramatical se distancie da tradição filológica.2 Nesse contexto, optamos por investigar o trabalho com os conhecimentos gramaticais que se efetiva em aulas de Língua Portuguesa a partir de atividades de leitura e de produção em torno dos gêneros textuais escritos. A opção por gêneros textuais escritos deveu-se ao fato de nos apoiarmos nos pressupostos de Vigotski (2001). De acordo com as investigações desse autor, a motivação para o uso da linguagem escrita difere da motivação para o uso da linguagem falada. Um exemplo, citado pelo autor, mostra que a linguagem escrita requer das crianças e dos adolescentes operações complexas de construção arbitrária do tecido semântico. Desse modo, o que se omite (elipses, como exemplo) na linguagem falada, no processo interlocutivo, deve necessariamente ser “lembrado” na escrita, incluindo o uso voluntário e consciente dos conteúdos gramaticais da língua. O autor ainda afirma que a criança domina a gramática de sua língua muito antes de entrar na escola, mas esse domínio é inconsciente. Com o aprendizado da gramática e da linguagem escrita no espaço escolar, a criança passa a tomar consciência das diferentes formas de uso das unidades menores da língua, tendo em vista o sentido que quer produzir no contexto de uso da linguagem. Podemos avançar no sentido de mostrar que Vigotski (2001) produziu suas teses no início do século XX, não se voltando, a nosso ver, para um estudo da modalidade oral de uso da língua. Hoje, têm-se estudos (MASCUSCHI, 2003; 2 Tradição filológica refere-se à concepção de língua defendida pelos gramáticos de Alexandria, a qual se limita a um modelo de língua escrita literária a ser seguido, em detrimento de outras variedades. 17 DOLZ; SCHENEWLY, 2004) indicando que tanto a modalidade oral como a escrita têm uma finalidade específica nas práticas de uso da língua. Inclusive, Marcuschi (2003) mostra que a oralidade e a escrita fazem parte de um mesmo sistema da língua; por conseguinte, as realizações das duas modalidades ocorrem por meio de uma mesma gramática. Para o autor, as diferenças se presentificam no ponto de vista semiológico (gestos, mímicas, etc.), de tal modo que a escrita não representa a fala. Apesar de considerarmos pertinentes as discussões sobre a linguagem oral, optamos por analisar o trabalho em aulas de Língua Portuguesa com os conhecimentos gramaticais numa perspectiva dos gêneros textuais escritos, levando em conta que, para Vigotski, [...] na escola a criança aprende, particularmente graças à escrita e à gramática, a tomar consciência do que faz e a operar voluntariamente com as suas próprias habilidades. Suas próprias habilidades se transferem do plano inconsciente e automático para o plano arbitrário, intencional e consciente (VIGOTSKI, 2001, p. 320). Dessa forma, acreditamos que o ensino dos conhecimentos gramaticais em aulas de língua materna tem relevância e, se conciliado às atividades de leitura e produção de gêneros textuais escritos, pode favorecer uma tentativa de ultrapassar os ensinos prescritivo e descritivo da gramática, tão caros para a nossa tradição escolar. Nesse sentido, apoiamo-nos na concepção enunciativa/discursiva de língua que fundamenta o pensamento de Bakhtin (1992, 1993, 2003). Acreditamos que os estudos de Bakhtin nos possibilitam avançar no estudo dessa temática, embora o foco central das discussões do autor não tenha sido o ensino/aprendizagem de língua. Entretanto, encontramos em seus textos considerações teóricas acerca da língua que surpreendem pela contemporaneidade. Além desses aspectos, vale destacar que, diante da indicação dos gêneros textuais como unidade básica para o ensino de língua materna em documentos curriculares e dos trabalhos de pesquisa nos últimos dez anos sobre essa 18 temática, se torna relevante problematizar o lugar dos conhecimentos gramaticais nesse contexto. Por isso, esta pesquisa optou por investigar como gêneros textuais escritos vêm sendo utilizados no trabalho de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais em aulas de Língua Portuguesa. Para a realização deste estudo, optamos pela abordagem de pesquisa qualitativa e seguimos o delineamento do estudo de caso, pelo fato de que, nesse tipo de metodologia, a análise incide no que o caso tem de único, particular e específico, num determinado contexto, o que não quer dizer um desprendimento de outras dimensões que envolvem o objeto a ser estudado. Para realização do estudo de caso, elegemos a observação participante, com roteiro de observação e registros em diário de campo, entrevistas com a professora e alunos, filmagens e análise dos materiais pedagógicos utilizados nas situações de ensino/aprendizagem. Nosso trabalho de campo ocorreu numa turma de oitava série do Ensino Fundamental, turno vespertino, em uma unidade de ensino da Instituição Pública do Município de Serra – ES, no período de abril a setembro de 2007. Ressalte-se que a opção pela oitava série do Ensino Fundamental deveu-se ao fato de acreditarmos que, nessa etapa, há uma circularidade e diversidade de gêneros textuais escritos pertencentes às tipologias narrar, argumentar, descrever, relatar, prescrever, entre outros. Nesse sentido, pautamo-nos em Barbosa (2001), quando afirma que, tradicionalmente na escola, nas primeiras séries do Ensino Fundamental, se desenvolvem atividades relativas a descrições de realidades mais simples, como relatos de eventos e de contar histórias para, finalmente, nas séries (sétima e oitava) finais do Ensino Fundamental, chegar-se ao trabalho com a dissertação. Portanto, consideramos as indicações da autora, compreendendo que na oitava série circula uma heterogeneidade de gêneros textuais escritos de diferentes tipologias. Os resultados de nossa investigação estão apresentados em oito capítulos. Inicialmente, esboçamos um percurso histórico da constituição da gramática tradicional desde a Antigüidade Clássica, a fim de compreendermos as críticas ao 19 ensino da língua materna no Brasil a partir da década de 1970. Em seguida, delimitamos o problema de estudo e os objetivos que orientaram o trabalho em campo, levando em consideração trabalhos de pesquisa e documentos curriculares que adotam os gêneros textuais como objeto de ensino/aprendizagem e, sobretudo, como conciliam o ensino gramatical quando admitem essa perspectiva. Nos terceiro e quarto capítulos tratamos do quadro teórico e metodológico que subsidiou nosso estudo, explicitando conceitos e concepções acerca do processo de ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais na perspectiva dos gêneros textuais. Conforme dito, adotamos as teses dos pensadores russos Mikhail Bakhtin e Lev Seminovich Vigotski, atreladas às contribuições de pesquisadores brasileiros (GERALDI, 1997; TRAVAGLIA, 2002a; PERINI, 2005; POSSENTI, 1996; BRITO, 1997; NEVES, 2004; BAGNO, 2004) que, em síntese, apostaram em uma concepção de língua distanciada dos pressupostos filológicos da gramática tradicional.3 Nos capítulos subseqüentes, abordamos as situações de ensino/aprendizagem com os gêneros textuais e os conhecimentos gramaticais. No quinto capítulo, descrevemos e analisamos o modo como ocorreu o desenvolvimento das atividades propostas pela professora nas aulas de Língua Portuguesa observadas, bem como os materiais pedagógicos que subsidiaram as atividades desenvolvidas, com objetivo de compreendermos o nosso objeto de pesquisa. Atrelado à dinâmica dessas aulas, situamos os dados em duas principais categorias de análise: O trabalho com os gêneros textuais escritos nas aulas de Língua Portuguesa e O conhecimento gramatical nas aulas de Língua Portuguesa. 3 No decorrer deste estudo utilizamos os termos gramática tradicional e tradição gramatical. Compreendemos gramática tradicional como uma concepção de gramática que estabelece regras de um predeterminado modelo ou padrão lingüístico a ser seguido pelos usuários da língua (SILVA, 2002). No decorrer dos séculos, essa concepção foi-se legitimando entre os estudiosos da linguagem e, ao mesmo tempo, transmitida de geração a geração, o que resultou numa tradição. No nosso caso, uma tradição gramatical. 20 Com isso, acreditamos que esta pesquisa poderá ampliar as discussões em torno do processo de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais, tendo em vista os gêneros textuais como demanda para o ensino de língua materna na atualidade. Certamente, contribuirá para o avanço da compreensão de como esses conhecimentos estão sendo articulados e concebidos após a divulgação de documentos curriculares e trabalhos de pesquisa, indicando, desse modo, outros caminhos para reflexões em torno do ensino de Língua Portuguesa no Brasil. 21 CAPÍTULO I A TRADIÇÃO GRAMATICAL E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Ao investigar os conhecimentos gramaticais a partir de práticas de leitura e de produção de gêneros textuais escritos, sentimos necessidade de refletir, inicialmente, como esses conhecimentos foram concebidos no decorrer dos séculos. Acreditamos que, dessa forma, seria possível fazer um contraponto com a concepção de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais na atualidade (em conformidade com os gêneros textuais) e assim compreender como a gramática normativa veio sendo pensada ao longo dos tempos. Vale destacar que enfocar a gramática normativa traz implícita a idéia de uma concepção de gramática que se mantém como padrão de ensino. De acordo com Brito (1997, p. 31), “[...] dada a força da tradição, a gramática, ainda que de forma imprecisa, continua sendo o objeto privilegiado do ensino de língua”. Por isso, nesta parte do estudo, optamos por apresentar a trajetória da tradição gramatical desde a Antiguidade Clássica e aspectos normativos e descritivos da língua que foram sendo considerados, especialmente no processo de ensino/aprendizagem da língua materna. Segundo Silva (2002), a nossa tradição gramatical remonta à Grécia Antiga, com os filósofos Platão, Aristóteles e os estóicos que refletiram sobre questões relacionadas à linguagem. Mesmo dando um caráter filosófico às investigações, esses estudiosos deixaram um legado no que diz respeito a aspectos da gramática tradicional. De acordo com a autora, há uma unanimidade entre os historiadores da linguagem em afirmarem que a constituição da gramática tradicional se origina com os estudos de Platão e Aristóteles, na Antiguidade Clássica. Além disso, a concepção de uma variedade lingüística com o reconhecimento de uma unidade nacional e de uma classe social encontra-se postulada na obra de 22 Platão. Ao disputar filosoficamente e politicamente com os sofistas, o filósofo propôs que o discurso coincidisse com o ser, e não com cada indivíduo como sujeito. Nesse caso, Platão concebia a língua grega de forma idealizada, enquanto os sofistas a concebiam de forma pragmática, uma vez que, para estes, o falar era uma propriedade do indivíduo de forma “livre”, na sua usualidade. A história aponta-nos que o ponto de vista dos sofistas foi “vencido” pelo pensamento platônico, e o viés normativo e aristocrático tornou-se o dominante (SILVA, 2002). Já Aristóteles, filósofo que se interessou também por categorias e criou a Lógica como instrumento de conhecimento, aprofundou a relação arbitrária entre a palavra e o significado, sendo o primeiro a analisar criteriosamente a estrutura da língua. Apesar de conceber a Gramática Geral4 como um ramo da Lógica Formal, realizou estudos sobre a teoria da frase e partes do discurso.5 Em relação à tradição gramatical, determinou distinções entre as classes de palavras, denominando-as de categorias aristotélicas, algo que perdura até hoje nas gramáticas de Língua Portuguesa. Os estóicos (século I d.C.), por sua vez, foram os primeiros a conceber regularidades na língua, reconhecendo uma “certa” autonomia dos estudos lingüísticos em relação à Filosofia. Segundo Neves (2004, p. 31), os estóicos discutiam as regularidades da língua através de dois conceitos: anomalia e analogia. A autora afirma que, se para os estóicos a [...] linguagem é natural, existe racionalidade no logos, existe uma regularidade lingüística refletindo a regularidade universal, existe, então, analogia na linguagem [...] uma relação que une os objetos e a que governa a expressão lingüística [...] o exame da linguagem, porém, revela anomalias: há fatos de linguagem que contrariam as exigências da dialética, discordando som e conceito, deixando de recobrir-se forma lingüística e conteúdo, contradizendo-se realidade sonora e significado abstraído (NEVES, 2004, p. 31). 4 Gramática Geral define-se por comparar o maior número possível de línguas, com objetivo de reconhecer os fatos lingüísticos realizáveis. 5 Vale destacar que Aristóteles, nos textos Arte Retórica e Poética, traz um caráter pragmático da língua grega. 23 Nesse contexto, irregularidades e desvios foram considerados pelos estóicos como anomalias, logo banidas, uma vez que o interesse era a regularidade, ou seja, a busca pelas analogias. Convém enfatizar que foram os analogistas os fundadores da gramática, aqueles que buscavam uma norma lingüística, concretizada numa correspondência entre linguagem e pensamento (analogia), o que implica considerá-los como os pioneiros a conceber a linguagem como expressão do pensamento e o caminho para se tentar compreender a mente humana. Para Travaglia (2002a), a gramática normativa, com o seu caráter prescritivo, foi construída de acordo com a concepção de linguagem empreendida pelos estóicos. Neves (2002) aponta ainda que as discussões acerca da regularidade lingüística ocorreram num momento político de perda da hegemonia helênica, o que pode ser traduzido num confronto entre uma língua pura e regrada (grega) e as línguas bárbaras (não-gregas). Por isso, fez-se necessário sistematizar a língua “ameaçada” e não-anômala, adotando-se a língua da literatura dos escritores como padrão a ser conservado. Eis que nos encontramos entre os filólogos de Alexandria, os quais privilegiaram a língua escrita dos grandes escritores em detrimento de outras variedades. Estabeleceram o erro clássico na tradição gramatical, concentrando seus estudos na linguagem escrita e ignorando as diferenças existentes entre a oralidade e a escrita. Silva (2002) afirma que, com os alexandrinos, codificaram-se definitivamente os preceitos da gramática tradicional numa visão normativopurista da língua. Para tanto, privilegiava-se um exame minucioso dos textos literários do passado, em busca de padrões a serem preservados, que contrastavam com a linguagem corrente, contaminada de barbarismos. Assim, a disciplina gramatical aparece nessa época, tendo como objetivo oferecer os padrões de linguagem dos textos literários, impulsionando o desenvolvimento de conhecimentos lingüísticos dos textos não corrompidos, limitando-se à língua 24 escrita. Neves (2002) indica que o próprio termo grammatiké (a arte de ler e escrever) invoca uma atenção à forma escrita da língua. Em oposição às línguas vulgares, tinha-se a língua escrita grega endereçada ao cidadão. Nesse contexto, consideramos que as gramáticas são conseqüência do advento da escrita e se perfazem sob um modelo de escrita escolhido dentre as variedades lingüísticas. Gnerre (2003) diz que o passo fundamental de uma variedade sobre as outras é a sua associação à escrita, resultando em um modelo de transmissão de ordem política e cultural. Trata-se de um processo de legitimação, de uma norma que traz à tona oposições entre grupos sociais. Sendo assim, a eleição de uma variedade da língua escrita a ser considerada padrão consolidou os estudiosos alexandrinos numa posição de gramáticos. Isso porque, no que tange à estrutura da língua grega, eles foram buscar nas formas sonoras analogias que possibilitavam a construção de padrões lingüísticos. Além disso, ampliaram a classificação das oito classes de palavras (nome, verbo, particípio, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção). Podemos inferir que a fonética e a morfologia foram o centro da teorização gramatical feita pelos alexandrinos. Neves (2004) menciona que, na construção paradigmática construída no Manual de Dionísio o Trácia (século II-I a.C.- primeira descrição sistematizada da língua no mundo ocidental), ocorre uma sistematização que recorta e organiza exaustivamente os elementos da língua. Esta apresenta-se compartimentada em classificações e subclassificações, modelo este em que se apoiou a tradição gramatical posterior: “[...] na verdade, trata-se de uma gramática descritiva, embora, pelos padrões selecionados para a descrição, fique revelada uma finalidade normativa. É exatamente esse espírito que vem presidindo a organização gramatical ocidental através dos tempos [...]”(NEVES, 2004 p. 60). Cerca de duzentos anos depois da elaboração teórica de Dionísio o Tracia, a história da gramática traz outro gramático: Apolônio Díscolo. Neves (2004) afirma 25 que este estudioso ocupa um importante lugar na história das idéias gramaticais no Ocidente. Isso porque Apolônio Díscolo investigou aspectos relacionados à sintaxe, diferentemente de outros gramáticos, como Dionísio o Trácia, em cujas investigações a sintaxe está ausente. Ainda de acordo com Neves (2002), Apolônio Díscolo [...] já tinha uma tradição gramatical atrás de si: a gramática alexandrina já possuía representatividade, embora não nas questões de sintaxe. Ele foi, na verdade, o único gramático antigo que escreveu uma obra completa e independente sobre sintaxe [...] (NEVES, 2002, p. 69). A tradição gramatical grega chegou a Roma de forma inusitada. Weewood (2005) relata que o estóico Crates de Malos quebrou a perna durante uma missão diplomática em Roma e aproveitou seu tempo de convalescença dando palestras sobre gramática. Silva (2002, p. 19) reforça essa idéia, dizendo que Varrão (um século a.C.) foi discípulo do gramático Crates de Malos, traçando para o latim as contribuições da gramática grega. Desse modo, o gramático Varrão contribuiu para os estudos gramaticais em Roma. Para o estudioso, a língua literária clássica foi eleita como o modelo de gramática do latim padrão, propondo que escrever e falar corretamente implicaria seguir o modelo da escrita literária dos poetas. Nessa perspectiva, “[...] a gramática que se propõe é a do latim padrão, posteriormente chamado latim clássico, por oposição ao latim chamado também posteriormente vulgar, isto é, falado pelas classes ‘baixas’ da República e do Império romanos” (SILVA, 2002). Em síntese, a questão da gramática no período da cultura clássica greco-romana relaciona-se com a especulação filosófica (a Lógica) e com o estudo dos textos clássicos (a Filologia), estabelecendo um padrão normativo (a gramática do certo e errado). Camara Jr. (apud BRITO, 1997) caracteriza esse momento histórico como o dos estudos paralingüísticos, no que concerne à especulação filosófica, e pré-lingüístico, no que diz respeito às preocupações filológicas e normativas. Neves (2002) acrescenta que os estudos acerca da gramática se erguem através de uma sistematização da língua como paradigma e, ao mesmo tempo, levantam- 26 se desvios e irregularidades, nascendo o que chamamos de gramática tradicional. A autora aponta que, segundo [...] os métodos de classificação que o exercício do pensamento teórico permitira desenvolver, os fatos de língua se sistematizam. Guardando as marcas da filosofia que, dando-lhe base teórica, lhe dirigiu os primeiros passos, a gramática se erige em disciplina (NEVES, 2002, p. 36). Na Idade Média, a tradição gramatical das duas línguas clássicas (grega e romana) permaneceu, embora já houvesse vertentes com interesse em estudar as variedades lingüísticas que concorriam com o latim, ou seja, a língua nativa dos povos dominados por Roma. Dessa forma, num período de dez séculos – entre a Antigüidade Clássica e o mundo moderno – germinaram novas sementes e cultivaram-se as velhas. Em relação aos velhos modelos, Silva (2002) destaca Donato e Prisciano, visto que esses gramáticos deram continuidade à tradição da língua latina, que foi a língua modelo na Europa medieval. Já as novas variedades que concorriam com o latim adequavam-se lexicalmente e sintaticamente à tradição gramatical grecolatina. A autora ainda aponta que a obra Doctrinale Puerorum, de Alexandre Villedieu, é uma gramática do latim que tem como referência as línguas “vulgares”, isto é, as línguas românicas. Essa nova realidade lingüística acena uma inovação que ultrapassa o grego e o latim clássico como único padrão a ser seguido. Entretanto, a referência do latim como norma padrão continuou no Renascimento, embora tivesse sofrido transformações no processo de adaptação às línguas vulgares. Kristeva (1974) versa sobre essa polaridade, ao dizer que, no Renascimento, houve um interesse e uma materialização dos estudos das línguas modernas, tendo o latim como molde para esses idiomas. Porém, este já não era o único padrão lingüístico. Para Brito (1997), esse período foi marcado por um processo de gramaticalização fundada em duas bases: os “livros” gramática e o dicionário. Ambos foram o 27 alicerce para a normatização dos idiomas, haja vista as línguas nacionais românicas (línguas formadas do latim vulgar) constituírem-se como objetos de padronização para os gramáticos. O ápice da modelização deu-se com o advento da Imprensa, pois, [...] no caso do texto impresso, “não apenas a multifacetação do mesmo é incontornável, como a normalização dos vernáculos se torna uma questão de estandartização profissional [...] a difusão do livro impresso impõe-se, então, a constituição de um espaço ilimitado no qual cada idioma, liberado da variação lingüística, se torna isótopa (AUROUX, apud BRITO, 1997, p. 88). Além dos processos de padronização das línguas “vulgares” à luz da língua latina, existiram, no período renascentista, gramáticos que se dedicaram à “consagração” do latim. De acordo com Silva (2002), Scaliger delimitou o campo da gramática como ciência e construiu uma gramática de caráter normativo da língua latina. Porém existiram gramáticos que se libertaram do âmbito das línguas clássicas (latim e grego), privilegiando a observação dos usos lingüísticos e construindo as gramáticas descritivas. Os dois tipos de gramática (normativa e descritiva) constituíram-se em duas possibilidades: a língua como objeto de estudo e como objeto de ensino, tentando ser, ao mesmo tempo, gramáticas descritivas e gramáticas normativas (SILVA, 2002, p. 25). Nesse sentido, o Renascimento trouxe como marco a língua como objeto de ensino, devido à necessidade social de se ensinarem as línguas vulgares e o latim nas escolas da Europa. O caráter pedagógico da gramática também foi instrumento para as novas populações que deveriam ser cristianizadas em outros continentes. Portanto, a partir da segunda metade do século XV, a expansão colonial ibérica (Espanha e Portugal) traduzia-se com uma dupla função: dominação política e dominação cultural para os povos colonizados. Os moldes da gramática grecolatina foram revitalizados, constituindo-se como alicerce para a construção das gramáticas de línguas portuguesa e castelhana. Gnerre (2003) ressalta que, na 28 primeira gramática castelhana de Antonio Nebrija (1492), se encontra como justificativa a utilidade da sistematização gramatical para a difusão da língua entre os povos bárbaros. Nesse contexto, torna-se explicável a elaboração de gramáticas da Língua Portuguesa, uma vez que Portugal e Espanha corriam para as conquistas coloniais. Entre os gramáticos portugueses quinhentistas, mencionamos João de Barros, que demonstrou ser a língua um instrumento para a difusão da doutrina e dos costumes, ao se posicionar da seguinte forma: [...] mas não é somente instrumento de difusão, pois “as armas e padrões portugueses [...] materiais são e pode-os o tempo gastar, pero não gastará a doutrina, costumes e a linguagem que os portugueses nessas terras deixaram” (BARROS, apud GNERRE, 2003, p.14). Além da importância devida ao seu caráter político e ideológico, a gramática construída por João de Barros é considerada a mais completa do Quinhentismo. Pautado na tradição greco-latina, Barros divide-a em quatro partes: Ortografia, Prosódia, Etimologia e Sintaxe. Esta última resume-se a observações sobre concordância e regência, tópicos que até hoje constituem o centro da gramática tradicional. Dois séculos mais tarde, destaca-se Jerônimo Soares Barbosa (1737-1816), gramático da Língua Portuguesa que introduziu inovações na descrição e no âmbito pedagógico da língua. Para Jerônimo Barbosa, a gramática é a arte que ensina a pronunciar e escrever corretamente qualquer língua, ou seja, o objetivo da Grammatica é disciplinar o uso escrito e falado formal por meio do treinamento de suas regras. Dessa forma, Jerônimo Soares Barbosa “[...] trata a língua enquanto objeto de estudo e enquanto objeto de ensino, as duas finalidades imbricadas, no molde até hoje mantido na Gramática Tradicional” (SILVA, 2002, p. 40). Silva (2002) ainda ressalta que o referido gramático segue o modelo da Grammaire générale et raisonéé de Port Royal, precursora de uma longa série de gramáticas gerais, filosóficas, universais ou especulativas e, sobretudo, portadora 29 da tradição universal do estudo da linguagem entre 1660 e 1800, confirmando uma base cognitiva da linguagem supostamente presente em todas as línguas.6 Ressalte-se ainda que o gramático Jerônimo Soares Barbosa foi visitado por gramáticos brasileiros, e as discussões empreendidas em “solo” português fizeram-se presentes também no Brasil, tendo em vista as peculiaridades de difusão da Língua Portuguesa no território brasileiro. 1.1 A TRADIÇÃO GRAMATICAL NO BRASIL Como pontua Geraldi (2005),7 a implantação da língua do colonizador português ocorreu de forma particular em “terras brasileiras”. Isso porque a necessidade de contato entre índios e jesuítas e/ou colonizadores resultou, inicialmente, na criação de uma língua geral, ou seja, uma língua de contato. Mas já podemos observar o interesse em sistematizar essa língua, haja vista os jesuítas (destaque para José de Anchieta) terem construído a Arte da Gramática da Língua mais usada na costa do Brasil, embora a institucionalização da Língua Portuguesa tenha desconsiderado dois séculos mais tarde a língua geral. De acordo com Guimarães (2005), há quatro momentos históricos que nos levam à constituição do português como Língua Oficial do País. O primeiro momento (1532-1654) caracterizou-se pelo trânsito de três línguas em território brasileiro: as línguas indígenas ou Língua Franca, que possibilitava o contato entre os índios e os portugueses; a Língua Oficial do Estado Português, que era empregada em documentos oficiais ligados à administração da Colônia; e o holandês. No segundo período (até 1808), Portugal concretizou o processo de colonização, tomando medidas diretas e indiretas com o propósito de impedir o uso da Língua Geral (línguas indígenas). Como exemplo, a proibição da Língua Geral nas 6 Kristeva (1974) destaca que a gramática de Port Royal se configura por conceber a língua como sistema de signos, por se basear na lógica e por trazer uma abordagem científica da linguagem. 7 Tranças do poder, danças dos letrados a infatigável tarefa de frear a língua. 2005. Palestra proferida no VIII Fórum de Estudos Lingüísticos, Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 30 escolas. A vinda da família real, que assinala o terceiro momento, aumentou a população portuguesa no Brasil, logo o número de falantes do português. Nesse contexto, Dom João VI criou a Imprensa, dando à Língua Portuguesa um instrumento de circulação. O quarto período configurou-se por discussões sobre o fato de o ensino ter que se alicerçar na gramática de língua nacional, ou seja, na gramática de Língua Portuguesa. “É também dessa época o processo pelo qual os brasileiros tiveram legitimadas suas gramáticas para o ensino do português e seus dicionários” (GUIMARÃES, 2005). Desse modo, em 1881, o gramático Júlio Ribeiro publicou a Grammatica Portuguesa, consolidando, no Brasil, uma concepção de linguagem como um conjunto de regras científicas que deveriam ser seguidas como normas prescritivas. Esse período normativista estendeu-se até a década de 1930, concretizando uma cultura voltada para a padronização dos usos da Língua Portuguesa. Maurício Silva (2006) traz o seguinte dado: [...] dos nomes que compõem a tradição gramatical brasileira, aqueles que se agrupam nos limites dos cinqüenta anos [1880-1930] aqui determinados [...] nomes que serviriam de modelo teórico para toda a gramaticografia brasileira vindoura, mas principalmente por se tratar de uma época mediadora entre um modelo gramatical calcado numa tradição clássica de natureza filosófica – da qual a Grammatica Philosophica da Língua Portuguesa (1822), de Jerônimo Soares Barbosa, viria a ser uma das mais expressivas representantes (SILVA, Maurício, 2006, p. 6). Ainda de acordo com Maurício Silva (2006), foi no final do século XIX que as gramáticas brasileiras adquiriram legitimidade. Para o autor, num primeiro momento foi constatado que a escrita das gramáticas se pautava nos fundamentos oriundos dos estudos lingüísticos europeus, já se fazendo também diferenciações entre o português brasileiro e o lusitano. Num segundo momento, constatou-se que as gramáticas brasileiras adquiriam uma legitimidade institucional. É importante mencionar que, nesse momento histórico, emergiram movimentos que discutiam a questão da língua brasileira. A materialidade das discussões pode ser vista entre os românticos indigenistas, cujo protagonista foi José de 31 Alencar. Como mostra Geraldi (2005, p. 7), Alencar “[...] dirá que cabe ao povo criar a língua e ao escritor burilar estas criações segundo o gênio da língua, para as introduzir na língua, para torná-las parte da língua, isto é, aceitáveis gramaticalmente”. Um outro fato mencionado por Geraldi (2005) remonta ao início do século XX – o debate entre Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro, ambos pertencentes à cultura letrada. O debate girava em torno da correção gramatical do Código Civil, ou seja, a questão era discutir as vírgulas e pontos-e-vírgulas presentes no documento, sem um “olhar” crítico para o conteúdo do texto. Ainda data desse período, o surgimento na Imprensa de espaços reservados às colunas sobre a Língua Portuguesa, inaugurando no Brasil uma política lingüística que postulava uma variedade única, resultando numa “peleja” acirrada contra as variedades que fugiam do padrão instituído. Entretanto, vimos surgir, por volta de 1920, um movimento “de resistência” por parte dos literatos modernistas brasileiros sobre a institucionalização da unidade lingüística no Brasil. Estamos referindo-nos especificamente a Mário de Andrade e à sua Gramatiquinha da Fala Brasileira. Inclusive o gramático Celso Cunha (apud RUSSEFF, 2003) não desconsidera a empreitada “não totalmente” realizada por Andrade, como explicita o seguinte trecho: Se o Movimento de 1922 não nos deu – nem nos podia dar – uma língua brasileira ele incitou os nossos escritores a concederem primazia absoluta aos temas essencialmente brasileiros, com suas formas culturais próprias e a enunciarem de maneira adequada esses temas, ou seja, preferirem sempre palavras e construções vivas do português do Brasil (CUNHA, apud RUSSEF, 2003). Para completar, Celso Cunha (apud RUSSEFF, 2003) lamenta que Mário de Andrade não tenha “dado cabo” ao seu projeto. Na explicação do filólogo, o literato modernista não conseguiu encontrar na sua obra elementos indispensáveis para comprovar a existência de um sistema lingüístico diferente do português de Portugal, o que justificaria uma língua brasileira. 32 Por outro lado, como mostra Russeff (2003), Mário de Andrade tinha como objetivo abrasileirar a expressão culta nacional. Isso porque compreendia que a emancipação cultural do País dependia também da universalização da língua utilizada pela maior parte dos brasileiros, outorgando-lhe um estatuto normativo. Desse modo, elevar a fala brasileira à condição de prestígio social trazia em seu bojo o deslocamento do poder da norma lusofônica. Nesse caso, [...] o poeta não abrasileirava a sua linguagem só para “inquizilá” os defensores da norma culta; a sua desordem gramatical estava orientada por um princípio normativo que ele entrevia na fala brasileira, sob a rígida carapaça da língua portuguesa oficial (RUSSEFF, 2003, grifo do autor). Nesse contexto de valorização de registro da língua falada pelos brasileiros, começaram a entrar no País os pressupostos teóricos de cunho estruturalista, fomentando-se a descrição da Língua Oficial Brasileira. Dessa forma, a produção gramatical passou a ser regulada pelos estudos da Lingüística Estruturalista. Segundo Uchôa (2004), Mattoso Camara Jr. foi o pioneiro a firmar o discurso da lingüística moderna no Brasil, estabelecendo um contraponto com o estudo da linguagem numa visão filológica da língua. Com relação à abordagem teóricometodológica dos estudos acerca do estruturalismo, as idéias de Camara Jr. nortearam também, a partir da segunda metade do século XX, as gramáticas normativas do português. Portanto, [...] uma das mais importantes mudanças detectadas nos estudos lingüísticos no Brasil [...] foi a procura de um embasamento teórico e metodológico em outros referenciais que não aqueles advindos da tradição filosófico-portuguesa [...] Os estudos lingüísticos efetuados no Brasil passaram a clamar por outro estatuto da cientificidade após a introdução, ainda que tardia e descontínua, do estruturalismo (ALTMAN, apud SILVA, Maurício, 2006, p.8). Podemos inferir que Mattoso Camara divulgou no Brasil o arcabouço teórico de Ferdinand de Saussure.8 Para o autor genebriano, a Lingüística, como ciência da linguagem, inauguraria um objeto científico de pesquisa (o sistema da língua). A gramática, que, desde os gregos, estava desprovida de uma visão científica da 8 No texto J. Mattoso Camara Jr e a lingüística moderna, Leodegário Azevedo aponta Camara Jr. como um lingüista que teve um papel importante na formação das novas gerações lingüísticas brasileiras a partir não só da divulgação dos pressupostos teóricos de Saussure, como também dos autores, como Bloonfield, Jakobson, Sapir, Trubetzkoy, entre outros. 33 língua, foi considerada por Saussure (2004) uma disciplina normativa afastada da pura observação. Definiu também a Filologia e os Estudos Comparados como algo distanciado de uma verdadeira ciência da língua. Em Estrutura da Língua Portuguesa, Mattoso Camara critica a gramática tradicional, visto que esta não se volta para a realidade social, como também não busca as causas do funcionamento da linguagem. Porém, Brito (1997) diz que esse lingüista brasileiro, mesmo reconhecendo que as variedades coloquiais mereciam ser estudadas e que o ensino da língua se dá através de uma gramática descritiva e desinteressada de preocupações normativas, acaba reforçando a diferença qualitativa que se estabelece entre variedade culta e outras variedades, pois [...] a descrição não tomará por base, evidentemente, uma modalidade popular ou remotamente regional. Muito menos vai se assentar em um uso elaborado e sofisticado, como é, por exemplo, a língua da literatura. Partirá do uso falado e escrito considerado “culto”, ou melhor dito, adequado às condições “formais” (CAMARA JR., apud BRITO, 1997, p. 41, grifo do autor). Desse modo, nas décadas de 1960 e 1970, gramáticos como Celso Cunha, Evanildo Bechara e Domingos Paschoal Cegalla, entre outros, possibilitaram a materialização de um padrão culto ou norma culta da Língua Portuguesa em suas respectivas gramáticas. Conforme Brito (1997, p. 52), já circulava nessa época “[...] o reconhecimento por parte da Lingüística de que todas as variedades têm o mesmo estatuto lingüístico, de modo que não se pode falar em línguas ou variedades melhores ou piores”. O autor ainda afirma que a adoção das variedades lingüísticas, como expressões legítimas da língua, fez com que os autores das gramáticas tradicionais acrescentassem em suas obras um capítulo em que reconhecem a variedade. Porém os gramáticos resguardaram a superioridade da norma culta, consolidando o vínculo entre a descrição e o normativismo. “A bem da verdade, parece ponto pacífico entre os pesquisadores do assunto ou para o observador mais atento o fato de que toda gramática normativa apresenta certo grau de descrição da língua” (SILVA, Maurício, 2006, p. 3). 34 Sendo assim, Ribeiro (2001) diz que seria ingênuo acreditar que as contribuições dos estudos lingüísticos pudessem suplantar os quase dois mil anos de tradição gramatical, embora reconheça os esforços realizados pela Lingüística, nos últimos trinta anos, para delinear um novo paradigma para o ensino de Língua Portuguesa. Nessa perspectiva, o nosso objetivo em versar sobre a tradição normativa da gramática foi refletir sobre o modelo de gramática que se presentifica em aulas de Língua Portuguesa, conforme mencionado no início deste capítulo. Silva (2002) chama atenção para o fato de que conhecer a história da gramática tradicional é, acima de tudo, tomar consciência sobre como esse tipo de gramática veio constituindo-se no decorrer dos séculos, tornando-se, ao mesmo tempo, um paradigma para o ensino de língua materna. Além disso, neste estudo, adotamos uma perspectiva de não “neutralidade” para a forma como ocorreu a constituição da gramática tradicional , ao assumir que “[...] esta Gramática, como qualquer gramática, não é inocente” (FOURNIER e LIEEMAN, apud SILVA, 2002, p. 65). Por outro lado, trouxemos as contribuições dos estudos acerca da linguagem, configuradas nas pesquisas iniciadas na Antigüidade Clássica, não desconsiderando dessa forma os estudos realizados por filósofos, filólogos, gramáticos e lingüistas no decorrer dos séculos. 1.2 A GRAMÁTICA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Sobre o ensino de conhecimentos gramaticais em aulas de Língua Portuguesa, Ribeiro (2001) chama a atenção para o fato de que, nos últimos 30 anos, há esforços realizados pela Lingüística para configurar um “novo” paradigma acerca do referido ensino. Isso porque as pesquisas lingüísticas constituíram-se em base não só para se refletir a necessidade de uma reforma nos cursos de Letras,9 9 A Lingüística foi implantada no currículo de Letras por uma resolução do Conselho Federal de Educação, em dezembro de 1961. 35 como também para se repensar o ensino de língua portuguesa nos ensinos primário e secundário a partir da metade do século XX. Portanto, refletir sobre as discussões acerca do ensino gramatical nas aulas de Língua Portuguesa no nível básico de ensino,10 nas últimas décadas do século XX, implica que pontuemos alguns aspectos das investigações da Lingüística no decorrer desse século, a fim de compreendermos críticas, bem como propostas elaboradas por estudiosos no campo da linguagem, no Brasil, para um ensino que se distanciasse da tradição filológica e normativa da gramática tradicional. Nesse contexto, tem-se também o surgimento de outras concepções gramaticais (Gramática gerativa, Gramática textual, Gramática funcionalista, por exemplo) devido às investigações da Lingüística. No que tange ao ensino de língua materna no nível básico de educação (atualmente ensinos fundamental e médio), Marcuschi (2000) articula concepções de língua que circularam e circulam devido às pesquisas da Lingüística, no decorrer do século XX, e que estão transitando no Brasil. Algumas delas, constituem-se em “fonte” para se refletir sobre o ensino de língua materna nos últimos 40 anos. Desse modo, em oposição à concepção de língua como fator de identidade, com uma base greco-latina e filológica, têm-se os estudos de Saussure, trazendo a concepção: língua como sistema de regras, voltado para uma análise exaustiva dos aspectos morfológicos, fonológicos e sintáticos. Para isso, todo conteúdo ideológico e social da língua foi “esvaziado” em função de uma fôrma ou forma: fonologia, sintaxe e morfologia, que juntas constituem a sistematização de uma língua. De acordo com Marcuschi (2000), até a década de 1950, predominavam os estudos no plano descritivo, explicativo e imanente das formas da língua, sem uma percepção dos usuários. Língua como capacidade inata da espécie humana; outra concepção, por conseguinte, a mais divulgada. Trata-se de uma idéia defendida por Noan Chomsky em sua obra Syntactic strutures. Nesse texto, Chomsky desenvolveu o 10 Segundo o Art. 21, inciso I, da Lei 9394/96, a educação básica é composta pela educação infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino médio. Estamos compreendendo no contexto de discussão acima, como ensinos fundamental e médio. 36 conceito de Gramática gerativa, a qual oferecia um meio para a análise dos enunciados. Estabeleceu a competência (conhecimento que uma pessoa tem da língua) e o desempenho (uso efetivo desta língua em situações reais), cabendo ao lingüista descrever as regras que governam a estrutura da competência do falante. Ocorre, nesse caso, uma estreita relação entre linguagem e pensamento. De acordo com Weedwood (2005), os críticos costumam incluir Noan Chomsky entre os que concebem a linguagem como expressão do pensamento. A concepção de língua como fenômeno social trouxe no seu bojo a idéia de variação lingüística e a Sociolingüística passou a influenciar as discussões sobre a valorização de variedades além da variedade padrão. Nesse momento, floresceram ainda os estudos da Psicolingüística como forma de compreender os processos de aquisição cognitiva da linguagem. Já a concepção de língua como fator de ação postula que, para além de uma variação da língua no meio social, ela pode ser “pensada” em seu funcionamento a partir de contextos situacionais no meio social entre os sujeitos. Essa concepção, de acordo com Marcuschi (2000), traz idéias pragmáticas que não se desenvolveram efetivamente devido à complexidade no seio da Filosofia Analítica da Linguagem. Nesse contexto, Weedwood (2005) afirma que a Lingüística sofreu, na segunda metade do século XX, uma guinada pragmática, distanciando-se das investigações voltadas para a estrutura da língua. Para isso, o objeto de estudo passou a ser o uso que os falantes fazem da língua. Aponta a pragmática como aquela que estuda os fatores que regem nossas escolhas lingüísticas na interação social e, sobretudo, os efeitos das escolhas sobre os interlocutores. Finalmente, passou a fazer parte das reflexões a concepção de língua como atividade e de texto como evento (Lingüística do texto). Sobre isso, Marcuschi (2000) afirma que, 37 [...] se os anos iniciais do séc. XX até os anos 60, foram dominados pelo estudo da lingüística estrutural, predominando ali a análise de elementos isolados e, no máximo, admitindo como unidade maior a frase, a partir dos anos 60 dá-se uma guinada nesta posição. Desde então, a postura teórica em relação aos estudos lingüísticos é a identificação de uma nova unidade lingüística, isto é, o texto, ou seja, uma perspectiva supra-frasal [...] tratase de valorizar a língua em contextos de uso naturais e reais, privilegiando a atividade lingüística autêntica com textos produzidos em situações cotidianas orais e escritas (MARCUSCHI, 2000, p.4, grifos do autor). Conforme Marcuschi, a perspectiva da Lingüística do texto conseguiu infiltrar-se nas práticas de ensino de língua materna por conta do aparato teórico adequado à análise do funcionamento do texto sob a égide de dois aspectos do ensino que passaram a dominar a partir dos anos de 1980: produção e compreensão de textos. Travaglia (2002a) aponta que o ensino de Língua Portuguesa passou a ser pensado a partir das contribuições de teorias de enunciação, abarcando Lingüística textual, Teoria do discurso, Análise da conversação, Semântica argumentativa e todos os estudos ligados à Pragmática. Ribeiro (2001), por sua vez, ressalta que as idéias debatidas nesses estudos resultaram em uma concepção de linguagem mais ampla, possibilitando melhor compreensão dos fatos da língua e das condições em que se processa o ensino para a população brasileira. Inferimos que esse “movimento” de idéias lingüísticas circulando, no decorrer do século XX, aqui, no Brasil, abriu um espaço para se discutir o ensino de Língua Portuguesa. No que tange ao ensino gramatical, objeto deste estudo, questionava-se a forma como a gramática tradicional se materializava nas aulas de língua materna, criticando-se a extrema valorização das regras de exceção da gramática normativa em detrimento de outras variedades que não estivessem em conformidade com a norma padrão. Além disso, configurava-se um ensino de nomenclaturas e classificações (ensino metalingüístico) articulado a exercícios de identificação de conteúdos gramaticais em frases descontextualizadas. 38 Nessa perspectiva, em 1977, em simpósio na XXIXX Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC, Ataliba de Castilho discutia a necessidade de rever o conceito de norma preconizado no ensino de gramática, tendo em vista as contribuições da Sociolingüística, já que o autor apontava a diversidade lingüística do alunado como resultado da estratificação de classes sociais da sociedade brasileira. Conforme Brito (1997), na década de 1970, pairaram discussões nos Institutos e Faculdades de Língua e de Pedagogia, com objetivos de propor alternativas ao que se vinha concebendo como ensino de Língua Portuguesa: algo que não fosse pautado na tradição filológica da gramática tradicional. Assim, [...] a crítica reformadora indica que a preocupação com o ensino de determinada teoria gramatical e sua respectiva metalinguagem e a valorização absoluta de uma modalidade lingüística no ensino fizeram com que a escola esquecesse, progressivamente, aquilo que é fundamental no exercício da língua: o texto [...] trazê-lo de volta para a sala de aula significa desviar o foco de atenção e pensar a língua em suas condições de uso (BRITO, 1997, p. 102). Na década de 1980, tem-se a publicação (1984) do livro O texto na sala de aula, que se constituiu, a nosso ver, como um divisor de águas, pois, além de sua efetiva divulgação entre os professores de língua materna, esse livro trouxe uma proposta de deslocamento do ensino normativo e metalingüístico para a valorização do uso da linguagem (leitura, produção de textos) e análise lingüística (aspectos gramaticais/discursivos) sobre esse uso. De acordo com o autor da obra O texto na sala de aula, as relações humanas por meio da língua ou da linguagem são experenciadas no processo de interação social, implicando distinguir na escola a dicotomia entre o ensino da língua e o ensino de metalinguagem (ensino técnico das formas da língua). Há uma diferença entre saber nomenclaturas e definições de fatos de uma língua ou dominá-la em situações concretas de interação. Contudo, a escola atém-se ao domínio da descrição através da gramática instituída tradicionalmente. Geraldi, nesse âmbito, assim se posiciona: 39 Parece-me que o mais caótico da atual situação do ensino de Língua Portuguesa em escolas de 1º grau consiste precisamente no ensino, para alunos que nem sequer dominam a variedade culta, de uma metalinguagem de análise dessa variedade – com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análises de problemas que mesmo especialistas não estão seguros de como resolver (GERALDI, 1999, p. 45). Não podemos deixar de mencionar também uma das versões do trabalho do professor Carlos Franchi, Criatividade e gramática, que inicia trazendo, em nota de rodapé, o propósito do artigo bem como os interlocutores a que se dirige: Circulou mimeografado um trabalho meu, com esse mesmo titulo, “Criatividade e gramática”. Esta versão é uma reconstrução inteira desse artigo. Primeiro, porque ele estava mal construído e cheio de inadequações. Segundo, porque não respondia a seus propósitos, pelo tom acadêmico e pelas inúmeras citações e estudos de autores. Nesta versão, limito as citações, como os jargões da lingüística, e mantenho, quanto possível, um estilo intuitivo e não técnico. Quero ser lido por aqueles a quem dedico este artigo, os professores que ainda insistem em ser professores, apesar de tudo. Os lingüistas me desculparão a falta de rigor e de “normalidade”. Isso posso tentar fazer em outro lugar (FRANCHI, 2006, p. 34, grifos nossos). Desse modo, nos anos de 1980, tem-se um “movimento” mais consistente no sentido de expansão de bibliografias críticas, encontros com especialistas, cursos de extensão e formação para professores com objetivos de questionar a “inoperância” do ensino da gramática tradicional. Conforme dito, foi necessário encontrar um objeto que correspondesse a uma efetivação e até mesmo a uma função do estudo da língua materna: o texto como unidade de ensino. Entramos nos anos 1990 com discursos “quase” uníssonos para uma reflexão do ensino da gramática de Língua Portuguesa, já que o ensino normativo, na visão dos estudiosos, não dava sustentação à utilização da língua em contextos sociais e reais entre os interlocutores. Esses discursos presentificaram-se em estudos e pesquisas (GERALDI, 1997 [1991]; TRAVAGLIA, 2002a [1995]; PERINI, 2005 [1997]; POSSENTI, 1996; BRITO, 1997)11 que se detiveram a analisar as 11 Ao estudarmos tais obras, inferimos que esses autores não só basearam suas pesquisas em teorias da Lingüística, como também tenderam mais para determinadas correntes. Assim, podemos inferir que Travaglia traz uma base da Lingüística textual; Geraldi “passeia” pela subjetividade de Benveniste, teoria de Bakhtin, entre outros, deixando uma “marca” enunciativa para as suas questões; Brito aborda uma vertente discursiva, até mesmo elege os Gêneros do 40 implicações para o ensino de Língua Portuguesa. Percebemos que as críticas ao ensino da gramática desencadearam propostas de trabalho sobre as práticas do ensino de Língua Portuguesa e, embora os referidos autores tenham traçado caminhos diferentes ou escolhido um “viés” teórico diferente, possibilitaram uma consideração sobre o desenvolvimento de capacidades dos indivíduos de fazerem uso das formas da língua nos processos interlocutivos, trazendo à tona a seguinte questão: Ensinar ou não gramática na escola? Inferimos que os autores não romperam com a idéia da necessidade do ensino gramatical, contudo apontaram para o redimensionamento da utilização da gramática em sala de aula, trazendo sugestões. Podemos ainda afirmar que há possibilidades para refletir sobre o ensino de conhecimentos gramaticais a partir das contribuições dos estudos lingüísticos. Consideramos que o avanço dessas propostas foi significativo, pois delas emergiram, se não mudanças imediatas na realidade da escola, pelo menos reflexões em torno dos problemas com o ensino de língua materna. Acreditamos que as críticas e sobretudo as contribuições citadas acima “semearam” um solo, tornando-o fértil para que outras propostas de ensino da língua materna se consolidassem. Estamos referindo-nos ao conceito de gêneros discursivos/textuais apontados como unidade básica para o ensino/aprendizagem em aulas da língua materna. Vale mencionar que Rojo e Cordeiro (2004) destacam que, a partir da década de 1980, o texto foi tomado como objeto para o ensino, propiciando atos de leitura, produção e análise lingüística. No entanto, as autoras ressaltam que, nesse momento, o texto foi concebido como objeto de uso, e não como objeto de ensino. E uma das críticas colocadas é a configuração tipológica cristalizada nas estruturas de textos escolares: narração, dissertação, descrição. Com essa classificação, na visão de Rojo e Cordeiro (2004), há um engessamento na produção de textos no espaço escolar, resultando numa tendência em desconsiderar as circunstâncias de produção. Em contrapartida, no discurso de Bakhtin; Possenti pauta-se numa concepção de linguagem chomskniana, ao conceituar a gramática internalizada, e ainda aborda a Sociolingüística, ao versar sobre o conceito de gramática descritiva; Perini, nesse texto, constrói um conceito de conhecimento implícito da lingua que, a nosso ver, está em conformidade com o conceito de gramática internalizada. 41 pólo da recepção de textos, predominavam as leituras de extração de informações, em detrimento de leituras reflexivas e críticas. Diante desses fatos, podemos reafirmar que a teoria dos gêneros discursivos encontrou uma base para se “assentar”. Mas, na perspectiva dos gêneros, [...] passam a ter importância considerável tanto as situações de produção e circulação dos textos como a significação que nelas é forjada, e, naturalmente, convoca-se a noção de gêneros (discursivos ou textuais) como um instrumento melhor que o conceito de tipo para favorecer o ensino de leitura e de produção de textos escritos e, também, orais (ROJO; CORDEIRO, 2004, p.11). Assim, temos atualmente o conceito de gênero discursivo visto como possibilidade de redimensionar o ensino de língua materna. Barbosa (2001) afirma que a adoção dos gêneros do discurso de cunho bakhtiniano está apontada como uma das perspectiva de trabalho com a Língua Portuguesa. Tendo em vista o objeto deste estudo, os conhecimentos gramaticais, faz-se necessário problematizar: Como fica o ensino gramatical quando adotamos o conceito bakhtiniano de gêneros discursivos? 42 CAPÍTULO II O PROBLEMA DE ESTUDO A teoria dos gêneros do discurso ganhou destaque no Brasil a partir de 1995. A nosso ver, isso se deve principalmente ao fato de estar postulado nos PCNs-LP a eleição do conceito dos gêneros discursivos, constitutivos do texto, como unidade básica do ensino/aprendizagem da língua materna. Nesse documento, é destacado que o texto (oral e escrito) deve dispor de uma descrição dos elementos regulares e constitutivos do gênero. Dito de outro modo, que os textos se configurem tendo em vista restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os particularizem e os diferenciem diante da diversidade dos gêneros. Nesse contexto, Rojo (2005) destaca que a base teórica dos gêneros discursivos está presente em 95 títulos sênior, 12 dissertações de mestrado e sete teses de doutorado, tendo como referência pesquisa realizada pela Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Letras e Lingüística-ANPOLL, nos anos de 1995 a 2000. A autora ainda aponta que 63 desses trabalhos se dedicam ao campo da linguagem e da educação, o que reforça a hipótese do impacto dos PCNs de língua materna sobre esses estudos. No que se refere ao processo de ensino/aprendizagem de língua materna, não devemos desconsiderar o dado de que os estudiosos estão tomando como referência o texto Os gêneros do discurso, que se encontra na obra Estética da criação verbal12 de Bakhtin (2003). Desse modo, as reflexões desse autor ancoram pesquisas e documentos curriculares. A partir desses estudos é possível compreender como o ensino gramatical vem sendo concebido diante da indicação dos gêneros discursivos e o impacto dos referidos estudos no interior das aulas de Língua Portuguesa. Koch (2004) destaca os pesquisadores da Faculdade de 12 Koch (2004) aponta que a pesquisa atual sobre os gêneros toma como ponto de partida os estudos de Bakhtin e sua obra Estética da criação verbal. 43 Psicologia e Ciências da Universidade de Genebra como aqueles que fizeram convergir o conceito de gêneros do discurso de Bakhtin para o ensino de língua materna. Dentre os pesquisadores, a autora destaca Schneuwly, Dolz, Bronckart e Pasquier. Houve aqui no Brasil divulgação em torno das pesquisas feitas na Suíça por esses autores. Rojo e Cordeiro (2004), acerca da difusão da obra Gêneros orais e escritos na escola de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz no Brasil, assim se posicionam: [...] a discussão como um todo cabe perfeitamente para a reflexão sobre o ensino de português no Brasil. Isso, por duas razões: [...] está se discutindo o ensino de língua materna e não do francês (ou do português) como língua estrangeira; e, também nos dois casos, está se discutindo o ensino de unidades do discurso (gêneros) mais que da língua propriamente dita (fonemas, morfemas, sintagmas) (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 14). Dolz e Schneuwly (2004) apresentam a didatização dos gêneros, ao afirmarem que a moda das tipologias cedeu lugar à dos gêneros. Com essa máxima, iniciam o artigo Gênero e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas, traduzindo para a escola um ensino de língua materna pautado nos gêneros discursivos, sob a ótica de Bakhtin. Os autores partem da hipótese da relação entre tipos e gêneros a fim de evidenciar a utilidade dessa noção, ultrapassando uma vertente estruturalista tipológica dos textos para compreendê-los como indissociáveis das situações de produção discursiva. Acrescentam ainda que, na concepção de gêneros, devem ser consideradas as dimensões centrais que fazem parte de toda atividade humana: o sujeito, a ação e o instrumento. Nessa perspectiva, os gêneros discursivos são compreendidos como instrumento de mediação semiótica, por meio do qual os sujeitos agem discursivamente nas situações de interação. De acordo com o autor, [...] há visivelmente um sujeito, o locutor – enunciador, que age discursivamente (falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com ajuda de um instrumento que aqui é um gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de textos (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 27). 44 Dolz e Schneuwly (2004) esclarecem que o gênero trabalhado na escola é uma variação do gênero de referência que contempla a dinâmica escolar de ensinoaprendizagem. Eles propõem para a transformação do gênero – de materialidade social para uma perspectiva escolar – a elaboração de modelos didáticos de gêneros que reflitam um desdobramento: o gênero não é somente um instrumento de comunicação; é, ao mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem. Nesse caso, mesmo que os gêneros não se concretizem com o mesmo sentido de origem, “[...] trata-se de colocar os alunos em situações de comunicação que sejam o mais próximo possível de verdadeiras situações de comunicação, que tenham um sentido para eles” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 81). Para os autores, é necessário quebrar a fronteira entre a escola e a sociedade para que os gêneros possam constituir-se em objetos de ensino. Para tanto, Dolz e Schneuwly (2004) partem da noção de currículo, em que os conteúdos disciplinares são determinados a partir das capacidades dos alunos e relacionados com os objetivos de aprendizagem, entre outros componentes do ensino. Atrelada aos componentes do currículo, os autores trazem a noção de progressão, isto é, “[...] a organização temporal do ensino para que se chegue a uma aprendizagem ótima” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 43). A progressão curricular tem como base teórica o interacionismo instrumental que, em linhas gerais, se volta para as relações entre ensino-aprendizagem e os instrumentos que podem ser concebidos como possibilidade de transformação dos comportamentos. Como mostram Dolz e Schneuwly (2004), o interacionismo instrumental leva em conta o lugar social onde a aprendizagem se concretiza (escola), a intervenção do professor e as interações entre educador/educando. Nessa perspectiva teórica, a progressão do currículo é uma elaboração artificial de instrumentos aplicada aos processos de ensino-aprendizagem. Para construir a progressão curricular, foi proposta por Dolz e Schneuwly (2004) uma elaboração de agrupamentos de gêneros. Os autores ressaltam que a 45 originalidade do trabalho não se manifesta na construção dos agrupamentos, mas na tentativa de articular, através dos gêneros, as capacidades de linguagem globais13 em relação às tipologias existentes. As capacidades de linguagem são agrupadas no âmbito do narrar, relatar, argumentar e descrever ações. Em cada agrupamento, há exemplos de gêneros orais e escritos atrelados às capacidades globais. Como exemplo, o argumentar (textos de opinião, editorial, ensaio) implica a capacidade de sustentar, refutar e negociar posicionamentos. Nessa perspectiva, um mesmo gênero é trabalhado em diferentes séries, tendo em vista objetivos cada vez mais complexos, ou diferentes gêneros de um mesmo agrupamento são trabalhados de forma progressiva. Portanto, [...] dentro de um mesmo agrupamento, por exemplo, “argumentar”, há uma alternância entre gêneros orais, como o debate regrado, e gêneros escritos, como o pedido justificado [...] A cada ciclo/série aparecem novos objetivos de aprendizagem: dar sua opinião com um mínimo de sustentação, hierarquizar uma seqüência de argumentos [...] (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 123). A fim de concretizar o domínio dos gêneros, os autores propõem a seqüência didática, que são atividades escolares organizadas sistematicamente em torno de um gênero textual oral ou escrito. O objetivo da seqüência didática é ajudar o aluno a dominar melhor um gênero textual, “[...] permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97). A estrutura da seqüência didática configura-se em uma apresentação da situação, em que se apresenta ao aluno a tarefa de produção oral e escrita, concretizando-se a primeira produção. Através dessa produção, o professor avalia a capacidade dos alunos com o objetivo de promover atividades para que as dificuldades de apropriação dos gêneros sejam superadas. Os exercícios são denominados de módulos – instrumentos para a mestria do gênero textual. O último momento é a produção final, quando “[...] o aluno pode pôr em prática os conhecimentos adquiridos e, 13 Para Dolz, Pasquier e Bronckart, essa noção suscita as aptidões requeridas do aprendiz para a produção de um gênero numa dada situação de interação. Convém mencionar que Bronckart (2003), em sua teorização acerca da Arquitetura interna dos textos, versa sobre os mecanismos de textualização (conexão, coesão nominal e coesão verbal), estabelecendo, a nosso ver, uma articulação entre as unidades gramaticais e os gêneros textuais, apontando aqueles como mecanismos que funcionam e contribuem para a constituição dos mecanismos enunciativos. 46 com o professor, medir os progressos alcançados” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 99). Os referidos autores (2004, p. 115) abrem uma discussão intitulada Questões de gramática e sintaxe. Mencionam que o aluno, ao produzir um texto, defronta-se com problemas de ordem gramatical, como a sintaxe e a ortografia. Assim, trazem uma pergunta pertinente: “Como, então, favorecer uma articulação do trabalho proposto nas seqüências com o que é, ainda, necessário em outros níveis de estruturação da língua?” Eles propõem a viabilidade de alguns elos: no plano morfológico, por exemplo, há uma recorrência de formas verbais no pretérito perfeito em textos narrativos, constituindo-se um momento para abordar ou retomar de maneira paralela ao trabalho realizado nas seqüências com os gêneros. Os textos elaborados pelos alunos também permitem articular observações acerca da estrutura da língua (utilização de coordenação mais que de subordinação, pontuação insuficiente), numa proposta de reescrita do texto. Entretanto, os autores descartam a realização de um trabalho sistemático no interior da seqüência, cujo objetivo continua a ser a aquisição de condutas de linguagem, numa situação de produção bem definida. Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 115-116), [...] o objeto principal das tarefas de observação e de manipulação é o funcionamento da língua. A bagagem que os alunos terão acumulado ao longo desses momentos de reflexão específica poderá ser reinvestida, com proveito, nas tarefas de escrita e de revisão previstas nas seqüências. Em contrapartida, as seqüências permitirão contextualizar certos objetivos de aprendizagem e dar-lhes mais sentido. No que se refere à ortografia, a proposta desses autores é voltar-se para os erros encontrados nos textos produzidos na seqüência didática. Isso se torna relevante uma vez que, por meio dos erros mais freqüentes, o professor se detém e revisa com os alunos apenas as regras que estejam em conformidade com as dificuldades encontradas. Nesse sentido, as atividades de ortografia não se iniciam pelas regras, mas no processo de revisão e reescrita dos textos produzidos. Os autores ressaltam que a correção ortográfica não deve apagar as dimensões específicas do gênero estudado e alertam que 47 [...] sem querer negar a importância da ortografia, é necessário atribuir-lhe seu devido lugar: um problema de escrita, sem dúvida, mas que, como tal, deve ser tratado, de preferência, no final do percurso, após o aperfeiçoamento de outros níveis textuais (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 118). Como pôde ser visto, os autores, ao discutirem o ensino gramatical numa perspectiva ortográfica, elegem os gêneros do discurso como objetos de ensino. O “olhar” desses autores para os conteúdos gramaticais ocorre na produção textual dos alunos, em que “ [...] as seqüências didáticas permitirão contextualizar certos objetivos de aprendizagem e dar-lhes mais sentido” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 116). Citaremos agora os estudos coordenados por Chiappini e Geraldi (1997) e Chiappini e Citelli (1997), os quais foram subsidiados pelos pressupostos teóricos de Bakhtin e Vigotski, constituindo-se como um estudo que se aproximou da investigação etnográfica, sendo desenvolvido a partir das seguintes questões: “Como circulam ou deixam de circular os textos e as linguagens? O que se escreve e o que se lê na escola?” No âmbito do ensino gramatical, alguns dados foram analisados pelos pesquisadores. Em relação à circulação de textos produzidos por alunos, Azevedo e Tardelle (in Chiappini, 1997) constataram que a concepção de língua nas escolas estaduais pesquisadas prioriza as normas e convenções gramaticais em detrimento de uma reflexão mais ampla sobre a linguagem. Como também demonstra Jesus (in Chiappini, 1997), o processo de reescritura nas aulas observadas tinha como objetivo eliminar as impurezas ou as transgressões das regras de ortografia, concordância e pontuação. Por exemplo: numa turma de terceira série, um professor solicitou que os alunos produzissem um texto sobre o tema Meu diário de carnaval. Os textos corrigidos foram devolvidos aos alunos para que reescrevessem as palavras grafadas incorretamente, assinaladas pelo professor. Não houve nenhum comentário oral e escrito a respeito do conteúdo, nem houve reflexão lingüística, conceito este mencionado pelas pesquisadoras a partir dos estudos de João Wanderley Geraldi. Desse modo, concluíram que 48 [...] o aluno, solitário diante de seu texto, é levado a limpá-lo ortograficamente, numa atitude esvaziada de reflexão sobre a escrita e sobre sua condição de autor, uma vez que essas duas instâncias são colocadas à margem do processo de reescrita (JESUS, 1997, p. 103, in CHIAPPINI). Em A leitura do texto didático e didatizado, Silva et al (1997, in Chiappini) observaram que, em livros didáticos de quinta a oitava séries, o texto inicial de cada unidade não era articulado com os conteúdos gramaticais, tampouco com a produção de texto. Observou-se que, quando havia uma integração entre gramática e texto, este se fragmentava para constituir-se como exemplos de conceitos gramaticais. De acordo com as pesquisadoras, não houve uma abordagem crítica do texto por meio da vinculação entre forma e conteúdo, de modo que a gramática fosse concebida como um instrumento auxiliar na compreensão do sentido do texto. Nas palavras das pesquisadoras, “[...] ensinar gramática é explicar sua funcionalidade na construção textual” (1997, p. 55, in CHIAPPINI). Convém finalmente salientar que, de acordo com as autoras, os textos didatizados, ou seja, textos trazidos pelo professor para atender uma metodologia de trabalho, acabam transformando-se em pretexto para o treino ortográfico. Nosso interesse em percorrer as pesquisas coordenadas por Chiappini (1997) deve-se ao fato de os dados analisados apontarem como o ensino gramatical é concebido quando o foco não está no texto, mas na gramática, bem como em materiais didáticos que subsidiam o trabalho do professor. Convém acrescentar que, um ano após a divulgação desse trabalho, os PCNs-LP estavam circulando no meio educacional. Conforme mencionamos, os PCNs-LP impulsionaram uma divulgação do conceito de gêneros discursivos, constitutivos dos textos orais e escritos, como unidade básica para aulas de língua materna. Embora o documento nacional estabeleça um quadro teórico diversificado,14 podemos entrever nitidamente que a 14 Segundo Marinho (Acesso em 22/02/2006) o quadro teórico dos PCNs – LP é heterogêneo: Emília Ferreiro, Magda Soares, Mirian Lemle, Luria, Vigotski, Mikhail Bakhtin, entre outros. 49 noção de gêneros do discurso se explicita quando se discute o tópico Discurso, suas condições de produção, gênero e texto. O documento nacional acena que todo texto se organiza através de um determinado gênero. Este, por sua vez, materializa formas relativamente estáveis de enunciados disponíveis na cultura. De acordo com o documento, o gênero é composto por - conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por meio de gênero; construção composicional: estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero; estilo: configurações específicas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da posição enunciativa do locutor; conjuntos particulares de seqüências que compõem o texto, etc ( MEC, 2001, p. 21). No âmbito do ensino gramatical, o documento enfatiza que, ao se conceber a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua língua, fazse necessário ressignificar o tratamento sistemático e tradicional da gramática em aulas de língua materna. Dessa forma, compreendemos que o ensino de Língua Portuguesa, nesse contexto, não deve restringir-se à organização clássica de conteúdos gramaticais, e sim às atividades de produção de textos orais e escritos, de leitura e escuta de textos e de análise lingüística. Os PCNs-LP propõem também que o ensino contemple uma discussão sobre a variação lingüística. Embora o Brasil tenha uma relativa unidade lingüística, percebem-se diferenças na pronúncia, no emprego de palavras e nas construções sintáticas entre os falantes. Nesse sentido, há no Brasil uma mescla lingüística, que se define como diferentes variedades da língua convivendo num mesmo espaço, num mesmo país. Inferimos que o “pano de fundo” da questão da variedade da língua é a Sociolingüística, pois “[...] o uso de uma forma de expressão depende, sobretudo, de fatores geográficos, socioeconômicos, de faixa etária, de gênero (sexo), da relação estabelecida entre os falantes e o contexto da fala” (MEC, 2001, p. 29). A contribuição da Sociolingüística destacada pelos PCNs-LP incide numa crítica à gramática tradicional, já que esta se torna modelo 50 de correção para todas as variedades que não estejam em conformidade com a norma padrão. O documento mostra que, para [...] cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe forma “correta” de falar, o de que a fala de uma região é melhor da que a de outras, o de que fala “correta” é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva “errado” (MEC, 2001, p. 31, grifos do autor). Com essas questões destacadas por nós, os PCNs-LP articulam os conteúdos para o ensino de Língua Portuguesa em dois eixos: o uso da língua oral e escrita e a reflexão sobre a língua e a linguagem. Por meio desses eixos, os conteúdos organizam-se em Prática de escuta e de leitura de textos; e Prática de produção de textos orais e escritos concebidos no eixo USO. Já a Prática de análise lingüística está no eixo REFLEXÃO. Esse último incide sobre aquele a fim de subsidiar análises acerca do funcionamento da linguagem nas situações de escuta, leitura e produção, levando em consideração alguns aspectos lingüísticos: “[...] variação lingüística; estrutura dos enunciados; semântica; processo de significação e organização discursiva” (MEC, 2001, p. 36). Nessa passagem, percebemos que o ensino gramatical está articulado com abordagens teóricas diferentes, incluindo a teoria dos gêneros discursivos de Bakhtin (2003). Desse modo, o objetivo da Prática, análise e reflexão lingüística é permitir que o aluno amplie sua habilidade em práticas discursivas com a linguagem, não se restringindo a um estudo estrutural da gramática, embora a sistematicidade gramatical faça parte da proposta dos PCNs – LP, já que incluem as atividades epilingüísticas e metalingüísticas como atividades de reflexão,15 conforme demonstrado neste trecho: Além da escuta, leitura e produção de textos, parece ser necessária a realização tanto de atividades epilingüísticas, que envolvam manifestações de um trabalho sobre a língua e suas propriedades, como de atividades metalingüísticas, que envolvam o trabalho de observação, descrição e categorização, por meio do qual se constroem explicações para os fenômenos lingüísticos característicos das práticas discursivas (MEC, 2001, p. 78). 15 Ver as contribuições e propostas de Geraldi (1997). 51 Para uma efetivação da prática de análise lingüística, o documento nacional traz como proposta a refacção dos textos elaborados pelos alunos. A dinâmica da sugestão é refletir sobre os aspectos gramaticais e as estruturas relacionadas aos textos dos alunos a fim de habilitá-los ao domínio da modalidade escrita da língua, a nosso ver, da variedade padrão. Para isso, a colaboração do professor torna-se necessária, já que há um movimento de “[...] sair do complexo (o texto), ir ao simples (as questões lingüísticas e discursivas que estão sendo estudadas) e retornar ao complexo (o texto)” (MEC, 2001, p. 78). Parafraseando Geraldi (1999), o ensino gramatical só tem sentido para auxiliar o aluno, pois o objetivo principal da análise lingüística é a reescrita do texto, e não apenas um processo de higienização em seus aspectos gramaticais e ortográficos. As diretrizes para o ensino de língua materna apontadas nos PCNs-LP tornaramse referência para a elaboração de documentos “locais” (em níveis estaduais e municipais). Desse modo, as Diretrizes para o Ensino Fundamental de Língua Portuguesa do Município de Vitória-ES apresentam para o ensino da língua materna eixos semelhantes aos que aparecem nos PCNs – LP: prática de leitura, prática de produção de textos orais e escritos e prática de análise e reflexão sobre a língua. Para articular e desenvolver os eixos no espaço escolar, está o conceito de gêneros discursivos. No eixo de análise e reflexão sobre a língua, o documento municipal defende uma concepção de língua como um sistema semiótico, que se constitui nas interações sociais entre os interlocutores. Nessa perspectiva, a gramática é compreendida como um conjunto de regras validadas pela sociedade, cujos elementos estruturais estarão em conformidade com a variedade utilizada numa situação discursiva. O documento municipal apoiou-se também nas discussões empreendidas por Costa Val (apud PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2004, p. 246) em A gramática no texto, quando a autora versa que “[...] há uma gramática do dialeto padrão e uma gramática para cada dialeto diferente do padrão”. Além disso, as diretrizes trazem o conceito de gramática internalizada para compreendê-la como ponto de partida para o ensino da língua na escola, 52 uma vez que, quando chegam ao espaço escolar, os alunos já possuem uma ou mais variedades de uso da língua. Portanto, [...] ensinar gramática implica que os alunos reflitam sobre sua atividade discursiva e ampliem seu conhecimento da língua, construindo internamente as gramáticas de outros dialetos, da mesma forma que o seu falar cotidiano (PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2004, p. 246). Desse modo, a gramática desloca-se do estudo da metalinguagem (categorias de identificação da língua) para tornar-se relevante, ou seja, saber gramática passa a ser utilizar os recursos lingüísticos adequados às situações de interlocução – produção de textos orais e escritos, e prática de leitura. Nas considerações metodológicas, as Diretrizes Municipais elegem as propostas de Geraldi (1997) para a análise da língua: atividades lingüisticas, epilingüísticas e metalingüísticas. Além disso, ainda trazem a proposta dos PCNs-LP, a refacção de textos, a fim de possibilitar e enfatizar o ensino de língua materna por meio dos gêneros discursivos (orais e escritos), sugerindo uma lista de gêneros no final das discussões teóricas e metodológicas. Nesse contexto, mencionamos também, entre outras propostas curriculares existentes no Espírito Santo, a Proposta Curricular de Língua Portuguesa do Município da Serra-ES, onde realizamos a pesquisa. A proposta inicial do documento articula a área de Língua Portuguesa com as outras disciplinas, empreendendo um projeto interdisciplinar. Para isso, traz no seu bojo os temas transversais (Ética, Orientação Sexual, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo) como forma de estabelecer um diálogo entre as diferentes áreas de ensino. O documento aponta: [...] os Parâmetros Curriculares Nacionais ao propor uma educação comprometida com a cidadania, elegeram algumas questões sociais [...] essas questões receberam o nome de temas transversais, pois atravessam as diferentes áreas de estudo [...] (PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA, 2002, p. 28). 53 No que concerne aos pressupostos metodológicos, o documento municipal recorre a citações de Bakhtin e João Wanderley Geraldi. A “voz” de Bakhtin faz-se presente no momento em que a linguagem é concebida como melhor termômetro das transformações sociais, corroborando uma definição de linguagem como fenômeno sócio-histórico manifestado nas línguas. Aspectos teóricos do autor apenas mencionados, sem aprofundamentos. Acrescentando a alusão teórica bakhtiniana, Geraldi foi evocado para dizer que o ensino/aprendizagem da língua não pode partir de uma estrutura pronta e acabada, e sim do uso,e, usuando-a, aprendê-la. Em relação ao ensino gramatical, a Proposta Curricular do município da Serra traz Orientações Metodológicas/Prática de Análise Lingüística, elegendo o texto produzido pelo aprendiz como unidade de ensino, ou seja, o trabalho com o texto do aluno como possibilidade do domínio da língua padrão. Dessa forma, as atividades de análise lingüística voltam-se para a reflexão e análise sobre os fenômenos da linguagem nos textos orais e escritos produzidos pelos alunos. Para isso, o documento sugere a refacção dos textos, pontuando alguns aspectos: organização textual, aspectos gráficos, aspectos morfossintáticos e aspectos semânticos. A referência ao conceito de gêneros discursivos está presente nos objetivos/conteúdos de leitura: “Compreender os diferentes gêneros (literários, de imprensa, científicos e publicitários), através da prática de escuta e leitura de textos orais” (PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA, 2002, p. 39). Nessa perspectiva, há uma tentativa de articular o conteúdo gramatical e os gêneros textuais orais: “Ampliar, gradativamente, o conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais inseridos nos textos, desenvolvendo o domínio da linguagem oral” (PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA, 2002, p. 39). Entretanto, nos objetivos de Prática de Análise Lingüística, não há uma integração entre o conceito de gêneros e as formas da língua. Isso pode ser visto na seguinte passagem: “Utilizar os textos produzidos pelos alunos para a refacção dos mesmos visando a uma análise lingüística [...]” (PREFEITURA MUNICIPAL 54 DA SERRA, 2002, p. 46). Percebe-se que as questões de ordem discursiva/enunciativa, próprias dos gêneros do discurso, distanciam-se, até mesmo pela ênfase dada à listagem de conteúdos: Aspectos Morfossintáticos : - classes gramaticais - verbo (flexão, voz e conjunção) - frase, oração e período - termos da oração - transformação simples das orações - transformação de período simples em período composto e vice-versa - mecanismos básicos de concordância verbal e nominal - regência verbal - regência nominal - estrutura e formação de palavras - crase - reescrita de parágrafos - paráfrases (PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA, 2002, p. 47). Se, por um lado, as Diretrizes Curriculares do Município da Serra tentam articular os conhecimentos gramaticais aos gêneros textuais orais, por outro, isso não ocorre nos objetivos de Prática de Análise Lingüística, dado que o documento enfatiza uma lista de conteúdos gramaticais de forma autônoma. Dessa forma, parece-nos que a distinção de tratamento para os conteúdos gramaticais aponta dois caminhos: um articulado aos gêneros e outro concebido de forma autônoma. Com relação às diretrizes curriculares, Rojo (2000) considera que a elaboração e a publicação dos PCNs-LP representam um grande avanço, uma vez que há uma constituição de diretrizes que norteiam os currículos e os conteúdos mínimos, ao invés da tradicional grade de objetivos prefixados. Sendo parâmetros e diretrizes, possibilitam refletir acerca da transposição didática, articulando a teoria e as práticas de ensino em sala de aula. Como mostra a autora, essa reflexão implica a construção de currículos plurais e adequados a realidades locais, bem como a elaboração de material didático para viabilizar a implementação desses currículos. Para isso, Rojo (2000) discute alguns pontos: os modos de transposição dos PCNs às práticas de sala de aula, a organização da progressão curricular, a 55 realização do currículo em sala de aula e o livro didático e organizações didáticas especiais: projetos, módulos e seqüências didáticas. Desse modo, tem-se a pesquisa de Barbosa (2001)16 trazendo como objetivo o ensino-aprendizagem de gêneros ao longo da escolaridade. No que tange à questão de agrupamentos de gêneros, Barbosa (2001) aponta méritos e lacunas nas propostas dos PCNs-LP – primeiro e segundo ciclos e terceiro e quarto ciclos – como também na proposta elaborada por Dolz e Schneuwly (2004), para então propor agrupamentos de gêneros. Nesse sentido afirma: “[...] não apresentaremos uma proposta de agrupamento acabada, mas tão somente a indicação de caminhos a partir dos quais outros agrupamentos poderão vir a ser construídos” (BARBOSA, 2001, p. 150-151). Portanto, em sua proposta de agrupamento, seleciona os gêneros levando em conta as atividades de esfera social, o que implica a formação cidadã do aluno e a sua participação social. Convém salientar que a autora agrupa gêneros que já circulam na esfera escolar (resumo, seminário, etc.), constituindo um momento para sua efetiva apropriação “[...] na medida em que seu domínio ajudaria na apropriação dos conhecimentos das demais áreas curriculares e no desempenho escolar” (BARBOSA, 2001, p. 153). No último capítulo da tese, a autora transpõe o agrupamento curricular para o interior da sala de aula, elaborando uma programação de atividades (materiais didáticos) acerca do gênero escolhido. Para isso, considerou três ações que se relacionavam aos níveis de transposição didática: descrição e análise dos gêneros, elaboração de um projeto de trabalho e elaboração dos materiais didáticos. No que se refere à descrição e análise dos gêneros, há um percurso metodológico pautado numa perspectiva de Bakhtin: - 16 caracterização da esfera do gênero; estudo da sócio-história de desenvolvimento do gênero, quando isso for possível; Barbosa (2001), em sua tese de doutoramento, foi orientada pela Profa. Dra. Roxane Rojo. 56 - - caracterização da situação de produção dos textos selecionados; análise da construção composicional; análise do estilo de gênero; análise do estilo do autor, quando for o caso (BARBOSA, 2001, p. 183). Observamos que, no item construção composicional e estilo do gênero proposto – Notícia de imprensa –, Barbosa (2001, p. 187) evidencia as formas da língua (conteúdos gramaticais) que são concebidas como inerentes aos gêneros: “[...] privilégio do modo indicativo; uso da terceira pessoa; marcas de impessoalidade (pronome oblíquo – se; uso de passivas sintética e analítica, etc.)”. Em outra passagem, ressalta que elementos lingüísticos ou formais são colocados em relação a elementos do contexto de produção. Para isso, traz uma atividade intitulada Os tempos verbais utilizados nas manchetes, que estão ancorados na dimensão enunciativa e discursiva do gênero. Além disso, Barbosa (2001) tece críticas à forma como os tópicos formais da língua são trabalhados na escola: Muitas vezes, assumem até um caráter normativo, que pode ser depreendido de falas como: “numa manchete o verbo deve estar no presente”, ou “tal tipo de texto deve ser escrito em 3ª pessoa”, sem que se reflita o porquê. Numa abordagem metodológica diferente, em todas as atividades, há uma tentativa de vincular a questão tematizada com o efeito de sentido que seu uso provoca e com a situação de produção do discurso. Tal procedimento de relacionar esses elementos permite o tratamento de questões gramaticais em situações efetivas de uso, perspectiva indicada pelos pesquisadores da área (BARBOSA, 2001, p. 206). Nas considerações finais, Barbosa (2001) supõe que o trabalho com gêneros não se materialize apenas em uma visitação, pois traduz-se numa superficialidade: leitura de um ou dois textos do gênero proposto, atividades de compreensão do texto e de estruturas gramaticais e, por último, produção de texto. Por outro lado, destaca a imersão no lugar da visitação, que se configura em um trabalho intensivo com as características das esferas de circulação dos gêneros, incluindo as condições de produção, o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo. Nesse aspecto, para a autora deve haver uma integração das práticas de leitura, de produção e de análise lingüística (incluindo gramática). 57 Barbosa ainda comenta, em uma nota de rodapé, outras questões acerca do ensino gramatical. Para ela (2001, p. 218), o trabalho com os conteúdos gramaticais deve ocorrer em outros momentos, além dos mencionados: [...] isso porque, para que possamos trabalhar as dimensões discursivas e enunciativas de texto, não podemos orientar a escolha desses por questões gramaticais [...] Também não podemos deixar o ensino de gramática unicamente subordinado ao que apareça nos textos. A proposta para essa questão é um trabalho paralelo em que se possibilite aos alunos uma (re)construção do sistema gramatical e ortográfico. Conforme a autora, isso não quer dizer que o enfoque gramatical tenha que ocorrer fora dos textos ou de situações de uso. Mesmo que seja um recorte específico da gramática a ser trabalhado, deve-se partir de textos, “[...] ainda que tendo como objetivo principal a exploração de questões gramaticais” (BARBOSA, 2001, p. 218). Podemos inferir que há um trato gramatical em conformidade com os gêneros discursivos na pesquisa de Barbosa (2001). Isso porque a autora, ao trazer os gêneros como objeto de ensino-aprendizagem numa perspectiva de Bakhtin, remonta a todos os elementos pertencentes ao gênero, inclusive à análise da construção composicional e do estilo. Nessa dinâmica, concebe as formas da língua em relação ao contexto de produção e ao conteúdo temático. Por outro lado, a autora também aponta que os conteúdos gramaticais devem ocorrer em outros momentos e não só atrelados aos gêneros. Inferimos que esse tratamento diferenciado pode estar relacionado à “nova” perspectiva para o ensino da língua (gêneros do discurso) quando já se têm os conhecimentos da gramática como unidades de ensino. Momento oportuno de refletirmos se ou como essas questões estão reverberando para o interior das aulas de Língua Portuguesa. Ressaltamos que o ensino gramatical não foi a temática do trabalho de Barbosa (2001) e, por isso, a autora não ampliou a discussão, mas suscitou possíveis considerações posteriores, uma vez que não deixou de versar sobre o assunto. 58 Ainda sobre a transposição didática mencionada por Rojo (2000), Silva, Wagner Rodrigues (2006, p. 176) objetivou em sua pesquisa [...] descrever os modos como os professores (des) articulam [...] o estudo da gramática, do texto e do gênero, objetivando o desenvolvimento da prática de reflexão sobre a língua por alunos da série a que foram destinadas as seqüências. Trata-se de flagrar um momento apenas do processo de formação do professor, pois a preparação de seqüências de exercícios didáticos dá visibilidade a parte do processo [...]. No que se refere à forma como se materializam as articulações elaboradas pelos professores nos exercícios de análise lingüística, Silva, Wagner Rodrigues (2006) subsidiou o estudo à luz da perspectiva sistêmico-funcional. Além disso, as orientações teórico-metodológicas propostas nos PCNs – LP, tais como a organização de conteúdos nos eixos de uso (práticas de leitura e produção textual) e de reflexão (práticas de análise lingüística), foram fonte de articulação entre as noções de gramática, texto e gênero. As atividades de análise lingüística voltaram-se para os usos de elementos da língua que eram recorrentes nos gêneros selecionados, “[...] resultando numa escolha bastante pertinente do conteúdo lingüístico a ser trabalhado em textos dos gêneros selecionados para as aulas” (SILVA, Wagner Rodrigues, 2006, p. 178). Para tanto, a lingüística sistêmico-funcional subsidia os sentidos expressivos dos elementos da língua nos textos, afastando o caráter normativo do uso da língua. Não nos detivemos nessa abordagem teórica, apenas mencionamos que o autor da pesquisa buscou em Michael Halliday dados para refletir acerca das marcas gramaticais como parte constitutiva dos gêneros textuais. Em linhas gerais, a reflexão sobre as marcas gramaticais como parte integrante dos gêneros textuais está em conformidade com a perspectiva teórica da lingüística sistêmico-funcional, visto que essa abordagem traz a descrição e a análise das unidades da gramática através de textos. Estes, por sua vez, são concebidos como uma unidade semântica construída, levando-se em conta o 59 contexto comunicativo em que se apresentam, resgatando a idéia de que os enunciados lingüísticos de um determinado indivíduo estão condicionados ao contexto social em que se realizam. Como foi visto, o foco de análise de Silva, Wagner Rodrigues (2006) é o de articulação na elaboração de exercícios propostos por professores entre noções de gênero, gramática e texto. Para isso, duas categorias de análise foram elencadas: agrupamento em que as nomenclaturas gramaticais são evitadas e agrupamento em que as nomenclaturas são utilizadas sem receio. Em cada categoria, foram analisadas algumas atividades elaboradas pelos professores, resultando em algumas conclusões: de acordo com Silva, Wagner Rodrigues (2006, p. 197), os professores conseguiram selecionar unidades lingüísticas nos gêneros textuais, fazendo uma articulação entre texto, gramática e gênero para os exercícios de análise lingüística, porém, em alguns exercícios, há resquícios da forma estruturada das atividades tradicionais dos livros didáticos. Isso evidencia que, “[...] ao mesmo tempo em que os saberes acadêmicos mobilizados buscam articular as noções de gramática, gênero e texto, os saberes escolares de que também se valem os professores autores das seqüências analisadas nem sempre contribuem na mesma direção”. O autor finaliza o trabalho, destacando a contribuição da lingüística sistêmico-funcional, que viabiliza uma análise lingüística no tocante à articulação entre as três noções mencionadas. O interesse em percorrer esse trabalho foi devido à integração proposta entre gramática, gênero e texto, embora o autor se tenha apropriado dos pressupostos teóricos e contribuições da lingüística sistêmico-funcional para subsidiar o trabalho com a análise lingüística. Ainda assim, torna-se pertinente, porque ele integrou, em uma proposta de trabalho de elaboração de exercícios com os professores, a articulação entre o ensino gramatical e o conceito de gênero discursivo, apontando essa possibilidade. E no interior da sala de aula, como essas questões estão materializando-se? 60 Em síntese, na trajetória da problematização desta pesquisa, identificamos uma tradição gramatical que data de mais de dois mil anos de existência (KRISTEVA, 1974; BRITO, 1997; SILVA, 2002; NEVES, 2002; GNERRE, 2003; GUIMARÃES, 2005), materializando a gramática tradicional como objeto de ensino e, ao mesmo tempo, evidenciando relações de poder ao eleger uma variedade dentre outras. Em oposição a essa concepção, estudiosos brasileiros (FRANCHI, 2006 [1988]; GERALDI, 1999 [1984]) iniciaram um movimento a partir da década de 1970, que atingiu um auge na década de 1980, objetivando questionar o modo como a gramática tradicional se fazia presente nas aulas de língua materna. Entretanto, os referidos pesquisadores não abandonaram a importância do ensino gramatical, e sim trouxeram propostas que redimensionavam o tratamento de conteúdos gramaticais em aulas de Língua Portuguesa. Na década de 1990, vimos emergir a noção de gêneros do discurso formulada por Mikhail Bakhtin como unidade básica para o ensino/aprendizagem da língua materna. Levando em consideração essas reflexões, concluímos que, se, por um lado, temos a tradição gramatical concretizada nas aulas de Língua Portuguesa (POSSENTI, 1996; GERALDI, 1997; NEVES, 2004), por outro, temos o conceito de gênero discursivo concebido como noção para o trabalho com textos nessas aulas. Por meio do percurso traçado por nós, vimos que os trabalhos de pesquisa e documentos curriculares (BARBOSA, 2001; MEC, 2001; SILVA, Wagner Rodrigues, 2006; DOLZ; SCHNEUWLY, 2004) apontam que pode ocorrer em aulas de língua materna um trabalho integrado de atividades de leitura, de produção e de reflexão sobre as unidades gramaticais da língua em torno de diferentes gêneros textuais. Vimos que há estudos que apontam essa integração, mas também há pesquisas e documentos curriculares (PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA, 2002; BARBOSA, 2001) que concebem a possibilidade de um tratamento para os conteúdos gramaticais em outros momentos que não sejam só articulados às atividades de leitura e produção de gêneros textuais. De um modo geral, esses estudos mostram-nos a importância de se efetivar o 61 trabalho de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais no interior da sala de aula a partir da leitura e da produção de diferentes gêneros textuais.17 No contexto dessas reflexões, esta pesquisa buscou investigar o ensino de conhecimentos gramaticais em aulas de Língua Portuguesa, a partir da análise de como esses conhecimentos são trabalhados em articulação com a leitura e a produção de gêneros textuais escritos. Vale destacar a adoção dos gêneros textuais indicados não só na literatura acadêmica, como também nos documentos curriculares norteadores do ensino da língua materna. É importante deixar claro que concordamos com os autores que impulsionaram a ressignificação do ensino de unidades gramaticais nas aulas de Língua Portuguesa a partir da década de 1980 (POSSENTI, 1996; BRITO, 1997; GERALDI, 1999 [1984]; TRAVAGLIA, 2002 [1995]; PERINI, 2005 [1997]) quando ressaltam que devemos possibilitar que os alunos se apropriem e tomem consciência do conhecimento dos aspectos gramaticais. Como nos aponta Vygotski (2001, p. 319), a análise do aprendizado da gramática mostra a importância do seu ensino para o desenvolvimento intelectual dos alunos. A defesa do autor parte do princípio de que a criança “utiliza” a gramática de sua língua antes de ingressar na escola, mas essa “utilização” ocorre de modo inconsciente. Como exemplo, o autor comenta que a criança “usa” o tempo verbal correto numa frase, mas se lhe for pedido que conjugue um verbo, não saberá. Com o aprendizado dos conhecimentos gramaticais no espaço escolar, há uma possibilidade de as crianças tomarem consciência desses fatos e “utilizarem” voluntariamente esses conhecimentos, levando em consideração os usos sociais da leitura e da produção escrita. 17 Em relação ao uso de terminologias, adotaremos a nomenclatura gêneros textuais quando estivermos referindo-nos aos textos que circulam nas aulas de Língua Portuguesa, apoiando-nos em Marcuschi (2003), que traz gênero textual/gênero do discurso como textos que encontramos em nossa vida diária definidos por sua composição, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados por forças históricas, sociais e institucionais. Portanto, não nos deteremos nas discussões acerca das nomenclaturas gêneros do discurso/gêneros textuais. 62 Considerando as reflexões acima mencionadas, esta pesquisa investigou como gêneros textuais escritos vêm sendo utilizados no trabalho de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais. Com essa problemática, tivemos como objetivos específicos: - identificar gêneros textuais escritos que circulam em aulas de Língua Portuguesa e que são utilizados para o estudo de conhecimentos gramaticais;18 - identificar conhecimentos gramaticais que são trabalhados a partir de atividades de leitura e/ou produção de gêneros textuais escritos; - analisar, em atividades de leitura e de produção de gêneros textuais escritos, abordagens de ensino de conhecimentos gramaticais; - analisar a articulação entre essas abordagens de ensino de conhecimentos gramaticais e a produção atual de conhecimento nessa área. 18 Estamos chamando de conhecimentos gramaticais os conteúdos que comumente circulam nas aulas de Língua Portuguesa, perpassando aspectos de Semântica, Estilística, Pontuação, Alfabeto, Ortografia, Morfologia, Sintaxe, Acentuação e Emprego de algumas palavras. No capítulo VII, esboçamos os conhecimentos gramaticais que foram concebidos como objeto de ensino/aprendizagem, levando em conta as referidas abordagens. 63 CAPÍTULO III PRESUPOSTOS TEÓRICOS: AS CONTRIBUIÇÕES DE BAKHTIN E VIGOTSKI Considerando o problema e os objetivos deste estudo apresentados no capítulo anterior, nesta parte do texto, buscamos explicitar os pressupostos teóricos norteadores da pesquisa, delineando concepções e conceitos que nos auxiliaram na análise do trabalho com os conhecimentos gramaticais, levando em conta a adoção dos gêneros textuais como unidade básica do ensino da língua materna. Para isso, procuramos esboçar conceitos basilares das teorizações de Mikhail Bakhtin que, a nosso ver, contribuem para refletir sobre o trabalho de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais articulado a práticas de leitura e de escrita de diferentes gêneros textuais. Desse modo, neste estudo, pautamo-nos nas concepções de linguagem e língua e nos conceitos de enunciado, gênero do discurso e texto do referido autor. Ainda neste capítulo, tratamos da concepção de gramática defendida por Lev Semenovich Vigotski bem como de seus estudos acerca do trabalho mediativo do professor. Nesse contexto, discutimos o conceito de zona de desenvolvimento proximal, integrado às teorizações sobre o processo de ensino/aprendizagem dos conceitos científicos em aulas de língua materna. Além disso, buscamos outras considerações acerca do ensino gramatical em aulas de Língua Portuguesa, considerações elaboradas por estudiosos brasileiros no campo da linguagem, que, num movimento de compreensão da realidade educacional do ensino da língua materna no Brasil, trouxeram contribuições que nos ajudaram a compreender o nosso objeto de estudo. 64 3.1 A REALIDADE SOCIAL DA LÍNGUA: LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO VERBAL Conforme mencionado, nesta pesquisa estamos pautando-nos em uma concepção de linguagem bakhtiniana. Como mostra Brait (2005), o conceito de linguagem formulado por Bakhtin não está pautado em uma tendência lingüística, mas em uma visão de mundo que, na busca de sentido para as relações entre os homens, acaba por delinear uma abordagem lingüístico-discursiva no processo de interlocução entre os usuários da língua. Dessa forma, no nosso estudo, compreendemos que, para além de uma abordagem estritamente lingüístico-gramatical nas práticas de uso da língua (incluindo atividades de leitura e de produção escrita), tomamos a noção de linguagem como Interação verbal, conseqüentemente, uma concepção discursiva de língua proposta por Bakhtin (1992). Para defender as concepções linguagem/língua,19 destacamos que Bakhtin (1992) revisou as teses de duas orientações de cunho filosófico-lingüístico de sua época: o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. Conforme postula o autor russo, a primeira orientação volta-se para o ato da fala, constituindo o psiquismo individual como potencializador criativo da língua. Bakhtin compara essa orientação com manifestações ideológicas da arte e da estética. Nesse caso, para o subjetivismo idealista, a realidade essencial da língua é o ato de criação individual da fala, e não um sistema lingüístico determinado (traços fônicos e gramaticais). As estruturas da gramática, para essa corrente, são irrelevantes, pois o produtivo são as enunciações individuais dos falantes, que concretizam uma supremacia do estilístico sobre o gramatical, ou seja, o mundo exterior materializado nas formas da língua não interfere no mundo interior do sujeito que enuncia. 19 Compreendemos que, na perspectiva bakhtiniana, as concepções de língua e linguagem se encontram interrelacionadas. Brait (2005), quando discute o conceito de enunciado/enunciado concreto e enunciação, chama atenção para o fato de que os conceitos bakhtinianos se encontram “espalhados” em diferentes obras bem como articulados entre si. 65 No que se refere às lacunas do subjetivismo idealista, Bakhtin (2004) afirma que nenhuma enunciação verbalizada pode ser facultada apenas ao enunciador. Para o autor, a enunciação é resultado da interação entre falantes, em que “[...] todo produto da linguagem do homem, em todos os momentos essenciais, é determinado não pela vivência subjetiva do falante, mas pela situação social em que soa essa enunciação” (BAKHTIN, 2004, p. 79). Ao contrário da primeira orientação, constatamos que o objetivismo abstrato concebe a língua de forma dissociada do ato de criação individual da fala, tendo como centro organizador de seus estudos o sistema lingüístico (formas fonéticas, gramaticais e lexicais). Desse modo, há um esvaziamento de qualquer valoração ideológica nas formas da língua (opinião, ponto de vista, gostos, entre outras). Conseqüentemente, a língua torna-se um fenômeno institucional e normativo para o universo individual do sujeito. Entretanto, Bakhtin (1992) defende que num contexto real de enunciação,20 o falante utiliza as formas lingüísticas para atendê-lo. Ao se comunicar, o locutor não “lança mão” de um sistema normativo da língua, porque compreendê-la como um código estruturado e imutável não condiz com uma dada situação concreta de interlocução, em que a “imediatez”, na maioria das vezes, é o cerne da comunicação. Assim, as formas da língua e as palavras são indissociáveis da produção de sentido empreendida pelos indivíduos, não sendo conveniente conceber que, para uma consciência, há um sistema de formas normativas, repetíveis e imutáveis. Para Bakhtin (1992), os indivíduos não recebem uma língua definida para ser internalizada, e sim participam da corrente da comunicação verbal. Somente no processo interativo com o outro é que a 20 Brait (2005), em artigo publicado em Bakhtin: conceitos- chave, diz que enunciado/enunciado concreto/enunciação, no sentido bakhtiniano são noções que se relacionam com situação, contexto e história, abrangendo desde uma expressão do tipo Socorro! até um romance de vários volumes. 66 consciência inicia um processo de constituição. Sobre isso, Bakhtin (2003) afirma que a [...] língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir do dicionário e gramática mas de enunciações concretas [...] as formas da língua e as formas típicas dos enunciados [...] chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas (BAKHTIN, 2003, p. 283). Nesse contexto, faremos uma digressão. Vimos, no Capítulo I, o modo como a concepção de língua materializada na gramática tradicional se legitimou no decorrer dos séculos e foi, ao mesmo tempo, tornando-se uma realidade em aulas de língua materna. Contrapondo-nos a essa concepção, acenamos, no Capítulo II, uma noção de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais articulado às atividades de leitura e de produção de diferentes gêneros textuais. A nosso ver, Bakhtin (1992), ao considerar que os sujeitos não apreendem as formas da língua por meio da repetição de uma estrutura gramatical, subsidia a nossa pesquisa, haja vista inferirmos que o conceito de gêneros do discurso (discutiremos à frente) defendido pelo autor russo possibilita compreender as formas gramaticais da língua nos seus usos sociais (incluindo leitura e escrita de gêneros textuais). Por isso, tomamos a concepção de linguagem como interação verbal, defendida pelo autor russo, que, segundo Brait (2005), é a terceira via empreendida por Bakhtin para conceber a linguagem como realidade ideológica e a língua como um fato social e discursivo. A terceira orientação implica compreender que as questões de linguagem não poderiam limitar-se à formalização abstrata, nem às especificidades individuais. A autora ressalta que as críticas feitas por Bakhtin às duas primeiras orientações (subjetivismo idealista e objetivismo abstrato) não querem dizer que o autor russo tenha desprezado a contribuição dos estudos lingüísticos que se inserem nessas correntes filosófico-lingüísticas. Por isso, ao formular as proposições para a 67 terceira via ou para o que ele denominou de interação verbal, destaca os seguintes princípios: 1. A língua como sistema estável de formas normativamente idênticas é apenas uma abstração científica que só pode servir a certos fins teóricos e práticos particulares. Essa abstração não dá conta de maneira adequada da realidade concreta da língua. 2. A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores. 3. As leis da evolução lingüística não são de maneira alguma as leis da psicologia individual, mas também não podem ser dissociadas da atividade dos falantes [...] 4. [...] a criatividade da língua não pode ser compreendida independentemente dos conteúdos e valores ideológicos que a ela se ligam [...] 5. A estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social. A enunciação como tal só se torna efetiva entre falantes (BAKHTIN, 1992, p. 127). Nesse contexto, inferimos que a interação verbal defendida por Bakhtin (1992) traz no seu bojo um campo semântico – realidade concreta da língua, a estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social, bem como auditório social, escolhas discursivas, situação de produção social – que nos possibilita entrever que o uso da linguagem ou o emprego da língua se concretiza nos enunciados orais e escritos. Volochínov; Bakhtin [200-], em Discurso na vida e discurso na arte, afirmam que a enunciação “[...] bombeia energia de uma situação da vida para o discurso verbal”. Este, por seu turno, materializa-se em enunciados, que constituem a interação social e viva entre os interlocutores participantes de um dado evento. Os enunciados, por participarem efetivamente da vida social entre os falantes de uma língua, adquirem uma estabilidade relativa, constituindo-se em gêneros do discurso. Sobre essa questão, é importante destacar que [...] o enunciado, considerado como unidade de comunicação e totalidade semântica, se constitui e se completa exatamente numa interação verbal determinada e engendrada por uma certa relação de comunicação social. Deste modo, cada um dos tipos de comunicação verbal que nós citamos [relações de produção, relações de negócios, relações quotidianas, relações na escola, na ciência, etc.] organiza, constrói e completa, de modo específico, a forma gramatical e estilística do enunciado, assim como a estrutura de onde ela se destaca. Nós daremos o nome de gênero a esta estrutura (VOLOCHÍNOV, [200-] p. 3). 68 3.2 GÊNEROS DO DISCURSO: UMA COMPREENSÃO PARA AS FORMAS DA LÍNGUA Conforme dito na seção anterior, compreendemos que os conceitos bakhtinianos se encontram articulados entre si. O conceito de gênero do discurso, a nosso ver, está em estreita relação com a concepção de linguagem/língua, o que nos possibilitou compreender e analisar o trabalho com os conhecimentos gramaticais da língua em atividades de leitura e de produção de gêneros textuais escritos. Desse modo, delineamos o percurso teórico feito pelo autor russo acerca do conceito gêneros do discurso, numa dinâmica de compreensão das formas gramaticais integrada à perspectiva social e discursiva da língua. Nesse sentido, ao tecer críticas às correntes lingüísticas21 de sua época, Bakhtin (2003) mostra que há ficções para se compreender o papel do falante e do ouvinte, afirmando que o esquema proposto por Saussure (2004) e os estudos de Humboldt e Vossler são inválidos quando se compreende a real comunicação entre os interlocutores, pois, na vida social dos falantes e ouvintes, não existe passividade em nenhuma das duas partes: locutor e receptor. O que existe é uma ativa atitude responsiva: o ouvinte, ao compreender (não codificar) o significado ou sentido do discurso do falante, poderá concordar, discordar, completar, etc. Convém salientar que o próprio falante está determinado a essa atitude responsiva, uma vez que não espera uma atitude passiva do seu discurso. Além disso, o falante é um respondente, pois o seu enunciado não é o primeiro enunciado do universo, mas um elo na cadeia organizada de outros enunciados. Se, por um lado, ocorre uma imprecisão na atividade discursiva entre os interlocutores nas correntes lingüísticas analisadas por Bakhtin, por outro, temos a precisão bakhtiniana, que compreende fluxos da fala, bem como elos enunciativos ou cadeia discursiva, na forma de enunciados concretos de 21 Estamos referindo-nos às correntes filosófico-lingüísticas objetivismo abstrato e subjetivismo idealista. 69 determinados sujeitos do discurso. Assim, Bakhtin (2003) propõe três características inerentes ao enunciado, para que concebamos a sua relação com as atividades humanas no que concerne à linguagem. A primeira peculiaridade é a alternância dos sujeitos do discurso, que se manifesta em réplicas (a alternância enunciativa entre os interlocutores), perpassando diálogos e conversas do cotidiano até tratados científicos – materializada na ativa atitude responsiva. Como aponta Bakhtin (2003, p. 275), todo [...] enunciado – da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao grande romance ou tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados dos outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros [...] o falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva. Da alternância dos sujeitos resulta a segunda característica do enunciado: a conclusibilidade. Esta, por sua vez, é determinada pela vontade discursiva do falante, pelas relações entre os interlocutores e pelo tema do enunciado. Como exemplo, um diálogo cotidiano será concluído tendo em vista o acordo entre os enunciadores. Já uma ordem militar concretiza-se em uma conclusão imediata, o que não ocorre com o romance, haja vista que a conclusibilidade pode estar no âmbito das posturas responsivas do leitor. Finalmente, a terceira peculiaridade é a relação entre o enunciado do sujeito e os outros participantes da interlocução: o endereçamento do discurso. Ao elaborar o seu enunciado, o falante imprime nele um tom valorativo emocional, visto que vai levar em consideração as visões de mundo, antipatias, simpatias do ouvinte de seu discurso. Há, nesse caso, uma antecipação por parte do falante em relação à ativa atitude responsiva do destinatário. 70 Como pôde ser visto, o enunciado ou o uso da linguagem estão presentes nas atividades humanas. Conforme Bakhtin (2003), o emprego da língua efetua-se em enunciados (orais e escritos) que, utilizados socialmente por determinados grupos numa dada situação, acabam relativamente estabilizados, materializando-se em gêneros do discurso. Devido à diversidade de atividades humanas mediadas pelo uso da linguagem, resulta em uma infinidade de gêneros, que vão desde breves diálogos do cotidiano até um romance de vários volumes. Por isso Bakhtin diferenciou os gêneros discursivos em primários (simples) e secundários (complexos). Entretanto, distingui-los não significa estruturá-los e categorizá-los, já que os gêneros primários e secundários não se sobrepõem, mas interpenetram-se. O autor russo assim se posiciona: Aqui é de especial importância atentar para a diferença essencial entre os gêneros primários (simples) e secundários (complexos) – não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros discursivos secundários [...] romances, dramas [...] surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado [...] no processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2003, p. 263). Além disso, vimos que os gêneros se caracterizam por três dimensões: conteúdo (temático), estilo de linguagem (recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua) e construção composicional, que estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado. Nesse contexto, chamamos atenção para o fato de que, em consonância com essa perspectiva integradora dos elementos dos gêneros, acreditamos que o ensino dos conhecimentos gramaticais tem importância e, se conciliado à dimensão discursiva do todo do enunciado, pode propiciar uma possibilidade de ultrapassar os ensinos prescritivo e descritivo em aulas de Língua Portuguesa, conforme discutido no Capítulo I. Ademais, tal perspectiva permite-nos avançar no sentido de conceber o ensino de língua a partir de uma concepção discursiva e enunciativa para os conteúdos gramaticais. 71 Sobre os elementos pertencentes aos gêneros do discurso, Barbosa (2001) assinala que Bakhtin não os define precisamente, o que a obrigou a um certo trabalho interpretativo baseado nos indícios por ele deixados. Desse modo, faremos como a autora, intentaremos, a partir da própria escritura de Bakhtin, delinear as características dos gêneros. No que se refere ao estilo, um dos elementos dos gêneros, Bakhtin (2003) critica a estilística, pois ignorou a vida social do discurso (praças, aldeias, ruas, cidades), ocupando-se da palavra abstrata a serviço da subjetividade do artista. Para endossar a discussão, Bakhtin (1992) diz que Vossler (representante da corrente filosófico-lingüística subjetivismo idealista) concebe a língua com um sentido artístico: “A própria idéia de língua é por essência uma idéia poética; a verdade da língua é de natureza artística” (BAKHTIN, 1992, p. 75). Desse modo, a língua torna-se depósito inerte pronto para receber as manifestações criativas de determinados sujeitos. Para Bakhtin (2003), na maioria dos gêneros discursivos, o estilo individual é apenas parte complementar. Conforme mostra, um determinado uso da linguagem (cotidiana, científica, técnica, publicística, oficial) está pautado em condições de comunicação discursiva, específicas em cada esfera, engendrando os gêneros. Portanto, falar em estilo individual requer uma relação com a dimensão social: relação do falante com outros participantes da esfera discursiva, o que produz os estilos de linguagem. Tais estilos de linguagem, por materializarem o elo discursivo entre os falantes no meio social, fomentam a discussão entre a gramática e a estilística.22 De acordo com Bakhtin (2003, p. 269), se o sintagma for analisado somente no sistema da língua, estamos diante de um acontecimento gramatical, mas se for observado em um enunciado ou gênero discursivo, trata-se de um fenômeno estilístico. 22 Conforme Bakhtin (2003), não é a gramática normativa. 72 Podemos inferir que o estilo de linguagem é a concretização de uma determinada forma gramatical pelo falante para atendê-lo na dimensão social discursiva, logo é um ato estilístico. Bakhtin (2003) propõe, nesse contexto, uma convergência entre a estilística e as formas gramaticais da língua, já que nenhuma mudança (fonética, léxica, gramatical) pode fazer parte do sistema da língua sem ter sido experimentada nos usos sociais da linguagem. Salienta ainda que [...] esses dois pontos de vista sobre o mesmo fenômeno concreto da língua não devem ser mutuamente impenetráveis nem simplesmente substituir mecanicamente um ao outro, devendo, porém, combinar-se organicamente (na sua mais precisa distinção metodológica) com base na unidade real do fenômeno da língua (BAKHTIN, 2003, p. 269). Referindo-se à forma composicional e ao conteúdo temático, Bakhtin (1993) destaca a posição dos formalistas russos em O problema do conteúdo, da forma, do material, que se voltaram em sua Poética para a natureza do material (unidades lingüísticas), ocupando esta um lugar de destaque em sua teoria para a poesia. Há uma tendência, segundo Bakhtin (1993), em compreender a forma artística como forma de um determinado material, materializando uma aproximação com o positivismo empírico, isto é, uma consonância entre os aspectos físico-matemáticos e lingüísticos. Entretanto, Bakhtin (1993) questiona: “[...] mas será que nos cabe perceber a palavra no objeto artístico precisamente em sua determinação lingüística?” De acordo com o autor russo, o escritor, como exemplo, necessita de orações e palavras para estruturar sua obra. Porém o trabalho final do artista consiste em superar o material lingüístico, pois essa superação [...] assume um caráter puramente imanente: o artista liberta-se da língua na sua determinação lingüística não ao negá-la, mas graças ao seu aperfeiçoamento imanente: o artista como que vence a língua graças ao próprio instrumento lingüístico e, aperfeiçoando-a lingüisticamente, obrigaa a superar a si própria (BAKHTIN, 1993, p. 50). 73 Volochínov e Bakhtin [200-, p10], criticam a estética formalista na medida em que esta se define como a forma do material. Adotar um ponto de vista como esse é o mesmo que ignorar o conteúdo. Para os autores, a forma é realizada com a ajuda do material, ou seja, a forma está fixada no material, mas com objetivo de ultrapassá-lo: “[...] o significado, a significação da forma tem relação não com o material, mas com o conteúdo”. Bakhtin (1993) ainda acrescenta o caráter auxiliar da organização material da obra e traz uma orientação metódica para que o material lingüístico renuncie à pretensão de esgotar a obra de arte. Ademais, a estética material, ao ignorar o conteúdo, constitui-se como algo não significante, quando deveria realizar-se através de um conteúdo artisticamente formalizado – uma forma estética de conteúdo.23 A forma, nesse contexto, deve ser concebida em relação ao conteúdo e ao mesmo tempo concretizada no material lingüístico. Para tanto, Bakhtin diz que a palavra como forma composicional (formas da língua) se transforma na relação criativa do autor com o conteúdo. O ritmo (aspecto material) de uma palavra, por exemplo, transgride o seu limite e penetra no conteúdo através de um tom criativo e valorativo. Para Bakhtin (1993), a forma artística é a forma de um conteúdo, mas inteiramente realizada no material. Nesse sentido, a obra literária manifesta-se numa forma arquitetônica ao construir um acontecimento (um conteúdo) a partir da organização da forma composicional do material lingüístico do texto. Em síntese, [...] compreender a forma e o conteúdo na sua inter-relação essencial e necessária: compreender a forma como forma do conteúdo, e o conteúdo como conteúdo da forma, compreender a singularidade e a lei das suas inter-relações. Só com base nessa concepção é possível delinear o sentido correto para uma análise estética concreta das obras particulares (BAKHTIN, 1993, p. 69). 23 Conteúdo aqui está relacionado com a unificação dos valores éticos e estéticos, temas teorizados por Bakhtin nas obras: Para uma filosofia do ato, Estética da criação verbal e Questões de literatura e estética. 74 Convém salientar que os gêneros discursivos atendem à multifacetação da linguagem em diversas esferas da atividade humana, o que não contraria a unidade nacional de uma língua. Percebemos isso ao caminhar nas três dimensões que caracterizam os gêneros (estilo de linguagem, forma composicional e conteúdo). Para isso, percorremos o delineamento dessas características dos gêneros feita por Bakhtin. Vimos que o percurso traçado pelo autor se constituiu principalmente no texto literário (gênero discursivo da esfera artístico-literária). No entanto, a nosso ver, compreender a forma de um conteúdo como aquela que se realiza nas formas da língua pode ser traduzido para outros gêneros do discurso que pertencem a outras esferas – esferas jornalística, escolar, religiosa, científica, entre outras. Como mostra Bakhtin (2003, p. 282), falamos apenas por meio de gêneros, ou seja, todos os nossos enunciados têm formas relativamente estáveis e típicas de construções do todo: “[...] até mesmo num bate-papo descontraído e livre nós moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gênero”. Para o autor, os gêneros do discurso são dados aos falantes da mesma forma que a língua materna, até o momento de serem inseridos no estudo teórico da gramática. Bakhtin (1993) deixa claro que a estrutura gramatical da língua materna não acontece por meio de dicionários e gramáticas, e sim de enunciações concretas, na comunicação discursiva viva com as pessoas, não negando que para isso fazemos uso das formas lingüísticas, pois [...] o falante com sua visão de mundo, os seus juízos de valor e noções, por um lado, e o objeto de seu discurso e o sistema da língua (dos recursos lingüísticos), por outro – eis tudo que determina o enunciado, o seu estilo e sua compreensão (BAKHTIN, 2003, p. 296). Portanto, neste estudo, concebemos que as formas gramaticais da língua devem ser refletidas e analisadas no interior das aulas de Língua Portuguesa, levando-se em consideração o sentido que se quer produzir nos usos sociais da leitura e da escrita de diferentes gêneros textuais. Dessa forma, não podemos deixar de 75 ressaltar que Bakhtin, ao discutir os seus conceitos, trouxe uma compreensão para a dimensão enunciativa/discursiva das formas da língua, ou seja, chamou a atenção para uma concepção de língua que está atrelada à linguagem como interação verbal, à enunciação, enunciado, e, por conseguinte, ao gênero do discurso. Para o autor russo, [...] a língua, a palavra são quase tudo na vida humana. Contudo, não se deve pensar que essa realidade sumamente multifacetada que tudo abrange possa ser objeto apenas de uma ciência – a lingüística – e ser interpretada apenas por métodos lingüísticos [...] As línguas [...] podem entrar naquelas relações dialógicas, isto é, conversar entre si? Só sob a condição de um enfoque lingüístico, isto é, de serem transformados em “visões de mundo” (ou em certas visões de mundo centradas na linguagem ou no discurso), em “pontos de vista”, em “vozes sociais, etc.” (BAKHTIN, 2003, p. 324-325, grifo do autor). Bakhtin (1992) ainda discute as formas da língua e enunciação/enunciado no trabalho Teoria da enunciação e problemas sintáticos. Nesse texto, aponta o pensamento lingüístico contemporâneo voltado para as categorias fonética e morfológica. O problema é que outros fenômenos da língua, como a sintaxe, são vistos sob o olhar das categorias mencionadas. Bakhtin traz o problema da sintaxe à tona, pois as formas sintáticas aproximam-se das formas concretas da enunciação, logo constituem-se como um estudo mais produtivo, já que se afastam de um sistema abstrato da língua. Como mostra o autor (1992, p. 140), “[...] as categorias lingüísticas, tais como são, só são aplicáveis no interior do território da enunciação”. Desse modo, se há uma permanência das categorias gramaticais, tais como orações ou palavras, não se tem possibilidade de acesso à enunciação completa. A crítica de Bakhtin recai sobre a distinção que se faz, nos estudos lingüísticos, entre enunciado e oração. Nesse contexto, o autor traz o dado de que a oração, como unidade abstrata, não tem autor, pois, para se tornar enunciado pleno, deve ser parte constitutiva da subjetividade do falante em uma situação social de comunicação discursiva. A relação pessoal do falante com o seu discurso resulta na escolha dos recursos léxicos, gramaticais e composicionais do enunciado, ou seja, dos gêneros do discurso. Portanto, a nosso ver, não há possibilidades para 76 distinção (entre unidades da língua e enunciado), e sim uma problematização, como pode ser visto no seguinte trecho: Pode-se considerar o elemento expressivo do discurso um fenômeno da língua como sistema? Pode-se falar do aspecto expressivo das unidades da língua, isto é, das palavras e orações? A estas perguntas faz-se necessária uma resposta categoricamente negativa. A língua como sistema possui um rico arsenal de recursos lingüísticos – lexicais, morfológicos e sintáticos – para exprimir a posição emocionalmente valorativa do falante, mas todos esses recursos enquanto recursos da língua são absolutamente neutros em relação a qualquer avaliação real determinada (BAKHTIN, 2003, p. 289, grifos do autor). Em síntese, vimos que Bakhtin traz termos (formas da língua, meios lingüísticos, sistema da língua, recursos lingüísticos) articulados à concepção enunciativa/discursiva da língua, que nos possibilitam dialogar com o ensino de língua materna, especificamente com as unidades gramaticais da língua. Em relação a esse ensino, Bakhtin (1992), ao discutir os discursos direto, indireto e suas variações, enfatiza que transpor palavra por palavra, por procedimentos gramaticais, sem se voltar para as variações estilísticas correspondentes, resulta em um método escolar de exercícios gramaticais pedagogicamente mau e inadmissível. Isso porque “fere” a concepção bakhtiniana de que a língua vive nas relações interlocutivas entre os falantes de uma língua, e não num sistema abstrato de formas. Concordamos com Rodrigues (2005) quando acrescenta que, embora as concepções e o foco central do Círculo de Bakhtin não se referissem particularmente ao ensino/aprendizagem de línguas, alguns de seus textos apresentam considerações sobre essa temática que surpreendem pela contemporaneidade. De acordo com a autora, há questionamentos acerca do ensino de língua estrangeira e de língua materna a partir das críticas feitas à língua como sistema abstrato. 77 A autora ainda traz contribuições para refletirmos sobre o ensino de língua materna, ao afirmar que, por meio do enunciado como unidade real da comunicação discursiva na ótica de Bakhtin, se pode compreender a natureza enunciativa das formas da língua (palavras e orações). Versa também sobre a opção do termo discurso pelos estudiosos do Círculo de Bakhtin, o qual se diferencia da língua como sistema de formas. A diferenciação é interpretada por Rodrigues (2005, p. 156) como uma outra forma teórica de conceber e estudar a língua, “[...] que não se fecha na sua condição de sistema de formas (a gramática de uma língua ou ainda uma língua potencial), mas abre-se para a sua condição de atividade e acontecimento social, portanto estratificada pelos valores ideológicos”. Concordamos também com Rodrigues (2005) quando interpreta a concepção de texto em Bakhtin, afirmando que o autor russo considera dois pólos: de um lado, elementos repetíveis do texto, que é o sistema da língua ou o texto como unidade coerente de signos; de outro lado, o texto como concretização do enunciado: uma relação dialógica entre textos numa situação social. Como mostra a autora, os dois pólos configuram o texto como enunciado. Segundo Bakhtin (2003, p. 310), o enunciado “[...] é inteiramente realizado com recursos do sistema de signos da língua”. Para Rodrigues (2005), tudo que está no domínio do repetível (o sistema da língua) é o meio. Desse modo, inferimos que o texto não pode ser concebido apenas como unidade lingüística, já que, visto e interpretado à luz do enunciado, apresenta as mesmas características deste, pois tem endereçamento, locutor e relaciona-se com outros textos. Machado (2001, p. 237) traz essa tese, ao afirmar que o enunciado vem ao encontro da teoria do texto por trazer em seu bojo dois fatos: “[...] embora pressuponham uma língua, as relações dialógicas não existem no sistema da língua, mas nos enunciados concretos elaborados no processo de interação sócio-histórica”. Convém mencionar que, para Bakhtin (1993), o artista se liberta da língua na sua determinação sistêmica, e não ao negá-la, aperfeiçoando-a no 78 objeto estético. Em outras palavras, a nosso ver, as formas da língua concebidas na noção de texto/enunciado/gênero discursivo tornam-se vivas, plásticas e enunciativas. Por outro lado, em Apontamentos de 1970-1971, Bakhtin (2003) afirma que o termo texto não corresponde à essência do todo do enunciado, diferenciando texto de enunciado. Para Rodrigues (2005, p. 158), temos duas possibilidades para a leitura dos termos texto e enunciado na teoria de Bakhtin: “ora recobrem um só fenômeno concreto, ora representam conceitos distintos”. Adotamos a concepção de texto em Bakhtin que vem ao encontro do enunciado como realidade concreta da língua, ou seja, um conceito de texto que ultrapassa a língua como abstração sistêmica, fomentando uma concepção discursiva dos meios lingüísticos. Barros (2003) acrescenta que a definição de enunciado em Bakhtin está próxima de uma concepção atual de texto. Para essa autora, o texto hoje é um objeto de significação cultural, social, histórica e discursiva, o que amplia a noção de texto para além das formas gramaticais da língua. Dessa forma, consideramos as indicações de autores (MACHADO, 2001; RODRIGUES, 2005), compreendendo que as teses de Bakhtin possibilitam refletir sobre o ensino de conhecimentos gramaticais em aulas de Língua Portuguesa, auxiliando na análise dos nossos dados. Para isso, tomamos as concepções de linguagem/língua articuladas aos conceitos de enunciado, gênero do discurso e texto, conforme delineados por nós. 3.3 REFLEXÕES SOBRE O ENSINO/APRENDIZAGEM DE GRAMÁTICA NA ESCOLA : “DIÁLOGO-PONTE” COM OS PRESSUPOSTOS BAKHTINIANOS 3.3.1 Vigotski e o ensino de gramática na escola Conforme dito por nós no início deste capítulo, buscamos as teses do autor russo Lev Semenovich Vigotski por encontrar em suas teorizações, concepções e 79 conceitos de fundamental importância para as nossas análises, sobretudo no que diz respeito ao ensino/aprendizagem da língua materna no espaço escolar. Parece-nos que Vigotski (2001) “ampliou” a discussão empreendida por Mikhail Bakhtin, já que este autor não se voltou especificamente para o ensino escolar. Para o nosso estudo, o “diálogo-ponte” que buscamos apresentar pode ocorrer porque os dois autores partiram dos mesmos pressupostos teóricos para pensar o conceito de sujeito e, por conseguinte, os mesmos modos de apropriação da língua materna por esse sujeito. Nesse contexto, reconhecer a importância do outro ressaltada por Bakhtin24 coaduna-se com a compreensão de Vigotski (2001) a respeito do conceito de zona de desenvolvimento proximal. Os resultados da pesquisa deste autor apontam que um trabalho de colaboração (demonstrações, perguntas sugestivas, início de solução) por parte de um adulto pode contribuir para que a criança ou o adolescente resolva exercícios que estejam além do nível atual de desenvolvimento de cada um. De acordo com Vigotski (2001), podemos definir a zona de desenvolvimento proximal como a zona em que a criança, com a intervenção de outra pessoa, resolve problemas sem autonomia, o que resultará “no futuro” na autonomia para resolver os mesmos problemas, já que “hoje” teve a colaboração e mediação do outro. O autor aponta que essa zona tem mais relevância que a zona de desenvolvimento atual, pois esta última não ajuda em nada o educando, ao estabelecer o que ele sabe fazer sozinho. Nesse sentido, a criança ou o adolescente, orientados e ajudados por outra pessoa, sempre podem fazer mais 24 Inferimos que a concepção de sujeito defendida por Bakhtin (1992, 1993, 2003, 2004) se encontra ”distribuída” em sua obra. Ressalte-se que no texto Apontamentos de 1970-1971, Bakhtin (2003) traz uma definição de sujeito como aquele que se relaciona com outros sujeitos, ressaltando alguns termos (abertura, inconclusibilidade, inesgotabilidade) que trazem no seu bojo o caráter permanente de transformação do homem na sua existência. Esse pressuposto vem ao encontro de uma base teórica histórico-materialista, pois, como defendem Marx e Engels (1989), os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história, sendo esse um ato que se cumpre diariamente. 80 do que sozinhos. E mais, o ensino/aprendizagem deve apoiar-se na zona de desenvolvimento proximal, especificamente nas funções intelectuais não desenvolvidas dos escolares, para que possam fazer amanhã sozinhos o que hoje fazem em colaboração com o outro. Assim, o sujeito concebido em Vigotski e Bakhtin pode ser compreendido na sua inserção social em parceria com o outro por meio da atividade de significação dos signos. Freitas (2005, p. 308) considera ainda que a dimensão da alteridade como processo de constituição do sujeito pode ser pensada para o espaço escolar. Mostra que há possibilidades de um trabalho pedagógico através de uma ação compartilhada, em que o aluno deixa de ser um agente passivo e receptivo, para tornar-se “[...] um sujeito que age e, pelo seu discurso, se faz ouvir, recriando-se no seio de outras vozes”. Além disso, Bakhtin (1992) entende que a língua não se transmite de forma mecânica e vive sob a forma de um processo evolutivo contínuo, e que os indivíduos não a recebem pronta para ser usada, pois estão mergulhados na corrente da comunicação verbal. Vigotski (2001) acrescenta que as crianças, antes de iniciarem a aprendizagem da gramática na escola, já possuem um conhecimento gramatical, embora inconsciente, desse saber. Para os autores, os sujeitos apropriam-se da língua materna no convívio social com o outro, isto é, imersos em situações sócio-histórico-culturais. Nessa perspectiva, acreditamos que Vigotski (2001) compreendeu, da mesma forma que Bakhtin (1992), que transmitir conceitos por processos de ensino direto se mostra pedagogicamente estéril. A criança que recebe esse tipo de ensino torna-se impotente diante de qualquer tentativa de uso do conhecimento assimilado. Acreditamos que essa discussão possa ser estendida para as nomenclaturas e classificações do sistema gramatical da língua. 81 Vigotski (2001) considera complexo o estudo da gramática porque, aparentemente, seria pouco necessário e útil. Isso porque a criança, quando chega à escola, já articula em sua fala o sistema da língua. Pode então questionar: “O que a gramática lhe ensina de novo?” Como mostra Vigotski (2001, p. 319), a partir da problematização surgiu uma movimentação denominada agramática, uma vez que a justificativa já estava configurada: “[...] pois, no campo da fala, ela não propicia nenhuma habilidade que a criança já não tivesse, antes de ingressar na escola”. Porém, como Vigotski (2001) defende a tese de que a linguagem escrita, além de diferir da linguagem falada, é uma álgebra da fala, porque é uma forma mais complexa de linguagem intencional e consciente, podemos compreender a visão do autor de que o ensino gramatical deve ocorrer na escola. Para ele, a criança, quando chega ao espaço escolar, domina por meio da fala praticamente toda a língua materna. Mas esse domínio é inconsciente, e a utilização das formas da língua acontecem espontaneamente sem nenhuma reflexão. Desse modo, tanto a escrita como o ensino de gramática, sob a ótica de Vigotski, proporcionam à criança uma projeção para o nível superior no desenvolvimento da linguagem, devido ao deslocamento do que é espontâneo e não-consciente para o âmbito do consciente e voluntário. Trata-se de uma função intelectual superior, que é a tomada de consciência dos conceitos científicos, incluindo os conceitos gramaticais. Para isso, faz-se necessário que o professor “transite” na zona de desenvolvimento proximal dos alunos a fim de que estes não reproduzam nem memorizem mecanicamente os conceitos científicos, e sim os compreendam efetivamente. Nessa perspectiva, demonstramos, neste estudo, entender a importância do ensino de conhecimentos gramaticais, desde que propicie aos alunos uma aprendizagem voltada para a reflexão sobre os usos de tais conhecimentos nas 82 práticas de leitura e de produção de gêneros textuais escritos. Inferimos que esse tipo de ensino possibilita uma compreensão de que ensinar gramática no espaço escolar favorece aos escolares uma tomada de consciência das unidades gramaticais da língua, diferentemente de um ensino gramatical tradicionalmente revestido de nomenclaturas e normas instituídas historicamente, em que se preconiza uma memorização mecânica de terminologias e de definições gramaticais. Assim, se na escola não forem proporcionadas à criança e ao adolescente novas experiências com estruturas gramaticais e sintáticas, torna-se inócuo o ensino. Mas a importância atribuída ao ensino escolar por Vigotski (2001) deve-se ao fato de que nesse espaço há possibilidade de os sujeitos aprenderem, graças à escrita e à gramática, as habilidades com os usos da língua que foram apropriadas no período pré-escolar,25 o que não quer dizer o ensino de nomenclaturas e terminologias descontextualizadas, que, conforme enfatizado por Bakhtin e Vigotski, se mostra pedagogicamente mau, inadmissível e estéril. Vale mencionar que, para Vigotski (2001), uma criança nunca aprende a língua materna iniciando pelo estudo do alfabeto, da escrita e da gramática, mas nas situações reais e vivas com o uso da língua. 3.3.2 Outras reflexões que permitem repensar o ensino gramatical nas aulas de Língua Portuguesa Vimos que Vigotski (2001) defende a tese de que a escola deve ensinar os conhecimentos gramaticais, desde que não seja algo que ocorra mecanicamente, por meio de um ensino pautado na “decoreba” de listas e nomenclaturas de conceitos gramaticais, em que não há espaço para reflexão dos usos que os alunos fazem da língua materna. 25 A partir da perspectiva de Vigotski (2001), compreendemos período pré-escolar como o período em que a criança ainda não participa de um espaço (a escola) formal de apropriação de conhecimentos. Acreditamos que, nessa fase, a criança se apropria das condutas humanas, incluindo o uso da língua materna, no convívio social com a comunidade na qual está inserida. 83 Nessa perspectiva, podemos citar autores brasileiros (POSSENTI, 1996; GERALDI, 1997; BRITO, 1997; TRAVAGLIA, 2002a; NEVES, 2004; BAGNO, 2004; PERINI, 2005)26 que defenderam, do mesmo modo que Vigotski e Bakhtin, um ensino de conhecimentos gramaticais que se distanciasse de uma reprodução e memorização mecânica de conceitos e, sobretudo, da excessiva valorização da gramática tradicional. Os referidos pesquisadores, além da crítica a esse tipo de ensino, trouxeram reflexões para se “repensar” o ensino da língua materna. Nesse contexto, mencionaremos uma das contribuições, levando em consideração a sua divulgação nos PCNs27 e, sobretudo, a análise dos nossos dados. Geraldi (1997) propõe atividades com a linguagem englobando três dimensões, que podem ser concebidas de forma articulada, haja vista a análise lingüística (uma das dimensões) se concretizar no interior da produção e da leitura de textos (as duas outras dimensões). Embora a análise lingüística seja o ponto crucial para a discussão do ensino de gramática, versaremos também sobre a produção e a leitura de textos. A produção de textos (orais e escritos) é o objeto, por excelência, elencado por Geraldi, uma vez que é no texto que a língua se mostra em sua totalidade, “[...] quer enquanto conjunto de formas [...] quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva” (GERALDI, 1997, p. 135). Compreender o texto como conjunto de formas e como discurso intersubjetivo traduz pontos a serem levados em consideração na produção de texto: ter o que dizer; ter uma razão para dizer o que se tem a dizer; ter um produtor que se assuma como sujeito ao dizer o que tem a dizer para o interlocutor (endereçamento); escolher as estratégias para realizar o que se tem a dizer. As atividades práticas elencadas por Geraldi (1997) incidem sobre uma relação interlocutiva entre o professor e o aluno, em que este 26 Devemos ressaltar que os referidos pesquisadores se pautaram em diferentes referenciais teóricos do campo da lingüística. Nesse caso, estaremos referendando especificamente as críticas feitas ao ensino gramatical de cunho tradicional e filológico. 27 No artigo O discurso da ciência e da divulgação em orientações curriculares de Língua Portuguesa Revista Brasileira de Educação), de Marildes Marinho, Geraldi está entre os autores mais citados no documento nacional. 84 seja o sujeito de sua palavra. O professor, por sua vez, como leitor que aponta caminhos possíveis, questionando, sugerindo e testando o texto do aluno, pois [...] centrar o ensino na produção de textos é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos sobre os quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala (GERALDI, 1997, p. 165). No que concerne à leitura de textos, Geraldi (1997) aponta uma produção de sentidos que é constituída na contrapalavra do leitor, ou seja, uma compreensão responsiva que possibilita ler e interagir com a palavra do autor. Este, por seu turno, posiciona-se como sujeito de sua produção ao elaborar o texto. Dessa forma, a leitura resulta de uma cadeia de sentidos “[...] fornecidos pelos fios das estratégias escolhidas pela experiência de produção do outro [autor] com o que o leitor se encontra na relação interlocutiva de leitura” (Geraldi, 1997, p. 166). De acordo com Geraldi (1997), a análise lingüística entra em cena no contexto das atividades e concepções propostas para a produção e leitura de textos. O termo análise lingüística refere-se às atividades que partem da linguagem tendo em vista duas peculiaridades: a linguagem como fala sobre o mundo e como fala sobre si mesma, materializadas nas atividades epilingüísticas e metalingüísticas:28 [...] as primeiras refletem sobre a linguagem, e a direção desta reflexão tem por objetivos os usos destes recursos expressivos [...] toda reflexão sobre diferentes formas de dizer. [...] considero as atividades metalingüísticas como uma reflexão analítica sobre os recursos expressivos, que levam à construção de noções com as quais se torna possível categorizar tais recursos (GERALDI, 1997, p. 191, grifo do autor). A atividade metalingüística (compreendida como o estudo da estrutura de uma língua) pode acontecer, desde que não anteceda a atividade epilingüística. Ao invés de apresentar nomenclaturas gramaticais aos alunos como ponto de partida para o estudo da língua, deve-se levá-los a refletir sobre as produções escritas, 28 Franchi (2006) também discute essas questões no artigo Criatividade e gramática. 85 estabelecendo um diálogo entre as duas atividades. Geraldi (1997) ressalta que, para se chegar a uma sistematização científica da língua, há uma trajetória a ser considerada: a reflexão por parte dos alunos sobre o uso dos recursos lingüísticos que dominam. Para tanto, a atividade epilingüística configura-se como mediadora entre os recursos da língua dominados pelos alunos e os recursos a serem dominados no âmbito escolar (atividade metalingüística). A nomenclatura gramatical para esse autor só merece ser mencionada se levar em conta a manipulação pelo aluno dos fatos da língua materializados nos textos. Desse modo, O objetivo essencial da análise lingüística é a reescrita do texto do aluno. Isso não exclui, obviamente, a possibilidade de nessas aulas o professor organizar atividades sobre o tema escolhido, mostrando com essas atividades os aspectos sistemáticos da língua portuguesa. Chamo atenção para os aspectos sistemáticos da língua e não para a terminologia gramatical [...] o objetivo não é o aluno dominar a terminologia (embora possa usá-la), mas compreender o fenômeno lingüístico em estudo (GERALDI, 1999, p. 74). Dessa forma, cabe à escola propiciar que o aluno reflita sobre as formas gramaticais a partir dos usos sociais da língua (práticas de leitura e de produção de gêneros textuais) para então chegar a uma sistematicidade gramatical. Convém mencionar mais uma vez que o escolar, ao se inserir no espaço escolar, possui um conhecimento das unidades gramaticais de modo implícito, do qual “lança mão” na interlocução social. Portanto, o ensino gramatical pode e deve ocorrer, desde que se leve em consideração o fato de o aluno possuir um conhecimento inconsciente das formas lingüísticas. Além disso, esse saber ocorre em situações com os seus pares, o que vem ao encontro da concepção de língua numa perspectiva de Bakhtin (1992). Para o autor, a língua vive e evolui na interação verbal entre os interlocutores em ligação com as condições concretas em que se realiza. 86 CAPÍTULO IV ABORDAGEM METODOLÓGICA Uma vez anunciada a natureza do objeto de investigação e os pressupostos teóricos desta pesquisa, neste capítulo apresentaremos o delineamento metodológico utilizado para alcançar os objetivos esboçados no Capítulo II. É importante ressaltar que o nosso estudo buscou apreender a singularidade de um fenômeno, visto que se prendeu a investigar como os conhecimentos gramaticais vêm sendo trabalhados nas práticas de leitura e de produção de gêneros textuais escritos em aulas de Língua Portuguesa, levando em conta a indicação de gêneros textuais como unidade básica para o ensino de língua materna. Dessa forma, a pesquisa configurou-se como um estudo de caso de natureza qualitativa. Nessa perspectiva, chamamos atenção para o fato de que o referencial teórico de nosso estudo parte de uma abordagem sócio-histórica pautada nos estudos de Bakhtin e Vigotski. Em consonância com essa escolha teórica, concordamos com Freitas (2002) quando sinaliza que, na pesquisa qualitativa com enfoque sóciohistórico, não investigamos em função de resultados, e sim na compreensão do objeto em toda a sua complexidade e em seu acontecer histórico, o que resulta em análises de situações em processo de desenvolvimento, ao contrário de situações criadas artificialmente para serem pesquisadas. Dessa forma, em nossa pesquisa, ao observarmos o trabalho com os conhecimentos gramaticais nas atividades de leitura e de produção de gêneros textuais escritos em aulas de Língua Portuguesa, partimos de alguns pressupostos teóricos iniciais. No entanto, procuramos manter-nos atentos a novos elementos que podiam surgir como importantes durante a nossa inserção em campo, bem como no momento da organização e análise dos dados. Para Lüdke e André (1986), o conhecimento não se constitui como “acabado” e “pronto”, mas como algo que se faz e refaz constantemente. 87 Nesse sentido, o pesquisador conhece a realidade do modo como ela surge, no seu acontecer histórico, buscando retratá-la de forma completa e, ao mesmo tempo, revelar os fatos que a envolvem e a determinam, sem no entanto desconsiderar que, num estudo de caso, [...] determinar os focos de investigação e estabelecer os contornos do estudo decorre do fato de que nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno [...] a seleção de aspectos mais relevantes e a determinação do recorte é, pois, crucial para atingir os propósitos do estudo de caso e para chegar a uma compreensão mais completa da situação estudada (LUDKE; ANDRE, 1986, p. 22). Convém destacar que delimitar uma análise mais detalhada e singular de algum fenômeno a ser estudado, incidindo no que ele tem de único, particular e específico, num determinado contexto, não quer dizer um desprendimento de outras dimensões que envolvem o objeto a ser investigado. Trata-se, a nosso ver, de considerar o aspecto dialógico entre o singular e o contexto “mais amplo” que pode estabelecer-se no processo de investigação. Nesse caso, acreditamos que a realidade pode ser interpretada sob diferentes ângulos, não havendo verdades estabelecidas, pois, no processo de inserção em campo, diferentes visões em torno do caso podem emergir em decorrência de o estudo de caso tratar de uma escolha metodológica, a qual “[...] é própria para a construção empírica que pesquisa fenômenos dentro de seu contexto real – com pouco controle do pesquisador sobre eventos e manifestações do fenômeno” (MARTINS, 2006, p. 9). Conforme dito, realizamos um estudo de caso de natureza qualitativa. Como apontam Bogdan e Biklen (apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986), a abordagem qualitativa propicia, a partir do contato do pesquisador com a situação estudada, a obtenção de dados descritivos focalizados no processo e não no produto. Vale chamar a atenção para o fato de que, em nosso estudo, informações quantitativas também 88 foram utilizadas, configuradas em tabelas com quantificações acerca do processo de ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais nas práticas de leitura e de produção de gêneros textuais escritos. Dessa forma, adotamos a posição de Martins, para quem é [...] falsa a dicotomia entre pesquisa quantitativa e qualitativa [...] a natureza e condução de uma pesquisa orientada por um Estudo de Caso necessita da adoção de diversas técnicas de coleta de dados, bem como sugere avaliações qualitativas (MARTINS, 2006, p. 23). Ainda sobre a abordagem qualitativa, não podemos perder de vista que o pesquisador não olha os fatos e dados de forma neutra. Bakhtin (2003, p. 332) defende que o observador não tem posição fora do mundo; sua observação é componente do objeto pesquisado. A dinâmica consiste em compreender o pesquisador como aquele que dialoga com o objeto da pesquisa. Inferimos que dialogar com o objeto da pesquisa implica conceber o estudo de caso como um fato que apresenta uma plasticidade “[...] suficiente para que, sendo utilizado de forma tão diferenciada, possa permanecer como poderosamente presente na base de alguns dos mais importantes contributos das escolas e demais organizações sociais [...]” (SARMENTO, 2003, p. 137). Nessa perspectiva, é necessário enfatizar que o desenvolvimento de um estudo de caso pode ocorrer em fases ou momentos diferenciados, não sendo algo que deva constituir-se linearmente ou de forma estanque. Lüdke e André (1986) assinalam que, na fase exploratória, o estudo de caso se inicia incipiente, evidenciando-se mais detalhadamente à medida que o estudo se desenvolve. As questões iniciais podem ter origem em observações ou em contato com as pessoas ligadas ao fenômeno, por exemplo. Na nossa pesquisa, essa fase constituiu-se como no momento em que estabelecemos os primeiros contatos com os sujeitos e demos início à nossa observação participante. 89 Outras fases destacadas por Lüdke e André (1986) referem-se à delimitação do estudo e à análise sistemática e elaboração do relatório. Em nossa investigação, a delimitação ocorreu a todo momento, visto que norteamos a observação participante com um roteiro de observação (APÊNDICE G), que “[...] significa determinar com antecedência ‘o quê’ e ‘o como’ observar” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 25). Ressalte-se que o ápice da delimitação em nossa pesquisa se configurou no momento em que organizamos e categorizamos em tabelas os dados coletados, levando em consideração os objetivos do estudo. Sobre a análise, Lüdke e André (1986) destacam que deve estar presente em vários momentos da investigação, tornando-se mais sistematizada após o encerramento da coleta de dados. Desse modo, levando em conta a nossa opção metodológica, descreveremos o processo de inserção em campo e as técnicas e/ou instrumentos utilizados para contemplar os objetivos da pesquisa: a observação participante com roteiro de observação e descrição em diário de campo, formulários para a caracterização da escola, da sala de aula e dos alunos, roteiro de entrevista com o professor e com os alunos e análise documental. 4.1 O PROCESSO DE INSERÇÃO EM CAMPO E DE COLETA DE DADOS A pesquisa foi realizada durante o ano letivo de 2007. Iniciou no dia 3 de abril e finalizou no dia 21 de setembro, totalizando 47 dias em campo (APÊNDICE I). Desses, 14 dias foram destinados aos primeiros contatos, às entrevistas com a professora e com os alunos, à análise de documentos e à caracterização da escola. No que se refere à observação do processo de ensino/aprendizagem, estivemos presentes durante 33 dias. As observações eram feitas duas a três vezes por semana, a depender dos dias destinados às aulas de Língua Portuguesa, bem como das atividades desenvolvidas na escola. Foi observado 90 um total de 60 aulas de 50 minutos cada uma, resultando em média 50 horas de observação participante. A inserção em campo iniciou-se com a nossa apresentação na unidade escolar, onde conversamos com o diretor, a pedagoga e a professora de Língua Portuguesa. Apresentamos os nossos objetivos, o roteiro de observação (APÊNDICE G) e oficializamos o processo de coleta de dados a partir do protocolo de pesquisa (APÊNDICE A). Com a autorização da escola e da professora, encaminhamos para os pais o termo de consentimento (APÊNDICE B) para que os alunos pudessem participar da pesquisa. Todos os alunos que participaram do nosso estudo foram autorizados pelos pais. Em seguida, analisamos documentos da secretaria escolar com o objetivo de caracterizar a escola (APÊNDICE C), bem como os alunos que estudavam naquela instituição. Com isso, iniciamos a observação participante, coletando dados necessários à melhor apreensão da problemática estudada, valendo-nos de uma técnica que está em consonância com a nossa escolha metodológica. Lüdke e André (1986) salientam que se faz necessário um planejamento cuidadoso, pois a observação contempla aspectos do problema que devem ser capturados da melhor forma. Ainda destacam que nessa etapa se decide o grau de participação do observador e a duração das observações, pontos que foram discutidos no primeiro contato com a professora e a pedagoga. Em relação à extensão do período de observação, há que considerar o tipo de problema que está sendo estudado e os objetivos do estudo. Além disso, [...] o observador inicia a coleta de dados buscando sempre manter uma perspectiva de totalidade, sem se desviar demasiado de seus focos de interesse. Para isso, é particularmente útil que ele oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo que ele nem termine com um amontoado de informações irrelevantes nem deixe de obter certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 30). 91 Sarmento (2003) alerta que, na observação participante, a presença de um investigador externo pode complexificar as relações sociais no seu interior. Isso porque alguns professores podem interpretar as observações como uma espécie de avaliação das práticas docentes, gerando uma situação incontornável. Mas o autor sugere que a ultrapassagem dessa condição pode ocorrer tendo em vista dois fatores: [...] o tempo, como condição de habituação mútua a uma presença desejavelmente não interferente e muito menos avaliativa, e a efectiva implicação na ação, no sentido de uma “familiarização” que não recusando o “distanciamento” possa afirmar como “mais um de nós”, só que com uma tarefa própria (SARMENTO, 2003, p.161, grifos do autor). Não devemos desconsiderar que a nossa presença nos primeiros dias causou um impacto no processo e nas situações de ensino/aprendizagem. Mas tivemos o cuidado de ressaltar para a professora que o nosso objetivo não era avaliar o seu trabalho docente, e sim apreender a dinâmica das atividades desenvolvidas em torno dos gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais. Em alguns momentos a professora pediu para fazer a leitura de alguns registros em diário de campo. A leitura facilitou ainda mais a familiarização entre a pesquisadora e os sujeitos. Sobre o registro, iniciamos as descrições das aulas observadas sem apoio de recursos audiovisuais a fim de não causar estranhamentos no início da coleta de dados. Desse modo, nas primeiras dez aulas observadas fizemos as descrições contando com a nossa percepção sensorial de observador (MARTINS, 2006). Entre as aulas 11 e 18, introduzimos um recurso em áudio, não ocasionando alteração no interior da sala de aula. No entanto, já na 19ª aula, com a entrada da filmadora em VHS, ocorreu uma “grande agitação”, visto que os alunos se mostraram inibidos com a presença do recurso. Vale ressaltar que, a partir dessa aula, a pesquisadora “ganhou” mais visibilidade e o contato com os sujeitos aumentou, devido aos momentos de conversa sobre a importância da utilização do referido recurso para a investigação. Dessa forma, com o desenrolar da 92 pesquisa, a presença da filmadora passou a ser encarada com naturalidade. Além disso, conforme exposto no APÊNDICE B, tivemos a autorização dos pais para a utilização das imagens, após esclarecer que os dados seriam utilizados estritamente para a análise e que seria resguardada a identidade dos participantes. A partir dos registros, a pesquisa configurou-se com um corpus (APÊNDICE J) de 60 aulas observadas e descritas em diário de campo (APÊNDICE H), tendo 50 eventos transcritos conforme norma de transcrição da Gramática do Português Falado. No que se refere aos eventos, partimos do pressuposto bakhtiniano interpretado por Sobral (2005, p. 27), que define o evento como um processo de irrupção de objetos presentificados no plano histórico, que traz os seres à consciência viva, situada no mundo do vivido. Para o autor, o evento ocorre num dado lugar e num dado espaço, sendo “um ato abarcador que inclui os vários atos da atividade humana ao longo desse diálogo permanente que é a vida”. Ainda de acordo com Bakhtin (1992), estamos concebendo como evento as interações verbais que se efetivaram no desenvolvimento do ensino/aprendizagem dos conteúdos propostos para as aulas de Língua Portuguesa. Desse modo, acreditamos que a interação entre professora e alunos na sala de aula materializaram enunciados que produziram e fizeram circular discursos em estreita vinculação com as condições de produção. Com isso, chamamos atenção para o fato de que delineamos em nosso quadro teórico tais condições, especificamente quando discutimos que os enunciados trazem no seu bojo a alternância dos sujeitos do discurso, a vontade discursiva dos falantes, as relações entre os interlocutores, o endereçamento do discurso e o tema. Corroborando a idéia acima, Marcuschi (2003) afirma que o evento discursivo se define como uma grandeza sociointerativa em que se contemplam os atores e toda a organização. O autor traz como exemplo de evento a aula, o que nos levou 93 a considerar como eventos as situações de ensino/aprendizagem observadas nas aulas de Língua Portuguesa, que tiveram como foco o trabalho desenvolvido pela professora com os gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais. É importante informar que esses eventos foram identificados a partir do que gravamos e/ou filmamos das aulas observadas. Para a coleta de dados, fizemos uso também de entrevistas. Elas permitiram levantar informações acerca da escola e dos sujeitos envolvidos, reunindo as representações destes últimos sobre questões relacionadas com o ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais e os gêneros textuais. Realizamos as entrevistas com os alunos e a professora, guiando-nos por roteiros semi-estruturados (APÊNDICES E e F) e procurando “[...] obter informações, dados e opiniões por meio de uma conversação livre, com pouca atenção a prévio roteiro de perguntas” (MARTINS, 2006, p. 27). Adotamos esse procedimento, baseando-nos em Martins (2006), que enfatiza que as entrevistas no estudo de caso devem ocorrer em meio a um clima de amistosidade, possibilitando a emersão de opiniões sobre determinados fatos. O autor pontua que uma [...] entrevista pode oferecer elementos para corroborar evidências coletadas por outras fontes, possibilitando triangulação e conseqüente aumento do grau de confiabilidade do estudo. Além disso, uma entrevista pode oferecer perspectivas diferentes sobre determinado evento por falas [...] (MARTINS, 2006, p. 28). Nas entrevistas, fizemos uso do gravador com o consentimento dos sujeitos pesquisados, pois, de acordo com esse mesmo autor, “[...] o uso do gravador deve ser praticado, evidentemente, com aquiescência do entrevistado” (MARTINS, 2006, p. 28). No que tange aos registros, utilizamos recurso em áudio, conforme indicação acima, fazendo uso das normas da Gramática do Português Falado para as transcrições. Vale ressaltar que realizamos as entrevistas após dois meses de observação participante, garantindo um convívio mais prolongado com os sujeitos entrevistados, o que resultou, a nosso ver, em um clima de confiança e interação. 94 Uma outra questão que demandou cuidados especiais foi a entrevista com os alunos. De acordo com Sarmento (2003), é desejável que se leve em consideração a dificuldade que porventura possa ocorrer em relação à interpretação das perguntas. Desse modo, no momento em que os alunos não compreendiam a pergunta, explicávamos até a “total” compreensão, com o cuidado de não forçar o rumo das respostas para determinada direção. Outro procedimento “valioso” para a nossa coleta de dados foi a análise de alguns documentos que permitiram complementar a nossa compreensão das informações coletadas com outros instrumentos utilizados por nós. Concebemos como documentos os materiais pedagógicos (livro didático, folhas xerocopiadas, gêneros textuais escritos produzidos pelos alunos, livros paradidáticos) que circularam na sala de aula e, sobretudo, foram utilizados nas situações de ensino/aprendizagem. Fizemos uso também de documentos da secretaria, como as fichas de matrículas, o diário de classe e o Projeto Político Pedagógico, para caracterizar a escola e os alunos. Desse modo, acreditamos que as técnicas de observação participante, entrevistas e análise dos documentos nos possibilitaram reconstruir o processo de ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais nas atividades de leitura e produção de gêneros textuais escritos na turma pesquisada. Assim, “[...] com essa variedade de informações, oriunda de fontes variadas [...]”, pudemos “[...] cruzar informações, confirmar ou rejeitar hipóteses, descobrir novos dados [...]” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 19). 4.2 O CONTEXTO DA PESQUISA 4.2.1 A escola e a sala de aula Para a efetivação da pesquisa, inserimo-nos em uma Escola de Ensino Fundamental, no município da Serra-ES, situada em um bairro que faz divisa com 95 o município de Vitória. De acordo com as análises dos documentos, essa escola iniciou suas atividades no ano de 1987. Naquela época, funcionava em um espaço construído com placas pré-moldadas, o que resultou, com o passar do tempo, em uma desativação, já que o prédio começou a ruir. A solução para isso foi o aluguel de um espaço alternativo pela Prefeitura Municipal da Serra, no qual a escola funcionou nos anos de 2004 e 2005, enquanto o “novo” espaço estava sendo construído. Em janeiro de 2006, houve a reinauguração da escola. Afinal, o prédio “novo” foi entregue à comunidade. Os alunos que freqüentam a escola são oriundos dos bairros circunvizinhos. Freqüentam também a escola 40 alunos da zona rural, especificamente da região de Queimados. No momento da coleta de dados, constatamos que a faixa etária desses alunos variava de acordo com o turno. No diurno, encontrava-se uma clientela entre 7 e 16 anos. Já no noturno, a faixa etária ia dos 15 aos 70 anos. De acordo com os dados cadastrais da secretaria, o número de pessoas por família variava de 3 a 7, e a renda familiar era de dois a quatro salários mínimos. A maioria residia em casa própria. Conforme mencionamos, a escola foi reinaugurada em 2006, portanto, no ano de realização da pesquisa, a escola funcionava em um espaço físico moderno, bem estruturado, limpo e arejado. Havia doze salas de aula amplas, ventiladas e iluminadas, contendo, cada uma delas, dois ventiladores, cadeiras e carteiras confortáveis e quadros de pincel. A escola tinha uma biblioteca que, conforme afirmado pela bibliotecária do turno vespertino, funcionava com projetos de formação de leitor nos turnos matutino e vespertino, embora tivesse o acervo limitado. Havia ainda salas-ambiente de vídeo e informática. Entretanto esta última não funcionava, mesmo dispondo de computadores. A sala de professores era ampla e arejada, tinha duas mesas grandes, sendo uma delas específica para planejamento. Havia ainda uma sala de direção, de coordenação e de pedagogos. O refeitório era um espaço agradável e amplo, contendo mesas e cadeiras novas. 96 A quadra de esportes era coberta e cimentada, constituindo-se em um espaço utilizado para aulas de Educação Física e eventos festivos promovidos e organizados pela escola. A escola atendia a 819 alunos, distribuídos nos turnos matutino, vespertino e noturno. Nos turnos diurnos, o atendimento era voltado para as séries do Ensino Fundamental. No turno noturno, funcionava o Ensino Fundamental Regular e o PROJOVEM (Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária). A média de alunos por turma nos referidos turnos era de 30. No que se refere aos profissionais, o número de professores dos três turnos totalizava 48; o corpo técnico e administrativo (diretor, coordenador, pedagogo, bibliotecário e secretária) totalizava 18; entre faxineiras e merendeiras, havia 10 profissionais; e quatro porteiros. A escola ainda dispunha de material pedagógico, tais como jogos, mapas e livros didáticos, para os alunos. Os recursos audiovisuais eram quatro aparelhos de som, uma televisão, um vídeo cassete, um DVD e uma máquina digital. Para utilização desses recursos, os professores deviam agendar o horário e o dia com os coordenadores ou pedagogos. A rotina da escola configurava-se em horário de chegada e saída dos alunos e profissionais nos três turnos. Todos os dias, no pátio da escola, os alunos organizavam-se em filas para entrar na sala de aula, exceto no turno noturno. Na segunda-feira, cantava-se o Hino Nacional. Entre uma aula e outra, não se “tocava sinal”, o controle de troca de aulas ficava sob a responsabilidade conjunta de professores, coordenadores e alunos. A sala de aula (ver APÊNDICE D) onde realizamos a nossa pesquisa era ampla, limpa, arejada e iluminada. Tinha duas janelas grandes, com toldos, para evitar o excesso de sol, e telas protetoras, o que restringia o contato entre os espaços externo e interno da sala. Desse modo, a acústica era excelente, uma vez que os ruídos de fora não interferiam no interior da sala. Havia ainda carteiras novas para 97 todos os alunos e uma mesa para o professor. Não havia ambientes específicos para a exposição de materiais escritos. Os únicos materiais escritos afixados nas paredes eram o horário de aulas do turno vespertino e alguns trabalhos em formato de cartazes das disciplinas História, Língua Portuguesa, Ciências e Geografia, que se revezavam. A sala de aula organizava-se comumente em quatro fileiras (um aluno atrás do outro), exceto em atividades de discussão de textos, quando a professora solicitava aos alunos que se sentassem em círculo. Não havia mapa de sala, entretanto os próprios alunos demarcavam seus lugares, e, se alguém sentasse no lugar do outro, ocorriam “estranhamentos”. 4.2.2 Os sujeitos da pesquisa Os sujeitos da pesquisa foram os alunos de uma turma de oitava série e uma professora de Língua Portuguesa, inseridos em aulas de Língua Portuguesa. A escolha da oitava série para o desenvolvimento de nosso processo de investigação deveu-se ao fato de inferirmos que nas séries finais do Ensino Fundamental, em aulas de Língua Portuguesa, há uma circulação de gêneros textuais presentificados em diferentes tipologias textuais (narrar, expor, descrever, dissertar, relatar, prescrever). Sobre a relação entre as tipologias textuais e a organização curricular em aulas de Língua Portuguesa, no Ensino Fundamental, Barbosa (2001, p. 114) sinaliza que [..] o que está por trás dessa seqüenciação [descrição–narraçãodissertação], dessa proposta de progressão curricular, é uma suposta complexidade da realidade. Começa-se descrevendo realidades mais simples (objetos, pessoas, cenas, seqüências de cenas), passa-se a relatos de seqüências de eventos e a histórias para, finalmente chegar-se, através do trabalho com a dissertação, ao pensamento, realidade mais difícil de ser compreendida (BARBOSA, 2001, p. 114). 98 Assim, seguimos as indicações da autora, acreditando ser possível ocorrer uma circularidade de gêneros textuais escritos de diferentes tipologias e, sobretudo, outras além daquelas (narrar, descrever) trabalhadas nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Ressalte-se que a caracterização dos sujeitos foi feita por meio de entrevistas (APÊNDICES E e F) e de consulta à ficha de matrícula e ao diário de classe da professora. 4.2.2.1 A professora A professora Paula29 estava, no momento da coleta de dados, com mais de 40 anos e trabalhava como professora estatutária apenas nesta escola, tendo uma trajetória profissional que remontava a quase 30 anos. Trabalhava na escola em que a pesquisa foi realizada havia três anos. Além da função docente, trabalhava também numa empresa de vendas como orientadora dos vendedores, desenvolvendo um trabalho de leitura e interpretação de panfletos explicativos. Era ainda professora aposentada do Estado. Com relação à formação, havia concluído curso superior em Letras (Português/ Português) e pós-graduação em nível de especialização em Planejamento Educacional, tendo como temática da monografia as Necessidades especiais. Ressaltou que era uma área de interesse futuro para ela. Ainda nesse aspecto de formação, mencionou os últimos três cursos que havia feito, por ordem de relevância (Paz nas escolas, Lideranças comunitárias e Diretrizes curriculares) bem como a participação mensal do curso de Formação continuada de Língua Portuguesa, oferecido pela Secretaria Municipal da Serra, inclusive destacando a importância do encontro: 29 Estamos utilizando um nome fictício. 99 T39 Prof.: acrescenta...e::: talvez não (tenha) assim um assunto bomba...é::: bombástica...mas tem sabe o quê? da gente ter a liberdade de falar das nossas angústias...das nossas ansiedades...e tem um convívio bom...o convívio com os demais...entendeu? ver que a outra escola também tá caminhando...e tem os mesmos problemas...como a gente resolver...então eu vejo isso também... esse encontro...ontem e:::: eu amanheci não querendo ir a essa formação... entendeu? ((por conta de problemas de saúde)) (...) mas aí...acordei...foi TÃO bom... (Entrevista, 09/2007). Sobre as leituras, afirmou que assinava o jornal A Tribuna e a revista Veja, e gostava de ler livros sobre comportamento, ou seja, “esse lado da psicologia”, acrescentando que lia livros de Dr. Lair Ribeiro, embora muitas pessoas criticassem esse tipo de literatura. Disse ainda que ia pouco ao teatro, devido aos preços elevados dessa atividade cultural, e assistia a filmes em casa, indo pouco ao cinema. Para subsidiar o trabalho com os gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais, a professora contava primordialmente com o livro didático, inclusive, quando necessário, fazia leitura do Manual do professor e das indicações para o Desenvolvimento das unidades. Ainda contava com uma caixa contendo folhas xerocopiadas que eram submetidas à cópia, constituindo-se principalmente em suporte para os exercícios sobre conhecimentos gramaticais. Como assinava o jornal A Tribuna, levava para os alunos trechos de “algo” que achava interessante. Além disso, fazia uso do acervo da biblioteca (livros paradidáticos, jornais e revistas) para o desenvolvimento das atividades de leitura de fruição. Convém ressaltar que o livro didático foi o recurso mais consultado e utilizado pela professora. Inclusive, no momento em que falou do livro didático, apontou-o como um recurso no planejamento das aulas e disse que gostava de utilizá-lo. Dele selecionava conteúdos e textos. Disse que o livro que estava utilizando no momento da pesquisa deixava a desejar, porque não continha uma diversidade de textos. Ainda afirmou que os textos deveriam ser menores, no sentido de 100 trazer somente os fragmentos, fazendo com que os alunos buscassem os textos originais nos livros de literatura. No que tange ao conhecimento gramatical, apontou um ponto negativo no livro utilizado no momento da coleta de dados: “[...] e também a parte da gramática...poderia tá mais contextualizada... [...] a gramática... porque ela pode estar mais ou menos... mas aí eu posso acrescentar... tendo um texto como referencial... entendeu?” (Entrevista, 09/2007). Quando indagamos sobre práticas de ensino com o conhecimento gramatical, revelou uma “certa angústia” ao afirmar que gostaria de ter uma gramática que trouxesse textos para que pudesse desenvolver os conteúdos gramaticais e que mesmo sem esse recurso “a gramática tem que acontecer...porque... é a nossa língua”. Sobre o uso da gramática no interior da sala de aula disse: T59 Prof.: e a gramática?...sempre con/contextualizada... infelizmente nem sempre...mas eu acho (que sempre) a partir do texto...ela não pode cair de jeito nenhum...no estudo da nossa língua... (Entrevista, 09/2007). Inferimos que o dado acima acena para a idéia de que o texto seja um pretexto para o ensino dos conteúdos gramaticais. A palavra contextualizada e a defesa de que o ensino gramatical não pode cair de jeito nenhum remontam à dificuldade de se conciliar o texto e a gramática e, ao mesmo tempo, à idéia de que a conciliação pode configurar-se quando se elenca um texto para dele se retirarem e classificarem palavras e frases. De acordo com Guimarães (2003), trabalhar a gramática do texto é um desafio da atualidade, pois é preciso substituir os quadros teóricos que serviram à tradição gramatical por uma mediação entre a teoria lingüística e a prática pedagógica. Para a autora, não [...] se trata, entretanto, de menosprezar ou negar o ensino da gramática, mas de proporcionar-lhe um lugar no ensino de Língua Portuguesa que permita aos alunos do ensino fundamental refletirem a respeito de seu uso, de sua importância na constituição do significado do texto, como um dos aspectos da situação discursiva (GUIMARÃES, 2003, p. 166). 101 A professora ainda mencionou que o aluno deve ter acesso ao ensino do conhecimento gramatical “não necessariamente na primeira série”. A sistematização da gramática deve ocorrer, de acordo com ela, somente com os alunos de quinta a oitava séries e, para os alunos de primeira a quarta séries, deve “[...] falar...mesa é um nome...oh o nome...agora quando você fala que é verde...azul... você tá dando uma qualidade...mas não precisa falar que é adjetivo...” (Entrevista, 09/2007). Geraldi (1999, p. 46) salienta que, no nível fundamental de ensino, as atividades devem girar em torno do ensino da língua (atividades de leitura e de produção de textos) e, caso necessário, pode-se recorrer às atividades metalingüísticas. A nosso ver, as indicações desse autor, atreladas à fala da professora, trouxeram questões pertinentes para pesquisas posteriores sobre o momento de se ensinar os conhecimentos gramaticais nas primeiras séries do ensino fundamental, tendo em vista pesquisas sobre o ensino/aprendizagem dos conceitos científicos e o processo de desenvolvimento das funções intelectuais superiores nas crianças (VIGOTSKI, 2001). De acordo com Vigotski (2001), as crianças, antes de iniciarem a aprendizagem da gramática na escola, já possuem um conhecimento gramatical implícito, já que, para falar, “dominam” formas gramaticais de uma determinada língua. Mas o domínio da língua materna ocorre inconscientemente. Nesse contexto, o ensino escolar deve proporcionar aos alunos uma tomada de consciência das formas gramaticais da língua, sem, no entanto, a preocupação de ministrar-lhe um ensino direto dos conteúdos gramaticais, pois [...] el maestro que trate de seguir esse camino por lo general no conseguirá más que uma asimilación irreflexiva de palabras, un simple verbalismo, que simula e imita los correspondientes conceptos en el niño, pero que de hecho encubre um vacío (VIGOTSKI, 2001, p. 185). 102 Com relação à concepção dos gêneros discursivos/textuais, a professora disse têla conhecido teoricamente e metodologicamente em um curso ministrado por uma professora da Universidade Federal do Espírito Santo, no ano de 2006. Entretanto, disse que não tinha “grande conhecimento” sobre o assunto. No que se refere à linguagem, trouxe a seguinte concepção: T48 Prof. : a linguagem prá mim...é...comunicação... quando eu penso em linguagem é comunicação... e comunicação é tudo... porque quando o ser humano não se comunica... como que faz... aí ele vai ter que ( ) vai ter a outra forma de linguagem... que é não verbal... dos signos né? por isso que eu vejo a linguagem é:: a:: primeira coisa... é o olhar...e aí tem vários né? é o olhar...é o sorrir... (Entrevista, 09/2007). A fala da professora demonstra que ela entende a linguagem a partir apenas da sua dimensão comunicativa, o que nos permite inferir que a forma como a concebe está fundamentada na idéia de que a linguagem é instrumento e objeto de comunicação. Vimos que, para além de instrumento, a linguagem, numa perspectiva bakhtiniana, é interação verbal. Nesse sentido, está presente nos diversos campos da atividade humana, sendo algo constitutivo do processo de hominização, pois conflui entre os processos internos da consciência e a circulação da palavra pública e ideológica. Como a concepção bakhtiniana de linguagem traz no seu bojo a realidade social da língua materna, consideramos que a língua não se transmite de forma instrumental, visto que [...] ela perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar (BAKHTIN, 1992, p. 108). Desse modo, acreditamos que os dados acima acerca das concepções de linguagem, gêneros discursivos/textuais, como também do modo de se compreender o ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais nas aulas de Língua Portuguesa mencionados pela professora ajudaram na compreensão do nosso objeto de estudo. 103 4.2.2.2 Os alunos O número de alunos da oitava série variou durante a coleta de dados. No início da pesquisa, contava-se com 19 alunos matriculados, sendo dez meninas e nove meninos. No segundo bimestre, dois alunos foram remanejados para o turno noturno (um deles com 17 anos) e um pediu transferência da escola, por motivo de mudança de residência. No final do referido bimestre, mais dois alunos pediram transferência e uma aluna foi matriculada. Portanto, chegamos ao final da nossa coleta, já no término do terceiro bimestre, com um total de 15 alunos (dez meninas e cinco meninos), concebido por nós como o número de participantes da pesquisa. Além disso, constatamos que 11 alunos ficaram reprovados em algum momento da trajetória escolar, resultando em uma defasagem de idade quanto à série cursada. A Tabela 1 demonstra a faixa etária dos 15 alunos envolvidos na pesquisa: TABELA 1 – Demonstrativo da faixa etária dos alunos da 8ª série. Idade Número de alunos Percentual 13 anos 1 6,67 14 anos 2 13,33 15 anos 6 40,0 16 anos 6 40,0 TOTAL 15 100 104 Com base nesses dados, verificamos que a faixa etária dos alunos variou entre 13 e 16 anos, revelando que 12 adolescentes apresentaram defasagem na idade escolar, dois se encontravam dentro do limite esperado e um estava, de acordo com a faixa etária “estabelecida para o início da oitava série do ensino fundamental”, adiantado. Convém mencionar ainda que, entre os alunos com idade de 16 anos, dois finalizaram o ano letivo de 2007 com 17 anos. Constatamos também que todos os alunos têm como responsáveis os pais e que dez deles são oriundos de lares de pais separados. Ademais, as famílias em sua maioria, constituem-se de mais de cinco pessoas. Com relação aos responsáveis pelos alunos, verificamos entre eles um baixo nível de escolaridade, como pode ser observado na Tabela 2: TABELA 2 – Demonstrativo da profissão e do grau de escolaridade dos pais dos alunos pesquisados. INDICADORES Profissão Pai nº Mãe nº Motorista 3 Dona de casa 5 Não soube informar 3 Empregada doméstica 3 Policial 2 Cozinheira 2 Pedreiro 2 Manicure 2 Instrutor de trânsito 1 Servente 1 Fiscal de uma empresa privada 1 Técnico de enfermagem 1 Supervisor de uma empresa privada 1 Despachante 1 Entregador 1 TOTAL Escolaridade 15 15 2º ciclo do ensino fundamental completo 3 Ensino médio completo 4 Ensino médio completo 3 Não soube informar 4 2º ciclo do ensino fundamental incompleto 2 1º ciclo do ensino fundamental incompleto 2 105 TOTAL 1º ciclo do ensino fundamental incompleto 2 Ensino médio incompleto 2 Ensino médio incompleto 2 2º ciclo do ensino fundamental incompleto 2 Não soube informar 2 1º ciclo do ensino fundamental completo 1 1º ciclo do ensino fundamental completo 1 15 15 De acordo com a tabela, percebe-se que pouquíssimos pais completaram o ensino médio e nenhum deles tem curso superior. No que se refere à profissão, há predominância de funções exercidas com baixa remuneração. No que tange à leitura efetivada de gêneros textuais escritos fora do espaço escolar, os alunos responderam, em sua maioria, que, quando lêem, escolhem partes dos jornais (horóscopo, notícia esportiva, notícia policial, notícia de novelas e artistas). Somente as meninas lêem revistas, escolhendo as direcionadas para um público adolescente (Capricho, Tititi, Atrevida, Love Teen). Duas alunas ainda mencionaram que lêem à revista Veja “de vez em quando” e uma aluna afirmou que lê livros bíblicos. Nenhum aluno do sexo masculino afirmou ler revistas. Os dados acima, acerca das leituras dos gêneros textuais escritos presentes no suporte jornal feitas pelos alunos fora do espaço escolar, corroboram com as nossas observações das aulas destinadas às atividades de leitura de fruição, nas quais constatamos uma demanda dos alunos por gêneros textuais presentes no suporte jornal, como horóscopo, notícia policial e notícia esportiva. Fizemos ainda aos alunos algumas perguntas semi-estruturadas voltadas para o ensino gramatical e constatamos que a maioria não conhece ou não se lembra do livro Gramática. Além disso, responderam que a gramática são os conteúdos da Língua Portuguesa, como “sujeito composto, etc”; “um grupo que você estuda 106 verbo, adjetivo”. Quando perguntados sobre a importância ou não desse conhecimento, 13 alunos responderam que é útil: “a gramática ajuda, por exemplo, quando se lê o jornal, perceber erros nas palavras”; “útil porque usa-se no dia-a-dia”; “ajuda a escrever e conversar melhor, a aprender e saber dialogar melhor com as pessoas”. Porém, dois alunos não mencionaram a utilidade do conhecimento gramatical. Ressalte-se que a “não-utilidade” deveu-se ao fato de esse conhecimento apresentar-se sempre de uma forma difícil ou “chata”: “acho chato porque não entendo”; “acho enjoado os conteúdos porque é muita coisa para gravar, decorar”. As duas últimas respostas acima acenam para o modo como comumente os conteúdos gramaticais se materializam nas aulas de Língua Portuguesa. Não é de hoje que estudiosos (FRANCHI, 2006; BRITO, 1997, entre outros) do campo da linguagem vêm questionando a prática escolar do ensino gramatical, quando esta se reduz ao exercício de técnicas de reconhecimento e de classificação de nomenclaturas em frases e palavras descontextualizadas, por meio de uma memorização mecânica. Franchi (2006) explica que a crítica aos estudos gramaticais nas escolas só tem razão porque traz um certo modo de conceber a gramática. Para o autor, trata-se de uma tradição que foi acumulando questões e definições de conceitos num baú de guardados. Embora reconheça o avanço das proposições acerca da gramática tradicional elaboradas pelos estudiosos no decorrer dos séculos, critica a repetição inconsciente e sem reflexão sobre como a gramática se escolariza, talvez explicando, a nosso ver, a fala do aluno de que não entende os conteúdos gramaticais e, por conseguinte, os acha chato. 107 CAPÍTULO V AS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA O objetivo, neste capítulo, é apresentar o modo como se configurava o trabalho com os conteúdos desenvolvidos no processo de ensino/aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa na turma de 8ª série em que realizamos esta pesquisa. Tomamos como referência a pesquisa de Lucas (2000), ao afirmar que as relações pedagógicas [...] englobam as relações que as crianças mantêm com a professora, com os colegas, com os materiais escolares, com as atividades, com o conhecimento, ou seja, com o conjunto de atividades que se efetivavam na escola (LUCAS, 2000, p. 136). No bojo das discussões sobre as relações pedagógicas, a autora indica a prática pedagógica que se instaura no processo de ensino/aprendizagem, englobando as relações professor-aluno, aluno-aluno, aluno-professor-conhecimento e caracterização do conhecimento. Com tais indicações, apresentaremos, neste capítulo, as atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa observadas e os materiais pedagógicos utilizados para a realização dessas atividades, com o intuito de compreender o nosso objeto de estudo. Desse modo, a partir de nossas observações, constatamos que a professora desenvolveu com os alunos diferentes atividades que puderam ser categorizadas da seguinte forma: atividades que enfocavam o conhecimento gramatical; atividades de leitura e interpretação oral; atividades de leitura de fruição; atividades de leitura e interpretação escrita; atividades de produção escrita; atividades de leitura oral; atividades de fruição; atividades de leitura silenciosa. A Tabela 3 nos mostra a freqüência (APÊNDICE L) dessas atividades nas aulas observadas. 108 TABELA 3 – Demonstrativo percentual de atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa. ATIVIDADES Atividade que enfocava o conhecimento gramatical Atividade de leitura e interpretação oral Atividade de leitura de fruição Atividade de leitura e interpretação escrita Atividade de produção escrita Atividade de leitura oral Atividade de fruição: filme TOTAL N.º de aulas 27 Percentual 45,0 11 18,33 8 7 13,33 11,67 4 2 1 60 6,67 3,33 1,67 100 * As atividades de leitura silenciosa ocorreram duas vezes no final de aulas destinadas às atividades sobre conhecimentos gramaticais. Como pode ser notado, as atividades que enfocavam os conhecimentos gramaticais ocuparam uma grande parte das aulas observadas (27 aulas – 45%). As atividades que versavam sobre esse tipo de conhecimento foram aquelas em que conteúdos da gramática tradicional eram submetidos a uma explicação sistematizada pela professora. Os referidos conhecimentos foram trabalhados de duas formas diferentes: ora de forma autônoma (sem a vinculação com quaisquer gêneros textuais escritos), ora vinculados a um determinado gênero. Neste último caso, notamos que os gêneros foram concebidos como “pretexto” para a explanação e execução de exercícios sobre conteúdos gramaticais. Nessa última forma, a professora não levava para a sala de aula os gêneros escritos em seus suportes “originais”, mas utilizava o suporte livro didático, que, por sua vez, trazia determinados conhecimentos gramaticais enfocados, a partir de fragmentos de gêneros textuais escritos.30 Entretanto, no que se refere à exposição de conhecimento gramatical de forma autônoma, a professora escolhia e organizava ela mesma esse conhecimento e os apresentava aos alunos no suporte folha xerocopiada. 30 Discutiremos sobre o suporte à frente. 109 Desse modo, no suporte folha xerocopiada, os conhecimentos gramaticais eram expostos de forma sistemática, pela qual a professora apresentava aos alunos conceitos, regras e, sobretudo, as nomenclaturas (estudo metalingüístico), sem, a nosso ver, um trabalho de reflexão sobre as formas da língua, no sentido proposto por Geraldi (1997), que compreende a análise lingüística31 como uma confluência entre as atividades epilingüística e metalingüística. De acordo com Geraldi, as atividades epilingüística incidem sobre processos de reflexão acerca dos “usos” da língua. Já as atividades metalingüísticas saem do âmbito da interação para constituir-se numa linguagem técnica (classificação/conceitos) sobre a língua. Por isso, o autor defende um ensino de Língua Portuguesa em que os “usuários” sejam submetidos a atividades que permitam reflexões sobre os recursos lingüísticos (conhecimentos gramaticais) e os recursos discursivos ao falar ou escrever. Para esse autor, a atividade metalingüística deve ser vista como último recurso para a apropriação do conhecimento gramatical.32 As atividades de leitura e interpretação oral (11 aulas – 18,33%) englobavam as atividades em que a professora, após a leitura oral e/ou silenciosa, debatia com os alunos a temática posta num determinado gênero textual, ou corrigia oralmente exercícios de interpretação de alguma temática do gênero, ou, ainda, pedia que os alunos se sentassem em círculo para discutirem sobre o tema posto em algum gênero. Observamos nessas aulas uma recorrência de debates entre professor e alunos sobre o conteúdo temático dos gêneros textuais. Além disso, constatamos que, nesse tipo de atividade, os alunos posicionavam-se e tinham oportunidade de opinar e debater sobre temáticas que se presentificavam nos gêneros textuais escritos, já que a professora pedia que eles relacionassem os temas com as “experiências reais de nossa vida”. 31 Para efeito de organização conceitual, aparecerão neste relatório termos Práticas de análise e reflexão sobre a língua, Análise lingüística, Análise e reflexão sobre a língua, Reflexão lingüística e Prática de análise lingüística, que se referem também ao ensino de formas gramaticais da Língua Portuguesa. Acreditamos que essas terminologias estejam de acordo como a visão adotada por Geraldi (1999), que concebe a análise lingüística tanto voltada para um trabalho sobre questões da gramática, como para os recursos expressivos utilizados nos textos dos alunos, tendo em vista as condições de produção eleitas. 32 Discutiremos sobre as atividades que enfocavam o conhecimento gramatical nos capítulos 6 e 7. 110 Nas atividades de leitura e interpretação oral, a professora utilizava como estratégia de ensino, nos momentos de interpretação das atividades orais sobre a temática dos gêneros textuais escritos, o seguinte modelo: Iniciação, Resposta e Avaliação (IRA). De acordo com Smolka (1993), esse modelo caracteriza-se por propiciar uma interação em que o professor inicia a discussão, o aluno responde e até se posiciona. Essa atividade finaliza com uma avaliação feita pelo professor. Ressaltamos que, nesse caso, a palavra final era dada pelo docente. Na 39ª aula, a professora pediu aos alunos que se sentassem em semicírculo para que pudessem fazer uma discussão sobre exercícios de interpretação de texto do livro didático. A dinâmica da discussão ocorreu da seguinte forma: os alunos liam os enunciados, a professora perguntava o que eles tinham entendido, alguns alunos tentavam responder e participar da aula, a professora encerrava a discussão com uma resposta final. Abaixo tem-se um exemplo: [...] T49 Rafaela: “a linguagem do texto é objetiva...neutra...ou subjetiva...emocional...pessoal? justifique”... T50 Prof.: que que vocês acham? a linguagem do texto é objetiva neutra...ou subjetiva emocional e pessoal? há o predomínio de quê... aí no caso? T51 Priscila: subjetiva ((falou baixinho)) T52 Prof.: ah:::vocês acham? predomínio...a mais aí...de informar...de transmitir, né? a:: o conhecimento sobre as tribos... é o quê? ((respondeu imediatamente)) ob-je-ti-va...neutra...por quê? T53 Priscila: mais aqui também pode ser pessoal professora... [ T54 Prof.: também... [ T55 Priscila: (do estilo...então eles estão falando deles...uma visão mais pessoal) T56 Prof.: pessoal também...(está falando do estilo)...nem toda tribo, né? vai aparecer ( ) mas aí a predominância...que que você acha?quando eles dão os depoimentos? T57 Priscila: é a outra... T58 Prof.: ah::: é objetiva, né? [...] (Fragmento do Evento 26, Diário de campo 39 - 31/7/2007). Diante do trecho, inferimos que a aluna, de forma responsiva, questionou a resposta dada pela docente. Desse modo, a aluna não repetiu mecanicamente uma resposta, e sim discordou do que foi proposto. A professora, por seu turno, não só argumentou, como definiu qual seria a resposta resguardada. Mesmo a 111 aluna concordando com a resposta “final” dada pela professora, percebemos que a interação que se constituiu no interior da sala de aula em torno do trabalho com esse conteúdo não ocorreu de forma “harmoniosa”. A nosso ver, isso confirma as indicações teóricas de Bakhtin (1992, p. 46) quando afirma que, em todo signo ideológico se confrontam índices de valor contraditórios. Observamos ainda que, em uma das atividades de leitura e interpretação oral, a professora discutiu sobre a variação lingüística, enfatizando que a língua pode ser usada de formas diferentes, conforme exemplo abaixo. [...] T136 Prof.: [...] então vejam bem...quais são as variações? regional...de regiõ:::es... né? de uma região para outra...oh::: nordeste...lá:: lá no norte...nordeste...no sul né? nosso sudeste aqui...já fala...a gente nota nitidamente... né? depois vem o quê? variação o quê? social...quando eu estou nu::m num seminário...numa palestra... né? aí eu tenho uma linguagem o quê? mais polida... T137 Wildney: ( ) por exemplo... eu uso gíria...muita gíria...mas eu chego num lugar que não seja assim...que é um lugar... um ambiente que não convém falar gírias ...eu falo...normal... T138 Prof.: por exemplo... T139 Wildney: por exemplo... eu estou/ aqui na escola...aqui na escola eu uso gíria igual doido ((riu)) aí eu chego num casamento eu não vou usar gírias... [...] (Fragmento do Evento 25, Diário de campo 39 -31/7/2007). Percebe-se nesse trecho que o aluno compreendeu que se pode fazer “uso” da língua conforme a situação social em que se está inserido, acenando que as aulas de Língua Portuguesa podem e devem abordar a temática, trazendo para a sala de aula diferentes situações discursivas como ponto de partida para se estudar a língua. Conforme Bakhtin (2003), todos os diversos campos da atividade humana implicam o uso da linguagem, que se efetiva em enunciados orais e escritos, não contrariando a unidade nacional de uma língua. As atividades de leitura de fruição (8 aulas – 13,33%) foram contempladas nas sextas-feiras. Das cinco aulas semanais, uma comumente ocorria na biblioteca. Segundo a professora da turma, essa aula caracterizava-se como “um momento de despertar nos alunos o gosto ou o hábito pela leitura”. No decorrer de uma conversa com a pesquisadora, a professora mostrou-se entusiasmada com o trabalho, pois alguns alunos estavam levando emprestado alguns livros para 112 casa, após iniciarem a leitura nesse tipo de aula. A professora ainda enfatizou a questão da liberdade, que se constituía na escolha livre por parte do aluno que lia: seja romance, seja gêneros textuais escritos no suporte jornal e revista, etc. A professora também mencionou a cobrança (seja ficha de leitura ou síntese), o que não ocorreu nessas aulas de leitura de fruição. A nós pareceu que a fala da professora traduziu um desagrado em relação à obrigação do professor de cobrar dos alunos um retorno para qualquer atividade realizada, ou seja, tudo deve ter fins pedagógicos: seja um filme assistido ou a leitura de um livro. Posteriormente, enfatizou que tem a impressão de que os colegas ficam vigiando, como se, naquele momento em que os alunos estão na biblioteca, ela não estivesse dando aula. De acordo com Geraldi (1999), o sistema capitalista, com sua ideologia de que em uma atividade o que importa é seu produto, acaba por refletir na escola: Está no interior dessa mesma ideologia da atividade produtiva a questão sempre levantada pelos professores, bem-intencionados, relativa à avaliação de uma atividade “se não exijo nada como resultado dessa leitura, como vou saber se o aluno leu?” (GERALDI, 1999, p. 97). Contrário a isso, o autor aponta a leitura fruição do texto, que é a leitura gratuita, ou ler por ler, não sendo uma atividade sem resultado, mas, sim, de recuperação do prazer, constituindo-se como ponto básico para o sucesso de qualquer esforço honesto de incentivo à leitura. Parece-nos que as discussões empreendidas por Geraldi (1999) na década de 1980 continuam atualíssimas, pois vêm ao encontro do trabalho que a professora assegura nessas aulas de leitura na biblioteca. Os alunos, por sua vez, gostavam muito desse tipo de aula. Eles escolhiam o que ler nas estantes e a maioria deles sentava e fazia a leitura em grupo (há que considerar a disposição das cadeiras e mesas: uma mesa com quatro cadeiras em volta). Entretanto, há também na biblioteca uma esteira com almofadas, onde alguns alunos preferiam fazer a leitura “solitária”. De um modo geral, percebemos, nas 8 aulas (13,33%) que ocorreram na biblioteca, que os alunos se envolveram bem com o acervo. Os gêneros textuais escritos mais circulados foram romance, notícia policial, notícia esportiva, horóscopo e história em quadrinhos. 113 A bibliotecária mencionou que o objetivo do projeto da biblioteca era formar leitores, sendo reservadas as primeiras três aulas do turno para que as turmas de 1.ª a 4.ª séries e as turmas de 5.ª a 8.ª séries interagissem com o acervo. Este foi organizado pelas bibliotecárias da escola em estantes divididas em gêneros textuais e temáticas: contos, crônicas, poemas, drama, suspense, etc. Não houve, nesse caso, uma separação entre assunto e gêneros textuais. Convém mencionar que a bibliotecária do turno vespertino (turno em que ocorreu a coleta de dados) tinha curso superior em Biblioteconomia. As atividades de leitura e interpretação escrita (7 aulas – 11,67%) tinham como foco principal, além das leituras oral e/ou silenciosa, a escritura de perguntas e de respostas de interpretação dos temas abordados nos gêneros textuais que eram utilizados na sala de aula. Em todas as aulas em que ocorreram essas atividades, os alunos copiaram os enunciados e responderam às questões, mesmo, a nosso ver, não tendo relevância a cópia dos enunciados (perguntas), já que, nas situações para essas atividades, o livro didático era o suporte e todos os alunos possuíam o livro e o levavam para casa. Lucas (2000) já acenou, em sua pesquisa, que é um desperdício do tempo do aluno fazê-lo copiar os enunciados. E ainda traz o dado de que muitos dos problemas originados na sala de aula, referentes à disciplina, são gerados em função dos encaminhamentos estabelecidos nesse sentido pela professora, no interior da sala de aula. Concordamos com Lucas (2000), pois percebemos que os alunos aproveitavam para conversar entre si quando passavam muito tempo copiando exercícios para executá-los. Atividade de produção escrita (4 aulas – 6,67%) foi uma atividade em que a professora se voltava para a produção escrita dos alunos. Constatamos que a produção ocorreu em três momentos. O primeiro foi a escritura de um relato pessoal, e o livro didático foi suporte para a produção, com destaque para o conteúdo temático do gênero, ocorrendo de forma “sutil” uma abordagem da forma composicional, especificamente quando enfocava: “Imite o texto de Patrícia, “Pati por ela mesma”, apenas trocando o nome dela pelo seu” (VIEIRA; 114 FIGUEIREDO, 2004, p. 18). Inclusive quando a professora orientou a produção a partir da indicação do livro, percebemos que ela abordou a forma composicional do gênero através da “voz” indicativa do livro didático: [...] T13 Prof.: então a gente vai escrever e a gente vai imitar, né? falando de nossas experiências... revelando um talento nosso... um dom...um ponto forte... ((nesse momento ia lendo as indicações do livro didático)) o que a gente gosta sobre questões que... preocupam a nossa vida... então a gente vai imitar o título do texto de Patrícia...como ela fala lá no texto dela?... heim? como é? Pati... por ela mesma... [...] (Fragmento do Evento 1/ Diário de campo 11 - 8/5/2007). É interessante notar que, na produção do gênero textual relato pessoal feita por uma aluna, ela de fato “imitou” o gênero que o livro trazia como exemplo, até mesmo porque tanto o livro didático, quanto a professora indicaram que imitasse o título do gênero Pati por ela mesma (gênero textual escrito que o livro trouxe como exemplo). Essa aluna não só recorreu à forma composicional, como também ao estilo de linguagem do gênero. Quando comparamos o gênero produzido pela aluna com o gênero do livro, constatamos que a produção se constituiu como um trabalho “imitativo”, no qual somente se trocou o conteúdo temático. Questionada sobre como fez o trabalho, a aluna disse que leu duas vezes o gênero textual Pati por ela mesma e depois escreveu o seu. Segundo Vigotski (2001), a imitação, longe de constituir-se como algo que nada diz respeito à inteligência, materializa-se como relevante. De acordo com o autor, a imitação, difere do adestramento, configurando-se como uma forma de influência do ensino/aprendizagem sobre o desenvolvimento. Nesse sentido, a imitação realizada pela criança e, no nosso caso, por um adolescente, configurase como um processo de recriação, já que, em muitas situações, há apropriações do patrimônio cultural, ocorrendo uma tomada de consciência das condutas culturais da humanidade. Nessa produção não ocorreu uma sistematização da reescrita, uma vez que a professora não recolheu os textos; apenas um aluno reescreveu o gênero textual 115 após intervenções feitas pela professora. E todos os alunos fizeram a atividade de leitura oral (discutiremos à frente). No segundo momento de produção, os alunos elaboraram o gênero textual poema. Ao contrário do que aconteceu no primeiro, a professora fez as orientações bem como interveio individualmente na escritura dos alunos. Essa produção teve como objetivo uma competição em um concurso de poemas, em que os gêneros produzidos seriam submetidos a outros avaliadores, além da professora. Inclusive a forma composicional do gênero foi enfatizada pela professora, para que, a nosso ver, atendesse aos objetivos do concurso. O terceiro momento de produção, diferentemente dos outros, não especificou o gênero, trazendo no seu bojo apenas a tipologia textual descrever: [...] a professora pediu para os alunos produzirem uma descrição, não especificando o formato do gênero para a realização da produção. Percebemos que ela utilizou “parte” das indicações do livro didático (p. 3435), especificamente a indicação 1 que faz parte do título Um diálogo complicado, que, por sua vez pede: “crie duas personagens jovens, que pertençam a tribos diferentes. Por exemplo: uma patricinha e um roqueiro, ou um malhador de academia e um internauta. Na caracterização de suas personagens, considere, além da maneira como se vestem e como se comportam, as idéias que defendem, os lugares que freqüentam, as preferências culturais, a linguagem que usam” [...] (Fragmento do Diário de campo 43). Nesse caso, nem o livro didático, nem a professora indicaram o gênero. Barbosa (2001) apontou, em sua pesquisa, que quanto mais generalizante for a tipologia, mais abstrata será, distanciando-se das especificidades dos textos. Como exemplo, a autora traz as tipologias que vigoram nos programas curriculares de português: narração, descrição e dissertação, que não fornecem critérios para decidir o que o professor deve ensinar. No entanto, devemos considerar as indicações de Travaglia (2007a, p.10), quando afirma que não há gêneros textuais “filiados” à tipologia descritiva. Para o autor, “[...] o tipo descritivo distingue-se espécies tais como: a) objetiva x subjetiva; b) estática x dinâmica; c) comentadora x narradora”. 116 Na produção da descrição, a professora enfatizou a relação que comumente ocorre com essa tipologia na escola: objetiva x subjetiva, ou características físicas e psicológicas. Convém mencionar que nessa produção não ocorreu sistematização para a reescrita e alguns alunos leram oralmente o texto produzido. Diferentemente da atividade que enfocava o conhecimento gramatical (27 aulas – 45%), a atividade de produção de gênero textual (4 aulas – 6,67%) não ocupou um espaço significativo. A importância de se fazer esse contraponto é para apontar que os alunos escreveram e refletiram sobre a “usualidade” da língua em esporádicos momentos. Geraldi (1997) considera que a produção de gêneros textuais escritos e orais deva ser ponto de partida e ponto de chegada de todo processo de ensino/aprendizagem da língua. Isso [...] é porque no texto que a língua – objeto de estudos – se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões (GERALDI, 1997, p. 135). A atividade de leitura oral (2 aulas – 3,3%) apareceu em algumas situações, tais como leitura de produção de gêneros textuais dos alunos, leitura de algum gênero textual para “treino” da oralidade enfatizado pela professora: “Olha, precisamos treinar a nossa oralidade” (Diário de campo 8 – 27/4/2007); “Bacana, tá ótimo, uma leitura boa!”; “Rubem tem uma voz boa, parece locutor” (Diário de campo 12 – 8/5/2007). Consideramos a atividade de fruição (1 aula – 1,67%) como um momento em que não havia cobrança de exercícios por parte do professor, o que Geraldi (1999) aponta como desinteresse pelo controle do resultado. Nesta única aula, os alunos assistiram a um filme na sala de vídeo. A atividade de leitura silenciosa sempre ocorria ao término de uma outra atividade. Nunca se constituiu como atividade principal de uma determinada aula, 117 ou seja, em alguns momentos sobravam alguns minutos para o final da aula e, para que os alunos não ficassem sem o que fazer, a professora pedia que lessem um determinado gênero textual do livro didático. Esse tipo de atividade, a nosso ver, não era aleatório, visto que, em outros momentos, a professora retomava o gênero textual lido pelos alunos, para outras atividades, como atividades de leitura e interpretação escrita, por exemplo. Conforme apontamos, nas 60 aulas observadas foram desenvolvidas diferentes atividades. Essas atividades foram realizadas em diferentes suportes textuais. Estamos compreendendo suporte textual a partir da idéia de Marcuschi (2003). De acordo com o autor, o suporte define-se como um lócus físico ou virtual com formato específico que suporta, mostra e fixa o gênero materializado como texto e acena uma melhor compreensão do funcionamento dos próprios gêneros textuais. A Tabela 4 abrange os suportes textuais utilizados e o percentual de recorrência: TABELA 4 – Demonstrativo percentual dos suportes das aulas. SUPORTE Livro didático Folha xerocopiada Livro paradidático, jornal, revista, gibi Quadro de pincel (exercícios de outros livros) Gêneros textuais escritos produzidos por alunos DVD/Televisão TOTAL N.º aulas 25 18 8 Percentual 41,67 30 13,33 5 8,33 3 5 1 60 1,67 100 Nesse contexto, estamos concebendo os referidos suportes textuais como parte constitutiva do corpus de nossa pesquisa, logo, um corpus documental, partindo do pressuposto de Ludke e André (1986) de que a análise documental se constitui como uma técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos com o intuito de complementar informações da temática estudada. Nessa perspectiva, os documentos materializam-se em uma fonte poderosa de onde podem ser 118 retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador sobre o caso estudado. Devemos ressaltar que uma das críticas mais freqüentes feitas ao uso de documentos refere-se à não-representatividade das amostras do objeto estudado. Ludke e André (1986, p. 40) concordam com esse posicionamento, trazendo como exemplo o contexto escolar que “[...] em geral não mantém registros das suas atividades, das experiências feitas e dos resultados obtidos”. No nosso caso, não vivenciamos essa problemática, uma vez que coletamos avaliações (provas) escritas, folhas xerocopiadas com exercícios, encartes de jornal utilizados na sala de aula, livro didático utilizado pelo professor, produções de gêneros textuais pelos alunos, que passaram a constituir um corpus documental. 5.1 SUPORTES TEXTUAIS UTILIZADOS NAS AULAS 5.1.1 Livro didático33 Conforme a Tabela 2, o livro didático foi utilizado em 25 aulas – 41,67%, subsidiando significativamente as atividades discutidas anteriormente, o que nos faz inferir que esse recurso se constituiu como uma ferramenta imprescindível no planejamento do professor. Em entrevista, a professora enfatizou que o livro é um recurso a mais no planejamento e desenvolvimento das aulas, embora mencionasse também que esse mesmo livro “tem muito a desejar”. Como pontos negativos, a professora mencionou que os “textos” são longos, o livro oferece pouca variedade de gêneros textuais e os conteúdos gramaticais não são contextualizados. A primeira aula observada coincidiu com o início da utilização do livro didático nas aulas. Desse modo, apresentaremos um trecho do Diário de campo 1: A aula iniciou às 14h40min e foi uma aula em que os alunos tinham recebido o livro didático e a professora, por seu turno, apresentou o livro aos alunos. Ela iniciou explicando o que era o sumário e pediu aos alunos 33 VIEIRA, Maria das Graças; FIGUEIREDO, Regina. Ler, entender e criar. São Paulo: Ática, 2004. 119 que abrissem na página que indicava as partes do livro com as suas respectivas páginas. De forma bem descontraída, demonstrou essas partes: leitura, estudo do texto, outra leitura, produção de texto, para refletir sobre a língua, veja como se escreve e só para ler. Mas não teceu nenhum comentário sobre as seções; apenas informou aos alunos onde encontrá-las quando ela pedisse. Depois mencionou sobre as ilustrações do livro, enfatizando que ele era bem colorido e interessante. Os alunos ficaram folheando e, ao mesmo tempo, prestando atenção nas orientações da professora. Logo depois, a professora pediu que todos observassem a unidade 1 e que lessem a frase que abria a unidade: “Um olhar para si mesmo”. Desse modo, deu início à utilização do livro didático, o que não estava ocorrendo anteriormente, visto que o livro tinha sido entregue naquela semana (Fragmento do Diário de campo 1). Com esses dados preliminares, analisamos o suporte livro didático, levando em consideração o Manual do professor, discutindo aportes teóricos. Ao mesmo tempo, fizemos um contraponto com a organização das seções do livro. Na introdução do Manual do professor vimos que as autoras trazem uma concepção de aprendizagem que, longe de constituir-se como algo que reproduz a realidade circundante, aponta para um processo de atividade de apreensão de novos conhecimentos que se integrarão aos já adquiridos. Entrevimos que a referida concepção se pauta nas teses de Vigotski. Isso porque traz também o conceito de mediação, ao defender que o livro didático é uma ferramenta importante, mas não substitui a mediação do professor no processo de ensino/aprendizagem. Ao mesmo tempo que aponta a mediação do professor para a apropriação do conhecimento pelo aluno, traz o próprio livro como um mediador do trabalho docente. Não para reproduzi-lo, mas para ultrapassá-lo. Para a elaboração das propostas de atividades de leitura e produção de gêneros textuais, bem como para a seleção dos textos presentes no livro didático, as autoras aportaram-se em pressupostos teóricos de autores como Paulo Freire, Mikhail Bakhtin, Geraldi, os PCNs, entre outros. Desse modo, trazem a seguinte concepção de linguagem: A linguagem é, em última análise, parte integrante da vida dos indivíduos, pois, se por um lado o domínio dela favorece o desenvolvimento do conhecimento do mundo, por outro é condição para o exercício da cidadania (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 3). 120 Com relação à perspectiva teórica de Bakhtin sobre os gêneros do discurso, as autoras adotaram termos tipo e gêneros de textos sem distingui-los. A nosso ver, conceber os termos sem fazer uma distinção entre eles pode resultar na incompreensão do que venha a ser cada um deles. Inclusive, quando a pesquisadora perguntou à professora alguma coisa sobre os gêneros textuais, ela respondeu que não tinha um conhecimento do assunto, trazendo dados que apontavam questões relacionadas a tipologia textual. Travaglia (2002a) acena que tipologias textuais estão relacionadas a elementos internos dos gêneros, considerando que há que se fazer uma diferenciação entre tipo e gênero, embora eles estejam inter-relacionados. Koch (2007, p. 16) corrobora tal posição, ao dizer que os professores ainda confundem gênero com tipo, sendo “[...] preciso mostrar os tipos textuais nos vários gêneros e os tipos que cada gênero elege”. O Manual do professor ainda trouxe uma concepção de texto: [...] o texto é visto como interação entre interlocutores (leitor e autor), em que ambos vão determinar, por exemplo, a escolha do vocabulário e da estrutura, pois é inegável que um autor leva em conta seus leitores, o objetivo de seu texto e a situação de comunicação em que vai existir (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 4). Inferimos que a definição de texto apresentada pelas autoras traz pressupostos teóricos defendidos por Geraldi (1999). A nosso ver, a referida concepção veio ao encontro das atividades de leitura e interpretação oral realizadas pela professora, pois ela debatia com os alunos as temáticas presentes nos gêneros textuais, levando em consideração a diversidade de sentidos que emanavam das leituras realizadas pelos alunos e por ela mesma. No que se refere ao ensino da gramática, o Manual informa que a organização do livro levou em consideração a apropriação pelos alunos dos aspectos formais da língua, concebidos como instrumentos para a compreensão, produção e exposição oral de textos claros e corretos. Inclusive assegura uma abordagem tradicional da gramática ao apresentar aos alunos e ao professor nomenclaturas (estudo metalingüístico), defendendo que esse conhecimento faz parte de um 121 patrimônio cultural. Perini (2005) também defende o ensino gramatical como forma de o aluno apropriar-se do patrimônio cultural. Nesse contexto, as autoras ainda apontam: Ao longo da coleção, procuramos propor situações em que os alunos possam refletir sobre a heterogeneidade lingüística, analisando as variantes, mas optamos por privilegiar um trabalho em que eles exercitem a habilidade lingüística associada ao padrão da língua escrita, por ser esse o que com mais freqüência estará presente na situação escolar (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 3). Observamos que na seção Estudo do texto, especificamente na subseção Linguagem e recursos expressivos, as autoras contemplam exercícios sobre a variedade lingüística, trazendo dados significativos para a compreensão das escolhas dialetais que os sujeitos devem fazer a depender da situação discursiva em que estejam inseridos. Convém destacar que a professora abordou em três momentos questões de variedade lingüística após uma discussão de um desses exercícios. A nosso ver, o referido exercício foi um impulsionador para debates posteriores sobre a temática, pois a professora, em um desses momentos, levou para a sala de aula outras “fontes”, além do livro, para endossar a questão. Sobre a opção das autoras em privilegiar um trabalho no qual os alunos exercitem a habilidade lingüística do padrão da língua escrita, já observamos em pesquisa bibliográfica (POSSENTI, 1996; PERINI, 2005; TRAVAGLIA, 2002a) que há muitos questionamentos em torno da forma prescritiva do ensino gramatical na sala de aula. No entanto, os referidos pesquisadores defendem que os alunos devem apreender a variedade lingüística de prestigio sem desconsiderar outras variedades, subsidiando, desse modo, a tese das autoras. No Manual do professor ainda há propostas para se refletir sobre o processo avaliativo das atividades realizadas pelos alunos. Sugere que a dinâmica avaliativa leve em conta a construção do conhecimento associado a um trabalho de reflexão sobre o uso da língua. Na base dessas idéias, têm-se as seguintes referências: Hoffmann (1991) e Coll (1996). Nessa perspectiva, as autoras apontam o processo de ensino/aprendizagem, que subsidiará os objetivos do 122 trabalho do professor, que, por sua vez, são os objetivos proclamados nos PCNsLP. Para isso, apostam que a avaliação deva ocorrer em momentos diferentes: avaliação inicial, avaliação processual e avaliação final. No que tange aos conhecimentos gramaticais, as autoras acenam que os conteúdos relacionados a fatos, regras, nomenclaturas, classificações podem ser avaliados de formas diferenciadas, como, por exemplo, perguntas e respostas e listas que permitam ao docente observar a fluência da lembrança de informações. A nosso ver, lembrança de informações acerca das regras e nomenclaturas gramaticais pode estar relacionada à memorização mecânica que comumente ocorre com o conhecimento formal da língua. Vigotski (2001), em seus estudos, defende a educação escolar como fator principal para o desenvolvimento das funções intelectuais superiores. Dentre as funções, podemos destacar a memória voluntária, que, por seu turno, difere da memorização no sentido mecânico de “decoreba”, em que não há uma exigência para a reflexão. No que diz respeito ao ensino/aprendizagem dos conceitos científicos (conceitos gramaticais) apreendidos na escola, temos uma função intelectual superior, que é a tomada de consciência desses conceitos, bem como seu uso intencional e voluntário, distanciando-se, desse modo, de uma visão apenas de lembrança de informações. No que tange ao processo de avaliação feito pela professora nas aulas de Língua Portuguesa, observamos que ela elegeu alguns momentos (5 vezes) para aplicar provas aos alunos, os quais se constituíram, a nosso ver, em ocasiões de avaliação. A professora dividia a temática das provas: ora prova de gramática, na qual eram contemplados os conhecimentos gramaticais expostos e explicados, ora prova de interpretação de texto, na qual um gênero textual escrito deveria ser submetido a um trabalho interpretativo. Em todos os momentos, quando a professora entregava as avaliações corrigidas e com nota aos alunos, ainda as submetia a uma correção oral da seguinte forma: “T1 Prof.: [...] depois da correção...se houver alguém que tenha feito alguma 123 coisa... e::: acha que eu fui injusta...va::: ó: depois de toda a correção...eu vou analisar novamente [...]” (Fragmento do Evento 7, Diário de campo 21). No Manual do professor há ainda um item denominado Desenvolvimento das unidades, que apresenta considerações teóricas, orientações didáticas e sugestões de atividades complementares para o desenvolvimento dos conteúdos de cada unidade, com suas respectivas seções e subseções, e, com o intuito de subsidiar reflexões sobre a prática de ensino, as autoras anexaram dois textos teóricos para o professor: A construção dos sentidos no texto: coesão e coerência de Ingedore Koch e Concepções de linguagem e ensino de português de João Wanderley Geraldi. Ao questionarmos a professora sobre esses textos, bem como sobre o Manual direcionado a ela, respondeu que os leu no início do ano e, quando sente necessidade, consulta o Manual do professor. A respeito da organização das doze unidades do livro didático, dez giram em torno de temáticas, sendo cada uma delas dividida nas seguintes seções: Leitura, Estudo do texto, Outra(s) leitura(s), Para refletir sobre a língua, Produção de texto e Só para ler. As outras duas unidades são compreendidas como Banco de atividades, onde aparecem duas subseções: Gramática e Produção de texto. Tem-se ainda no final do livro lista de Conjugação de verbos irregulares, Sugestões de leitura e Bibliografia. Como as atividades desenvolvidas na sala de aula giraram em torno das seções mencionadas, traremos a seção de leitura como ponto de partida. As autoras apontam o desenvolvimento da competência leitora nos diferentes gêneros textuais a partir de estratégias de leitura: leitura autônoma, leitura colaborativa, leitura em voz alta, leitura dramatizada, leitura em voz alta feita pelo professor, leitura dramatizada e leitura em grupo, idéias essas indicadas nos PCNs-LP e na obra O texto na sala de aula, de Geraldi (1999). Percebemos que a seção leitura traz sugestões de livros, biografias dos autores dos gêneros textuais que iniciam a unidade, glossário para consulta do vocabulário, ilustrações como “suporte” da produção de sentido dos gêneros textuais escritos e perguntas sobre a temática 124 da unidade: “O que mais lhe chamou a atenção nesses textos; o que há de comum neles?” (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 11). A seção estudo do texto foi a subsidiadora das atividades de leitura e interpretação oral e atividades de leitura e interpretação escrita desenvolvidas pela professora. Essa seção foi dividida pelas autoras em duas subseções: compreensão e linguagem e recursos expressivos. Com relação à primeira, as autoras posicionam-se da seguinte forma: Na primeira parte, “Compreensão”, encontram-se atividades destinadas à compreensão e à interpretação do texto. Por meio de estratégias diversificadas, como seleção, antecipação, inferência e verificação, procuramos proporcionar aos alunos uma oportunidade de interagir intensamente com o texto (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 10). Além disso, observamos que, das dez unidades, sete trouxeram nas atividades de compreensão questões referentes à tipologia textual descrever. Como exemplo: “[...] 2. Em que lugar acontece a cena narrada? Transcreva o trecho que permite chegar a essa conclusão e trechos que descrevem o ambiente. (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 12). Associados à questão da tipologia textual, constatamos que ocorreram exercícios contemplando as formas gramaticais da língua, especificamente o conhecimento gramatical adjetivo, a nosso ver, corroborando a idéia de caracterização (espécies objetiva e subjetiva) como parte da tipologia textual descritiva. Outros conhecimentos gramaticais também foram contemplados, como figuras de linguagem e denotação/conotação, com o intuito de articular a forma da língua ao conteúdo temático dos gêneros textuais: “[...] o trecho apresenta uma antítese, ou seja, a aproximação de termos com significados opostos. Que expressões constituem a antítese?” (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 47). Esta questão, como exemplo, está integrada ao gênero textual crônica, que, por sua vez, trouxe elementos da crônica lírica, ao fazer uso de uma linguagem poética e metafórica, expressando o estado de espírito e as emoções do cronista (Vinicius de Morais) diante de um fato do cotidiano. Desse modo, inferimos que as autoras tomaram 125 os conhecimentos gramaticais como parte integrante do gênero textual, logo como produtores de sentido do conteúdo temático e da forma composicional. Bakhtin (1993), ao discutir as formas da língua, afirma que o trabalho do artista consiste em superar o material lingüístico, não para negá-lo, e sim para aperfeiçoá-lo no seu uso. Sobre a subseção linguagem e recursos expressivos, as autoras consideram [...] importante incentivar os alunos a observarem os recursos escolhidos por um autor ao construir seu texto, os quais muitas vezes nos sugerem que o escritor trabalha tendo uma intenção determinada. Destacamos também a importância de chamar a atenção dos alunos para as muitas possibilidades de um texto, como provocar emoções, divulgar informações, discutir idéias (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p.10). Constatamos que a idéia das autoras de incentivar os alunos a observarem os recursos, a nosso ver, lingüísticos, na escritura dos gêneros textuais, foi contemplada nos exercícios da referida seção. Nesse sentido, conhecimentos gramaticais foram conciliados ao conteúdo temático e à forma composicional dos gêneros, indicando um momento oportuno de se refletir sobre as formas gramaticais da língua na sua “usualidade”. Como exemplo: “[...] 7. Que recurso gráfico os autores usaram para indicar as declarações dos especialistas? Seriam exemplos de discurso direto? Dê exemplos” (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 30). A resposta para essa pergunta seria aspas, que comumente está presente no gênero textual escrito reportagem jornalística, já que, na sua forma composicional, apresenta declarações e opiniões de especialistas versando sobre a temática da reportagem. Um outro exemplo: “[...] qual é o tempo verbal que predomina no texto?” (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 48). Os alunos nesse caso deveriam responder que o tempo verbal predominante no gênero textual crônica é o tempo presente, já que uma das características da escritura desse gênero é versar sobre acontecimentos diários, o que situa a crônica entre o jornalismo e a literatura, e o cronista, considerado como o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia, num tempo presente. 126 Bakhtin (2005) defende a tese de que a língua deve ser concebida na sua integridade concreta e viva, e não como objeto específico da Lingüística e, no que se refere aos textos, não deve haver uma visão puramente lingüística, já que esta abstrai todas as relações dialógicas. As autoras possibilitaram uma visão que ultrapassa as formas da língua numa perspectiva puramente lingüística ao tentar conceber os conhecimentos gramaticais como parte dos gêneros textuais, indicando, portanto, atividades de reflexão sobre a língua. No entanto, na seção Para refletir sobre a língua, observamos que as autoras não possibilitaram aos alunos e professor um trabalho de reflexão e análise sobre as formas gramaticais da língua, embora apontassem o referido trabalho no Manual do professor: As atividades dessa seção têm como objetivo principal proporcionar uma oportunidade de os alunos conhecerem os aspectos formais da língua por meio de análise e reflexão. Gostaríamos de lembrar que os conhecimentos resultantes não devem ser entendidos como um fim em si mesmos. Ao contrário, devem estar a serviço dos alunos; ser um instrumento para a compreensão de suas leituras, para a elaboração de textos claros e corretos e para a expressão oral suficiente (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 10). A começar pela terminologia para refletir sobre a língua, Marinho (1998) observa que o uso de terminologias para o tratamento dos conteúdos gramaticais parece querer solidificar uma concepção de estudo da língua que pretende integrar funcionalmente o estudo gramatical nas práticas de leitura e de produção escrita. Na visão da autora, a inovação e substituição de terminologias marcam uma mudança conceitual, mas repete e reforça modelos tradicionais de ensino dos conhecimentos gramaticais. Percebemos isso ao observar que os conteúdos gramaticais elencados para estudo na seção Para refletir sobre a língua se materializam de três formas: em frases descontextualizadas; em trechos de gêneros textuais escritos presentes no livro didático como pretexto para o ensino de nomenclaturas e regras gramaticais; e em trechos da mídia escrita jornalística também como pretexto. A seguir têm-se alguns exemplos: 127 1. Releia alguns trechos dos textos desta unidade, depois faça as atividades propostas: A. “Se dentro de três dias Cássio não telefonasse, ela cerraria as persianas, puxaria as cortinas de renda, esconderia dos seus olhos o mar verde-claro, o azul do céu, a claridade do sol, o vôo das gaivotas e transformaria o quarto de brancas paredes numa grande prisão de lágrimas e desespero.” [...] a) Em qual dos trechos citados acima existem período simples? b) Verifique o número de orações em cada um dos trechos constituídos por períodos compostos [...] (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 19). 1. Classifique as orações subordinadas substantivas destacadas: a) “Estudos indicam que a espécie tenha praticamente desaparecido da América do Norte. (O ESTADO DE SÃO PAULO, mar. 2002). b) Ela toma consciência de que essa energia pode ser usada para criar ou destruir [...] (grifo das autoras, VIEIRA; FIGUEIREDO,2004 , p. 39). Os fragmentos de gêneros textuais escritos utilizados como pretexto para o estudo de conhecimentos gramaticais reforçam a crítica feita por Bakhtin (1992) ao método filológico-lingüístico que abstrai a dialogicidade da língua, para concebê-la em um sistema estável e imutável de formas lingüísticas descontextualizadas. Nesse método, o sistema lingüístico é comparável às línguas mortas estudadas pelos filólogos e revela-se para Bakhtin como improdutivo, uma vez que o filólogo-lingüista destaca uma enunciação de um contexto vivo, para estudá-la como um objeto isolado sem a compreensão ideológica e ativa que lhe é inerente. Ainda na seção Para refletir sobre a língua, tem-se a subseção Veja como se escreve, que também traz os gêneros textuais como pretexto para o ensino dos conhecimentos gramaticais indo de encontro ao próprio título da subseção que, no seu bojo, traz a idéia de analisar os fatos da língua a partir de sua “usualidade” na produção escrita. Na seção Produção de texto, as autoras sinalizam que as propostas de escritura incluem especificidades sobre os gêneros, estudo de textos a serem usados como modelo e, sobretudo, a possibilidade de integrar as práticas de leitura e de reflexão sobre a língua a partir da própria produção. No que se refere a este último item, constatamos que das dez unidades temáticas, em nove há encaminhamentos para a reflexão sobre os conhecimentos gramaticais da língua, 128 tendo em vista a especificidade dos gêneros textuais, bem como atividades de refacção de textos, que consistem em propor um processo de revisão textual. Abaixo, tem-se um exemplo: [...] nesse tipo de texto [artigo] conhecido como dissertativo-argumentativo, a linguagem deve ser clara, objetiva, impessoal e obedecer à normapadrão. Predominam os verbos no presente do indicativo [...] releia o artigo produzido para revisar a ortografia e a pontuação, bem como verificar se o texto está coerente, isto é, se uma idéia exposta num parágrafo não contradiz algo que foi afirmado em outro parágrafo, e se as opiniões dadas estão justificadas de modo claro e convincente. (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 45). Vimos que, nas atividades de produção de texto desenvolvidas na sala de aula, especificamente em dois momentos a professora utilizou o suporte livro didático. No entanto, não fez uso das indicações do livro para um trabalho de reflexão da língua sobre as produções escritas dos alunos. Vale ressaltar que, em um desses momentos de produção efetivado na sala de aula, especificamente na produção do relato pessoal, não havia presentificado um trabalho de análise e reflexão das formas da língua no livro didático. Na seção Outra(s) leitura(s), há presença de gêneros textuais escritos, ou exposição explicativa das características principais de algum gênero textual. Atrelado à leitura do gênero ou mesmo à exposição explicativa sobre a forma composicional de algum gênero, o livro traz exercícios de interpretação escrita, abordando conhecimentos sobre a especificidade dos gêneros e os conhecimentos gramaticais sobre os quais se pode refletir, a partir dos gêneros escolhidos. Finalmente, na seção Só para ler, tem-se também a presença de gêneros textuais que, de acordo com as autoras, visam aguçar o prazer, o desejo e o interesse pela leitura. Observamos que, nas atividades de leitura e interpretação oral, a professora utilizava as temáticas desses gêneros para os debates com os alunos organizados em círculo. 129 O Banco de atividades, de acordo com o Manual do professor, propõe atividades adicionais para reflexão com os alunos, constituindo-se como reforço da aprendizagem. Desse modo, há uma proposta de 50 exercícios sobre conhecimentos gramaticais que, a nosso ver, se distancia de um trabalho de reflexão, visto que as formas gramaticais da língua se apresentam ora em frases descontextualizadas, ora nos gêneros textuais da mídia impressa usados como pretexto para o ensino dessas formas. A professora fez uso do Banco de atividades quando expôs os conteúdos gramaticais concordâncias nominal e verbal e período composto por coordenação. Além do tratamento dos conhecimentos gramaticais, o Banco traz uma seção intitulada Produção de texto, enfatizando as três tipologias textuais: narração, descrição e dissertação. Barbosa (2001) sinaliza, em sua pesquisa, as tipologias que se baseiam em aspectos estruturais, deixando de considerar importantes elementos da situação enunciativa e dos processos de compreensão e produção de textos, uma vez que o texto passa a ser analisado de maneira externa e voltado para taxonomias. No que se refere aos gêneros textuais escritos, constatamos que eles fazem parte das seções, subsidiando as atividades materializadas no livro didático. Além disso, cada unidade elege gêneros para serem estudados, levando em consideração o tema de cada unidade. Sobre os gêneros presentes no livro, que foram identificados e utilizados pela professora como objeto de ensino/aprendizagem na nossa observação participante, discutiremos à frente. 5.1.2 Folha xerocopiada O suporte folha xerocopiada subsidiou 18 aulas, correspondendo a 30% das 60 aulas observadas. As atividades apresentadas por esse suporte foram: atividades que enfocavam o conhecimento gramatical e atividades de leitura e interpretação escrita. O objetivo principal foi subsidiar as atividades de conteúdos e exercícios gramaticais (16 aulas). Conforme mencionado, esses conhecimentos 130 apresentaram-se também de forma autônoma, sendo a folha xerocopiada parte constitutiva, uma vez que apresentou definições e exercícios independentes das atividades de leitura e de produção de gêneros textuais escritos. A professora, com base em outros livros didáticos, selecionava e montava as folhas com definições, exercícios e nomenclaturas com o objetivo de expor para os alunos determinado conteúdo. Constatamos que as folhas xerocopiadas eram de anos anteriores e a professora as aproveitava porque já estavam prontas, precisando apenas reproduzi-las. Verificamos ainda que a folha xerocopiada seguia a grade curricular tradicionalmente proposta para a oitava série. Além disso, em alguns momentos (na falta de algum professor), a coordenadora pedia que ela desse aula nas duas oitavas séries ao mesmo tempo. Nesse tipo de situação, a folha xerocopiada era de grande utilidade, porque, além de estar pronta, mantinha os alunos ocupados. Com relação à tradição da grade curricular que comumente se materializa no interior da escola, e especificamente nas aulas destinadas aos conhecimentos gramaticais, Neves (2004) avalia que o ensino de Língua Portuguesa tem acentuado o caráter absolutamente ritual no que concerne à tradição gramatical. A gramática oferecida aos alunos está tradicionalmente revestida de nomenclaturas e normas instituídas historicamente. Dentre algumas críticas, está a de que o ensino da gramática se caracteriza como uma exposição e imposição de modelos a partir de orações e períodos isolados de seus contextos, configurando-se como um ritual ou mesmo uma tradição que se repete a cada ano, sem muitas explicações e críticas a momentos anteriores. Na 15ª aula observada (Diário de campo 15- 18/5/2007), a professora entregou aos alunos a folha xerocopiada com o conhecimento gramatical período composto por coordenação. Foi o primeiro dia observado por nós em que ela utilizou esse suporte, denominando-o inicialmente de cartilha, já que, nas palavras da professora, era dobrável, não podendo ser, portanto, uma apostila. Esta, por sua vez, trouxe inicialmente o título Período simples e período composto e, em 131 seguida, a definição de que um período é simples “quando possui apenas uma oração” e o de que um período é composto “quando possui mais de uma oração”. Após a definição, têm-se exemplos mediante frases descontextualizadas: “O menino entrou na biblioteca e pegou um livro”. O conhecimento gramatical Período composto por coordenação foi apresentado da seguinte forma: Considere este período: Passeamos pela praia, brincamos, recordamos os tempos de criança. Observe que ele é composto de três orações: 1º ) Passeamos pela praia, 2º ) brincamos, 3º ) recordamos os tempos de criança. Essas três orações, no entanto, não mantêm entre si nenhuma dependência sintática; elas são independentes. Há entre elas, é claro, uma relação de sentido, mas do ponto de vista sintático, uma não depende da outra. A essas orações independentes damos o nome de orações coordenadas (Fragmento da Folha xerocopiada, Diário de campo 15, 18/05/2007). A partir daí definiram-se orações coordenadas assindéticas, sindéticas e as subclassificações: sindéticas aditiva, adversativa, conclusiva, alternativa ou explicativa, com suas respectivas conjunções: A 2ª oração vem introduzida por uma conjunção que expressa idéia de acréscimo ou adição com referência à oração anterior. Trata-se de uma conjunção coordenativa aditiva. As conjunções aditivas mais comuns são: e, nem, não só... mas também, não só... mas ainda (Folha xerocopiada). Geraldi (1999) sinaliza que, se o objetivo das aulas de Língua Portuguesa é oportunizar o domínio da variedade padrão, há que se dicotomizar ensino de língua e ensino de metalinguagem. Ensino de língua corrobora uma concepção de linguagem como lugar de um processo de interação em que perpassa o domínio de habilidades de uso da língua em situações de interlocução entre os falantes. Em oposição, há um ensino (metalinguagem) pautado em exercícios de descrição gramatical, estudo de regras e nomenclaturas, a partir descontextualizadas, visto que são retiradas do processo de interação. de frases 132 Constatamos que o estudo da metalinguagem se concretizou no suporte folha xerocopiada mencionado e, na 22ª aula observada (Diário de campo 22 – 5/6/2007), estávamos na sexta aula em que a professora utilizava a folha xerocopiada sobre Período composto por coordenação. Em nenhuma dessas aulas ocorreu um trabalho de ensino de língua semelhante ao postulado por Geraldi (1997). Percebemos que os alunos não refletiram sobre a “usualidade” da língua, o que para nós se configurou como “perda de tempo”, embora a professora se mostrasse “incansável” para expor e explicar, e os alunos para memorizar o conhecimento gramatical. Geraldi (1999) menciona que a maior parte do tempo e do esforço gastos por professores e alunos durante o processo escolar serve para aprender a metalinguagem. Isso se deve ao fato também de, tradicionalmente, prevalecer o ensino da descrição lingüística pautado nos exemplos da gramática normativa. Para o autor, as aulas de Língua Portuguesa devem priorizar atividades em torno do ensino de língua com destaque para as atividades de leitura e de produção textual e, apenas subsidiariamente para o ensino de metalinguagem, quando esta for necessária para se alcançar o objetivo final de domínio da língua. Nesse contexto, consideramos que a aprendizagem da língua materna ocorre na imersão do sujeito na corrente da interação verbal. Para isso, faz-se necessário que os homens estejam em contato com seus pares, pois a palavra é uma ponte lançada entre mim e os outros. Tal assertiva postulada por Bakhtin (1992) oportuniza-nos repensar o ensino da língua no espaço escolar onde, conforme alertado por Perini (2005), tendemos a inculcar a idéia de que os alunos, quando chegam à escola, não conhecem a sua língua. Vigotski (2001), por seu turno, contribuiu defendendo que o escolar possui um conhecimento complexo da língua, que foi apreendido no convívio social com outras pessoas, cabendo à escola articular esse saber para que se torne utilizado conscientemente e de forma voluntária pelos alunos. 133 5.1.3 Livro paradidático, jornal, revista e gibi Os suportes textuais livro paradidático, jornal, revista e gibi foram utilizados nas aulas em que a professora trabalhou atividades de leitura de fruição, que, por sua vez, ocorriam na biblioteca. Como os referidos suportes se constituíram em suportes “originais” dos gêneros textuais escritos circulados nas aulas ocorridas na biblioteca, apoiar-nos-emos nas considerações de Marcuschi (2003).34 5.1.4 Quadro de pincel O quadro de pincel subsidiou 5 aulas (8,33%) destinadas às atividades que enfocavam os conhecimentos gramaticais. Do mesmo modo que a folha xerocopiada, os exercícios foram selecionados pela professora a partir de outros livros didáticos e levados para a sala de aula com o objetivo de agregar o que era postulado nas folhas xerocopiadas e no livro didático para os momentos de revisão, quando se “esgotavam” exercícios destes últimos. Constatamos que a primeira aula observada em que a professora utilizou o quadro de pincel como suporte foi para passar atividades sobre o conhecimento gramatical Período composto por coordenação: Classifique as orações sublinhadas: A- Aditiva B- Adversativa C- Conclusiva D- Alternativa E- Explicativa ( ) Espere um pouco, pois tenho um recado para você ( ) Na região sul, ora chove, ora faz sol. [...] (Diário de campo 23, 6/6/2007). Devemos considerar que o tipo de exercício acima se concretizou em todas as aulas em que a professora fez uso do quadro de pincel como suporte textual, sendo, a nosso ver, exercícios estruturais com frases descontextualizadas, não tendo outra função senão a de verificar se os alunos tinham dado conta de memorizar o conhecimento para a prova. A partir desses dados, abre-se uma 34 Discutiremos mais detidamente sobre esses suportes textuais no próximo capítulo. 134 questão: O estudo das nomenclaturas presentes nos compêndios gramaticais tem alguma função? Neves (2004) mostra que, para se chegar a uma sistematização dos fatos da língua (incluindo as nomenclaturas gramaticais), deve-se privilegiar primeiramente uma reflexão sobre os usos lingüísticos, ou, mais precisamente, a criação e recepção de textos. Isso, a nosso ver, implica conceber as nomenclaturas como um recurso e não como objeto de avaliação de memorização da aprendizagem dos alunos. Desse modo, acreditamos que exercícios de reconhecimento das categorias gramaticais passam a não ocupar tanto espaço nas aulas de Língua Portuguesa. 5.1.5 Gêneros textuais escritos produzidos por alunos Conforme a Tabela 4, a produção de gêneros textuais feita pelos alunos ocuparam apenas 3 aulas (5%) das 60 aulas observadas. De acordo com Geraldi (1997), a produção de textos (orais e escritos) realizada pelos alunos na escola deve ser ponto de partida de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. Desse modo, constitui-se como fundamental suporte textual para a realização de um trabalho com o uso da língua, o que capacita os alunos a uma proficiência escritora. Acreditamos que desenvolver a capacidade dos alunos para produzirem textos de diferentes gêneros aponta para as possibilidades de um trabalho em que o texto dos alunos possa ser objeto da própria constituição da escrita, no sentido de que eles reflitam e analisem sobre a escritura e, nesse “jogo”, os gêneros textuais produzidos ganhem espaço, além de caracterizarem o cumprimento de tarefas, como comumente ocorre no âmbito escolar. Para tanto, faz-se necessário e imprescindível um processo de alteridade, pois é através da mediação semiótica, num trabalho de colaboração por parte do professor, que o aluno se apropria do conhecimento, inclusive das formas como a linguagem escrita pode presentificarse no meio social. 135 No entanto, constatamos que abordar os gêneros produzidos pelos alunos como suporte da aula teve como objetivo principal o desenvolvimento de atividade de leitura oral, distanciando-se de um trabalho em que o professor pudesse intervir significativamente sobre a escrita dos alunos. Na 12ª aula observada (Diário de campo 12- 08/05/2007), a professora retomou a produção feita numa aula anterior (primeira produção) e insistiu que os alunos lessem, ressaltando a importância do treino da oralidade. E assim fizeram no decorrer da aula. Ao final desta, a professora justificou-se para a pesquisadora (a pesquisadora não perguntou nada), afirmando que não tinha como corrigir os textos devido à falta de tempo. A nosso ver, esse fato indica que a professora reconhece a importância da intervenção, bem como da proposta de produção dos gêneros textuais como um suporte para o desenvolvimento da proficiência escritora dos alunos. Desse modo, o referido dado desponta oportuno para se pesquisar sobre o baixo número de produções de gêneros textuais feitas pelos alunos e a sua relação com a profissão docente, levando em conta alguns aspectos: baixa remuneração, carga horária de trabalho excessiva e “falta de tempo”. Devemos ressaltar que nas 37ª e 38ª aulas observadas (Diário de campo 37/38 27/7/2007), o suporte gêneros produzidos por alunos ganhou relevância, conforme a idéia de Geraldi (1997), já que o gênero textual foi o centro do processo de ensino/aprendizagem aliado a um trabalho colaborativo efetivado pela professora. Nas duas aulas, à proporção que os alunos terminavam a produção, iam até a mesa da professora e esta os orientava na reescritura; inclusive forneceu aos alunos folha de papel almaço para que pudessem “passar o trabalho a limpo”. Constatamos ainda que alguns gêneros produzidos “sofreram” duas intervenções até se chegar à versão final. 5.1.6 DVD/televisão A 58ª foi a única aula observada em que os alunos foram para a sala de vídeo (Diário de campo 58- 19/9/2007). A professora levou-os para assistir a um filme 136 intitulado Vem dançar. É interessante notar que, na aula anterior, quando discutiram sobre que filme iriam assistir, os alunos pediram para ver Tropa de Elite, entre outros filmes, indicando que, fora da escola, eles têm acesso à atividade fruição, como denominada por nós, e fazem uso dela. Inclusive a professora, quando explorou o gênero filme e seu respectivo suporte, aproximou a utilização do que comumente ocorre na esfera extra-escolar: Quando a professora chegou, os alunos já estavam vendo o filme na sala de vídeo, uma vez que eles começaram a ver na quarta aula. Estava tudo escuro e o som muito alto. Eles estavam comendo pipoca e bebendo refrigerante e pareciam estar atentos no momento em que viam o filme (Diário de campo 58 -19/9/2007). Com os dados expostos neste capítulo, acreditamos ter sido possível compreender o trabalho, com as atividades desenvolvidas, no processo de ensino/aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa na turma observada. Para isso, analisamos essas atividades enfocadas pela professora, bem como os materiais pedagógicos utilizados na realização de tais atividades. Assim, queremos chamar a atenção para a relação dos referidos dados com o nosso objeto de investigação, conforme veremos à frente. 137 CAPÍTULO VI O TRABALHO COM OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Delineadas as considerações iniciais sobre as aulas de Língua Portuguesa observadas, vamos apresentar, neste capítulo, a análise dos gêneros textuais escritos que foram trabalhados no processo de ensino/aprendizagem, com destaque para aqueles que foram utilizados no estudo dos conhecimentos gramaticais. Conforme apontado no nosso quadro teórico, estamos tomando como referência a tese de Bakhtin sobre os gêneros discursivos integrada a uma concepção de língua que se contrapõe a uma abstração sistêmica. O autor russo, ao fazer um contraponto entre língua viva e língua como abstração, compreendeu que uma concepção de gênero implica compreender a língua distanciada de um sistema ordenado, passível de ser subordinado a uma categorização a priori, como comumente ocorre na análise metalingüística. Além disso, ao conceber que a língua chega ao nosso conhecimento a partir de enunciações concretas, consideraremos que Bakhtin (2003) estende a discussão para os gêneros discursivos. De acordo com o autor, as formas do gênero, nas quais moldamos nosso discurso, distinguem-se das formas da língua, pois esta se configura numa estabilidade e normatividade e, enquanto, em contrapartida, os gêneros são mais flexíveis, plásticos e livres. Por outro lado, Bakhtin (2003) diz que, se os gêneros do discurso não existissem e se tivéssemos que criá-los e construí-los em cada situação comunicativa, seria quase impossível comunicarnos uns com os outros, o que resulta em uma relativa estabilidade dos gêneros do discurso. O autor ainda acrescenta que as formas da língua e as formas típicas dos enunciados chegam à nossa experiência em conjunto e estreitamente vinculadas. 138 De outro modo, as formas da língua fazem parte constitutiva dos gêneros do discurso, sendo concebidas como recursos que “servem” a qualquer ponto de vista, juízos de valor, ou posições valorativas. Elas revelam-se nos enunciados concretos em diferentes situações sociais de interlocução por meio dos gêneros discursivos. Desse modo, estamos concebendo os gêneros textuais escritos como aqueles que materializam a língua viva, uma vez que trazem no seu bojo a linguagem como interação verbal, tendo em vista as condições de produção enunciativas e discursivas. Portanto, um sistema prescritivo e descritivo da língua concebido de forma autônoma, sem levar em conta uma compreensão de língua que se configura nos gêneros textuais, não se conforma com a dimensão de uma concepção plástica, viva e dinâmica como possibilidade para que os conhecimentos gramaticais se distanciem do “jugo” imutável da gramática tradicional. Partindo dos pressupostos teóricos delineados acima, observamos na nossa pesquisa que os gêneros textuais circularam nas aulas de Língua Portuguesa e foram utilizados pela professora para o desenvolvimento das atividades. Antes de discutirmos como os gêneros foram utilizados para o ensino de conhecimentos gramaticais, reunimos neste capítulo dados que consideramos fundamentais para a compreensão do trabalho com os gêneros nas aulas observadas. 6.1 OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E SEUS RESPECTIVOS SUPORTES Em 40 aulas das 60 observadas, constatamos que circularam gêneros textuais escritos, o que correspondeu a 67% das aulas, conforme mostra o Gráfico 1: 139 33% Ocorreram Não ocorreram 67% GRÁFICO 1 - Demonstrativo do percentual de ocorrência dos gêneros textuais escritos circulados nas aulas de Língua Portuguesa. Inferimos que nas 60 aulas de Língua Portuguesa pesquisadas se realizava um trabalho com textos, haja vista termos constatado a circularidade de gêneros textuais nas aulas observadas. Marcuschi (2000) alerta que a Lingüística do texto, em comparação com outras perspectivas teóricas, tem a vantagem de trazer um componente aplicável, que é o aparato teórico adequado à análise do funcionamento do texto, sob o ponto de vista da produção ou compreensão, aspectos esses que dominaram o ensino de língua a partir da década de 1980. Não podemos deixar de considerar que a teoria dos gêneros textuais encontrou um solo fértil onde pôde solidificar-se, a partir da década de 1990, ao encontrar a perspectiva textual como demanda para o ensino da língua materna. Nesse sentido, entendemos que esse contexto contribuiu para possibilitar uma diversidade de gêneros nas salas de aula de Língua Portuguesa. A Tabela 5 demonstra a variedade, recorrência, percentual e suportes dos gêneros textuais escritos que circularam nas aulas de Língua Portuguesa. 140 Tabela 5 – Demonstrativo dos gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa. GENERO Horóscopo Notícia policial Notícia esportiva Romance História em quadrinhos Poema Recorrência 8 aulas Artigo Reportagem jornalística Conto 4 aulas 4 aulas Fragmento de exposição escrita Fragmento de romance Relato de experiência Relato pessoal Artigo de opinião Tira em quadrinhos Depoimento Editorial Crônica Anedota Total Circulação Biblioteca Percentual 20 Sala de aula 15 Livro didático Livro didático Sala de aula Sala de aula 10 7,5 Livro didático Sala de aula 7,5 Livro didático Sala de aula 5 2 aulas Livro didático Sala de aula 5 3 aulas Livro didático Sala de aula 5 2 aulas Livro didático Caderno dos alunos Livro didático Sala de aula 5 Sala de aula 5 Folha xerocopiada Livro didático Livro didático Livro didático Folha xerocopiada - Sala de aula 5 Sala de aula Sala de aula Sala de aula Sala de aula 2,5 2,5 2,5 2,5 - 100 6 aulas 1 aula 2 aulas 2 aulas 2 aulas 1 aula 1 aula 1 aula 1 aula 40 aulas Suportes Jornal Livro paradidático Gibis Livros didático e paradidático; Caderno dos alunos; e Folha xerocopiada Os dados observados na Tabela 1 apontam que alguns gêneros textuais tiveram maior circulação nas aulas desenvolvidas pela professora, como, por exemplo, os 141 gêneros horóscopo, notícia policial, notícia esportiva, romance e história em quadrinhos (8 aulas – 20%). Isso se deve ao fato de esses gêneros terem circulado com maior freqüência em todas as aulas em que ocorreram atividades de leitura de fruição, especificamente na biblioteca, diferentemente de outros gêneros que, por sua vez, também circularam na sala de aula. Nesse contexto, observamos que, a depender do local de circulação (sala de aula e biblioteca), os gêneros textuais escritos se presentificaram em diferentes suportes, trazendo à tona questões relacionadas ao funcionamento desses gêneros. No que se refere aos gêneros que circularam na biblioteca, constatamos que eles se materizalizaram nos seus suportes “originais” (jornal, livro paradidático e gibis). Os alunos tiveram oportunidade, nas aulas destinadas a atividades de leitura de fruição, de escolher os gêneros para leitura atrelados aos seus suportes “de origem”. As meninas, por exemplo, quando chegavam à biblioteca, juntavam-se em uma mesa para ler o horóscopo do dia, presente no jornal. Já os meninos preferiam as notícias policiais e esportivas. Como a escola assinava jornais de grande circulação no Estado (A Gazeta e A Tribuna), os alunos liam o jornal do dia. Percebíamos que a euforia e a disputa eram grandes: os alunos liam detidamente e ainda debatiam o tema a partir da leitura. Nesse caso, acreditamos que os gêneros não “perderam” a materialidade e a função social destinadas a eles. Os gêneros que circularam na sala de aula, presentes nos suportes livro didático, folha xerocopiada e caderno de alunos, não se configuraram como gêneros em suportes “originais”, uma vez que houve um deslocamento de função: os gêneros passaram a ser concebidos como materialidade didática. Marcuschi (2003) traz como exemplo a propaganda que continua propaganda no livro didático porque a forma composicional permanece a mesma. No entanto, não serve mais aos propósitos originais, ocasionando uma reversibilidade de função, já que, no livro, os gêneros textuais assumem objetivos de produção e compreensão textual. 142 Dolz e Scheneuwly (2004), por sua vez, esclarecem que o gênero trabalhado na escola é uma variação do gênero de referência, contemplando a dinâmica escolar de ensino-aprendizagem. Eles propõem para a transformação do gênero – de materialidade social para uma perspectiva escolar – a elaboração de modelos didáticos de gêneros que reflitam um desdobramento: o gênero não é somente um instrumento de comunicação; é ao mesmo tempo, objeto de ensino/aprendizagem. As questões levantadas acima possibilitam maior compreensão acerca da necessidade de se pensar sobre os suportes dos gêneros textuais escritos no momento de elaboração de propostas didáticas em que os gêneros textuais de circulação social se tornam unidade básica para o processo de ensino/aprendizagem de língua materna. A nosso ver, a discussão acena para a complexidade dos gêneros e a sua inter-relação com os suportes, sobretudo na forma como os próprios alunos na escola se relacionam com os gêneros, a depender do suporte. Nessa temática de se discutirem os suportes dos gêneros textuais escritos trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa, a Tabela 6 sinaliza: TABELA 6 – Demonstrativo percentual dos suportes dos gêneros textuais escritos utilizados. SUPORTE Livro didático Folha xerocopiada Jornal Livro paradidático Caderno dos alunos Gibi Recorrência 12 gêneros 3 gêneros 3 gêneros 2 gêneros 2 gêneros 1 gênero Percentual* 63,0 16,0 16,0 11,0 11,0 5,5 * O percentual foi calculado sobre os 19 gêneros textuais escritos circulados e trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa. Ressalte-se que, nos gêneros poema e relato pessoal, diferentes suportes foram utilizados para trabalhá-los. Dos 19 gêneros textuais escritos trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa, 63% (doze) circularam no suporte livro didático. Logo o livro didático foi um 143 articulador em potencial da circulação dos gêneros trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa. Conforme mencionado no capítulo anterior, os aportes teóricos presentes no Manual do professor, além de não trazerem uma explicação sobre a categoria gêneros textuais, adotaram os termos tipos e gêneros sem fazer distinção. E apontam que [...] nossas escolhas envolveram a diversidade de tipos e gêneros: textos práticos (instrucionais) utilizados no cotidiano e facilitadores, portanto, das atividades do dia-a-dia; textos informativos (jornalísticos), com a função de expor conhecimentos, descobertas, opiniões e conclusões [...] textos literários, com objetivo de emocionar, de divertir, de expressar idéias [...] (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 4). A professora mencionou que fazia leitura do Manual, inclusive disse que havia lido a seção Reflexões teóricas. Acreditamos que as indicações teóricas do Manual estavam presentes na primeira aula observada, quando os gêneros textuais escritos foram submetidos a uma análise tipológica. Conforme nosso diário de campo 1, a professora pediu a uma aluna que fizesse [...] a leitura oral do primeiro gênero textual, e a aluna Rafaela assim fez. Depois a professora caracterizou esse gênero como narrativo, destacando o seguinte campo semântico : “conta uma história”; “narra alguma coisa”. Após a leitura oral do segundo gênero, a professora caracterizou como um depoimento ou relato de experiência [...] Já o terceiro gênero, além da leitura oral, a professora “jogou” para os alunos como poderia caracterizálo, fazendo a seguinte pergunta: “Esse texto é o quê?” Os alunos juntamente com a professora concluíram que era um “texto informativo, expositivo, ou seja, que está ensinando” (Fragmento do Diário de campo 1- 17/4/2007). Na seção desenvolvimento das unidades, presente no Manual do professor (p. 12), têm-se orientações para um trabalho com os gêneros discutidos pela professora no exemplo acima: “Nesta seção, os alunos trabalharão com textos de diferentes gêneros: uma narrativa literária [...] e um texto expositivo de caráter informativo e didático”. Desse modo, o livro didático constituiu-se como um condicionador para se expor e desenvolver o tratamento com os gêneros textuais no interior da sala de aula. Batista (2003), em sua pesquisa acerca do livro didático e sua relação com o 144 PNLD, afirma que, a partir da década de 1960, o livro se tornou um dos principais fatores que influenciaram o trabalho pedagógico, direcionando sua finalidade e currículo, cristalizando abordagens metodológicas e quadros conceituais e organizando o cotidiano da sala de aula. Corroborando a idéia acima, o livro didático não só subsidiou a circulação dos gêneros textuais escritos, como também “direcionou” o que se trabalhar com cada um deles, conforme exemplificado na caracterização tipológica. No entanto, para além da tipologia textual, devemos levar em conta que a perspectiva dos gêneros numa versão bakhtiniana tem como ponto de partida as condições de produção35 em que são elaborados, acenando o lugar de quem utiliza, bem como os destinatários de determinado gênero. Nesse caso, ao elaborar um enunciado (gênero discursivo), o falante ou quem escreve imprime um tom valorativo emocional, visto que vai levar em consideração as visões de mundo, antipatias, simpatias do destinatário. Logo, a materialidade do gênero textual será sempre uma resposta ao que veio antes e suscitará respostas posteriores no processo de interação verbal entre os sujeitos, o que implica o seu [...] papel no ensino e no aprendizado da língua [...] não se pode falar de gêneros sem pensar na esfera de atividades em que eles se constituem e atuam, aí implicadas as condições de produção, circulação e de recepção. Isso é muito mais importante e constitutivo do gênero discursivo, segundo Bakhtin, que as seqüências de um texto, das quais várias tipologias textuais dão conta, não tocando, entretanto, em esfera de atividades ou modos de circulação, o que descaracteriza a perspectiva sócio-histórica de gênero discursivo (BRAIT, 2000, p.20). Acrescentamos que a mudança de uma perspectiva tipológica para a dimensão discursiva como possibilidade do tratamento dos textos no interior da sala de aula indica a importância das condições de produção e de circulação dos textos, ultrapassando leitura apenas como extração de informação e produção de textos orientadas nas tradicionais estruturas escolares: narração, descrição e dissertação. E o conceito de gêneros textuais, a partir da teoria bakhtiniana dos gêneros do discurso, desponta para a valorização do evento em que são produzidos os textos, tendo em vista as situações públicas e privadas de 35 Estamos compreendendo condições de produção na perspectiva de Travaglia (2007a) quando inclui quem produz, para quem, quando, onde e o suporte dos gêneros textuais. 145 comunicação de que participam os sujeitos. De acordo com Bakhtin (2003), a diversidade de gêneros do discurso [...] é determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação: há formas elevadas, rigorosamente respeitosas desses gêneros, paralelamente a formas familiares [...] (BAKHTIN, 2003, p. 285). Atrelados às condições de produção, os gêneros textuais trazem no seu bojo elementos constitutivos (forma composicional, estilo de linguagem e conteúdo temático) e, sobretudo, indissociáveis, que lhes garantem uma relativa estabilidade. No que se refere ao estilo de linguagem, têm-se as formas gramaticais da língua como parte constitutiva, conforme discutimos no nosso quadro teórico. Constatamos que, nas aulas voltadas para o trabalho com os gêneros textuais escritos nos seus respectivos suportes, a professora ora discutia um desses elementos mencionados acima, de forma autônoma dos suportes, fazendo uso do conhecimento que tinha sobre o gênero, ora fazia uso da discussão, utilizando um suporte que abordava um dos elementos (o livro didático, por exemplo). No primeiro caso, tem-se a 41ª aula observada, descrita em diário de campo, em que a professora pediu aos alunos que lessem o gênero textual poema, o que se constituiu em uma atividade de leitura e interpretação oral. Assim que um aluno fez a leitura, a professora iniciou uma discussão sobre o conteúdo temático para, em seguida, enfocar a forma composicional. Como se tratava de um soneto, a abordagem da professora valorizou questões relacionadas ao número de versos e estrofes. Um dado a ser levado em consideração, no que diz respeito à forma composicional dos gêneros textuais escritos trabalhados nas aulas observadas, refere-se ao fato de que somente o poema e o artigo foram submetidos a uma abordagem composicional. No caso do artigo, a professora fez uso das 146 indicações do suporte livro didático, que trouxe a seguinte questão: “Na sua opinião, esse texto apresenta as características do gênero reportagem jornalística, como o texto ‘Cada um na sua’? Comente”. (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 34). No momento da correção do exercício, os alunos não conseguiram responder, e a professora repetiu as seguintes indicações presentes no Manual do professor para que os alunos pudessem copiar no caderno: “Trata-se de artigo em que a intenção do autor é expor seus conhecimentos a respeito do assunto e sua admiração pelos povos nativos” (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 14). Na 43ª aula observada, pudemos perceber como ocorreu o trabalho sobre a forma composicional do gênero textual escrito artigo. A professora iniciou a aula corrigindo oralmente atividades do livro didático. A dinâmica da correção foi a seguinte: os alunos liam os enunciados para a professora, ela perguntava quem gostaria de responder e, em seguida, algum aluno participava. Percebemos que as questões se voltaram para um trabalho sobre o conteúdo temático do gênero. Porém, a questão cinco referia-se, a nosso ver, a outras características do gênero, conforme transcrição abaixo: T1 Rafael: ((fez a leitura da questão cinco)) “na sua opinião...esse texto apresenta as características do gênero reportagem jornalística...como o texto cada um na sua?..comente”... T2 Prof.: que que vocês acham? na sua opinião...esse texto apresenta só::: características de gênero...da reportagem jornalística? (igual nós vimos)...como nós vimos no outro? trata-se de quê? até comentamos aqui...do a:::rtigo... T3 Um aluno: i::sso... T4 Prof.: então... trata-se de um artigo...e a inten...intenção do autor é o quê?expor seus conhecimentos...mais o quê?((chamou a atenção dos alunos)) Rhua::::n...heim Wildney? a respeito do assunto...e também na hora que ele escreve um artigo...ele fala sobre o assunto...mas ao mesmo tempo que escreve um artigo...ele admira... não é? então ele vai...é::: a sua admiração pelos povos nativos...ele deixa bem claro nesse artigo... né? sempre numa::: num autor...eu é::: escreve um artigo...ele se... simpatiza né? [ T5 Wildney: ele se envolve... T6 Prof.: se envolve…muito bem…por aquilo que está falando...precisa repetir? T7 Rafael: ahã... T8 Prof.: é um artigo…escreve então…é o quê? trata-se de um artigo...e a intenção do autor é o quê? T9 Nayara: (expor seus conhecimentos) [ T10 Prof.: expor seus conhecimentos...a respeito...a respeito de quê? do assunto né? e aí ele faz o quê? ((silêncio)) ele só expõe? 147 T11 Um aluno: ele admira... T12 Prof.: i::::sso...a sua admiração... pelos povos indígenas... ele admira... né? ele tem uma grande admiração pelos povos indígenas... (Fragmento do Evento 30, Diário de campo 43, 3/8/2007, grifos nossos). Desse modo, concluímos que as orientações presentes no Manual do professor se materializaram na fala da professora, como mostra o evento. O suporte textual livro didático, nesse caso, pode ser considerado como um definidor do trabalho, com os elementos constitutivos dos gêneros textuais na sala de aula, pois observamos que a explicação dada pela professora constava no Manual do professor. Quando perguntamos à professora, em entrevista, sobre o que entendia por gêneros textuais, disse que não tinha muito conhecimento a respeito do assunto. Desse modo, hipoteticamente, acreditamos que não ocorreu, para o trabalho com o gênero textual artigo, uma atitude crítica, e faltou um conhecimento sobre o conceito de gêneros textuais e, conseqüentemente, do gênero artigo. Esse dado vem ao encontro do que estudiosos têm sinalizado sobre a teoria dos gêneros e o processo de formação de professores. Barbosa (2001) já trouxe o dado de que o trabalho com os gêneros requer novas posturas, novas metodologias, novas práticas e novos materiais didáticos. Concluiu a sua tese apostando na formação de professores como aspecto central da concretização dos gêneros textuais na sala de aula, uma vez que somente o docente bem preparado e formado pode conduzir os alunos a uma aprendizagem significativa. Nas nossas observações, constatamos que havia um interesse por parte da professora em compreender a dinâmica proposta no livro didático, haja vista a freqüência com que lia as orientações no Manual do professor. O contraponto que devemos fazer é que o livro didático se constituiu como um recurso “quase” único para o trabalho com os gêneros. E entre as possibilidades apresentadas nesse suporte, vimos, no fragmento do evento acima, que a professora contribuía para que a aprendizagem do aluno se efetivasse. 148 No que concerne ao elemento conteúdo temático, verificamos que foi um aspecto abordado em 24 das 40 aulas em que o gênero se presentificou. Diante da concepção do conteúdo temático, a partir da interpretação teórica de Barbosa (2001) acerca da obra de Bakhtin, como um conjunto de temáticas que poderiam ser abarcadas por um determinado gênero, sendo dizível numa determinada forma genérica, constatamos que, na aula observada e descrita no diário de campo 1, a professora apresentou aos alunos três gêneros textuais (fragmento de romance, depoimento, fragmento de exposição escrita), cuja tipologia foi tema de discussão, bem como o conteúdo temático adolescência. Para que a referida temática fosse “percebida”, professora e alunos contaram também com a unidade 1 do livro didático, que trouxe como tema a adolescência. Vale ressaltar que, em nenhum momento, os três elementos do gênero foram discutidos de forma integrada. Sobre esse assunto, Bakhtin afirma: Esses enunciados [gêneros discursivos] refletem as condições específicas e as finalidades de cada campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado [...] (BAKHTIN, 2003, p. 262). Isso indica que um trabalho com os gêneros supõe não apenas uma análise superficial, em que se elegem alguns elementos para exercícios de interpretação, mas sobretudo um trabalho que leve em conta as condições de produção dos gêneros textuais aliados aos elementos constitutivos – conteúdo temático, estilo de linguagem e forma composicional – integrando as atividades de leitura, conhecimentos gramaticais e produção de gêneros textuais. 6.2 OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Estamos partindo de pesquisas explicitadas no Capítulo II que concluem que a perspectiva bakhtiniana dos gêneros do discurso pode ser concebida para um 149 trabalho com os gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa, trazendo como indicação a integração das atividades de leitura, produção e análise e reflexão sobre a língua em torno da diversidade de gêneros que circulam nas diferentes esferas de comunicação (BARBOSA, 2001; MEC, 2001; ROJO, 2000). E mais, esses estudos mostram-nos a importância de se efetivar o ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais por meio da leitura e da produção de gêneros textuais. Mais uma vez devemos considerar que o conceito de gêneros se sedimentou a partir de pesquisas anteriores à publicação dos PCNs-LP. Geraldi (1999), na década de 1980, sugeriu aos professores que articulassem nas aulas de Língua Portuguesa a prática de leitura, produção de como forma de “fazer valer” a textos e análise lingüística concepção de linguagem como estratégia de interação defendida pelo autor. Barbosa (2001), inclusive, quase vinte anos depois, destaca que as práticas acima tiveram um papel histórico importante no ensino de língua, uma vez que possibilitaram um deslocamento do enfoque “puramente” gramatical para atividades de leitura e produção de textos. Mas a autora acrescenta que é [...] necessário determinar conteúdos específicos – gêneros – e a partir dessas escolhas, deve-se integrar essas práticas, através da proposição de atividades de compreensão, produção e análise lingüística, que recortem facetas desse objeto/conteúdo [...] (BARBOSA, 2001, p. 106). A proposta de Barbosa foi conceber os gêneros textuais num certo regime de imersão, o que implica a mestria no uso dos gêneros por parte dos alunos e no desenvolvimento das competências/capacidades que se pretende estabelecer no processo de ensino/aprendizagem da língua materna. Devemos ressaltar que a mestria no uso dos gêneros implica, a nosso ver, considerar, como Bakhtin (2003), que os gêneros do discurso são enunciados relativamente estáveis. Conforme visto no Capítulo III, os enunciados apresentam peculiaridades inerentes que, possibilitam notar a sua relação com as atividades humanas no processo de interação verbal. Desse modo, os enunciados destacam-se por apresentar algumas características: alternância dos sujeitos do 150 discurso materializada na ativa atitude responsiva; vontade discursiva do falante, logo um tom valorativo emocional; relação entre o enunciado do sujeito e os outros participantes da interlocução (o endereçamento). De acordo com Brait (2005), [...] as noções enunciado/enunciação têm papel central na concepção de linguagem que rege o pensamento bakhtiniano justamente porque a linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui, para efeito de compreensão e análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos (BRAIT, 2005, p. 65). Tendo em vista o exposto anteriormente e as aulas de Língua Portuguesa observadas, apresentamos a Tabela 7 com o demonstrativo das atividades desenvolvidas e os seus respectivos gêneros. 151 TABELA 7 – Demonstrativo de atividades desenvolvidas a partir de gêneros textuais. ATIVIDADES GÊNEROS Horóscopo Notícia policial Notícia esportiva Romance História em quadrinhos Poema Artigo Reportagem jornalística Conto Fragmento de exposição escrita Fragmento de romance Relato de experiência Relato pessoal Artigo de opinião Tira em quadrinhos Depoimento Editorial Crônica Anedota SUB-TOTAL TOTAL Leitura e interpretação oral - Leitura e interpretação escrita - Leitura de fruição 1 aula 3 aulas 2 aulas 2 aulas 1 aula - - 1 aula 1 aula 1 aula Leitura oral Leitura silenciosa Produção e escrita Conhecimentos gramaticais - - - 1 aula - - 2 aulas - 1 aula - - - - 1 aula 1 aula 1 aula - - - - 1 aula - 2 aulas - - - - 1 aula 1 aula - - - 1 aula - - 1 aula - 2 aulas 1 aula 1 aula 27.5% 17.5% 20% - 7.5% 1 aula 1 aula 22,5% 8 aulas 5% 40 AULAS (100%) 152 Os dados apontam em que tipo de atividade os gêneros textuais escritos foram trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa. Vale destacar que a atividade de leitura silenciosa ocorria concomitante a outras atividades. Pudemos chegar à conclusão de que, em nove aulas, os gêneros textuais escritos foram utilizados para o trabalho com os conhecimentos gramaticais e, conforme veremos à frente, identificar qual foi o tipo de abordagem acerca desses conhecimentos. Constatamos que, nas atividades de leitura e interpretação oral, um número maior de gêneros textuais escritos foram trabalhados. Nesse contexto, gêneros do âmbito tipológico opinar/argumentar (artigo, reportagem jornalística, artigo de opinião, fragmento de exposição escrita), contar (fragmento de romance, anedota), relatar (depoimento), poetizar (poema) foram contemplados, diferentemente das atividades de produção e reescrita em que apenas dois gêneros textuais escritos foram trabalhados. Ressalte-se ainda que, nas oito aulas destinadas às atividades de leitura de fruição, diferentes gêneros textuais escritos circularam num mesmo momento. Conforme dito no Capítulo V, esse tipo de atividade proporcionava aos alunos um contato com variados gêneros textuais escritos. No entanto, constatamos que, em todas as aulas, praticamente os mesmos gêneros eram lidos pelos alunos. Inclusive concorriam entre si para fazer leituras de jornais e revistas, suportes dos gêneros textuais escritos notícia policial, notícia esportiva e horóscopo. Desse modo, as atividades trabalhadas pela professora nas aulas observadas tiveram os gêneros textuais escritos presentificados, e a recorrência de variedades de gêneros dependeu, a nosso ver, do tipo de atividade bem como dos suportes textuais que subsidiaram as aulas. Desse modo, o livro didático constituiu-se como o maior responsável pela circulação de gêneros textuais escritos trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa, o que nos remete a uma compreensão do que esboçamos no Capítulo V acerca das seções que o compõem: Leitura, Estudo do texto, Outra(s) leitura(s), Para refletir sobre a língua, Produção de texto e Só para ler. Isso porque vimos que as atividades apontadas na Tabela 3 giraram em torno dessas seções do compêndio didático. Nesse 153 contexto, questionamos se o trabalho com os gêneros permitiu a integração de atividades de leitura/compreensão, de produção de gêneros e de análise lingüística,36 como assim propõem pesquisas e documentos curriculares. No Manual do professor que acompanha o livro didático, especificamente no que se refere à seção Produção de texto, há uma sugestão de que seja proporcionada aos alunos a integração das práticas de leitura e reflexão sobre a língua com a de produção do gênero textual, atrelados à indicação de que a produção esteja de acordo com as características do gênero trabalhado. Se levarmos em conta, por exemplo, que os PCNs acenam para um trabalho em que a unidade básica do ensino de língua seja o texto associado a noção de gêneros discursivos de cunho bakhtiniano, materializado nos eixos Uso (Prática de leitura e escuta e Prática de produção de textos orais e escritos) e Reflexão (Prática de análise lingüística), constatamos que as seções do livro didático não confluem nessa perspectiva, embora isso esteja configurado no Manual do professor. A começar pela variedade de gêneros textuais que elege em cada unidade, não permitindo o aprofundamento nem mesmo a mestria no uso de diferentes formas (os gêneros textuais) de se utilizar a língua materna. Dessa forma, as atividades de leitura, produção e análise lingüística presentes no livro didático voltaram-se para a referida variedade, não ocorrendo um detalhamento sobre as condições de produção e os elementos constitutivos que se fazem necessários para um trabalho com os gêneros textuais. Na 13ª aula observada (diário de campo, 15/5/2007), constatamos que a professora havia finalizado o trabalho com a Unidade 1 proposta no livro didático. Percebemos que ela seguiu linearmente a sugestão das atividades do livro didático com seus respectivos gêneros textuais escritos (num total de 6). É interessante notar que a proposta do livro, logo da professora, foi enveredar por uma diversidade de gêneros, com o objetivo de contextualizar a temática da unidade – adolescência –, o que resultou, a nosso ver, em um tratamento superficial, já que os gêneros não foram contemplados individualmente em sua 36 Discutiremos o item análise lingüística no Capítulo VII. 154 especificidade, incluindo as condições de produção bem como a integração de seus elementos constitutivos: forma composicional, estilo e conteúdo temático. Além disso, constatamos que as atividades de leitura, de produção e de análise lingüística se voltaram para tal diversidade, ou seja, para todos os gêneros escritos da Unidade 1 do livro didático. Assim, no que concerne às atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa, conforme demonstradas na Tabela 3, verificamos que elas não foram trabalhadas de forma organizada para que se integrassem nas práticas de leitura, produção e análise lingüística de um determinado gênero textual escrito. Além de seguir a ordem das seções do livro didático ao lidar com alguns gêneros, a professora trabalhava separadamente as atividades de leitura, produção e análise lingüística em torno dos gêneros, de modo que tais atividades ocorriam em aulas diferentes, o que não quer dizer que não tivessem sido abordadas. Como exemplo, tem-se o gênero textual poema que, por sua vez, foi abordado em quatro atividades diferentes: atividades de leitura e interpretação oral, atividades de leitura e interpretação escrita, atividade de leitura oral e atividade de produção e reescrita. Pode parecer, inicialmente, que as atividades elencadas confluíram numa seqüência, como assim vêm apontando as pesquisas. No entanto, o gênero textual poema foi abordado nas seguintes aulas observadas: 16ª aula (22/5/2007), 21ª aula (29/6/2007), 37ª e 38ª aulas (27/7/2007) e 48ª aula (21/8/2007), concretizando um trabalho desintegrado das atividades de leitura, produção e análise lingüística em torno dos gêneros textuais escritos. Ressalte-se que, nas aulas observadas, foram trabalhados poemas de autores diferentes (exceto os poemas das 16ª e 48ª aulas). O que se configurou do mesmo modo foi o formato do gênero textual escrito poema. Na 16ª aula (diário de campo – 22/5/2007), foi contemplada a atividade de leitura e interpretação escrita, em que os alunos fizeram uma prova de interpretação de texto. Nesse caso, ocorreu uma leitura silenciosa, proposta pela professora para que os alunos pudessem responder às perguntas sobre o poema no suporte folha xerocopiada. A nosso ver, as questões contemplaram uma análise do conteúdo temático do gênero, embora a questão 6 fizesse alusão à forma composicional: 155 “Que expressões ou versos do texto nos passam uma mensagem de confiança no futuro?” Temos o dado de que a palavra verso acena para o aluno que, comumente, os poemas apresentam como especificidade a forma versificada. Nesse momento, a professora não teceu comentários sobre características composicionais acerca do gênero. Ainda sobre atividades de leitura e interpretação escrita, na 48ª aula (diário de campo, 21/8/2007), três alunos que tiraram nota inferior a 60% da prova de interpretação escrita, fizeram prova de recuperação. É interessante notar que a prova aplicada na 16ª aula se constituiu como avaliação dessa aula também, ou seja, o mesmo poema no suporte folha xerocopiada foi utilizado como forma de recuperação de aprendizagem dos alunos. A nós pareceu que a recuperação, nesse contexto, teve a função de cumprir um aparato burocrático e obrigatório configurado pela Secretaria Municipal de Educação,37 uma vez que se materializaram as relações entre os órgãos institucionais, as escolas a eles filiadas e o trabalho avaliativo do professor no interior da sala de aula. Na 21ª aula (29/6/2007) – atividade de leitura e interpretação oral –, ocorreu a correção oral da prova de interpretação de um texto referente ao gênero textual escrito poema (16ª aula). A professora, antes de discutir e recorrigir as questões com os alunos, mencionou que muitos deles não as interpretaram, e sim fizeram cópia, enfatizando que era necessário ler com atenção para interpretar. Em seguida, discutiram perguntas e respostas obedecendo a seguinte dinâmica: os alunos liam as perguntas, outros liam as respostas e a professora acrescentava algo com discussão voltada para o conteúdo temático do gênero. Sobre a questão 6, que, a nosso ver, trouxe uma abordagem sobre a forma composicional, não ocorreram posicionamentos sobre particularidades do gênero. Nas 37ª e 38ª aulas (27/7/2007), voltadas para atividades de produção e reescrita de gêneros textuais, a professora pediu aos alunos que produzissem um poema para participarem de um concurso de redação. Antes da produção propriamente 37 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei n. 9394/96 – incube os estabelecimentos de ensino de prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento. A Secretária Municipal da Serra concebe o inciso do Art. 12 como obrigatoriedade para as unidades escolares. 156 dita, perguntou aos alunos o que eles entendiam por poesia, mencionando, em seguida, aspectos relacionados à forma composicional, como versos e estrofes. Foram então distribuídos exemplos do gênero textual poema para que os alunos pudessem, a nosso ver, se apropriar do formato do gênero proposto para a produção. Ainda nessas aulas, foi feita alusão ao acróstico e aos poemas concretos, conforme o evento descrito. T1 Prof.: tem também... quem...quem quiser fazer uma outra modalidade...um acróstico não é? T2 Kelly: eu fiz... T3 Prof.: você fez? [ T4 Um aluno: que que é isso? T5 Prof.: que isso... quando a gente coloca uma palavra...por exemplo...natureza...e aí depois eu faço os versos com cada letra...colocar na::: vertical... [ T6 Um aluno: vertical... T7 Wildney: por que não falou antes? T8 Prof.: ah::: esqueci...((riu)) tem a poesia concreta...você lembra daquele jacaré? que nós vimos na::: naquelas folhas do programa de aceleração? só que sumiram né?... aquela flo::r... lógico é poesia concreta... oh:: tem várias modalidades...pena que a gente vai perdendo as folhas... ( ) pegam e não devolvem... (Fragmento do Evento 24, Diário de campo 37 e 38, 27/7/2007). Vimos que a professora considerou como outra modalidade de poema, os acrósticos e os poemas concretos. De acordo com pesquisas empreendidas por Travaglia (2002b, 2002c, 2004b, 2006, 2007a, 2007b, 2007c), devem-se considerar “[...] quais aspectos das características, especificidades e determinações dos gêneros se devem e podem trabalhar em sala de aula?” (Travaglia, 2006, p. 2). Nesse sentido, o autor afirma que não há duvida quanto à validade de se pensar, na atualidade, o trabalho com textos de diferentes gêneros no ensino/aprendizagem da língua materna. No entanto, destaca que ocorrem lacunas para se efetivar esse tipo de trabalho, uma vez que nem sempre há informações claras e precisas sobre como abordar os gêneros em sala de aula. Desse modo, Travaglia sinaliza que o professor trabalhe de forma precisa as particularidades dos gêneros. Para tanto, define três elementos tipológicos38 – 38 Travaglia (2007a) explica que utilizou o termo elementos tipológicos referindo-se aos elementos tipo, gêneros e espécies por falta de um termo genérico. 157 tipo, gênero e espécie – que chama de tipelementos, a fim de esclarecer questões relacionadas à tipologia textual e aos gêneros textuais. Para Travaglia (2006), tipo de texto pode ser identificado e caracterizado por configurar uma maneira de interação e interlocução, materializando tipologias diferentes: texto descritivo, dissertativo, injuntivo, narrativo, entre outros. O gênero de texto caracteriza-se por exercer uma função social específica. Já a espécie de texto define-se por trazer aspectos formais de estrutura e de conteúdo. O autor parte da hipótese de que os gêneros realizam as espécies e tipos, uma vez que são eles que funcionam no meio social e na cultura. Desse modo, no que se refere ao gênero textual poema, tem-se o tipo lírico que, por sua vez, se vincula a uma grande quantidade de espécies, como o acróstico citado pela professora, que traz como característica a formação de um nome ou frase pelas letras iniciais dos versos dispostos na vertical. Logo, A pesquisa lingüística já fez muito no estudo das categorias de texto e sua organização em tipologias, todavia ainda há muito mais a fazer para permitir que o professor possa tomar decisões seguras ao organizar e estruturar seu trabalho como categorias de texto de todas as diferentes natureza (TRAVAGLIA, 2006, p.10). As atividades de leitura, produção e análise e reflexão sobre a língua39 em torno dos gêneros textuais escritos foram contempladas nas aulas de Língua Portuguesa. Mas constatamos que não ocorreu um trabalho que integrassem as referidas atividades. De acordo com Barbosa, um [...] trabalho com gêneros supõe não um trabalho por visitação, comum em livros didáticos – algo como ler um ou dois textos pertencentes a um gênero, responder perguntas de compreensão, trabalhar questões gramaticais e, por fim, produzir um texto -, mas sim um trabalho intensivo que recorte as características das esferas de circulação e dos gêneros - as condições de produção, o conteúdo temático, a forma composicional e o estilo. Para tanto, há que se propor um trabalho que integre as práticas de leitura, produção e análise lingüística (incluindo gramática) (BARBOSA, 2001, p. 218). 39 Discutimos a análise e reflexão sobre a língua nas atividades de leitura e produção de gêneros textuais escritos no Capítulo VII. 158 Vimos que o tratamento dado pelo livro didático à diversidade de gêneros textuais escritos se configurou como superficial. Contrário a isso, devemos considerar a situação de produção discursiva dos enunciados articulada aos seus elementos constitutivos – forma composicional, conteúdo temático e estilo de linguagem –, como concepção norteadora para os gêneros textuais escritos. Com relação ao estilo de linguagem, Bakhtin (2003) aponta que o estilo é a concretização de uma determinada forma gramatical pelo falante na dimensão social e discursiva da língua. Nesse contexto, perguntamos: A perspectiva dos gêneros possibilitou um estudo mais significativo das formas da língua, distanciando-se dos ensinos prescritivo e descritivo, tão caros para a nossa tradição gramatical? Na tentativa de identificar e compreender como os gêneros textuais escritos foram utilizados para o ensino das formas gramaticais da língua, analisamos as atividades sobre conhecimentos gramaticais em que os gêneros escritos estiveram presentes. 6.3 OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E O CONHECIMENTO GRAMATICAL No início deste capítulo, dissemos conceber os gêneros textuais em conformidade com uma concepção de língua que ultrapassa uma abstração sistêmica, para compreendê-la como algo que é inerente à atividade discursiva e enunciativa dos gêneros do discurso. Atrelado à discussão sobre os gêneros discursivos esboçada no texto específico para esse fim – Os gêneros do discurso em Estética da criação verbal –, Bakhtin (1992) traz tal concepção de língua, ao dialogar com os pressupostos teóricos de Saussure (2004) e o objetivismo abstrato, empreendendo uma revisão metodológica e, ao mesmo tempo, apontando lacunas e fragilidades no que concerne à defesa de Saussure acerca da sistematicidade da língua. Nesse sentido, Bakhtin (1992) contrapõe-se a idéia de língua como sistema decodificado numa perspectiva saussureana, para compreendê-la numa dada situação concreta de interlocução na interação verbal. Inferimos que a concepção de língua defendida por Bakhtin pressupõe uma inversão no trato com as formas 159 gramaticais da língua, já que elas deixam de ser identificadas por nomenclaturas científicas para se constituírem na “vida real” dos usuários. Nesse aspecto vem de encontro à sustentação teórica de Saussure (2004) de que a língua se concretiza em um conjunto de convenções adotadas pelo corpo social para permitir o exercício da faculdade de linguagem dos homens. Na perspectiva bakhtiniana, as formas da língua são indissociáveis da produção de sentido empreendida pelos indivíduos, não sendo conveniente conceber que para a faculdade de linguagem haja um sistema de formas normativas, repetíveis e imutáveis. Para Bakhtin (1992), os indivíduos não recebem uma língua para ser internalizada, e sim participam da corrente da comunicação verbal, pois A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir do dicionário e da gramática, mas de enunciações concretas [...] as formas da língua e as formas típicas dos enunciados [...] chegam à nossa experiência e consciência em conjunto e estreitamente vinculadas (BAKHTIN, 2003, p. 283). Embasando-nos no referencial teórico acima, identificamos os gêneros textuais escritos que foram utilizados nas atividades sobre conhecimentos gramaticais, desenvolvidas em 9 das 40 aulas em que os gêneros foram submetidos ao processo de ensino/aprendizagem, conforme mostra a Tabela 7. Em todas as aulas ministradas para esse fim, os gêneros textuais foram concebidos como pretexto para o ensino de regras e nomenclaturas gramaticais, já que fragmentos foram retirados dos gêneros e utilizados para se trabalhar conhecimentos gramaticais. Constatamos ainda que não havia uma intencionalidade ou mesmo uma atitude voluntária e consciente por parte da professora em desenvolver esse tipo de trabalho, uma vez que o objetivo era trabalhar o conteúdo gramatical propriamente dito. Ou seja, ao utilizar os suportes livro didático e folha xerocopiada, apareciam trechos de gêneros textuais como exemplos para se ensinarem conceitos e exercícios que serviam de aplicação do conhecimento gramatical trabalhado. Isso foi constatado em nossas observações e, a nosso ver, não era percebido pela professora, mesmo porque, em nenhum momento, ela 160 retornava aos gêneros textuais escritos concebidos como pretexto para o ensino de conhecimentos gramaticais. Nesse caso, não era levado para a sala de aula um gênero textual escrito com o objetivo de se ensinar o conhecimento gramatical, e sim um conteúdo gramatical específico (uso do trema, tempo verbal, por exemplo) que, por sua vez, era abordado a partir de exercícios presentes nos suportes textuais livro didático e folha xerocopiada. Os referidos exercícios configuravam-se nos fragmentos de gêneros textuais escritos. No entanto, devemos levar em consideração que, na entrevista, ao ser perguntada sobre o ensino gramatical, a professora respondeu que a gramática deve ser sempre contextualizada e a partir de um texto, embora não tivesse feito esse trabalho voluntariamente em nenhuma das aulas observadas. Citou ainda um tipo de gramática com que havia trabalhado numa escola particular, que trazia um texto e depois o desenvolvimento da gramática, o que nos remete à hipótese de que a contextualização pode ser compreendida no sentido de se utilizar um texto como pretexto para se estudarem conteúdos gramaticais, trazendo a ‘falsa’ idéia de um trabalho com os ‘usos reais’ da língua, ao configurar-se com textos. Desse modo, ainda que o texto se constitua como unidade básica de ensino, há uma fragmentação de suas partes quando se privilegiam frases e palavras em função de uma estrutura gramatical, não levando em conta o que já discutimos neste capítulo: as condições de produção que definem a base enunciativa e discursiva das formas gramaticais da língua intrínsecas aos gêneros textuais. Se verificamos que não ocorreu um uso voluntário e consciente pela professora acerca dos gêneros textuais escritos como pretexto para o ensino gramatical, como essa estratégia se materializou no interior das aulas de Língua Portuguesa? Mais uma vez retomaremos a discussão sobre o suporte livro didático, já que os gêneros usados como pretexto para o ensino de conhecimentos gramaticais, em sua maioria, estavam presentes nesse livro: reportagem jornalística, conto, relato de experiência, fragmento de romance, fragmento de exposição escrita, editorial e crônica. 161 Conforme analisado no Capítulo V, especificamente na seção e subseção Para refletir sobre a língua e Veja como se escreve, respectivamente, constatamos que os gêneros textuais escritos se constituíram em pretexto para o estudo de conhecimentos gramaticais e os mesmos gêneros citados estiveram presentes nas seções acima. Esse dado continua apontando a ocorrência de desintegração das atividades de leitura, produção e análise e reflexão sobre a língua, já que as formas gramaticais se deslocaram de uma concepção enunciativa e discursiva da língua atrelada às atividades de leitura e de produção, para um ensino em que se privilegiou a exposição de uma teoria gramatical por meio de fragmentos textuais, recorrendo-se a atividades que valorizavam a metalinguagem. Assim, o trabalho de análise do conhecimento gramatical nas referidas seções do livro didático apresentou-se dissociado dos gêneros textuais elencados para o trabalho de leitura e estudo do texto, no sentido de retirar trechos de um gênero textual abstraindo a discursividade que as formas da língua podem “ganhar” como elementos que fazem parte constitutiva dos gêneros. É interessante notar que as autoras do livro didático afirmam que, na subseção Veja como se escreve, as atividades contemplaram regras de acentuação e ortografia com o intuito de promover um trabalho de análise e sistematização das regularidades da língua. Nesse sentido, o objetivo proposto pelas autoras ensejava em garantir uma classificação e formalização dos conhecimentos gramaticais. Os exemplos e exercícios do livro didático corroboram esses objetivos, conforme ilustraremos à frente. Ainda analisando o objetivo acima, que postula a sistematização, classificação e formalização regulares do conhecimento gramatical, tem-se uma concepção de língua que se aproxima dos pressupostos teóricos de Saussure (2004). O autor genebriano defende a sistematicidade da língua como objeto de estudo da Lingüística, trazendo o dado de que é um todo por si e um princípio de classificação. Desse modo, o autor, ao fixar as normas de uma língua, acreditou que a gramática e o dicionário pudessem representar “fielmente” o código e 162 proporcionar uma comunicação harmoniosa. A própria relação arbitrária do signo,40 defendida por ele, confina as palavras em um campo de significação que não contempla as relações discursivas entre os falantes de uma língua. É interessante notar que Saussure, ao definir o seu objeto de estudo, tece críticas às pesquisas anteriores à sua época acerca dos estudos da língua. A Filologia, para ele, não explicitou o sistema lingüístico, implicando a indefinição de um objeto específico para as investigações. Já Bakhtin (1992) afirma que os procedimentos utilizados nos estudos lingüísticos de Saussure estão pautados na metolodologia empreendida pelos filólogos, como Aristóteles e os gramáticos alexandrinos: Podemos dizer que a lingüística surgiu quando e onde surgiram exigências filológicas. Os imperativos da filologia engendraram a lingüística, acalentaram-na e deixaram dentro de suas fraldas a flauta da filologia. Essa flauta tem por função despertar os mortos. Mas essa flauta carece da potência necessária para dominar a fala viva, com sua evolução permanente (BAKHTIN, 1992, p. 97). Neste momento, faremos uma digressão para intentarmos compreender a comparação estabelecida por Bakhtin e, ao mesmo tempo, dialogar com os nossos dados. No Capítulo I, quando discutimos a trajetória histórica da gramática tradicional, constatamos que a concepção de língua adotada pelos filólogos de Alexandria objetivava descrever as regras gramaticais empregadas pelos grandes autores clássicos como modelo da arte de escrever. Estudiosos da história da gramática tradicional apontam que um dos equívocos dessa tradição incorre no fato de se terem separado rigidamente as línguas escrita e falada; Outro equívoco é o de considerar as mudanças que comumente ocorrem com as línguas como “ruína” ou “decadência”. Saussure (2004, p.16-17) por sua vez, ao definir o seu objeto de estudo – a língua –, traz que a Lingüística deveria ater-se a todas as manifestações de linguagem. No entanto, descarta essa possibilidade cambiando para uma solução que seria “[...] colocar-se primeiramente no terreno da língua e torná-la como norma de todas as outras manifestações da linguagem”. O lingüista, nesse caso, tem como objeto de pesquisa o estado “puro” da língua suprimida de toda a sua história, importando analisar num tempo determinado 40 O signo lingüístico defendido por Saussure (2004) caracteriza-se por ter como elementos um conceito (significado) e uma imagem acústica (significante) que estão intimamente ligados e convencionalizados por uma comunidade lingüística. 163 (sincronia). Quando se permanece no âmbito da diacronia (processos de evolução de uma língua), não é a sistematicidade da língua que se percebe, ao contrário, é uma série de modificações no decorrer do tempo. Separando-se o estudo diacrônico e sincrônico, separou-se o estudo da língua e da fala, uma vez que [...] tudo quanto seja diacrônico na língua não o é senão pela fala. É na fala que se acha o germe de todas as modificações: cada uma delas é lançada, a princípio, por um certo número de indivíduos, antes de entrar em uso (SAUSSURE, 2004, p. 114 -115). Podemos inferir que as concepções de língua empreendidas pelos filólogos de Alexandria e Saussure se aproximam. Mas devemos levar em consideração que, diferentemente dos alexandrinos, Saussure (2004) não considerou como “corrupção” e “ruína” as mudanças das línguas materializadas entre os falantes, apenas não as concebeu como objeto para a sua pesquisa, o que resultou em estudos posteriores. Diante do exposto, a crítica e a comparação feitas por Bakhtin (1992, p. 104- 105) recaem sobre a metodologia dos filólogos e de Saussure, que retira enunciações concretas da língua para estudá-las, o que resulta no esvaziamento do conteúdo ideológico inerente às condições de uma situação concreta dada.41 Logo, de enunciação viva e concreta, têm-se monólogos mortos, ou seja, um corpus abstrato de trechos de enunciações que serão comparados e analisados entre si por meio de uma compreensão passiva, que consiste em um “[...] estudo das relações imanentes no interior do terreno da enunciação [...], na verdade, não ousa ir além dos elementos constitutivos da enunciação monológica. Seu alcance máximo é a frase complexa (o período)”. Quando mencionamos que fragmentos dos gêneros textuais escritos presentes no livro didático se transformaram em pretexto para se propor um estudo regular e classificatório das formas gramaticais da língua, pareceu-nos que, de uma possível compreensão ideológica (levando em conta as condições de situação 41 Estamos compreendendo este termo postulado por Bakhtin (1992) no mesmo sentido com que interpretamos o termo condições de produção. 164 concreta do gênero atreladas à concepção enunciativa de língua), ocorreu um isolamento de trechos estabelecendo-se uma compreensão passiva. Para ilustrar as considerações acima, tem-se a atividade do livro didático referente aos conhecimentos gramaticais tempo verbal e uso do trema presentes na subseção analisada por nós: Veja como se escreve. A atividade está no final da unidade 1 do livro e traz três exercícios sobre os referidos conhecimentos. Os exercícios 1 e 2 abordam o conteúdo tempo verbal, e o exercício 3 discute o conteúdo uso do trema. Ressalte-se que esses exercícios foram trabalhados na 13ª aula observada. No entanto, antes de discutirmos o trabalho no interior da sala de aula com esses exercícios, vamos analisá-los. Desse modo, o livro didático orienta: 1. Leia um trecho de “Um amor que não espera”: “[...] a musiquinha se fez ouvir meio abafada pelo ruído dos carros na Avenida Atlântica, as buzinas do fim da tarde e o murmúrio de vozes da gente que passeava pelas calçadas, o riso das crianças nas brincadeiras de sempre.” A forma destacada é o pretérito imperfeito do indicativo do verbo passear. Copie as frases a seguir, no caderno, completando-as com o verbo indicado entre parênteses no pretérito imperfeito do indicativo: a) O grupo de amigos_____ na praia, enquanto conversava sobre as novidades da cidade. (bronzear-se) b) Ele sempre_____ uma revista, enquanto esperava ser chamado pelo médico. (folhear) c) Amor era um assunto que sempre_____ reações opostas nos jovens. (desencadear) d) Em todos os momentos da vida de Cássio, havia um ideal que _____ suas decisões. (nortear) e) Mariana _____ devagar nos semáforos. (frear) 2. Releia um trecho de “Um novo corpo”: “Essas substâncias, levadas pela corrente sangüínea a todas as partes do corpo, desencadeiam as transformações que caracterizam esse período.” A forma verbal destacada é o presente do indicativo. Reescreva as frases no caderno, completando-as com o verbo indicado entre parênteses no presente do indicativo: a) À tarde as pessoas_____ pela calçada à beira da praia. (passear) b) Algumas descobertas_____ novas pesquisas. (nortear) c) As revistas trazem muitas informações, mas alguns leitores apenas as _____. (folhear) d) As pessoas que ______sem protetor solar correm sérios riscos. (bronzear-se) e) Alguns motoristas_____ seus carros bruscamente. (frear) 3. Releia: 165 “Essas substâncias, levadas pela corrente sangüínea a todas as partes do corpo, desencadeiam as transformações que caracterizam esse período.” “Minha vida familiar sempre foi muito agitada e sem dúvida renderia um livro, uns dois longas-metragens, um seriado de cinqüenta capítulos e uma ótima novela das oito para a televisão!” Tanto o adjetivo sangüínea quanto o numeral cinqüenta foram escritos com trema. No português do Brasil, o trema é usado sobre o u quando essa vogal, aparecendo precedida de g ou q e seguida de e ou i, é pronunciada. Atento a essa regra, reescreva as palavras no caderno, colocando trema quando necessário: Almanaque, tranquilidade, linguiça, guerra, quintal, sequestro, aguentar, guincho (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 22 -23). A começar pelos enunciados dos exercícios 1 e 2, tem-se evidenciado que a análise dos fatos gramaticais ocorre por meio de trechos que servem de exemplo para o preenchimento das lacunas das frases escolhidas para esse fim. O trecho da questão 1 foi retirado do gênero textual fragmento de romance, presente na seção Leitura, do livro didático. A escolha de um trecho que tinha presente uma forma verbal no tempo pretérito imperfeito, permitiu-nos constatar que o objetivo das organizadoras do livro foi apontar uma regularidade da língua como exemplo, para que os alunos completassem as frases que apareciam em seguida, que, por sua vez, foram retiradas possivelmente de outros gêneros textuais, ou mesmo elaboradas para fazerem parte do exercício. Da mesma forma que o exercício 1, a questão 2 traz o conhecimento gramatical tempo verbal a partir de trecho retirado do gênero textual fragmento de exposição escrita. Podemos observar que os verbos que estão entre parênteses se encontram na forma nominal infinitivo, e o ponto de partida para a flexão no tempo presente do indicativo é o verbo que se materializa flexionado no trecho do gênero escolhido exatamente para esse fim. Bakhtin (1992), quando teceu críticas à corrente lingüística objetivismo abstrato, apontou que seu centro organizador se situa no sistema lingüístico: o sistema de formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua. Em cada enunciação encontram-se elementos da língua iguais aos de outras enunciações numa determinada comunidade lingüística. Para o autor, a identidade entre os 166 elementos confere uma normatividade para todas as enunciações, garantindo a unicidade e sistematicidade de uma dada língua, como também a compreensão por todos os locutores de uma comunidade. Desse modo, o sistema lingüístico configura-se de forma independente do ato de criação individual, visto que este só pode aceitar a normatividade, pois o sistema já está constituído e acabado e Se a língua, como conjunto de formas, é independente de todo impulso criador e de toda a ação individual, segue-se ser ela o produto de uma criação coletiva, um fenômeno social e, portanto, como toda instituição social, normativa para cada indivíduo (BAKHTIN, 1992, p. 79). A tese acima traz o dado de que os trechos retirados dos gêneros textuais para serem pretextos do ensino de conhecimentos gramaticais não trazem a subjetividade do sujeito criador, já que foram retirados de uma enunciação e privados de uma análise ideológica, o que implica anular as condições de produção: quem produz, para quem, quando, onde, qual o suporte dos gêneros textuais. Bakhtin (1992, p. 95) ressalta que não são palavras que pronunciamos, mas “[...] verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais [...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. Nesse contexto, observamos que o exercício 3 trouxe trechos do gênero textual fragmento de exposição escrita e relato de experiência, para exemplificar o conteúdo gramatical trema. Em seguida, elegeu oito palavras afastadas de enunciações da vida real dos falantes de uma língua, para concebê-las como exemplos e pretexto do uso do trema, anulando, desse modo, a “carga” ideológica e vivencial de cada uma delas. Temos ainda o dado de que o trecho retirado (“Essas substâncias, levadas pela corrente sangüínea a todas as partes do corpo, desencadeiam as transformações que caracterizam esse período”) do gênero textual fragmento de exposição escrita foi utilizado nos exercícios 2 e 3, revelando que o interesse principal das 167 autoras do livro didático foi “encontrar” trechos no gênero que correspondessem ao conhecimento gramatical a ser estudado, mesmo que para isso precisassem empregar em dois exercícios trechos iguais. O exposto acima corrobora a análise feita do suporte livro didático no Capítulo V, especificamente das seções Para refletir sobre a língua e Veja como se escreve. Observamos que a concepção de língua norteadora das atividades dessas seções enseja instituir um sistema estável, imutável, que estabeleça relações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema fechado (BAKHTIN, 1992), trazendo, a nosso ver, os conhecimentos gramaticais distanciados das condições de produção dos gêneros textuais. De acordo com Marinho (1998), mesmo que se eleja o texto como objeto de estudo, numa possível integração das atividades de leitura, produção e gramática nos livros didáticos, o conhecimento gramatical apresenta-se altivo e autônomo. Ainda acrescenta que qualquer editora teria problemas se publicasse um manual didático de Língua Portuguesa sem uma seção especial para o estudo dos conhecimentos gramaticais, acenando que questões em torno da gramática são o calcanhar de Aquiles do ensino de Português. E, na sala de aula, como os exercícios analisados por nós e presentes no livro didático se constituíram? O momento de resolução desses exercícios pelos alunos não se materializou como corpus da nossa pesquisa, porque não observamos essa aula. No entanto, o diário de campo 13 (15/5/2007) correspondeu ao momento em que a professora submeteu os exercícios a uma correção. Iniciou a aula corrigindo os exercícios das páginas 22 e 23 do livro didático, o qual trazia os seguintes conteúdos: tempo verbal e trema. De acordo com a correção, foi possível inferir que os alunos sabiam o conteúdo. Mas o que constatamos foi que o exercício 2 consistiu apenas em observar a terminação do verbo (desencadeiam) como modelo, o que tornou mais fácil preencher com outros verbos as lacunas. Na correção do exercício 3, a professora pediu que uma aluna lesse os trechos dos 168 gêneros textuais e, em seguida, perguntou aos alunos quais as palavras que estavam destacadas, e os alunos responderam em coro. Nesse contexto, a professora falou a respeito da normatização ortográfica, enfatizando que até o final do ano haveria uma reforma na ortografia na Língua Portuguesa do Brasil, de acordo com a qual o trema seria abolido. Abaixo, tem-se o evento transcrito da referida correção: Transcrição de correção de exercícios gramaticais Evento: data Contexto da correção de exercícios do livro didático 02: 15-5-2007 Correção de exercícios do livro didático: verbo e uso do trema Diário de campo: 13 T1 Prof.: ...o primeiro exercício nós usamos o verbo no presente do indicativo...no segundo é pra ser usado como?... ((leu o enunciado da atividade do livro)) vamos primeiro...releia um trecho de um novo corpo...quem gostaria de ler esse trecho? T2 Nayara: eu... T3 Prof.: leia... T4 Nayara: qual? T5 Prof.: o dois...essas ... T6 Nayara: essas substâncias...levadas pela corrente sangüínea a todas as partes do corpo, desencandeiam... [ T7 Prof.: desencadei-am... T8 Nayara: as transformações que caracterizam esse período... T9 Prof. : a forma verbal destacada... é o presente do... indica... T10 Alunos: tivo... [ T11 Prof.: tivo...então a gente vai completar essas frases também com os verbos que estão entre parênteses no presente do indicativo... a tarde as pessoas passear pela calçada á beira da praia...como que fica a frase? T12 Rubem: passeiam.... [ T13Prof.: passei:::am...algumas descobertas nortear novas pesquisas... T14 Alunos: norteiam... [ T15 Prof.: nortei:::am... as revistas trazem...muitas informações...mas alguns leitores apenas as..... T16 Alunos: folheiam... [ T17 Prof.: folhe::iam...oh o izinho aí né?... as pessoas que... bronzear-se sem protetor solar correm sérios riscos... T18 Alunos: se bronzeiam... T19 Prof.: se::: bronzei:am...alguns motoristas...frear seus carros bruscamente... T20 Alunos: frei::am... [ T21 Prof.: bruscamente...frei:am...oh o i heim? ...frei:am... 169 ((a professora interrompeu para brincar com os alunos)) T22 Prof.: leia Rafaela o três...vamos ver as duas tirinhas...((chamou a atenção de um aluno)) vamos... T23 Rafaela: essas substâncias, levadas pela corrente sanguínea a todasas partes do corpo, desencadeiam as transformações que caracterizam esse período... T24 Prof.: qual é a palavra que está aí sublinhada? T25 Rafaela: sangüínea... T26 Prof.: sangüínea, né? ou em negrito né?...a outra...tira... T27 Rafaela: minha vida familiar sempre foi muito agitada e sem dúvida ren-deria um livro, uns dois longas-metragens, um seriado de cinqüenta capítulos e uma ótima novela das oito para televisão... T28 Prof.: qual é a palavra sublinhada? T29 Alunos: cinqüenta.. [ T30 Prof.: cinqüenta...esse aí oh...tanto o adjetivo sangüínea quanto o numeral cinqüenta foram escritos com trema...((leu as indicações do livro sobre trema)) no português do Brasil...o trema é usado sobre o u quando essa vogal, aparecendo precedida de g ou de q e é seguida de é ou i ...e é pronunciada...então nós falamos que esse trema...a última... é: correção ortográfica aconteceu... em 71...se eu não me engano...acho que 71...e agora no final do ano também vai ter uma outra...saiu até nos jornais... mas só vai ser oficial quando todos os países que falam a língua portuguesa...né? é se reunirem e...uma das coisas que está em pauta... é o trema, né? o trema...eles querem abolir o trema ((não compreendemos esse trecho)) outro que eles estão querendo abolir... é o acento circunflexo do ô::: vô::, né? eles querem abolir...e têm outras questõezinhas também...então até o final do ano nós teremos essa reforma ortográfica né?... então aí...enquanto a gente tem essa regra...a gente tem que... é:: mantê-la, né? depois que vier a nova ortografia, aí a gente vai, né? ...ah é:: eliminar...então nós vamos observar nessas palavras aí... quando é colocado o trema...almanaque...coloca? T31 Alunos: não... [ T32 Prof.: não...não é...lingüiça? T33 Alunos: não... [ T34 Prof.: ...ahã? oh...lin... [ T35 Alguns alunos: sim... [ T36 Prof.: sim...por quê?..o u foi pronunciado...lin-güi... ((nesse momento os alunos fizeram muitas brincadeiras)) T37 Prof.: lin-güi-ça...tranqüilidade? T38 Aluno: tem... T39 Prof.: isso...tran-qüi...li-dade...é:: guerra? T40 Alunos: NÃO... T41 Prof.: quintal? T42 Alunos: NÃO... T43 Prof.: seqüestro? T44 Alunos: tem... T45 Prof.: se-qües-tro...agüentar? T46 Alunos: tem... T47 Prof.: tem...a güen::....- tar...e guincho? T48 Alunos: não... 170 [ T49 Prof.: não...acabou a correção sim... (Diário de campo 13, Evento 2). Inicialmente, percebemos que a professora, quando iniciou a correção pedindo a uma aluna que lesse o trecho do gênero textual, não fez alusão à parte de onde tinha sido retirado o fragmento, embora o gênero abordado e discutido estivesse na seção do livro didático Estudo do texto, referente às atividades de leitura e interpretação escrita desenvolvidas na sala de aula. Devemos considerar que a proposta do livro didático foi também a de não referenciar o gênero textual ao qual os fragmentos textuais pertenciam. Trouxe apenas o título dos textos concernentes aos gêneros textuais fragmento de romance e exposição escrita nos exercícios 1 e 2 (Um amor que não espera e Um novo corpo). Desse modo, inferimos que o livro didático assumiu o lugar da prática docente, no sentido de “ditar” e “orientar” o que deveria ser abordado no interior da sala de aula, conforme exemplificado. Geraldi (1997), pautado em Manacorda (1989), identifica três diferentes momentos na relação entre a produção de conhecimento e o ensino, tendo a profissão docente como alvo da discussão. Na trajetória histórica, Geraldi identifica que o professor, de produtor e estudioso do conhecimento, passando pela função de transmissor, chega a ser um reprodutor e controlador da produção de material didático posto à disposição do trabalho de transmissão do conhecimento. Assim, na atualidade, cabe [...] ao professor a escolha do material didático que usará na sala de aula. Mas qual a sua função depois disto? Uma boa metáfora é compará-lo a um capataz de fábrica: sua função é controlar o tempo de contato do aprendiz com o material previamente selecionado; definir o tempo de exercício e sua quantidade; comparar as respostas do aluno com as respostas dadas no “manual do professor” [...] (GERALDI, 1997, p. 94). Ainda afirma que a tecnologia permite a produção de material cada vez mais sofisticado, mudando as condições de trabalho do professor, o que implica uma diminuição da responsabilidade na definição do conteúdo escolar, bem como a oferte de respostas prontas para os exercícios. Por outro lado, Geraldi (1997) afirma que ocorrem válvulas de escape, como, por exemplo, as perguntas dos 171 alunos e do professor que “fogem” do que está prescrito nos manuais didáticos, tornando-se momentos oportunos de reflexão e, para além da transmissão, pode ocorrer momentos de produção do conhecimento. Nesse contexto, verificamos que num determinado momento, a professora interrompeu a correção do livro didático para tecer comentários sobre a reforma ortográfica. Foi um momento de reflexão sobre as regras ortográficas, que se tornou oportuno e rico por trazer questões relacionadas com a tradição gramatical e as convenções da língua. Devemos considerar ainda que, na Semana cultural da escola, o trabalho apresentado por essa professora com os alunos contemplou a Reforma ortográfica no século XX, o que nos leva a concluir que momentos de reflexão se materializaram em produção de conhecimentos, já que os alunos tiveram que fazer um trabalho de pesquisa a partir da temática. Há outro dado relevante que o livro didático aborda e a professora referenda: “No Português do Brasil, o trema é usado sobre o u, quando essa vogal, aparecendo precedida de g ou q e seguida de e ou i, é pronunciada”. Uma das “bandeiras de luta” do pesquisador e lingüista Marcos Bagno (2004; 2007) é reconhecer a existência de um português brasileiro, para que a população deixe de se pautar na gramática portuguesa de Portugal. Para o autor, estamos numa etapa intermediária da nossa língua, pois, quinhentos anos atrás, ela podia ser chamada de português. Hoje ela deve ser chamada de português brasileiro. Daqui a quinhentos anos, poderá ser chamada de brasileiro. Segundo o autor, Admitir a diferença entre as línguas do Brasil e de Portugal é admitir, como normalmente se admite, a diferença entre culturas. Ninguém jamais ousaria dizer que a cultura brasileira e a cultura portuguesa são a “mesma” (BAGNO, 2004, p. 175). Com as questões suscitadas acerca da tradição gramatical, vimos que as autoras do livro didático não deixaram de conceber, para uso do trema, a especificidade do português do Brasil, sinalizando a materialização, no interior da sala de aula, de pesquisas lingüísticas acerca das diferenciações entre o português de Portugal e o português do Brasil. 172 Ainda sobre a análise dos gêneros textuais como pretexto para o ensino de conhecimentos gramaticais, tem-se o suporte folha xerocopiada, que subsidiou o gênero Tira em quadrinhos42 em duas aulas (diário de campo 28 – 20/6/2007, e diário de campo 44 – 7/8/2007), sendo concebido, por sua vez, como pretexto para o ensino do conteúdo processo de formação de palavras e vocativo, respectivamente. Tomamos para análise a 44ª aula observada (diário de campo – 7/8/2007), que a professora iniciou falando que iria aplicar um provão referente ao ano de 2006, elaborado pela Secretaria Municipal da Serra, com o objetivo de verificar nível de conhecimento dos alunos. O intuito da professora era fazer com que os alunos se familiarizassem com o tipo de prova a que seriam submetidos no final do ano letivo. Como podemos ver, o provão não foi elaborado pela professora e, conforme apontado por Geraldi (1997), o material concretizou-se como um guia do docente, apontando concepções, estratégias e até meios como os conteúdos deviam ser ensinados. A professora pediu que eles se sentassem em dupla, uma vez que não havia folha xerocopiada suficiente para todos. Os alunos, por seu turno, escolheram os parceiros. A dupla que ia terminando, entregava o exercício à professora e saía para o recreio. Mesmo sabendo que sairiam para o recreio assim que terminassem o trabalho, os alunos mostraram-se atentos. Percebemos que eles discutiram entre si as questões, como assim fora proposto pela professora. No que se refere ao gênero textual escrito Tira em quadrinhos têm-se as seguintes questões: - Mamãe, você teve algum emprego depois que casou? - Não querida, seu pai não deixou...Ele disse que mulher dele não teria de trabalhar pra viver. 8) O termo mamãe é: a ( ) vocativo b ( ) aposto c ( ) adjunto adnominal d ( ) conjunção 42 Tira em quadrinhos foi a opção que encontramos para nomear este gênero textual, partindo da pesquisa de Innocente (2005), intitulada A tira em quadrinhos no Jornal do Brasil e no Diário Catarinense: um estudo do gênero. 173 9) Na tira a mãe fala: “Ele disse que mulher dele não teria de trabalhar para viver.” Explorando a linguagem e o material gráfico desse texto, é correto dizer que: a ( ) há uma valorização da mulher b ( ) o trabalho doméstico é valioso c ( ) o serviço doméstico não é reconhecido como trabalho remunerado d ( ) o homem respeita a vontade da mulher 10) A tira do “Hagar” apresentada anteriormente tem a finalidade fazer com que o leitor: a ( ) conheça a notícia b ( ) emita opiniões sobre o assunto c ( ) analise a previsão do tempo d ( ) entenda de forma humorística a crítica de fatos vividos por personagens (Folha xerocopiada). Se observarmos a seqüência das questões propostas, verificamos que, anteriormente a uma análise da finalidade do gênero bem como da escolha vocabular e gráfico-visual para uma compreensão do conteúdo temático, tem-se primeiramente uma análise formal e sistemática dos conhecimentos gramaticais, visto que o vocábulo mamãe foi retirado de uma enunciação viva para ser submetido ao reconhecimento metalingüístico. Desse modo, a seqüência acena que o exercício 8 não está relacionado com os outros dois exercícios, já que estes se aportam numa base mais enunciativa e discursiva do gênero textual, ao indicar as finalidades/usos sociais desse gênero (há que considerar que o suporte “original” costuma ser o jornal), levando em consideração os interlocutores. Além disso, o conteúdo temático, que, por meio da escolha de recursos lingüísticos para o encadeamento sintático/discursivo – Ele disse que mulher dele não teria de trabalhar para viver –, resultou em possíveis temas da atualidade. Entre esses temas está o de que o serviço doméstico não é reconhecido como trabalho remunerado, que, por sua vez, está atrelado a possíveis outros temas, como o machismo, indicado na escolha vocabular Ele disse que mulher dele, em que a contração (preposição de e pronome ele) gramatical dele, ganha um status e idéia de posse. A questão 8 traz como objetivo a identificação de uma nomenclatura científica da palavra, sem levar em consideração que a língua pode materializar-se de forma concreta nos diferentes gêneros textuais, diferentemente de privilegiar uma análise abstrata, una e regular da língua, o que não quer dizer que não se faz necessário estudar e mesmo conhecer as nomenclaturas. A questão é 174 compreender as formas gramaticais da língua em base discursiva, por conseguinte, para além de uma análise sintática. Desse modo, no uso real do gênero tira em quadrinhos, o leitor não apenas decodifica as palavras, mas contextualiza, interpreta e faz conexões com temáticas. Podemos inferir que o vocábulo mamãe, com a função de vocativo, está inserido num contexto discursivo mais amplo, pois “[...] os gêneros discursivos organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais” (BAKHTIN, 2003, p. 283). Travaglia (2007a) aborda as características da superfície lingüística do texto analogicamente ao que Bakhtin (1992) denominou de elementos composicionais. As características referem-se ao plano da língua (fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático) ou ao nível (lexical, frasal, textual). No entanto, para Travaglia (2007a), a caracterização não pode incidir apenas no recurso lingüístico, mas também nas condições de produção e nos objetivos/funções definidores de gêneros. Em outro trabalho, o autor afirma que [...] o ensino/aprendizagem de língua materna [...] deve considerar e ser organizado não só em torno do que é característico e específico de cada tipelamento [gêneros, tipos e espécies] [...] a gramática da língua deve ser trabalhada, pois, como o estudo das condições lingüísticas da significação, já que o objetivo é desenvolver a competência comunicativa e a comunicação, como sabemos, só acontece pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores (TRAVAGLIA, 2004b, p.14). Segundo Bakhtin (2003), uma oração como unidade da língua não apresenta as propriedades inerentes ao enunciado: alternância dos sujeitos do discurso materializada na ativa atitude responsiva; vontade discursiva do falante, logo um tom valorativo emocional; relação entre o enunciado do sujeito e os outros participantes da interlocução (o endereçamento). Nesse caso, a oração é apenas um recurso sem valoração ideológica, visto que, para se tornar enunciado pleno, deve presentificar-se em uma situação social de comunicação discursiva. Na 46ª aula observada (diário de campo - 17/8/2007), a professora submeteu as questões do “provão” a uma correção oral. Iniciou a aula entregando o que tinha sido feito pelos alunos para que eles pudessem acompanhar a correção oral. Em 175 seguida, alunos e professora deram início à correção. A dinâmica foi a seguinte: os alunos liam o enunciado dos exercícios a pedido da professora, a professora perguntava quem gostaria de responder, alguns alunos respondiam e a professora ora concordava, ora completava, ora consertava a resposta quando não atendia o objetivo do enunciado da questão. Abaixo tem-se o fragmento do evento, especificamente o trecho em que os exercícios em torno do gênero textual escrito tira em quadrinhos foram contemplados: [...] T60 Prof.: quem vai ler a tirinha agora? T61 Rafaela: eu... T62 Prof.: leia... T63 Rafaela: “mamãe... você teve algum emprego depois que se casou? não querida...seu pai não deixou...ele disse que mulher... dele não teria de trabalhar pra viver”... T64 Prof.: i::sso... o termo/ aí que vai ser...oito... T65 Rafaela: “o termo mamãe é... voca...vocati::::vo... [ T66 Prof.: tivo... T67 Rafaela: “b...aposto”... ((pronunciou aposto com o som do o muito ‘aberto’)) T68 Prof.: apo:::sto... T69 Rafaela: “aposto... c... adjunto adverbial e d...conjunção”... T70 Prof.: qual é? T71 Rafaela: vocativo... [ T72 Prof.: vocativo... é um termo de chama...mento...que nós vimos também no ano passado né?nove... T73 Nayara: eu... “na tira a mãe fala...ele disse que mulher dele não teria de trabalhar para viver...explorando a linguagem e o material gráfico desse texto...é correto dizer que...há uma valorização da mulher...o trabalho doméstico é valioso... o serviço doméstico não é reconhecido como trabalho remunerado... o homem respeita a vontade da mulher... o serviço doméstico não é reconhecido como”... [ T74 Prof.: e a letra::: C... “o serviço doméstico não é reconhecido como trabalho remunerado”...agora a outra...dez...quem gostaria? só ((referindose a Rafaela e Nayara)) ...não tem mais ninguém não? T75 Nayara: EU GOSTARIA professora... [ T76 Rafaela: “na tira do hagar apresenta anteriormente”... [ T77 Prof.: nós estamos lá na outra tirinha... [ T78 Rafaela: “tem a finalidade fazer com que o leitor...a...conheça a notícia...b...emita opiniões sobre o assunto...c...analise a previsão do tempo...d...entenda de forma humo/ humorística a crítica do fo:: de fatos vividos por personagens”... T79 Prof.: qual é a letra? [ T80 Nayara: letra d... T81 Prof.: d... [...] (Fragmento do Evento 35, Diário de campo, 17/8/2007). 176 Percebemos mais uma vez que a professora, ao deparar-se com o conhecimento gramatical, não fez alusão ao gênero textual de onde a palavra mamãe – vocativo – foi retirada. O que ocorreu foi uma ênfase na nomenclatura gramatical (vocativo), até mesmo porque foi algo estudado pela turma no ano anterior – sétima série –, conteúdo tradicionalmente listado para alunos que estão cursando essa série. Além disso, não houve um debate sobre questões relacionadas a outros elementos do gênero, como assim foi apontado por nós na análise dos exercícios 9 e 10. O que ocorreu foi uma rápida correção oral que teve como objetivo conferir as respostas dos alunos com a correção feita pela professora. Conforme verificamos no Capítulo V, as atividades que enfocavam conhecimentos gramaticais se constituíram em momentos nos quais a professora submetia os conhecimentos gramaticais como enfoque da aula, presentificando-os de duas formas diferentes: ora com a presença dos gêneros, ora sem a presença dos gêneros textuais escritos. No primeiro caso, constatamos que os gêneros textuais foram concebidos como pretexto para que o conhecimento gramatical fosse estudado, o que foi analisado por nós neste capítulo. No próximo capítulo, discutiremos as atividades que enfocavam conhecimentos gramaticais, que foi encaminhado de forma autônoma, e relataremos, também, como os conhecimentos gramaticais foram abordados nas atividades de leitura e de produção de gêneros textuais. 177 CAPÍTULO VII O CONHECIMENTO GRAMATICAL NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Elegemos um capítulo específico para tratar do trabalho com os conhecimentos gramaticais nas aulas de Língua Portuguesa, já que se trata do objeto desta pesquisa. Desse modo, iniciamos apresentando o Gráfico 2 com a recorrência dos conhecimentos gramaticais, levando em consideração as 60 aulas observadas: 37% Ocorreram Não ocorreram 63% Gráfico 2 - Demonstrativo do percentual de circulação dos conhecimentos gramaticais nas aulas de Língua Portuguesa. De acordo com o Gráfico 2, os conhecimentos gramaticais circularam em 63% das aulas observadas, o que correspondeu a 38 aulas. Dessas 38, 27 aulas estiveram voltadas para as atividades que enfocavam os conhecimentos gramaticais, conforme Tabela 3, no Capítulo V. Nas outras 11 aulas, os conhecimentos gramaticais foram articulados nas atividades de leitura e de produção de gêneros textuais. Desse modo, além do que foi apontado por nós nos Capítulos V e VI, que o conhecimento gramatical se apresentou de duas formas diferentes, a autônoma (sem a presença dos gêneros) e a outra, com a presença dos gêneros, vimos que o referido conhecimento se presentificou em atividades de leitura, interpretação e produção de gêneros textuais, atividades estas analisadas por nós no Capítulo V. As atividades foram trabalhadas com os gêneros textuais escritos, e o contraponto a ser feito é que o conhecimento gramatical abordado nas atividades 178 não foi o enfoque da aula, e sim conseqüência do que estava sendo desenvolvido: leitura, interpretação e produção. Desse modo, os conhecimentos gramaticais foram concebidos e articulados nas aulas de Língua Portuguesa de três formas diferentes: com o gênero textual como pretexto para o ensino dos conhecimentos gramaticais; sem a presença dos gêneros – frases e palavras descontextualizadas; com atividades de leitura, interpretação e compreensão de gêneros textuais. Nas duas primeiras formas, o conteúdo gramatical foi o centro organizador da aula. Já na última forma, os conhecimentos gramaticais foram abordados nas referidas atividades sem, no entanto, constituírem-se como enfoque das aulas. Nesse contexto, finalizamos o Capítulo VI do nosso relatório, analisando uma dessas formas: os gêneros textuais como pretexto para o estudo de conteúdo gramatical, mesmo porque o capítulo anterior contemplou o trabalho com os gêneros escritos nas aulas de Língua Portuguesa. Neste capítulo, vamos relatar e analisar as duas outras formas, numa tentativa de responder se ou como as atividades de leitura e produção possibilitaram abordagens sobre o ensino de conhecimentos gramaticais, assim como vêm apontando os estudos. A Tabela 8 demonstra a ocorrência dos conteúdos gramaticais e o tipo de atividade em que foram abordados: 179 TABELA 8 – Demonstrativo de ocorrências dos conhecimentos gramaticais trabalhados em atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa. Continua Atividades Conhecimentos gramaticais Semântica Sinonímia Paronímia Polissemia Figuras de linguagem Denotação e Conotação Estilística Linguagem objetiva e subjetiva Pontuação Aspas Paragrafação Alfabeto Letras maiúsculas e minúsculas Ortografia Mencionada de modo geral Uso do ‘J’, ‘G’, ‘S’, ‘Z’, É’, Í’. Morfologia Substantivo Plural de substantivo composto Gênero do substantivo Atividades de leitura e interpretação escrita Atividades de leitura e interpretação oral Atividades de leitura de fruição Atividades de leitura oral de gêneros textuais Atividades de leitura silenciosa de gêneros textuais Atividades de produção e reescrita de gêneros Atividades Sobre conhecimentos gramaticais de forma autônoma Atividades sobre conhecimentos gramaticais tendo o gênero como pretexto 1 ocorrência 2 ocorrências - 3 ocorrências 1 ocorrência 1 ocorrência 1 ocorrência - - - - - 1 ocorrência - - 2 ocorrências - - - - - - 1 ocorrência - 1 ocorrência 3 ocorrências - - - 1 ocorrência - - - - - - - 1 ocorrência - - - - - - - 1 ocorrência - - - - - - - - 2 ocorrências - - - - - - - 3 ocorrências - 1 ocorrência 1 ocorrência 180 TABELA 8 – Demonstrativo de ocorrências dos conhecimentos gramaticais trabalhados em atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa. Conclusão Atividades Conhecimentos gramaticais Adjetivo Numeral Verbo Processo de formação de palavras Sintaxe Concordância verbal Concordância nominal Período composto por coordenação Vocativo Acentuação Trema Regras de acentuação Emprego de algumas palavras Uso do eu/mim, a/há, mais/mas, mau/mal TOTAL Atividades de leitura e interpretação escrita Atividades de leitura e interpretação oral Atividades de leitura de fruição Atividades de leitura oral de gêneros textuais Atividades de leitura silenciosa de gêneros textuais Atividades de produção e reescrita de gêneros Atividades sobre conhecimentos gramaticais de forma autônoma Atividades sobre conhecimentos gramaticais tendo o gênero como pretexto - 2 ocorrências - - - - 1 ocorrência - 3 ocorrências 3 ocorrências 3 ocorrências 9 ocorrências 1 ocorrência 2 ocorrências - - - - - - 7 ocorrências 6 ocorrências 1 ocorrência 1 ocorrência - - - - - - 10 ocorrências - - - - - - - 1 ocorrência - - - - - - 2 ocorrências 1 ocorrência - - - - - - - 1 ocorrência - 4 ocorrências 14 ocorrências - - - 5 ocorrências 49 ocorrências 9 ocorrências 181 Estamos compreendendo ocorrência como o número de vezes em que os conteúdos gramaticais foram trabalhados por meio das atividades de leitura e produção de gêneros textuais escritos nas aulas de Língua Portuguesa. Consideremos que mais de um tipo de conhecimento circulava numa mesma aula, havendo, portanto, aulas exclusivas para um determinado conteúdo, como também aulas para dois ou mais conteúdos. Desse modo, não foi possível organizarmos a Tabela 8 com quantitativo de aulas, já que os conhecimentos gramaticais também circularam com base em outras atividades, não sendo exclusivos das atividades que enfocavam conhecimentos gramaticais, conforme apontado por nós no início desta seção. Objetivando fidedignidade, os dados não foram organizados pelo número de aulas, para evitar que alguns conteúdos deixassem de ser contemplados e para que não se perdesse uma visão quantitativa da questão, já que, desde a Tabela 1, estamos trabalhando com essa perspectiva, totalizando o número de ocorrências em que os conhecimentos gramaticais foram trabalhados, levando em consideração o tipo de atividade desenvolvido nas aulas de Língua Portuguesa. Sobre o número de ocorrências dos conhecimentos gramaticais, constatamos que, nas atividades de conhecimentos gramaticais de forma autônoma, houve uma incidência maior de ocorrências, totalizando 49. Interessante notar ainda que esse número incidiu nos itens Morfologia e Sintaxe, diferentemente de outros itens como Semântica e Estilística, que se voltaram para atividades de leitura, interpretação e produção escrita, acenando que a depender do tipo de atividade proposto, diferentes conteúdos foram abordados. Com relação a isso, constatamos, no Capítulo I, na trajetória histórica da gramática tradicional, que a gramática foi convencionalizada como tal por trazer a morfologia e a sintaxe, sendo, a nosso ver, aspectos presentes na gramática tradicional desde a época dos filólogos de Alexandria. Em contrapartida, abordagens como Semântica e Estilística materializaram-se nas gramáticas mais recentemente, tendo em vista as contribuições da Lingüística no século XX. A nossa hipótese é que as atividades de leitura, interpretação e produção escrita, por serem propostas mais atuais, acabam por suscitar também abordagens mais recentes presentes na 182 gramática. Diferentemente ocorreu nas atividades de conhecimentos gramaticais de forma autônoma, que trouxeram aspectos da tradição gramatical. Acreditamos também que conciliar determinados conhecimentos gramaticais para os usos sociais (leitura e escrita) da língua não é uma tarefa tão simples, sendo uma “bandeira de luta” de lingüistas e até mesmo de gramáticos (PERINI, 2005). E que se dirá dos professores no interior da sala de aula... 7.1 LEITURA, PRODUÇÃO ESCRITA E ANÁLISE LINGÜÍSTICA (OS CONHECIMENTOS GRAMATICAIS) NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Não é de hoje que circula a idéia de que o ensino da língua materna no Brasil deva girar em torno das atividades de leitura, produção e análise e reflexão sobre a língua. Com a publicação do livro O texto na sala de aula, de Geraldi (1999) [1984], tem-se uma divulgação efetiva dessa idéia. Conforme já mencionamos, o conceito de gêneros textuais consolidou-se a partir da segunda metade da década de 1990, tendo como eixo as referidas atividades. Nessa perspectiva, têm-se edificado discursos “quase” uníssonos de que as atividades de leitura, produção e análise lingüística transitem em torno de diferentes gêneros textuais. E mais, de que os conhecimentos gramaticais sejam contemplados nas atividades de análise lingüística que, por sua vez, incidem sobre as atividades de leitura e produção. Estamos concebendo a análise lingüística com base no estudo de Geraldi (1997), de acordo com o qual as atividades lingüísticas, epilingüísticas e metalingüísticas são o cerne da análise sobre a língua. Para o autor, as atividades lingüísticas são as praticadas de forma automática, envolvendo leitura, escrita, escuta e fala. Atividades epilinguísticas incidem sobre processos de reflexão acerca dos usos da linguagem. Já as atividades metalingüísticas saem do âmbito da interação para constituir-se numa linguagem técnica (classificação/conceitos) sobre a própria linguagem. A proposta de materialidade dessas dimensões será nas atividades interativas na sala de aula: produção de textos, leitura e interpretação. Nesse sentido, a análise 183 lingüística concretiza-se numa confluência entre as atividades epilingüísticas e metalingüísticas, em que a primeira incida sobre uma reflexão das atividades lingüísticas realizadas pelos alunos, a fim de efetivar uma produção do conhecimento. De outro modo, há possibilidade de os usuários da língua refletirem sobre recursos discursivo-gramaticais ao falar ou escrever, tomando as atividades metalingüísticas para efetivação do conhecimento, objetivando sistematizar em possíveis descrições os aspectos discursivo-gramaticais após a reflexão. Com isso, Geraldi (1997, p. 192) não está banindo “[...] das salas de aulas as gramáticas (tradicionais ou não), mas considerando-as fontes de procura de outras reflexões sobre as questões que nos ocupam nas atividades epilingüísticas”. Isso acena para o que discutimos no Capítulo III. Bakhtin (1992, 2003), ao defender o conceito de gêneros do discurso, chama a atenção para uma concepção de língua que, para além de procedimentos gramaticais, deve voltarse para as variações concretizadas no processo interlocutivo. Desse modo, o autor traz contribuições para refletirmos o ensino de língua materna, uma vez que compreendeu a natureza enunciativa das formas da língua (palavras e orações). Ainda de acordo com o autor, [...] a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas [...] mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 1992, p.123). A nosso ver, para que os usuários da língua reflitam sobre os recursos discursivogramaticais nas atividades de leitura e produção de gêneros textuais escritos, acreditamos que as formas da língua devem estar em estreita relação com as condições concretas em que se realizam. Nesse sentido, a língua como fenômeno social da interação verbal se efetivará em diversos campos da atividade humana, incluindo as práticas de leitura e produção escrita de gêneros textuais. Com esses pressupostos teóricos, analisamos as atividades de leitura e produção de gêneros textuais e a inserção ou não dos conhecimentos gramaticais numa 184 perspectiva de análise lingüística, em consonância com uma matriz discursiva bakhtiniana para as formas da língua presentes nos gêneros textuais. Convém ressaltar que relatamos as atividades de leitura e produção de gêneros textuais de forma separada, uma vez que a leitura e a produção não ocorreram de forma organizada, para se integrarem em torno dos gêneros, conforme discutido no Capítulo VI, especificamente na subseção Os gêneros textuais e as atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa. 7.1.1 A leitura de gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais Vimos no Capítulo V que as aulas de Língua Portuguesa observadas puderam ser categorizadas em diferentes atividades. Nesta subseção, estamos compreendo leitura como algo que se materializou nos seguintes itens: atividades de leitura e interpretação oral, atividades de leitura e interpretação escrita, atividade de leitura de fruição, atividade de leitura oral e atividade de leitura silenciosa. E, para fundamentarmos o conceito leitura, levando em consideração a dinâmica das aulas, partiremos dos pressupostos teóricos de Bakhtin (2003) e Geraldi (1997, 1999). A partir de uma concepção de linguagem como forma de interação, Geraldi (1999) traz sugestões de atividades práticas de leitura, constituindo-se como subsídios para o professor. Em Portos de passagem, o autor amplia a questão, ao assumir que o trabalho de leitura incide em dois sentidos: a compreensão responsiva do leitor integrada às estratégias do dizer do autor. Assim, [...] os elos de ligação são aqueles fornecidos pelos fios das estratégias escolhidas pela experiência de produção do outro (o autor) com que o leitor se encontra na relação interlocutiva de leitura [...] se assim não fosse, não seria interlocução, encontro, mas passagem de palavras em paralelas, sem escuta, sem contrapalavras [...] (GERALDI, 1997, p. 167). Não há uma “fonte” exclusiva de onde emanam os sentidos possibilitados pela leitura, e sim um encontro entre leitor e autor, que ocorre no texto. Desse modo, a 185 leitura constitui-se como produção de sentido e diálogo entre leitor e autor, tendo o texto como lugar da interlocução. Bakhtin (2003), por sua vez, ao tecer críticas aos esquemas saussureano e aos estudos de Vossler e Humboldt, traz uma compreensão da real comunicação entre os interlocutores. Na vida social dos falantes (incluímos as atividades de leitura), não há passividade em nenhuma das duas partes – locutor e receptor – , como assim proclamou o objetivismo abstrato e o subjetivismo idealista. O que ocorre é uma ativa atitude responsiva: o ouvinte, ao compreender (não codificar) o significado ou sentido do discurso do falante, poderá concordar, discordar, completar, etc. O próprio falante está determinado a essa atitude responsiva, uma vez que ele não espera uma atitude passiva diante de seu discurso. Além disso, é um respondente, pois o seu enunciado não é o primeiro enunciado do universo, mas um elo na cadeia organizada de outros enunciados. Ainda levando em consideração que nas atividades de leitura se pode contemplar uma análise lingüística (incluindo os conhecimentos gramaticais), como vêm apontando as pesquisas, têm-se os dados configurados na Tabela 9. 186 TABELA 9 – Demonstrativo das atividades de leitura e os conhecimentos gramaticais estudados. Atividades Conhecimento gramatical Semântica Sinonímia Polissemia Figuras de linguagem Denotação e conotação Estilística Linguagem objetiva e subjetiva Pontuação Aspas Paragrafração Morfologia Adjetivo Atividades de leitura e interpretação oral de gêneros textuais Articulação entre gênero e gramática: material didático Articulação entre gênero e gramática: professora Atividades de leitura e interpretação escrita de gêneros textuais Articulação entre gênero e gramática: material didático Articulação entre gênero e gramática: professora 3 ocorrências 1 ocorrência Aula 39 Aula 21 (folha xerocopiada) - Aulas 13, 39 e 40 Aula 21 1 ocorrência 2 ocorrências Aula 16 - Aula 11 - Aulas 16 e 48 (folha xerocopiada) - 1 ocorrência Aula 39 (livro didático) Aula 39 - - - 2 ocorrências Aulas 6 e 39 (livro didático) Aula 39 - - - 1 ocorrência Aula 39 (livro didático) - Aula 39 1 ocorrência - Aulas 13, 40 e 41 - Aula 10 (livro didático) - - Aula 39 - - - 1 ocorrência 3 ocorrências 2 ocorrências Aulas 5 e 39 (livro didático) - 187 Os dados possibilitaram analisar se foi possível convergir os conhecimentos gramaticais para uma dimensão discursiva dos gêneros textuais, compreendendo conversão como análise lingüística nas atividades de leitura. Conforme apontado por nós no Capítulo V, as 60 aulas de Língua Portuguesa observadas foram subsidiadas por diferentes suportes, o que resultou nas categorias eleitas por nós para configuração da Tabela 9. Podemos verificar que, ao definirmos a integração entre os conhecimentos gramaticais e dimensão enunciativa dos gêneros textuais nas atividades de leitura, tivemos que considerar a articulação feita pela professora e, ao mesmo tempo, a articulação proposta nos suportes das aulas (folha xerocopiada e livro didático), já que não ocorreu em todas as aulas uma articulação simultânea, ou seja, constatamos que, em algumas ocorrências, a proposta do livro didático de refletir sobre as formas gramaticais da língua nos exercícios não era referenciada pela professora. Por outro lado, a professora, com base no próprio conhecimento, ampliava as propostas do manual didático, inserindo nas atividades de leitura de gêneros textuais, questões relacionadas aos conhecimentos gramaticais. Tem-se ainda como dado o fato de que ocorreu uma simultaneidade em relacionar conteúdos gramaticais e atividade de leitura entre suporte das aulas e discussão empreendida pela professora. Desse modo, pudemos constatar que nas atividades de leitura, os conhecimentos gramaticais foram abordados de três formas diferentes. Devemos ressaltar ainda que os alunos, de uma forma ou de outra, tiveram contato com tentativas de refletir sobre os conhecimentos gramaticais distanciados de uma visão tradicionalista, conforme apontado no Capitulo I. Diante disso, elencamos eventos e diários de campo em que as diferentes formas de refletir sobre a língua se configuraram nas aulas, a fim de fazer um contraponto e, ao mesmo tempo, acenar que, para além de uma tradição gramatical, podemos pensar em outras possibilidades para o ensino de Língua Portuguesa. 188 Assim, a 5ª aula (descrição em diário de campo – 24/4/2007), a 11ª 43 aula e a 39ª aula (descrição em diário de campo/evento – 31/7/2007) foram as escolhidas. Podemos verificar na Tabela 9 que a 5ª aula teve a ocorrência do conteúdo gramatical adjetivo, enfatizado somente pelo material didático. Na 13ª aula, a ocorrência foi enfatizada somente pela professora, e a 39ª aula, com seu respectivo evento, teve a ocorrência de cinco conteúdos gramaticais (sinonímia, denotação e conotação, linguagens objetiva e subjetiva, aspas, adjetivo), abordados simultaneamente pelo material didático e pela professora. Na 5ª aula descrita em diário de campo (24/4/2007), contemplaram-se atividades de leitura e interpretação oral de gêneros textuais, tendo como subsídios os exercícios do livro didático presentes na subseção Linguagem e recursos expressivos. Conforme dito no Capítulo V, na análise desse suporte, a referida subseção tem como objetivo traçado pelas autoras do livro incentivar os alunos a observarem os recursos da língua escolhidos pelo autor ao produzir o seu texto. Desse modo, na 5ª aula, a professora discutiu oralmente com os alunos os exercícios do livro didático que seguem abaixo: 1. Compare os dois primeiros textos: a) Em qual dos dois o ambiente onde se passam os acontecimentos é descrito com detalhes, empregando uma linguagem com muitos adjetivos? b) Em qual dos dois o assunto é mais importante que o texto, isto é, o autor se limita a narrar os fatos, sem se preocupar com a linguagem e com as construções? 2. Identifique no texto 01 os detalhes que permitem ao leitor levantar hipóteses sobre a faixa de idade e as características psicológicas da personagem. 3. Leia uma definição de sentido denotativo e de sentido conotativo: Sentido denotativo: sentido comum de uma palavra, aquele encontrado nos dicionários. Sentido conotativo: sentido figurado de uma palavra, diferente do encontrado no dicionário. No trecho a seguir, a palavra prisão está no sentido denotativo ou conotativo? Que significado ela tem nesse contexto? “[...] transformaria o quarto de brancas paredes numa grande prisão de lágrimas e desespero” (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 13). Com relação ao exercício 1, constatamos que ocorreu uma análise lingüística, ao verificarmos que o conteúdo adjetivo foi abordado. Levamos em consideração as 43 A 11ª aula destinou-se a atividades de produção escrita. No entanto, ocorreu “rapidamente” uma atividade de leitura e interpretação oral, relevante para a nossa análise. Por isso, citaremos a referida aula tanto na análise das atividades de leitura, como na de produção escrita. 189 tipologias textuais (narrar e descrever) presentes no gênero textual fragmento de romance, como parte constitutiva desse gênero, mesmo porque comumente a tipologia descrever se presentifica nos gêneros textuais que estão no âmbito do narrar. Com isso, a conceituação e classificação da classe gramatical adjetivo ocorreu concomitante a uma prática que opera sobre a própria linguagem (atividade epilingüística) em que, a nosso ver, o conteúdo gramatical foi investido numa possível significação e visto a partir da “usualidade” da língua (atividade lingüística de leitura). A referida conciliação desponta para um trabalho inteligente de sistematização gramatical,44 pois não ocorreu uma categorização a priori do conhecimento gramatical adjetivo, já que ele foi abordado (atividade metalingüística) com objetivo significativo da própria linguagem. No entanto, a materialidade do exercício 1 na sala de aula não convergiu para a perspectiva apontada acima: Ainda nesta aula, ocorreu oralmente a realização de atividades do livro (p.13) intitulada Linguagem e recursos expressivos. Especificamente no exercício 1 apareceu uma pergunta pertinente: “em qual dos dois textos [gêneros textuais fragmento de romance e depoimento] o ambiente onde se passam os acontecimentos é descrito com detalhes, empregando uma linguagem com muitos adjetivos?” A professora rapidamente relembrou com os alunos a definição do que era adjetivo (associado ao conceito de substantivo) e foi ‘retirando’ os adjetivos que estavam presentes no gênero para os alunos. Estes apenas iam repetindo o que a professora ia falando. Mas não houve uma discussão sobre a relação entre essa forma gramatical fazer parte do gênero textual (Fragmento do Diário de campo – 24/4/2007). De acordo com a nossa descrição, o que se concretizou na atividade de leitura e interpretação oral foi que o gênero textual foi concebido como pretexto para que o conhecimento gramatical fosse abordado, mesmo porque a professora foi retirando os adjetivos sem refletir que a forma gramatical pode “ganhar” um estilo a depender do como ele seja utilizado nos gêneros textuais, algo enfatizado pelo manual didático. Bakhtin (1992), ao refletir acerca do discurso direto, discurso indireto e suas variações, enfatiza que transpor palavra por palavra por procedimentos 44 Termo utilizado por Franchi (2006). 190 gramaticais, sem se voltar para as variações estilísticas correspondentes, resulta em um método escolar de exercícios gramaticais, pedagogicamente mau e inadmissível. Isso porque “fere” a concepção de que a língua vive nas relações interlocutivas entre os falantes, e não num sistema de formas. A compreensão bakhtiniana para a realidade da língua possibilita-nos dialogar com o ensino de língua materna, especificamente com o ensino gramatical, visto apontar que o método escolar desse ensino não pode desconsiderar as variações estilísticas. A base da tese está no fato de o autor indicar que os representantes do subjetivismo idealista compreendem o ato de criação individual da fala como realidade essencial da língua, ou seja, o estilo individual do falante sobrepõe-se às formas gramaticais estáveis da língua comum aos falantes de uma dada comunidade lingüística. Nesse caso, há uma primazia do estilístico sobre o gramatical. Já para os representantes do objetivismo abstrato, as formas lingüísticas desconsideram o tom individual do sujeito, pois o sistema da língua se estabelece independente de todo ato criativo e subjetivo dos indivíduos. Bakhtin (1992), por seu turno, afirma que “[...] a língua não é reflexo das hesitações subjetivo-psicológicas, mas das relações sociais estáveis dos falantes; [...] conforme o contexto [...] vê-se ora dominar uma forma ora outra, ora uma variante, ora outra”. Desse modo, as relações estáveis dos falantes indicam a materialização dos gêneros textuais com formas da língua como parte constitutiva, mostrando-nos que, para além de uma classificação a priori, pode ocorrer uma reflexão dos conhecimentos gramaticais como assim vêm apontando as pesquisas e os estudos. Ainda podemos observar nos exercícios do livro que a questão 3, diferentemente da questão 1, traz inicialmente uma definição pronta para os conceitos de sentido denotativo e sentido conotativo dada anteriormente a uma possível atividade de análise lingüística, o que não ocorreu no exercício 1, já que o adjetivo não foi tratado a partir de uma definição pronta e acabada, e sim por meio do campo semântico ambiente e descrito com detalhes presente no enunciado da questão, 191 suscitando possibilidades de ocorrer uma elaboração por parte dos alunos e, por parte do professor, uma definição posterior a uma análise e reflexão desse conhecimento presente no gênero textual. Constatamos também que o exercício 3 encerra o vocábulo prisão em uma classificação a partir de um trecho retirado do gênero textual escrito fragmento de romance. O contraponto a ser feito é que, no exercício 1, o aluno deve voltar ao gênero como um todo, efetuar uma leitura para então responder à questão. Já no exercício 3, foi retirado um trecho que, a nosso ver, foi concebido como pretexto para o ensino do conhecimento gramatical, não tendo o aluno oportunidade de refazer uma leitura do gênero textual escrito. Mencionamos, no início desta seção, que a articulação dos conhecimentos gramaticais à dimensão enunciativa dos gêneros textuais escritos nas atividades de leitura ocorreu de diferentes formas. Uma dessas formas refere-se à simultaneidade de discussões empreendidas pela professora e ao material didático, ou seja, a professora referendou a proposta do material didático no momento em que trabalhava com os alunos tal proposta. Na 39ª aula observada, a professora corrigiu oralmente, com os alunos, exercícios do livro didático presentificados na subseção Linguagem e recursos expressivos. Os exercícios transcritos abaixo, tomaram como ponto de partida a temática do gênero textual escrito reportagem jornalística. [...] 5. Na sua opinião, como os repórteres conseguiram obter informações sobre as tribos do Distrito Federal? Justifique com base no texto. 6. Os fatos narrados são reais? Podemos verificá-los? 7. Que recurso gráfico os autores usaram para indicar as declarações dos especialistas? Seriam exemplos de discurso direto? Dê exemplos. 8. Na sua opinião, a utilização das falas dos especialistas confere maior autenticidade à reportagem? Por quê? 9. Logo no início do texto, o autor dá vários exemplos de tribos e descreve seus integrantes. Na sua opinião, as descrições são importantes para que o leitor entenda melhor o sentido geral do texto? Por quê? 10. A linguagem do texto é objetiva (neutra) ou subjetiva (emocional, pessoal)? Justifique. 11. Os autores utilizam, em alguns momentos, uma linguagem bastante informal, com gírias e expressões no sentido figurado. a) Localize algumas gírias e procure explicar seus significados. b) Dê um exemplo de expressão no sentido figurado, conotativo. c) Qual a intenção dos autores ao utilizar tal tipo de linguagem? (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 30). 192 Levando em conta que, na subseção Linguagem e recursos expressivos, do suporte livro didático, as autoras intentam tratar os conhecimentos gramaticais articulados à dimensão discursiva e composicional dos gêneros textuais, verificamos que o exercício 7 inicia inquirindo sobre o recurso gráfico que é utilizado nos discursos diretos que estão presentes no gênero textual escrito reportagem jornalística. Há uma peculiaridade nesse gênero, que é a presentificação do discurso direto, sendo necessária a utilização das aspas (conhecimento gramatical) para indicar onde começam e onde terminam as declarações dos especialistas que versam sobre a temática da reportagem. Sem, no entanto, desconsiderar as críticas de Bakhtin (1992) sobre discurso indireto, discurso direto e suas variantes,45 o autor acena que a língua, como sistema, dispõe de um rico arsenal de recursos lingüísticos que servem para exprimir a posição valorativa do falante ou de quem escreve e, sendo recursos, são neutros, servindo desse modo a qualquer avaliação de quem os utiliza. Nessa perspectiva, tem-se abaixo o modo como o exercício 7 se materializou na discussão entre professora e alunos: [...] T27 Nayara: que recurso gráfico os autores usaram para indicar as declarações dos especialistas? seriam...seriam exemplos de discurso direto? dê exemplos... T28 Prof.: que recursos é:: gráficos? voltem lá no texto...prá eles oh:...na segunda parte...vejam bem...que recurso eles usaram prá dá o depoimento da::: do filósofo... da:: da coordenadora do projeto...da médica...que que vocês estão vendo aí... quando eles falam? todo jornal pode escrever sem colocar isso?quando uma pessoa fala...dá o seu depoimento? e a gente transcreve que que a gente usa? ahã...como chama isso? T29 Alguns alunos: aspas... T30 Prof.: aspas...então aqui está cheio não é?...vêm as aspas falando...das pessoas que... deram os seus depoimentos...vamos...vamos agora...qual? [...] (Fragmento do Evento 26/ Diário de campo 39 – 31/7/2007). Podemos verificar que, diferentemente dos exercícios em que os gêneros textuais foram concebidos como pretexto para o ensino de conhecimentos gramaticais e em que a professora não fazia alusão aos gêneros, tem-se o dado, presente na 45 Bakhtin (1992) defende que palavras e expressões de outrem, quando são integradas no discurso indireto do autor (particularmente quando são postas entre aspas), sofrem um estranhamento, visto que atendem às necessidades e atitudes do autor. 193 transcrição, de que ela reconheceu o domínio discursivo (discurso jornalístico) a que pertence o gênero reportagem jornalística, indicando que, no jornal (incluindo, a nosso ver, outros gêneros), quando fazemos uso do discurso direto, devemos utilizar as aspas. A professora ainda tentou abordar questões relacionadas à forma composicional do gênero, ao afirmar que os depoimentos (como característica da composição da reportagem) devem estar entre aspas. Alguns alunos, por sua vez, responderam corretamente quando a professora perguntou qual era o recurso gráfico do gênero textual. Devemos considerar que, anteriormente à discussão dos exercícios da subseção linguagem e recursos expressivos, os alunos, juntamente com a professora, realizaram as atividades da subseção compreensão (Diário de campo 36 – 25/7/2007) na qual havia exercícios que possibilitaram, a nosso ver, dialogar com a temática, bem como com as escolhas discursivas e gramaticais feitas pela autora do gênero textual escrito reportagem jornalística, presente no livro didático. Desse modo, anteriormente aos exercícios que tratam mais detidamente dos conhecimentos gramaticais presentes nos gêneros, as autoras do livro didático, através da elaboração dos exercícios da subseção compreensão, possibilitam aos alunos um diálogo com o gênero textual. No que concerne ao exercício 10, no qual se pergunta sobre as linguagens objetiva e subjetiva presentes no gênero, tem-se o fragmento da discussão que ocorreu na sala de aula: [...] T48 Prof.: a dez...vai...quem é? ((olhou para os alunos)) a dez... ((Rafaela começou a ler)) vai Rafaela... T49 Rafaela: a linguagem do texto é objetiva...neutra...ou subjetiva...emocional...pessoal? justifique... T50 Prof.: que que vocês acham? a linguagem do texto é objetiva neutra...ou subjetiva emocional e pessoal? há o predomínio de quê aí no caso? T51 Priscila: subjetiva ((falou baixinho)) T52 Prof.: ah:::vocês acham?predomínio...a mais aí...de informar...de transmitir né? a:: o conhecimento sobre as tribos... é o quê? ((respondeu imediatamente)) ob-je-ti-va...neutra...por quê? T53 Priscila: mais aqui também pode ser pessoal professora... [ T54 Prof.: também... [ 194 T55 Priscila: (do estilo...então eles estão falando deles...uma visão mais pessoal) T56 Prof.: pessoal também...(está falando do estilo)...nem toda tribo né? vai aparecer ( ) mas aí a predominância...que que você acha?quando eles dão os depoimentos? T57 Priscila: é a outra... T58 Prof.: ah::: é objetiva né? predomínio...eles ex::: expressam opiniões... e a gente vê que quando a::: a linguagem objetiva...quase não ( ) não tem adjetivos... não fala se é bonito... se é feio né? aquela tribo... fala as características...como vestem...como andam...como é::: circulam...mas não falam se é bonita...se é feia né? se é favorável ou não... qual agora onze?vai...quem vai ler onze? [...] (Fragmento do Evento 26/Diário de campo 39 – 31/7/2007). Quando versamos, no Capítulo V sobre as aulas de Língua Portuguesa e explicamos a nossa compreensão sobre as atividades de leitura e interpretação oral, apontamos o fragmento acima como exemplo de uma estratégia discursiva em que a reposta final comumente fica a cargo do docente. Nesse âmbito, tornase interessante abordar questões relacionadas às práticas pedagógicas com as formas do discurso, fazendo um contraponto com a concepção de leitura adotada nesta subseção. Para tanto, Orlandi (2006) defende que, para além de uma neutralidade, o discurso pedagógico, inserido na atual formação social, se configura como um discurso autoritário. Isso porque, em sua “matriz” há contenção de polissemia que impossibilitaria a leitura como produção de sentidos, conforme acreditamos. Sobre a temática, Bakhtin (1993, p. 144) discute que a palavra autoritária é apenas transmitida e, em torno dela, não há jogo, emoções plurivocais. Logo, não circunda “ [...] diálogos vivos, agitados, e em múltiplas ressonâncias, em volta dela morre o contexto, as palavras secam”. Verificamos, no trecho do evento acima, que a aluna Priscila inseriu no diálogo um turno de fala discordando da resposta esperada pela professora. Esta última, por sua vez, imediatamente anunciou a resposta, discordando de Priscila. A aluna, não se dando por satisfeita, defendeu o seu ponto de vista com dois turnos de fala, e a professora, embora concordasse com os argumentos da aluna, contra-argumentou fazendo com que a aluna revisse a sua reposta. Desse modo, concordamos com Bakhtin (1993, p. 145) quando afirma que a palavra autoritária não se representa; é sendo apenas transmitida. 195 Vimos que a concepção de leitura proposta por Geraldi acena que o leitor, por meio do gênero textual, dialoga com as palavras do autor, isto é, a compreensão responsiva do leitor é integrada às estratégias do dizer no gênero produzido pelo autor. Os argumentos da aluna podem ser interpretados a partir dessa perspectiva, uma vez que não aceitou “tão passivamente” a resposta dada pela professora e intentou constituir sua leitura como produção de sentido. Com relação à resposta dada pela professora de que havia predomínio de linguagem objetiva, constatamos que essa resposta estava presente no livro didático do professor. Orlandi (2006) assim se posiciona: O que interessa, então, não é saber utilizar o material didático para algo. Como objeto, ele se dá em si mesmo, e o que interessa é saber o material didático [...] A reflexão é substituída pelo automatismo, porque, na realidade, saber o material didático é saber manipular (ORLANDI, 2006, p. 22). Ainda se tem o dado, a partir das teses de Bakhtin, de que não há como estabelecer de forma estanque um gênero textual como aquele que se configura com uma linguagem neutra, como se fosse possível apagar a subjetividade do produtor do texto. Quando Bakhtin (2003) define os elementos constitutivos dos gêneros discursivos (conteúdo temático, forma composicional e estilo de linguagem), afirma que o estilo individual não se estabelece como objetivo principal dos gêneros (exceto nos artísticos literários), mas como seu produto complementar. Desse modo, a singularidade do sujeito que enuncia seu discurso, seja oral seja escrito, está presente, e devemos levar em consideração que o modo de relação valorativa do falante com o seu discurso dependerá do gênero escolhido para uma determinada situação social. A depender da escolha, a subjetividade de quem fala ou escreve apresentar-se-á de formas diferentes. Além disso, diferentemente do gênero textual notícia, que exige uma linguagem mais técnica e impessoal, no gênero textual reportagem jornalística, a linguagem pode ser mais subjetiva, uma vez que traz como perspectiva interpretações sobre determinados fatos, as quais possibilitam ao leitor formar uma opinião sobre o assunto. 196 Embora não concordemos com o posicionamento da reposta do Manual didático, a partir da perspectiva teórica de Bakhtin, consideramos que, as autoras do livro didático, ao defenderem a linguagem objetiva, trazem como argumento que nesse tipo de linguagem quase não há adjetivos, o que nos aponta mais uma vez uma tentativa de relacionar o conhecimento gramatical na perspectiva discursiva dos gêneros textuais, já que o conteúdo abordado está relacionado com o gênero como um todo e, sobretudo, com o conteúdo gramatical linguagem objetiva e subjetiva (estilística), e os alunos, para responderem ao exercício, possivelmente efetuaram uma outra leitura. Finalmente, o trecho abaixo aborda o conhecimento gramatical sinonímia e sentidos conotativo e denotativo correspondente ao exercício 11 do livro, citado acima: [...] T59 Nayara: eu... os autores utilizam...em alguns momentos...uma linguagem bastante informal...com gírias e expressões de sentido figurado... T60 Prof.: vamos ver primeiro agora...letra a... T61 Nayara: localize algumas gírias e procure explicar seus significados... T62 Prof.: quem achou aí? no texto...uma gíria... T63 Rafaela: zen... T65 Prof.: ze:::n... quer dizer o que aí no texto? T66 Rafaela: tranqüilo... T67 Prof.: tranqüilo legal bacana...mais do que tranqüilo...é legal e bacana...ze::n aí...por conta das tribos...outra gíria? T68 Nayara: cosmo... T70 Prof.: ahã? T71 Wildney: tira essa palavra gíria daí... T72 Prof.: curtição né? quer dizer o quê curtição aí? T73 Wildney: ((falou baixo)) irado... [ T74 Prof.: depois eu vou falar a sua ((referiu-se a palavra dita por Nayara))... curtição... diverti:::mento...você falou onda né? Jéssica ((Jéssica Nayara))... onda você falou? T75 Nayara: cosmo... T76 Prof. ahã? T77 Um aluno: co:::smo... T78 Prof.: ah::: sim...você acha o que é gíria cosmo? T79 Nayara: eu acho....((falou rindo ao mesmo tempo, não compreendemos)) T80 Prof.: outra aí...onda né? onda é o quê? prazer... [ T81 Rubem : (onda da praia)... T82 Prof.: ahã? T83 Rubem: ((falou de novo a relação entre onda e praia)) T84 Prof.: isso... 197 T85 Um aluno: tirar onda... T86 Prof.: tirar onda né? T87 Rubem: pegar onda... T88 Prof.: qual mais?((silêncio)) quando fala se liga galera né?...até o nome de:: do projeto/ é igual o:: o quê? T89 Priscila: prestar atenção... T90 Prof.: isso...prestar atenção... ficar atento...muito bom...letra b agora... T91 Nayara: dê um exemplo de expressão no sentido figurado...conotativo... T92 Prof.: oh::: sentido figurado...não é::: o sentido próprio da palavra da expressão... quais que vocês viram aí? ((silêncio)) figurado... ((silêncio)) encontraram?...quando fala da tribo...explo::de...encontraram? T93 Um aluno: explode uma tribo... T94 Prof.: isso...explode uma tribo de jovens...quer dizer o quê esse explodir? T95 Wildney: aparece... T96 Prof.: aparece…surge…não é? e a c agora? T97 Nayara: qual é a intenção dos autores ao usar... ((olhou muito sério para uma colega)) tal tipo de linguagem? T98 Prof.: que que vocês acham? por que que o autor quis usar esse tipo de linguagem? ((Rafaela começou a dar uma resposta, Wildney interrompeu e disse, mas não compreendemos)) T99 Prof.: isso...mais o quê? a Rafaela vai complementar... ((Rafaela disse que Wildney falou o que iria falar)) ( ) uma linguagem mais próxima dos jovens...qual é a linguagem mais próxima dos jovens? ((os alunos começaram a verbalizar várias gírias ao mesmo tempo e a professora riu)) T100 Prof.: aí dá mais sabor...porque olha...vejam bem... quando eu/ a gente está aqui...de repente um professor fala uma gíria..parece que fica mais próximo né? aí:: ((riu)) a galera se liga mesmo... ((brincaram entre si: alunos e professora)) lá:: agora na página... trinta e um...nós temos o número doze [...] (Fragmento do Evento 26/ Diário de campo 31-7-2007). Verificamos que o conhecimento gramatical sinonímia foi discutido em sala de aula mediante a abordagem de variação lingüística. Nesse âmbito, há algumas críticas relacionadas à forma como esta contribuição da Sociolingüística é “tratada” nos compêndios gramaticais, o que pôde ser notado no livro didático. Conforme Brito (1997), nas décadas de 1960 e 1970 circulava a idéia de que todas as variedades têm o mesmo estatuto, não havendo, portanto, variedades melhores ou piores. No entanto, segundo o autor, há gramáticos que, em suas obras, tratam a variedade quase como apêndice, resguardando assim a superioridade da norma padrão. Isso acena para um novo tema de pesquisa, uma 198 vez que questões sobre variação lingüística ocorreram em algumas aulas,46 e seria interessante um trabalho que apontasse se ou como as contribuições da Sociolingüística se configuram nas aulas de língua materna, tendo em vista que essas idéias circulam há quase meio século aqui no Brasil. Conforme visto, a letra a do exercício 11 pede que se localizem as gírias e se apresentem com os seus respectivos significados. A professora, nesse contexto, perguntou aos alunos quem havia encontrado gírias no texto em estudo, acenando novamente para uma tentativa de conciliar o conhecimento gramatical à dimensão discursiva do gênero, já que, para responderem, os alunos teriam que realizar uma outra leitura, numa tentativa de identificar tais palavras e refletir sobre elas. Nota-se ainda que os alunos e a professora, no momento em que estavam discutindo os significados, traziam as reais possibilidades de sentido que podem ocorrer com as palavras, e os alunos, especialmente, faziam isso devido à carga ideológica que as gírias têm para os adolescentes. O próprio gênero textual escrito reportagem jornalística trouxe como tema principal os diferentes grupos da atualidade, em que comumente se encontram reunidos os adolescentes, tema escolhido pelas autoras do livro didático para estar em consonância com o público a que se destinou: alunos de oitava série. Por isso, constatamos que, para além dos significados/sentidos emersos no gênero textual, aludiu-se a outros sentidos, como pudemos observar acima em relação à palavra onda. A palavra onda, entre as outras, configurou-se como gíria, dentro de um círculo social, deixando de ser uma palavra dicionarizada e isolada para constituir-se na cadeia discursiva dos falantes. Bakhtin (2003) considera que qualquer palavra, para o falante, se concretiza em três aspectos: como palavra da língua neutra, não pertencendo a ninguém; como palavra alheia, dos outros; e como minha palavra, visto que opero com ela em uma situação determinada, imprimindo a ela a minha singularidade. De acordo com o autor, nos dois últimos aspectos, a palavra assume-se na realidade concreta e nas condições reais de uma situação real. Bakhtin (2003) ainda acrescenta que a língua materna não chega ao nosso conhecimento a partir do dicionário. 46 Na organização dos nossos dados, constatamos que a temática variação lingüística foi mencionada em quatro aulas. 199 Nesse contexto, os dados apontaram que as gírias foram discutidas pela professora com os alunos de forma distanciada do que comumente ocorre no espaço escolar: substituição de uma palavra por outra, utilizando-se o dicionário. Desse modo, podemos inferir que houve “uma tentativa” de análise lingüística contemplando o conhecimento gramatical sinonímia conciliado à discursividade do gênero textual reportagem jornalística, configurando, nesse bojo, a produção de sentido que as palavras podem assumir quando entram em contato com a realidade concreta. Ainda no exercício 11, os itens b e c abordam o conteúdo gramatical sentido conotativo e sentido denotativo. Embora não esteja explícita na questão a referência ao sentido denotativo, a professora aludiu a ele ao afirmar que o sentido figurado não é o sentido próprio da expressão. Constatamos que, corroborando a proposta da letra a do exercício 11, as letras b e c têm a perspectiva de uma análise lingüística, mesmo porque a letra c aponta que os autores do gênero textual reportagem jornalística, ao tratar da temática dos grupos de jovens, fizeram escolhas de palavras e expressões que mais se aproximassem de uma linguagem dos grupos aludidos e dos possíveis leitores do gênero. A professora, ao discutir com os alunos a proposta na letra c, trouxe um turno de fala (Por que o autor quis usar esse tipo de linguagem?) que corrobora a intenção das autoras do livro didático em fazer com que os alunos percebam os recursos escolhidos por um autor ao produzir o seu texto. Dessa forma, o item gramatical sentido conotativo e sentido denotativo, tratado a partir das condições de produção (quem produz e para quem produz) do gênero textual e, sobretudo, atrelado a uma leitura como produção de sentido (inclui as estratégias do dizer do autor) foi, a nosso ver, contemplado nas atividades de leitura do gênero textual escrito reportagem jornalística. Conforme visto nas atividades de leitura, os conhecimentos gramaticais foram abordados nos exercícios do livro didático presentes na subseção linguagem e recursos lingüísticos, e a professora, no interior da sala de aula, referendava os 200 exercícios, o que resultou em uma simultaneidade entre o que era proposto no livro didático e o que era discutido com os alunos. Vimos também que não foi em todas as aulas que ocorreu essa coincidência, visto que a professora deixou de referendar os exercícios do livro, exemplificado por nós na descrição do diário de campo 5, nesta seção. Assim, analisamos duas situações diferentes em que os conhecimentos gramaticais foram abordados nas atividades de leitura. Mas ainda se tem uma terceira situação, mencionada por nós no início da seção: a professora tentava articular o conhecimento gramatical à dimensão discursiva dos gêneros textuais “por contra própria”, embora, para isso, fizesse uso dos gêneros presentes no livro didático. Na 11ª aula descrita em diário de campo (8/5/2007), a professora pediu aos alunos que lessem silenciosamente o gênero textual escrito poema O caçador de mim. Após a leitura silenciosa, alunos e professora leram juntos em voz alta, como em um coro de vozes, para, em seguida, discutirem oralmente o gênero textual: [...] T3 Prof.: é linda né? essa música ... mas aí a gente fez um comentário ... que comentários nós fizemos na primeira estrofe? ele tá falando de quê?... falando do::: amor... [ T4 Rubem : amor... T5 Prof.: falando do amor, da emoção e a vida fez como a ele? fez uma oposição né? é uma figura até... uma antítese ... doce ou ... atroz... [ T6 Alunos : atroz... T7 Prof.: manso ou ... feroz... [ T8 Alunos : feroz... [...] (Fragmento do Evento 01/ Diário de campo 11 – 8/5/2007). Nesse trecho, o conhecimento gramatical figura de linguagem foi mencionado pela professora no momento em que versava oralmente com os alunos acerca do conteúdo temático e de um possível eu lírico presentes no poema. Para defender que a oposição está no eu do autor, a figura eleita foi a antítese, juntamente com dois exemplos: doce ou atroz, manso ou feroz. Devemos destacar também que a professora, além de trazer como possibilidade para os alunos uma visão 201 discursiva do conhecimento gramatical, apresentou uma forma da língua que comumente se faz presente nos gêneros textuais poema. Nesse contexto, têm-se as considerações teóricas de Bakhtin (1993) sobre O problema do conteúdo, da forma, do material. Conforme o autor, as tendências formalistas de sua época compreenderam a forma artística como forma de um determinado material lingüístico. No entanto, para Bakhtin (1993), a palavra, no trabalho artístico, não deve ser concebida apenas em sua determinação lingüística, pois o artista, ao utilizar orações e palavras do sistema da língua, leva em conta o conteúdo presentificado na obra literária. Assim, as formas da língua estão em estreita relação com o tom criativo e valorativo presente no trabalho artístico. Acreditamos que as teorizações acima sobre os textos literários postas por Bakhtin (1993) estão em consonância com a perspectiva de que a língua não se transmite de forma mecânica, uma vez que os indivíduos não a recebem pronta para ser usada, pois estão mergulhados na corrente da comunicação verbal. Dessa forma, o autor russo afirma que a [...] transposição palavra por palavra, por procedimentos puramente gramaticais, de um esquema para outro, sem fazer as modificações estilísticas correspondentes, é nada mais que um método escolar de exercícios gramaticais, pedagogicamente mau e inadmissível (BAKHTIN, 1992, p. 158). Desse modo, com as análises expostas sobre o trabalho com a leitura nas aulas observadas, constatamos que os conhecimentos gramaticais foram abordados de forma que os alunos puderam refletir sobre tais conhecimentos. A nosso ver, esse tipo de ensino com os conhecimentos gramaticais nas atividades de leitura propostas em torno dos gêneros textuais escritos possibilitou um ensino gramatical distanciado de nomenclaturas e terminologias descontextualizadas. 202 7.1.2 A produção de gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais Mencionamos, no Capítulo V, quando discutimos sobre o suporte gêneros textuais escritos produzidos pelos alunos, que a produção de gênero (oral ou escrito) é ponto de partida e de chegada de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua materna (GERALDI, 1997), pois, no texto, a língua revela-se quer como conjunto de formas, quer como discurso que remete a uma relação intersubjetiva, o que implica, a nosso ver, um diálogo entre o produtor do texto e seu suposto leitor. Nessa perspectiva, o autor indica que o trabalho com a produção de texto deve levar em consideração alguns aspectos. Logo, para produzir um texto na modalidade oral ou escrita é preciso que a) b) c) d) se tenha o que dizer; se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz [...] e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d) (GERALDI, 1997, p. 137). Podemos observar que, no item e acima, se pode aportar a análise lingüística materializada nas atividades epilingüística e metalingüística, levando em conta os itens a, b, c e d. Conforme mencionamos, a atividade epilingüística incide sobre a linguagem, tendo como objetivo o uso de recursos da língua em função da atividade de leitura ou produção. Já a atividade metalingüística objetiva uma reflexão analítica sobre os recursos da língua, levando a uma categorização de tais recursos. A relevância da análise lingüística reside no fato de que as atividades epilingüísticas antecedam as atividades metalingüísticas, ou seja, de que a sistematização gramatical aconteça após uma reflexão e análise das formas da língua presentes nos processos de interação, incluindo a produção de gêneros textuais. A Tabela 10 retrata essa perspectiva: 203 TABELA 10 – Demonstrativo das atividades de produção e reescrita e os conhecimentos gramaticais. Atividades Conhecimento gramatical Pontuação Paragrafação Alfabeto Letras maiúsculas e minúsculas Ortografia (de um modo geral) Morfologia Adjetivo Gênero do substantivo Atividades de produção e reescrita Articulação entre gênero e gramática: material didático Articulação entre gênero e gramática: professora 1 ocorrência - Aula 11 1 ocorrência - Aula 11 1 ocorrência - Aula 11 1 ocorrência 1 ocorrência - Aula 11 Aula 11 Conforme visto no Capítulo V, as atividades de produção escrita ocorreram em três momentos diferentes. No entanto, a 11ª aula (Diário de campo, 8/5/2007) foi o momento em que, a nosso ver, houve “indícios” de uma análise lingüística. A Tabela 10 confirma que os conhecimentos gramaticais abordados nas produções de gêneros textuais se concretizaram na referida aula. Desse modo, a professora iniciou a aula apontando a atividade de produção de gênero textual que estava indicada no livro didático. Segundo as indicações do livro, os alunos deveriam produzir o gênero textual escrito relato pessoal, o qual já tinha sido abordado na seção Outra leitura, embora com outro nome: relato de experiência. A proposta do livro era que os alunos lessem inicialmente o gênero textual poema (analisado por nós nas atividades de leitura) Caçador de mim, para então apresentar o que deveriam produzir: Olhe para você mesmo. Quem é você? Nossa proposta nesta seção é que você se torne, por alguns momentos, um “caçador de si mesmo” e se pergunte: Quem sou eu? Quais são meus sonhos? O que penso da vida? Que lembranças boas trago comigo? Que tristezas? 204 A atriz Patrícia Perrone contou sua paixão pelo teatro e sobre a importância dessa arte em sua vida. Faça como ela: escreva em uma folha à parte um relato sobre você, destacando alguma experiência interessante, revelando um talento, um dom, um ponto forte. Aproveite para refletir sobre a vida e sobre questões que o preocupam. Imite o título de Patrícia, “Pati por ela mesma”, apenas trocando o nome dela pelo seu. Se quiser, ilustre seu texto. Mostre-o para uma pessoa que seja especial para você (VIEIRA; FIGUEIREDO, 2004, p. 18). Levando em conta as sugestões de Geraldi (1997) para a produção do gênero, verificamos que o item a – se ter o que dizer – se faz presente nas indicações do livro didático, o que engloba o conteúdo temático. Podemos observar que atreladas ao tema da produção, há estratégias (as perguntas) que se configuram como planejamento para o desenvolvimento da escrita. O item b – se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer – não se encontra postulado na proposta acima, mesmo porque razões para escrever é algo que está relacionado a uma motivação interna de quem escreve, associado a um possível destinatário da produção, não estando perceptível na sugestão do livro, o que resulta numa incompletude do item d – o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz. Geraldi (1997) propõe que o trabalho com os textos incida numa relação intersubjetiva, o que implica um eu tendo o outro como medida. Nesse contexto, o outro ou o destinatário, de acordo com a proposta do livro, é o professor, interlocutor por excelência das produções escritas dos alunos, já que a proposta não traz um perfil delineado de leitor, cuja existência poderia trazer possibilidades de os alunos escreverem reflexivamente a partir da caracterização de um suposto receptor, efetivando ou pelo menos ficcionalizando um processo dialógico. Bakhtin assim se posiciona quanto ao falar ou mesmo escrever: [...] sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário [...] levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele (BAKHTIN, 2003, p. 302). No item e – se escolham as estratégias para realizar a, b, c e d –, presentificamse “indícios” que, estão relacionados com a forma composicional do gênero 205 textual, especificamente quando a questão propõe que o aluno produza um texto imitando o título do texto de Patrícia (texto presente na seção Outra leitura – anterior à seção Produção de texto), trocando apenas os nomes. Mas a sugestão de Geraldi (1997) é de que, nesse item, também se trabalhe a análise lingüística, incluindo os conhecimentos gramaticais numa dimensão que ultrapasse a pura descrição metalingüística. No entanto, constatamos que a proposta do livro para a produção do gênero textual relato pessoal não traz indicação das condições de produção: objetivos, destinatários, suporte para uma futura circulação dos gêneros e sugestões de reelaboração e revisão, durante as quais supostamente poderia ocorrer uma atividade epilingüística.47 Na sala de aula, a proposta do livro didático constituiu-se em atividade de produção de gêneros textuais. Na 11ª aula observada, a professora leu as indicações do livro didático para os alunos. Em seguida, pediu que eles fizessem um relato pessoal do mesmo modo como foi feito no texto Pati por ela mesma. Nesse contexto, uma aluna perguntou quantas linhas deveria ter o texto. A professora respondeu que um texto com menos de vinte linhas não era o ideal. Um outro aluno perguntou se era para deixar o texto no caderno. A professora respondeu que sim. Sobre os conhecimentos gramaticais, percebemos que eles foram abordados pela professora, conforme o evento abaixo: [...] T12 Prof.: [...] então agora né? como nós vimos no texto da Pati... que é o relato pessoal...nós vamos também fazer agora o relato pessoal ...que vai falar também de cada um de nós ... então eu vou ler novamente para vocês acompanharem aí... ((a professora leu em voz alta para os alunos as indicações do livro didático, pág. 18)) T13 Prof.:então a gente vai escrever e a gente vai imitar, né? ...falando de nossas experiências...revelando um talento nosso ... um dom ... um ponto forte ... ((nesse momento ia lendo trechos da indicação do livro didático)) o que a gente gosta sobre questões que... preocupam a nossa vida... então a gente vai imitar o título do texto de Patrícia...como ela fala lá no texto dela? ... heim? como é? Pati ... por ela mesma... 47 Ao observarmos outras propostas do livro didático, constatamos que foram abordadas as seguintes questões: destinatário;planejamento e reelaboração; objetivos; suporte, etc. No entanto, ‘foge’ do nosso relatório analisar o livro didático, cabendo apenas a análise das propostas que foram trabalhadas pela professora na sala de aula. 206 [ T14 Alunos : por ela mesma... ((a professora escreveu no quadro “o nome por ela mesma”)) T15 Prof.: agora ... Pati é o quê? é uma ... T16 Alunos : menina... [ T16 Prof.: uma menina... que gênero?.... T17 Alunos: feminino... [ T18 Prof.: feminino ... então eu posso colocar aqui ... Wagner por ela mesma? ((a professora riu)) T19 Alunos do sexo masculino: PODEM! T20 Prof.: ah... posso Wagner? cê aceita? T21 Wagner: tá doido! T22 Prof.:então quando for masculino...como a gente vai concordar? por ele mesmo... [ T23 Alunos: por ele mesmo! T24 Prof.: então a gente vai fazer esse relato pessoal da nossa vida né?... como a Pati fez... a gente vai usar o nome... então a gente pode colocar o nosso apelido? pode... ela inclusive colocou o apelido Pati de Patrícia né... a menina tem que colocar por ela mesma e o menino por ele mesmo... ((passaram alguns minutos discutindo sobre a colocação dos nomes nos títulos)) T25 Prof.: agora a gente vai fazer um texto legal... olha ... nós temos que observar as margens com parágrafos... como a gente já falou com as frases... pequenas... bem construídas né? olha o ponto quando mudar de:::: letra maiúscula / o parágrafo pequeno também... colocando todas as questões da vida de cada um ... tá legal?... entenderam? releiam novamente isso aí que eu expliquei ... releiam essas questõezinhas aí oh... oh essas perguntas... quem sou eu? quais são os meus sonhos? o que penso da vida? que lembranças boas trago comigo? que tristezas?... agora a gente tem que ... agora escrever... fazer silêncio... T26 Jéssica: é em folha separada? T27 Prof.: não...precisa não...pode fazer aí no caderno... eu vou olhar... quem quiser vai ler... depois eu vou olhar o de cada um e vou dar o visto também né? ... bem bacana!!! T28 Ingrid: quantas linhas professora? T29 Prof.: gente... um texto com menos de vinte linhas ... né? ...fica muito pequeno... vamos combinar... (Evento 01/Diário de campo 1108/05/2007). Constatamos que a proposta do livro didático se materializou na aula transcrita acima. Mesmo porque há uma ênfase dada pela professora ao caráter imitativo integrado ao conteúdo temático postulado no livro para a elaboração do relato pessoal. Dessa forma, as orientações na sala de aula dadas pela professora para a produção do gênero textual escrito também não levou em conta as condições de produção, observando-se que, no que se refere ao leitor das produções, nem mesmo o professor se constituiu como um interlocutor, já que, ao final das 207 orientações, quando uma aluna perguntou se a produção era em folha separada, a professora respondeu negativamente. A resposta dada pela professora, reforçou o que observamos posteriormente: apenas um gênero textual escrito produzido foi submetido a um processo de reelaboração, revisão e análise. Os outros gêneros produzidos pelos alunos foram lidos na atividade de leitura oral, em que uma aula foi contemplada para esse fim. No entanto, diferentemente da proposta do livro didático, a professora destacou aspectos relacionados ao processo de reescrita, ao pedir aos alunos, no momento da produção, que observassem margens dos parágrafos, letra maiúscula e frases curtas, embora corrigisse apenas a produção de um aluno que, no final da aula, foi até a mesa da professora e pediu que ela olhasse o texto. Como não deu para ouvirmos, a pesquisadora perguntou qual tinha sido a orientação e a professora respondeu: “Pedi a ele que olhasse os parágrafos, uso do travessão, acentuação e ortografia”. Desse modo, conhecimentos gramaticais foram abordados na produção de gêneros textuais de modo a levar os alunos a refletirem sobre questões relacionadas com a reescrita, mesmo que tivessem que fazer “esse exercício” solitariamente, acenando que, se a criança se apropria da linguagem falada desde a tenra idade, sem nenhum cuidado especial, o mesmo não acontece em relação à linguagem escrita, que requer um trabalho mediativo por parte do professor. Como Pécora (1999, p. 25) assinala: Quer dizer, para começar a traçar as diferenças: entre a criança e a escrita existe a escola. Entre a capacidade de linguagem mais geral e o desempenho efetivo de um sujeito na escrita existe um processo escolar de aprendizado dessa modalidade. Sem desconsiderar as pesquisas acerca do ensino da linguagem oral, as palavras de Pécora referem-se às intervenções do professor nas produções escritas dos alunos, as quais podem acontecer na sala de aula. E, quando afirma que existe o processo escolar de aprendizado da escrita, distancia a concepção 208 “espontaneísta” da apropriação desse tipo de linguagem pelos alunos, concepção para qual aprender a escrever é algo inato ao ser humano. Nesse contexto, tem-se a definição dada por Vigotski (2001) de zona de desenvolvimento proximal como a zona em que a criança, com a intervenção de outra pessoa, resolve problemas sem autonomia, o que resultará “no futuro” em autonomia para resolver os mesmos problemas, já que teve hoje a colaboração e mediação do outro. Implica entender que a criança ou adolescente, orientados e ajudados por outra pessoa, sempre podem fazer mais do que fazem sozinhos. Por isso o autor defende o ensino escolar como fator fundamental da transformação intelectual qualitativa dos alunos. Ademais, defende a tese de que a linguagem escrita é uma forma mais complexa, visto que requer o desenvolvimento de funções intelectuais relacionadas à atitude voluntária e consciente dos usos da língua. Para Vigotski (2001), a criança, quando chega ao espaço escolar, domina por meio da fala praticamente toda a língua materna, sendo esse domínio inconsciente, e a utilização das formas da língua acontece espontaneamente, sem nenhuma reflexão. Desse modo, tanto a escrita como os conhecimentos gramaticais, sob a ótica de Vigotski, proporcionam à criança e ao adolescente uma projeção para o nível superior do desenvolvimento da linguagem, devido ao deslocamento do que é espontâneo e não-consciente para o âmbito do consciente e voluntário. Destacamos que Geraldi (1997), ao versar sobre a atividade epilingüística, considera que refletir sobre os recursos da língua e analisá-los nas atividades de leitura e produção requer a mediação do professor. No entanto, constatamos que, na atividade de produção de gênero textual analisada por nós, ocorreu uma “tentativa” de análise lingüística, já que a professora apenas mencionou os conhecimentos gramaticais, não estabelecendo um espaço maior para a reescrita e revisão dos gêneros produzidos por todos os alunos. Devemos considerar que a professora abordou outros conhecimentos gramaticais, como gênero do substantivo, levando em conta a dimensão 209 discursiva do gênero textual relato pessoal. Vimos que o título do relato estudado pelos alunos, anteriormente à produção, intitulava-se Pati por ela mesma. Esse título sugere um gênero que traz dados sobre a vida pessoal de uma pessoa. Os alunos, por sua vez, deveriam produzir um relato imitando o texto de Patrícia. Desse modo, a discussão sobre feminino e masculino dos substantivos, relacionada à concordância nominal, voltou-se para a composição e temática dos gêneros, logo para a usualidade das formas gramaticais da língua presentes nos gêneros textuais. A forma gramatical por ele mesmo ou por ela mesma, no modo como foi abordado pela professora, desponta no que denominamos, a partir das teses de Bakhtin, de estilo de linguagem, resultado da concretização de uma determinada forma gramatical pelo falante para atendê-lo na dimensão social e discursiva. Isso porque o autor russo propõe uma convergência entre a estilística e as formas gramaticais da língua, uma vez que nenhuma mudança (fonética, léxica, gramatical) pode fazer parte do sistema sem ter sido experimentada nos usos sociais da linguagem. Nesse sentido, a atividade metalingüística aconteceu simultaneamente a uma reflexão sobre como a forma gramatical poderia estar em consonância com o título de cada gênero produzido (das meninas e dos meninos), sendo esse o objetivo da discussão em sala de aula. Podemos inferir que a abordagem da nomenclatura dos conhecimentos gramaticais (gênero, masculino, feminino) não se constituiu como um fim em si mesmo, e sim como um meio para as condições de uso, intenções dos interlocutores e escolhas estilísticas para a elaboração dos títulos dos gêneros textuais, resultando em um “indício” de ultrapassagem de uma concepção de língua como abstração sistêmica cuja finalidade é a pura descrição dos conhecimentos gramaticais. Nesse caso, [...] o que importa não é o aspecto da forma lingüística que, em qualquer caso em que esta é utilizada, permanece sempre idêntico. Não; para o locutor o que importa é aquilo que permite que a forma lingüística figure num dado contexto, aquilo que a torna um signo sempre adequado às condições de uma situação concreta dada (BAKHTIN, 1992, p. 92-93). 210 Desse modo, consideramos que aconteceram “tentativas” de abordagens de conhecimentos gramaticais nas atividades de produção de gêneros textuais, acenando que o ensino gramatical pode ir além do caráter descritivo e prescritivo, “desconstruindo” a idéia de que aprender nomenclaturas e regras descontextualizadas garante que alguém fale ou escreva melhor. 7.2. OS CONHECIMENTOS GRAMATICAIS DE FORMA AUTÔNOMA Conforme já mencionamos, os conhecimentos gramaticais presentificaram-se de três formas diferentes: tendo os gêneros textuais como pretexto; a partir de atividades de leitura e produção de gêneros; e de forma autônoma, por meio de orações descontextualizadas. Nesta subseção, versamos sobre esta última forma, uma vez que o número de ocorrências foi, a nosso ver, significativo. Inclusive alguns conhecimentos gramaticais, como Período composto por coordenação, foram abordados especificamente através de definições “prontas” e frases “soltas” sem a presença dos gêneros textuais. A Tabela 11 materializa os conhecimentos e a ocorrência com seus respectivos suportes. TABELA 11 – Demonstrativo da ocorrência dos conhecimentos gramaticais de forma autônoma e seus respectivos suportes. Continua ATIVIDADES Atividades sobre conhecimento Suporte CONHECIMENTO gramatical de forma GRAMATICAL autônoma Ortografia Uso de “J”, “G”, “S”, “Z”, 2 ocorrências Folha xerocopiada “E”, e “I”. Morfologia Substantivo 3 ocorrências Folha xerocopiada Adjetivo 3 ocorrências Folha xerocopiada Numeral 3 ocorrências Folha xerocopiada Verbo 3 ocorrências Folha xerocopiada Processo de formação de 9 ocorrências Folha xerocopiada, palavras quadro de pincel Sintaxe Concordância verbal 7 ocorrências Folha xerocopiada, livro didático Concordância nominal 6 ocorrências Folha xerocopiada, livro didático 211 TABELA 11 – Demonstrativo da ocorrência dos conhecimentos gramaticais de forma autônoma e seus respectivos suportes. Conclusão ATIVIDADES CONHECIMENTO GRAMATICAL Período composto por coordenação Acentuação Regras de acentuação Emprego de algumas palavras Uso do “eu/mim”, “a/há”, “mais/mas”, “mau/mal”. Atividades sobre conhecimento gramatical de forma autônoma 10 ocorrências Suporte Folha xerocopiada, livro didático, quadro de pincel 2 ocorrências Folha xerocopiada 1 ocorrência Folha xerocopiada Mencionamos, no Capítulo V, que 18 aulas foram subsidiadas pelo suporte folha xerocopiada, correspondendo a 30% das 60 aulas observadas. Ainda vimos que o objetivo principal desse suporte foi subsidiar definições e exercícios gramaticais independentes das atividades de leitura e produção de gêneros textuais, vindo ao encontro da freqüência com que os conhecimentos gramaticais se presentificaram no mencionado suporte, segundo a Tabela acima. Além disso, vimos que alguns conhecimentos gramaticais (processo de formação de palavras, concordâncias verbal e nominal, período composto por coordenação) foram submetidos a uma exposição sistemática, perpassando definições de conceitos, lista de classificação com nomenclaturas e exercícios, referendando as explicações dadas pela professora. Outros conhecimentos (uso do ‘j’e ‘g’, ‘s’ e ‘z’, ‘e’ e ‘i’; substantivo; adjetivo; numeral; verbo; regras de acentuação; uso do eu/mim/, a/há, mais/mas, mal/mau) não foram apresentados sistematicamente por meio de aula expositiva, pois a professora apenas levava os exercícios para que os alunos fizessem, enfatizando que eram atividades de revisão. Nesse contexto, conhecimentos gramaticais de forma autônoma foram definidos por nós como os conteúdos da gramática trabalhados de forma dissociada das 212 atividades de leitura e produção de gêneros textuais. De outro modo, foram os exercícios que valorizavam as regras de exceção da gramática normativa articuladas à identificação de nomenclaturas em frases descontextualizadas. Sobre o ensino metalingüístico apontado acima, há uma dissociação de reflexão (atividade epilingüística) das formas da língua em uso nas atividades de leitura e produção de gêneros textuais. Como prática escolar, esse tipo de ensino reduz-se a técnicas “insatisfatórias” de classificação de segmentos de orações, objetivando apresentar aos alunos exemplos de descrições configuradas nas gramáticas normativas. Desse modo, estamos tomando como conhecimentos gramaticais de forma autônoma um ensino que se concretiza [...] como mera transmissão e registro de paradigmas, dos quais se pode, sem medo de errar, dizer que são a recorrência de esquemas mudos, de esqueletos inexplicados, que a seguir se vestem de alguns exemplos que se adaptem – seja como for – ao talhe do defunto, oferecendo-se, então, o produto (NEVES, 2004, p. 85). Para análise, partiremos da concepção de ensino gramatical defendida por Vigotski (2001) de que as crianças (estendemos para os adolescentes), antes de iniciarem a aprendizagem da gramática na escola, já possuem um conhecimento gramatical, embora inconsciente, desse saber, visto que se apropriam da língua materna no convívio social com o outro e imersos em situações sociais. Nesse caso, o ensino gramatical deve proporcionar aos alunos experiências de uso de estruturas gramaticais e sintáticas, com objetivo de levá-los a refletir sobre a “usualidade” implícita e involuntária, transformado-a em algo consciente e voluntário. Bakhtin (2003), por sua vez, problematiza: Pode-se considerar o elemento expressivo do discurso um fenômeno da língua como sistema? Pode-se falar de aspecto expressivo das unidades da língua, isto é, palavras e orações? A estas perguntas faz-se necessária uma resposta categoricamente negativa (BAKHTIN, 2003, p. 289). Nessa perspectiva, analisamos a 15ª aula observada (Diário de campo – 18/5/2007) com a transcrição do respectivo evento. Escolhemos esse evento por 213 dois motivos: foi a primeira aula em que a professora tratou os conhecimentos gramaticais de forma autônoma, abordando o conteúdo Período composto por coordenação, o qual se apresentou como o mais recorrente (10 ocorrências), conforme indicado na Tabela 11. 7.2.1 Aula expositiva de conhecimentos gramaticais A professora iniciou a aula fazendo uma referência ao conteúdo gramatical conjunção, lembrando aos alunos que eles já tinham estudado esse assunto na sexta série. Depois relembrou que, no início do ano eles viram a diferença entre o mais e o mas, explicando essa diferença, afirmando que a conjunção é uma palavra invariável, sendo única em qualquer contexto. Em seguida explicou a diferença entre o “e” (conjunção) e o “é” (verbo): T1 Prof.: gente...atenção... nós vimos lá... na sexta série...revisamos na sexta...conjunção...no início do ano lembram quando a gente teve aquela aula do mas e do mais? T2 Alunos: ahã...ahã... T3 Prof.: o mais é o quê? T4 Alunos: quantidade... T5 Prof.: quantidade...intensidade... é o quê? ((nesse momento os alunos ficaram tentando adivinhar e a professora interveio)) T6 Prof.: o mais com i::: ...advérbio...e o mas? ((os alunos nesse momento começaram a brincar e a dar respostas aleatórias)) T7 Prof.: CONJUNÇÃO...nessa oportunidade aí...nós vimos que a conjunção é aquela palavrinha invariável...que isso quer dizer? invariável...in-va-ri-á-vel... T8 Alunos: uma coisa que não muda... [ T9 Alunos: que não é variável... T10 Prof.: não varia...não tem plural né? não tem feminino...masculino...é única em todos os momentos...em todo contexto...em qualquer oração...não é mesmo? e nós vimos também a conjunção...chega prá frente ((a professora chamou a atenção de um aluno)) o mas...igual nós vimos a e, lembra? o e sem acento... o é...verbo ser...o e conjunção...então a gente fez aquela revisão e...concluímos que a conjunção vai fazer o quê? [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo 18/5/2007). 214 Revisou a diferença entre período simples e período composto com o objetivo principal de trabalhar o conhecimento gramatical Período composto por coordenação: [...] T11 Prof.: João e Maria estudam na mesma escola...serve prá quê? a conjunção? T12 Rubem: ligar oração... T13 Prof.: ligar... né? um termo a outro...uma oração a outra...muito bem...então viu também que...quando nós temos um verbo...um verbo...nós temos uma oração...sempre a oração ((a professora interrompeu para falar com um aluno)) a oração é formada de verbo...quando não tem verbo não é oração...então se eu tenho um verbo eu tenho uma oração...se tenho mais de um verbo...eu tenho dois verbos...eu tenho duas orações...e assim por diante...a gente conta todas as orações... de acordo com tantos...verbos... [ T14 Alunos: verbos... T15 Prof.: verbos...se eu tenho dois verbos eu tenho duas orações...três verbos três orações e assim por diante...então quando eu tenho uma oração só...o período...a oração se chama absoluta...o-ra-ção a-b-so-luta... T16 Rubem: tem uma oração? T17 Prof.: uma oração... T18 Rubem: uma só? T19 Prof.: só...tem um verbo... tem uma oração...oração absoluta...e esse período é o quê? ((não houve resposta dos alunos)) T20 Prof.: heim? uma oração?... período simples...se eu tenho mais orações... T21 Ingrid: PERÍODO COMPOSTO... T22 Prof.: ISSO...o período...compo::sto...muito bom [ T23 Alunos: composto... [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo18/5/2007). Em seguida, entregou a folha xerocopiada contendo o assunto em estudo, Período composto por coordenação. A professora, no momento em que entregou o suporte textual folha xerocopiada, nomeou-o de “cartilhazinha”, e justificou para os alunos a adoção desse termo porque se tratava de uma folha xerocopiada que se podia dobrar. Ao mesmo tempo, possibilitava economizar papel, o que não ocorria com a apostila. [...] T24 Prof.: eu vou entregar a cartilhazinha...o que é período simples e composto...isso que nós revisamos...vocês coloquem o nome tá? a gente vai estudar o período composto por co:::rdenação... 215 ((nesse momento um aluno fez uma brincadeira com a pronúncia da professora)) T25 Aluno: co:::::::rdenação... T26 Prof.: coloquem o nome...a série...porque depois que nós estudarmos essa cartilha... e fazendo os exercícios...eu vou recolher prá dar o visto, tá legal? ((a professora ensinou aos alunos como organizar a folha xerocada que entregou)) T27 Rubem: pode dobrar professora? T28 Prof.: pode dobrar...assim oh...porque que a gente fez assim? prá... economizar papel ((os alunos riram)), né? eu fiz assim oh...em duas tá? aí virei...ficou uma cartilha... chama-se cartilha...não pode ser apostila mas é uma cartilha, né? aí vocês vão colocar onde sobrou espaço o nome de vocês... [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo 18/5/2007). A dinâmica da aula foi a seguinte: professora e alunos fizeram as leituras dos conceitos e dos exemplos. Nesse contexto, a professora parava para explicar o conhecimento e se mostrava disposta a fazer com que os alunos aprendessem: [...] T30 Prof.: então vejamos...agora presta atenção que a gente vai explicando...vai registrando e vai perguntando tá legal? período simples e período composto...o período é simples/ acompanha a leitura/ quando possui apenas uma... ((nesse momento estavam acompanhando as indicações da cartilha)) T31 Alunos: oração... T32 Prof.: essa oração recebe o nome de oração... T33 Alunos: absoluta... T34 Prof.: exemplo... T35 Alunos: o menino entrou na biblioteca... T36 Prof.: um período é composto quando possui... T37 Alunos: mais de uma oração... T38 Prof.: exemplo... T39 Alunos: o menino entrou na biblioteca e pegou o livro... T40 Prof.: vejam bem...o menino entrou na biblioteca...oh... e pegou o livro...qual a conjunção aí? T41 Alunos : e... [ T42 Prof.: e...muito bem...tá o quê? T43 Rubem: tá ligando... T44 Prof.: tá ligando uma oração a outra...aí houve dois procedimentos, não é? ele entrou...na biblioteca e pegou o livro...quando a gente faz isso aí...olha...oh...soma...adiciona...acresce...que que é isso? ...dá idéia de quê? oh...o menino entrou na biblioteca e pegou o livro...ele fez uma coisa e fez uma outra...isso é o quê? T45 Rubem: ação... T46 Prof.: a:::créscimo né? então a gente vai ver que o e é uma conjunção coordenativa aditiva...ela soma...acrescenta... [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo 18/5/2007). 216 Percebemos que, no decorrer da exposição do conteúdo pela professora, os alunos também tomavam a iniciativa e interrompiam para tirar dúvidas: [...]T47 Nayara: mais ou menos pra ser composto pode ser assim...Fernanda e Priscila começou...falar... T48 Prof.: não...mas aí tá ligando dois termos pra ser sujeito composto...Fernanda e Priscila, né? é uma oração só aí... T49 Nayara: pode ser composto né? T50 Prof.: não...só é composto quando tem dois verbos ou mais... T51 Nayara: então tem o nome delas? T52 Prof.: mas...elas não são verbos...elas vão formar o sujeito composto que a gente estudou lá na sétima série... T53 Nayara: ahã...e se fosse assim...fosse assim...Nayara foi na Garoto e comeu chocolate... T54 Prof.: aí sim...ela fez duas coisas...a Nayara, né? ela foi...a::: Garoto né? e ainda comeu chocolate...dois procedimentos...então houve idéia de quê? de acréscimo pra você...que fez um procedimento e fez um outro também... [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo 18/5/2007). No decorrer da explicação sobre classificações das orações coordenadas sindéticas, a professora enfatizou que as conjunções deveriam ser interpretadas mesmo porque, de acordo com ela, as provas do Enem cobram a idéia expressa na oração. Percebendo a contradição, enfatizou a importância de se estudar a classificação: [...] T144 Prof.: ADVERSATIVA...nós vimos lá no início do ano quando a gente estudou né? na ortografia o mas e o mais...dá idéia de quê? essa frase aí...o mas aí ... de::: T145 Rubem: ação contrária... T146 Prof.: oposição...ação contrária...a segunda oração vem introduzida por uma conjunção que expressa idéia de... o-po-si-ção...a oração anterior...veja...ela estudou bastante mas...ela fez o quê? não passou no teste... [ T147 Alunos: não passou no teste... T148 Prof.: seria né? a:: lógica...se ela estudou né? passar...mas aí houve o quê? o mas que dá idéia de quê? expressa idéia de quê? o-po-sição...contrária... trata-se de uma conjunção coordenativa adversativa...as principais conjunções adversativas são/vamos falar/ mas...porém...todavia...contudo...entretanto...no entanto... [ T149 Alunos: mas...porém...todavia...contudo...entretanto...no entanto... T150 Prof.: sublinhem também as conjunções adversativas...uma de cada vez... sublinha...então vamos voltar lá...quais são as aditivas? ... para a gente passar para outra folhinha... T151 Alunos: mas...porém... [ T152 Prof.: e...não aditiva...e...nem...não só...mas também...não só...mas ainda... [ T153 Alunos: e...nem...não só...mas também...não só...mas ainda... 217 T154 Prof.: ISSO...e adversativa? T155 Alunos: mas...porém...todavia...contudo...entretanto...no entanto... T156 Prof.: lógico...nós temos que gravar... que é::: reconhecer as conjunções...mas temos que olhar o quê? a idéia expressa na oração...então tudo precisa de leitura e interpretação não é? nessas provas do enem do::::provão do Brasil...todas vêm o quê? querendo a idéia expressa naquela oração né? ano passado a oitava série fez a prova e veio toda assim...não pedindo classificação...lógico a gente estuda classificação...as conjunções....mas o mais importante é você perceber a idéia expressa naquele contexto da oração né? ela ali dentro da oração... /virem agora a cartilha...terceira...orações coordenadas sindéticas conclusivas... [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo 18/5/2007). Mesmo reconhecendo que a conjunção deveria ser interpretada, o que prevaleceu foi uma proposta de aprendizagem baseada numa repetição e numa memorização mecânica, como pode ser visto no seguinte trecho do evento: [...] T157 Alunos: ele me ajudou muito... [ T158 Prof.: me ajudou muito...ela é o quê? T159 Alunos: coordenada assindética... [ T160 Prof.: assindética...por quê? dá pra gente repetir pra aprender... T161 Nayara: porque não tem conjunção... T162 Prof.: não tem conjunção...a segunda? T163 Alunos: portanto merece minha gratidão... T164 Prof.: é o quê? T165 Alunos: sindética conclusiva T167 Prof.: conclusiva...oh o portanto...qual é a conjunção aí? T168 Alunos: portanto... [ T169 Prof. : portanto... ((continuou lendo as definições da cartilha)) T170 Prof.: a segunda oração vem introduzida por uma conjunção que expressa idéia de CONCLUSÃO...conclusão...de um fato enunciado na oração anterior...então concluiu...ele me ajudou muito...qual a conclusão que eu cheguei?... portanto... merece minha gratidão... [ T171 Alunos: merece minha gratidão... T172 Prof.: então aí no caso a:::: a idéia expressa o quê?...expressa a idéia de quê? conclusão do fato que tá lá enunciado onde? ((os alunos não responderam)) na oração anterior...as conjunções conclusivas mais comuns são/vamos ler/ portanto...por isso...pois...logo... [ T173 Alunos: portanto...por isso...pois...logo... T174 Prof.: sublinhem também... [...] T177 Prof.: alternância...de escolha...muito bem...então vejam a oração... seja mais educado ou retire-se da reunião...qual é a primeira oração? T178 Alunos: seja mais educado... T179 Prof.: então ela é o quê? 218 T180 Alunos: assindética... T181 Prof.: assindética...e a segunda? T182 Alunos: ou retire-se da reunião... T183 Prof.: ela é o quê? T184 Alunos: sindética alternativa... T185 Prof.: qual a conjunção aí? T186 Alunos: ou... [ T187 Prof.: ou...dá idéia de quê? T188 Rubem : de escolha... T189 Prof.: escolha...alternância né? ((leu a cartilha)) a segunda oração vem introduzida por uma conjunção que estabelece uma relação de ALTERNÂNCIA...de escolha com referência à oração anterior...por isso que sempre a gente tem que olhar o quê? o contexto... interpretar...ler e interpretar... as conjunções alternativas mais comuns são quais? ou...ou...ou...ora... [ T190 Alunos: ou...ou...ou...ora...ora...seja...seja...quer...quer... [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo18/5/2007). No final da aula expositiva sobre o conhecimento gramatical Período composto por coordenação, a professora pediu que os alunos relessem silenciosamente as definições e classificações dos conteúdos estudados nessa aula. 7.2.2 O material didático: “a cartilhazinha” Mencionamos, no Capítulo V, que o suporte folha xerocopiada foi um subsidiário da apresentação dos conhecimentos gramaticais de forma autônoma. A professora afirmou para a pesquisadora que montava a “cartilhazinha” a partir de exercícios de outros livros didáticos, ou mesmo de fragmentos da gramática normativa, materializando, desse modo, o que denominamos de folha xerocopiada. Vimos também que a prioridade desse suporte foi apresentar aos alunos definições de conceitos prontos e acabados integrados a exercícios de reconhecimento das nomenclaturas dos fatos gramaticais em frases ou orações “soltas” e descontextualizadas. Diante desse dado, ressaltamos o termo utilizado pela professora para se referir à folha xerocopiada, “cartilhazinha”, mesmo sabendo que o empregou referindo-se à possibilidade de dobrar, diferentemente de uma apostila, que não é dobrável. A questão, a nosso ver, refere-se às cartilhas comumente destinadas ao processo 219 de ensino/aprendizagem da leitura e da escrita. Não por um acaso, os textos das cartilhas adotadas nas escolas brasileiras, desde a década de 1920 até a atualidade, pautam-se pela filosofia da gramática tradicional, excluindo a criatividade dos sujeitos (alunos e professores) do processo de apropriação do conhecimento.48 O que nos chamou a atenção foi o fato de a professora ter nomeado a folha xerocopiada com os conhecimentos gramaticais de cartilhazinha, o que nos remeteu para o seguinte campo semântico: manual, tratado, doutrina, corroborando o conteúdo presente no suporte: conceitos prontos e acabados, objetivados para a reprodução, cabendo aos alunos e à professora um papel passivo de repetição do já estabelecido e concluído. Logo, [...] entre o professor de língua e o gramático, estabelece-se a diferença. Divide-se o trabalho. No ensino, não se trata de trabalhar com dados ou fatos para, refletindo sobre estes, produzir uma explicação. Trata-se de aprender/ensinar as explicações já produzidas e fazer exercícios para chegar a respostas que o saber já produzido havia previamente fornecido (GERALDI, 1997, p. 92). O modo como o conhecimento gramatical se presentificou na folha xerocopiada não facilitou um trabalho em que a reflexão sobre os fatos da língua pudesse efetivar-se no processo de ensino/aprendizagem. Um dado a ser ressaltado converge para o caráter ritual associado à tradição gramatical. Como em qualquer tradição, a gramática oferecida aos alunos estava revestida de nomenclaturas instituídas historicamente. E, no que concerne à grade curricular, observamos que os conteúdos gramaticais se repetem a cada ano, de acordo com a série, sem explicações ou mesmo críticas, acentuando ainda mais a tradição por meio da reprodução, conforme podemos observar abaixo: Período simples e período composto Um período é simples quando possui apenas uma oração. Esta oração recebe o nome de oração absoluta. Exemplo: O menino entrou na biblioteca / e pegou um livro. 1ª oração 2ª oração Há três tipos de período composto: por coordenação, por subordinação e misto, isto é, por coordenação e subordinação. Nesta unidade, vamos estudar o período composto por coordenação. Período composto por coordenação 48 Informação extraída da página da Web: http://members.tripod.com/pedagogia/lectoescrita.htm. 220 Considere este período: Passeamos pela praia, brincamos, recordamos os tempos de criança. Observe que ele é composto de três orações: 1) Passeamos pela praia, 2) brincamos 3) recordamos os tempos de criança. Essas três orações, no entanto, não mantêm entre si nenhuma dependência sintática; elas são independentes. Há entre elas, é claro, uma relação de sentido, mas do ponto de vista sintático, uma não depende da outra. A essas orações independentes damos o nome de orações coordenadas. [...] 3. Orações coordenadas sindéticas conclusivas. Exemplo: Ele me ajudou muito, / portanto merece minha gratidão. 1ª 2ª Oração coordenada Oração coordenada sindética assindética conclusiva A 2ª oração vem introduzida por uma conjunção que expressa idéia de conclusão de um fato enunciado na oração anterior. Trata-se de uma conjunção coordenativa conclusiva. As conjunções conclusivas mais comuns são: portanto, por isso, pois, logo. [...] (Folha xerocopiada). Ressaltamos que a cartilhazinha acima foi confeccionada pela professora a partir de uma matriz pronta de anos anteriores, a qual se constituiu como modelo para a folha xerocopiada entregue aos alunos. Isso porque, no momento em que estava planejando a aula expositiva sobre Período composto por coordenação, a pesquisadora estava presente, e a professora disse que ia trabalhar as orações coordenadas antes das orações subordinadas. Nesse instante, procurou entre matrizes de gêneros textuais escritos, exercícios de conhecimentos gramaticais, algo que pudesse ser utilizado para a mencionada aula, encontrando, assim, a cartilhazinha. A professora ainda comentou que iria enfatizar a idéia, a interpretação das conjunções, pois, segundo ela, só assim os alunos conseguiriam compreender o que quer dizer cada conjunção. A pesquisadora perguntou se não seria mais interessante trabalhar com algum gênero textual no âmbito do argumentar/opinar, apontando as conjunções como parte constitutiva dessa tipologia. A professora respondeu que, na própria oração, dava para os alunos perceberem o sentido, a idéia, a interpretação das conjunções. 221 7.2.3. “Possibilidades” de produção de sentido para as formas gramaticais da língua Embora a professora não propusesse atividades de leitura e produção de gêneros textuais para abordagens do conhecimento gramatical Período composto por coordenação com suas conjunções, concluímos que aconteceram “tentativas” para a produção de sentido, que se pode atribuir às formas da língua nas orações. A professora, no momento da exposição, mencionou que, além do reconhecimento, as conjunções precisam ser observadas a partir da idéia que elas podem conferir à oração. Trouxe como exemplo as provas do Enem e o Provão do Brasil, afirmando que as avaliações nacionais abordam as conjunções, de forma que os alunos precisam ler e interpretar a idéia expressa nas orações sem a necessidade de classificar. Inclusive destacou que, no ano anterior, a oitava série havia feito uma prova destacando os sentidos das conjunções. Desse modo, constatamos que a professora reconhece que os conhecimentos gramaticais e, em especial, as conjunções, podem receber um tratamento diferente do que recebem na gramática normativa, indicando para os alunos que a leitura interpretativa expande o trato gramatical para além das nomenclaturas. Ao mesmo tempo, justifica o estudo da classificação, visto que a aula expositiva se configurou a partir de uma análise classificatória e metalingüística das conjunções. Mas finaliza o turno defendendo: “o mais importante é você perceber a idéia expressa naquele contexto da oração”. Além do reconhecimento, defende-se a idéia de que as formas da língua sejam observadas por meio dos sentidos materializados nas orações. Esse dado, mesmo voltado para as orações, aproxima-se do que se vem postulando nas pesquisas do campo sobre argumentação (GUIMARÃES, 1987; KOCH, 2004a). Guimarães (1987, p. 85), por exemplo, observa que os estudos sobre as conjunções nas gramáticas escolares de uso no Brasil se limitam a repetir a classificação das conjunções em coordenadas e subordinadas. O autor parte dos pressupostos da semântica da enunciação para questionar a taxonomia das formas lingüísticas concebidas tradicionalmente na gramática, mostrando a 222 importância das conjunções na organização textual: “[...] o que normalmente se diz das conjunções é que elas ligam orações. Isto sem dúvida é verdade, mas esta classe de palavras tem, nas construções em que aparece, outras funções, seguramente tanto e até mesmo mais significativos”. Os aspectos significativos de unidades gramaticais foram discutidos por Guimarães (1987) em Conjunções: polifonia e orientação argumentativa, considerando os aspectos semânticopragmáticos das conjunções como também a inerência argumentativa desses elementos, quando articulados no seu uso enunciativo, denominados, assim, de operadores argumentativos. Convém mencionar que, ocorreu apenas uma “tentativa” proposta pela professora em promover o reconhecimento do uso das formas da língua como produção de sentido, se atentarmos para o fato de que a aula se estabeleceu como reprodução do que estava no suporte folha xerocopiada. 7.2.4 Os conceitos e o ensino metalingüístico Se concluímos que o que prevaleceu no evento foi um ensino do conhecimento gramatical voltado para definição de conceitos acabados e prontos associado ao reconhecimento das nomenclaturas, tem-se uma reprodução dos conceitos, diferentemente de um trabalho de apropriação no qual os alunos, ao mesmo tempo em que refletem sobre eles, podem utilizá-los de forma voluntária e consciente. Na aula observada e descrita no diário de campo 15 (18/5/2007), a cada classificação de conjunção coordenada, a professora, junto com os alunos, fazia a leitura da definição do conceito e, em seguida, pedia que eles lessem as principais conjunções, repetindo e sublinhando-as. Percebemos um esforço por parte da professora para que os alunos memorizassem as conjunções com sua respectiva nomenclatura. Ao mesmo tempo, havia um interesse em acenar que a conjunção devia ser compreendida no contexto ao se ler e interpretar, considerações essas dispersas no decorrer da exposição, conforme visto na seção anterior. No entanto, todo o esforço da aula expositiva esvaiu-se para o que 223 Vigotski (2001) chamou de ensino direto e pedagogicamente estéril. Para o autor, um ensino direto define-se pelo caráter de memorização mecânica, no qual os conceitos aparecem distantes e isolados de situações vivas para aqueles (os alunos) que deles estão se apropriando. Já o termo pedagogicamente estéril traz no bojo a inconsistência desse tipo de ensino, visto que os alunos, ao memorizar, exercitam o automatismo sem tomar consciência de que, para além de uma definição pronta, pode ocorrer uma reflexão sobre os conhecimentos gramaticais e mesmo uma compreensão do assunto. Dessa forma, constatamos que a definição de conjunções coordenativas aconteceu por meio de orações distanciadas de situações de interlocução, em “a segunda oração vem introduzida por uma conjunção que estabelece uma relação de alternância...de escolha, com referência à oração anterior” (folha xerocopiada e professora), há uma relação de uma oração com outra, ou, melhor dito, uma relação entre signos no interior de um período – Seja mais educado, ou retire-se da reunião – que, por sua vez, se encontra distanciado de um enunciado concreto. Para Bakhtin (2003), a oração como unidade da língua além de não ter contato com a realidade, não dispõe de plenitude semântica, nem capacidade de determinar a posição responsiva do outro, pois não tem endereçamento, ou, mais precisamente, não tem autor nem destinatário. Ainda sobre a conceituação das conjunções coordenativas alternativas, a professora ultrapassou a definição do suporte folha xerocopiada ao afirmar: “[...] por isso que sempre a gente tem que olhar o quê? o contexto...interpretar...ler e interpretar...”, aproximando-se da defesa de Vigotski (2001) de que o conceito deve ser compreendido como processo e não como reprodução de um produto acabado. No entanto, retomou para o suporte folha xerocopiada em que subjaz o reconhecimento classificatório das conjunções: T189 Prof.: [...] as conjunções alternativas mais comuns são quais? ou...ou...ou...ora... [ T190 Alunos: ou...ou...ou...ora...ora...seja...seja...quer...quer... [...] (Fragmento do Evento 4/ Diário de campo18/5/2007). 224 Podemos verificar que os alunos reproduziram o que estava estabelecido no suporte folha xerocopiada e referendado pela professora, imperando a exploração de terminologias e nomenclaturas da classe de palavra conjunção. Para Vigotski (2001), o professor que envereda por esse caminho não consegue mais que uma assimilação inconsciente de palavras, que se constitui como um verbalismo vazio, e, em [...] tais casos a criança não assimila o conceito mas a palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado.No fundo, esse método de ensino de conceitos é a falha principal do rejeitado método puramente escolástico de ensino, que substitui a apreensão do conhecimento vivo pela apreensão de esquemas mortos e vazios (VIGOTSKY, 2001, p. 247). Cabe ressaltar que a pesquisa de Vigotski se voltou para o desenvolvimento dos conceitos científicos na idade infantil. Mas estendemos as teses do autor para a forma como os conceitos (conhecimentos gramaticais) foram discutidos e ensinados na turma de alunos de oitava série – adolescentes. O nosso interesse não é discutir os modos de apropriação pelos alunos, e sim as críticas do autor acerca de um ensino que se volta para a exposição de conceitos científicos sem um trabalho de mediação do professor para que os alunos tomem consciência e usem voluntariamente os conceitos. A mediação do professor, nesse caso, incide em mostrar para os alunos que os conceitos científicos escolares iniciam o seu desenvolvimento numa esfera da atividade consciente. E, no que tange ao conhecimento gramatical, consideramos que tomar consciência requer que o ensino escolar reconheça que o aluno, quando chega à escola, tem um conhecimento complexo da língua, embora implícito: uma gramática internalizada, apropriada no meio social, independente de uma instrução formal e escolar, o que implica articulá-la com o ensino sistematizado oferecido pela escola, tornando o que é inconsciente em consciente. 225 Entretanto, constatamos que o automatismo49 esteve presente no momento de apresentação, para os alunos, das principais conjunções coordenativas: [...] T150 Prof.: sublinhem também as conjunções adversativas...uma de cada vez... sublinha...então vamos voltar lá...quais são as aditivas? ... para a gente passar para outra folhinha... T151 Alunos: mas...porém... [ T152 Prof.: e...não aditiva...e...nem...não só...mas também...não só...mas ainda... [ T153 Alunos: e...nem...não só...mas também...não só...mas ainda... T154 Prof.: ISSO...e adversativa? T155 Alunos: mas...porém...todavia...contudo...entretanto...no entanto... [...] (Fragmento Evento 4/ Diário de campo 18/5/2007). Observamos que a professora pediu aos alunos que repetissem as conjunções aditivas no momento em que estavam discutindo as conjunções adversativas. Como a aula estava transcorrendo numa seqüência indicada pelo suporte folha xerocopiada e, sobretudo, com uma ênfase dada pela professora na repetição e reprodução, os alunos leram automaticamente as conjunções adversativas, sem se darem conta de que a professora estava pedindo que eles repetissem as conjunções coordenativas aditivas. A professora, por sua vez, sobrepôs no turno de fala dos alunos as aditivas e estes repetiram, para, em seguida, falarem as conjunções adversativas. Esse dado acena que ainda faz parte das aulas de Língua Portuguesa um ensino de conhecimento gramatical voltado somente para atividades metalingüísticas integradas a listas de palavras com fins classificatórios que, a nosso ver, não exigem do aluno nada além da “decoreba”. Em entrevista, um aluno respondeu: “[...] a matéria passada pela professora tem que decorar”. Referiu-se aos conteúdos gramaticais e ainda trouxe o dado de que é chato. Inferimos que qualificar esse tipo de aula como chata pode estar relacionado com a falta de criatividade. A criatividade, aspecto da natureza humana, requer que se analise, reflita e planeje determinada atividade, o que implica levar em conta a singularidade do sujeito no momento de apropriação do conhecimento. De acordo 49 Estamos compreendendo automatismo como algo que implica uma atividade maquinal, sem uma reflexão e consciência do que se está exercitando. 226 com Pino (2005), as significações culturais, ou, mais especificamente, o conhecimento escolar, é incorporado pela pessoa na sua subjetividade. O autor ressalta que, na apropriação, se conservam as significações sociais, ou seja, algo que é compartilhado por todos, sem confundir com formas de homogeneização. Se o sujeito não dialoga criativamente com o conhecimento gramatical, apenas repete o já dito, pode chegar a algo monótono, já que as formas da língua, nesse caso, [...] não são de ninguém e a ninguém se referem. Ademais, em si mesmas carecem de qualquer relação com o enunciado do outro, com a palavra do outro. Se uma palavra isolada ou uma oração está endereçada, direcionada, temos diante de nós um enunciado acabado [...] (BAKHTIN, 2003, p. 306). Além disso, Vigotski (2001, p. 247) afirma que apreender os conceitos científicos de forma acabada, sem reflexões, “[...] estimula e imita a existência dos respectivos conceitos na criança mas, na prática, esconde o vazio [...]”, ocorrendo uma memorização50 em detrimento de uma atividade produtiva da consciência. Nesse caso, o escolar não imita como forma de recriar a conduta de um colaborador (o professor) na dinâmica de sua subjetividade e compreensão. Ao contrário, reproduz, repete e memoriza, tornando-se um ser que, longe de uma concepção de sujeito bakhtiniano/vigotskiano, acaba assujeitado e homogeneizado. 50 Estamos concebendo aqui a memorização como “decoreba”, para qual não há uma exigência para a reflexão. No que diz respeito ao ensino/aprendizagem dos conceitos científicos, temos uma função intelectual superior, que é a tomada de consciência desses conceitos, bem como seu uso intencional e voluntário. 227 CAPÍTULO VIII OS GÊNEROS TEXTUAIS ESCRITOS E OS CONHECIMENTOS GRAMATICAIS: UMA SÍNTESE Conforme visto, ocorreu predomínio da circulação de gêneros textuais escritos em 40 das 60 aulas observadas, o que corresponde a 67%. Os conhecimentos gramaticais, por seu turno, presentificaram-se em 63% das aulas. Inferimos, desse modo, que os gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais materializaram-se nas mesmas aulas. Portanto, pudemos analisar como se configurou o trabalho com os conhecimentos gramaticais nas atividades de leitura e produção de gêneros textuais escritos. Constatamos que, no processo de ensino/aprendizagem a partir das atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa, ocorreram situações/eventos em que os conhecimentos gramaticais se presentificavam ora desarticulados das atividades de leitura e produção de gêneros textuais escritos, ora articulados às referidas atividades. No que se refere à desintegração, vimos que os conhecimentos gramaticais foram concebidos de forma autônoma em relação à perspectiva discursiva dos gêneros textuais escritos. Os conteúdos trabalhados nas aulas apresentaram-se dissociados dos gêneros textuais, tendo como subsídio conceitos prontos e estanques, frases e palavras descontextualizadas para exemplificação dos conceitos e uma ênfase na nomenclatura dos conhecimentos gramaticais. Nesse contexto, torna-se pertinente fazer um contraponto com a produção atual de conhecimento acerca dos gêneros textuais e do ensino gramatical. Não é de hoje que circulam pesquisas, estudos e projetos de formação para professores, acerca de um trabalho com os conhecimentos gramaticais, que leve em consideração a capacidade dos indivíduos de fazerem uso das formas da língua nos processos interlocutivos. Constatamos, no Capítulo I, “um movimento”, desde a década de 1970, voltado para investigações acerca do processo de ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais nas aulas de Língua 228 Portuguesa. Dentre as contribuições, têm-se críticas e problematizações sobre o modo como a gramática tradicional se materializa no ensino da língua materna: um ensino voltado para exercícios de identificação e classificação de fragmentos textuais. Além disso, [...] da pesquisa contemporânea podem ser retiradas três grandes contribuições para o ensino da língua materna: a forma de conceber a linguagem e, em conseqüência, a forma como define seu objeto especifico, a língua; o enfoque diferenciado da questão das variedades lingüísticas e a questão do discurso, materializado em diferentes configurações textuais (GERALDI, 1996, p. 65). No entanto, constatamos que diferentemente do que vem sendo postulado nas propostas acerca de um ensino que considere uma concepção de linguagem como forma de interação humana, ocorreu também, nas aulas observadas, um trabalho com os conhecimentos gramaticais concebidos como autônomos, no sentido de não estarem relacionados à discursividade dos gêneros textuais. Sobre os gêneros e uma abordagem discursiva das formas da língua, vimos, no Capítulo II, que a aposta para o ensino/aprendizagem da língua materna na atualidade (últimos 10 anos) requer um trabalho em torno da diversidade dos gêneros textuais a partir da integração das atividades de leitura, de produção e de análise e reflexão sobre a língua, incluindo os conhecimentos gramaticais, o que vem de encontro ao que constatamos: uma ênfase no ensino metalingüístico por meio de frases desarticuladas de seus contextos. Travaglia (2002a) afirma que o ensino de Língua Portuguesa nas escolas brasileiras tem sido prescritivista, com base nas regras da Gramática Normativa, sem contar que nelas há uma concentração no uso de metalinguagem para a identificação e classificação de categorias, relações e funções dos elementos lingüísticos. Para o autor, [...] a maior parte do tempo das aulas é gasta no aprendizado e utilização dessa metalinguagem, que não avança, pois, ano após ano, se insiste na repetição dos mesmos tópicos gramaticais: classificação de palavras e sua flexão, análise sintática do período simples e composto a que se acrescentam ainda noções de processos de formação de palavras e 229 regras de regência e concordância, bem como regras de acentuação e pontuação (TRAVAGLIA, 2002a, p. 101). Constatamos um aspecto “ritualístico” nas aulas destinadas à apresentação dos conhecimentos gramaticais de forma autônoma, já que a finalidade era cumprir um programa, voltado para a memorização mecânica de terminologias, foco da avaliação no final do bimestre. Nesses momentos, os conhecimentos gramaticais não tiveram outra função, além da exposição de nomenclaturas científicas, que não eram concebidas em articulação com as atividades discursivas nos usos da língua (atividades de leitura e de escrita/reescrita), em torno da diversidade de gêneros textuais escritos. Ainda sobre a desintegração entre os conhecimentos gramaticais nas atividades de leitura e de produção de gêneros textuais escritos, constatamos que, em alguns momentos, os gêneros se constituíram em pretexto para o ensino de nomenclaturas gramaticais, levando em consideração a utilização do livro didático como suporte pela professora. Nesse caso, os gêneros textuais não foram levados para a sala de aula pela professora de forma intencional e voluntária para concebê-los como pretexto de ensino de definições gramaticais. A intenção era realizar exercícios de determinado conteúdo gramatical. E, ao fazer isso, utilizava o livro didático que, por sua vez, trazia os gêneros como pretexto para o ensino gramatical. Nesse caso, o uso do livro didático constituiu-se, a nosso ver, no que Bakhtin (1993) denominou de palavra autoritária. De acordo com o autor, O discurso autoritário exige nosso reconhecimento incondicional, e não absolutamente uma compreensão e assimilação livre em nossas próprias palavras. Também ela não permite qualquer jogo com o contexto que a enquadra, ou com seus limites, quaisquer comutações graduais ou móveis, variações livres criativas e estilizantes (BAKHTIN, 1993, p. 144). O exposto acima indica a influência e mesmo o comando do livro didático sobre a proposta pedagógica na sala de aula, definindo o que se trabalhar e como trabalhar. Pudemos observar que a professora não soube, em nenhum momento, que estava utilizando os gêneros textuais escritos como pretexto para o ensino gramatical, mas a abordagem metodológica estava presente no livro, estruturando a prática docente da professora. 230 Convém ressaltar que os exercícios em que os gêneros textuais escritos foram concebidos como pretexto para o ensino de definições e nomenclaturas gramaticais se encontravam presentes na seção e subseção Para refletir sobre a língua e Veja como se escreve, respectivamente. A nosso ver, essas seções apresentaram-se desarticuladas de outras seções como Leitura, Estudo do texto e Produção de texto, no sentido de que os conhecimentos gramaticais não foram concebidos como recursos para as atividades de leitura e de produção dos gêneros textuais escritos, ao contrário, os fragmentos textuais foram retirados para se constituírem em exemplos de definições gramaticais. Com isso, constatamos que as atividades de leitura, de produção e de análise lingüística se apresentaram também desintegradas no manual didático, logo das aulas desenvolvidas pela professora, já que o livro foi o suporte principal do trabalho pedagógico (Tabela 4) e, sobretudo, do trabalho com os gêneros textuais escritos. Portanto, a articulação entre os gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais não se configurou do modo como vem sendo defendido em pesquisas e documentos curriculares, distanciando-se, ainda, das assertivas de Bakhtin (2003): os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais. No que tange à articulação entre as atividades de leitura e de produção de gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais, identificamos e analisamos situações de ensino/aprendizagem – Atividades de leitura e interpretação oral/escrita e Atividades de produção escrita (Tabelas 9 e 10) – em que ocorreram abordagens de conteúdos gramaticais numa perspectiva mais discursiva das formas da língua. Desse modo, os conhecimentos gramaticais não foram enfocados a priori, como aconteceu nas Atividades sobre conhecimentos gramaticais de forma autônoma e tendo o gênero como pretexto, e sim para os usos sociais (leitura e escrita) da língua, possibilitados por uma “tentativa” de análise lingüística. Nesse contexto, vimos que a possível articulação entre os gêneros textuais e os conhecimentos gramaticais nas atividades de leitura e de produção por meio da 231 análise e reflexão sobre a língua aconteceu de diferentes formas: ora a professora, com base no seu conhecimento, refletia sobre as formas da língua; ora o livro didático trazia exercícios contemplando uma reflexão e a professora não referendava os referidos exercícios; ora ocorria uma análise concomitante entre as propostas do manual didático e a professora. Logo, o livro didático constituiu-se como o principal subsidiador. Constatamos também que, nas subseções Compreensão e linguagem e recursos expressivos, os exercícios contemplaram um deslocamento da materialidade lingüística à materialidade discursiva (PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2004), tendo a professora como mediadora dos referidos exercícios no interior da sala de aula. De um modo geral, tem-se o suporte livro didático como “articulador” das atividades sobre os gêneros textuais escritos e os conhecimentos gramaticais. Vimos que os gêneros foram concebidos como pretexto para o ensino gramatical. Ao mesmo tempo, verificamos que os conteúdos gramaticais foram integrados à dimensão discursiva das atividades de leitura e produção dos gêneros escritos. A nosso ver, esse dado despontou como uma contradição. Marinho (1998), ao analisar o ensino de língua materna nos currículos de Ensino Fundamental, explica que o ensino gramatical, mais do que em outras épocas, se configura como polêmico, devido à variedade de [...] perspectivas que esse termo pode adquirir em função das concepções de língua e de linguagem presentes nesses documentos. Essas perspectivas e concepções sugerem cautela e necessidade de se explicitarem o significado e o conteúdo que dão suporte às categorias curriculares básicas: leitura, linguagem oral, produção de texto, gramática 51 ou conhecimentos lingüísticos (MARINHO, 1998, p. 51). Acreditamos que a referida polêmica ou mesmo contradição se constituiu também como um avanço, visto que ocorreram pequenas iniciativas de se analisar a produção de sentidos nas formas da língua através da relação integradora entre leitura, escrita e gramática nas aulas de Língua Portuguesa. Não estamos, com isso, “ingenuamente”, acreditando que os dois mil anos de tradição gramatical foram suplantados definitivamente, mesmo porque constatamos que os conteúdos 51 Estendemos as discussões da autora para o livro didático, uma vez que na esfera educacional, acreditamos que, os discursos circulam não estando presentes apenas em um lócus. 232 gramaticais se apresentaram principalmente nas atividades sobre conhecimentos gramaticais de forma autônoma. Mas é preciso [...] reconhecer avanços consideráveis, uma vez que, nos últimos trinta anos, os esforços na busca de um novo paradigma para o ensino de língua materna se devem em grande parte à circulação das idéias debatidas em Lingüística. Esforços que não se concentram simplesmente no fato de a ciência lingüística ter-se estabelecido como uma substituta para a gramática tradicional, mas também porque o enfoque que resultou desse processo de vislumbrar uma disciplina que permitisse pensar a linguagem é muito mais amplo, visto que supõe uma abertura de caminho para a observação e compreensão dos fatos da língua [...] (RIBEIRO, 2001, p. 154). Desse modo, retomamos as nossas discussões empreendidas nos Capítulos I e II acerca das propostas para o ensino gramatical na atualidade. Vimos que o ensino das categorias gramática e dos gêneros textuais escritos trouxeram no seu bojo “tentativas” de articulação empreendidas pela professora e pelo manual didático nas aulas observadas, corroborando a proposta atual de conhecimento no que tange ao ensino de língua, especificamente na adoção dos gêneros textuais como objeto de ensino/aprendizagem e como perspectiva articuladora das atividades de leitura, de produção e de análise e reflexão sobre as formas gramaticais. Entretanto, acreditamos que há ainda muito o que fazer. Com relação à recorrência dos conteúdos gramaticais de forma autônoma, devemos chamar a atenção para as contribuições de pesquisadores brasileiros (GERALDI; TRAVAGLIA, 2002a; PERINI, 2005; POSSENTI, 1996; BRITO, 1997; NEVES, 2004; BAGNO, 2004) que, mesmo partindo de perspectivas teóricas diferenciadas no campo da Lingüística, defendem que a gramática não pode ser tomada como uma verdade absoluta, pronta, acabada e imutável. Em geral, para esses autores, os alunos devem refletir sobre os usos da língua em diversas situações interlocutivas, esquivando-se, assim, da teoria de que a ênfase nas nomenclaturas ou os exercícios de preenchimento de lacunas sejam a essência do ensino de língua materna. 233 Diversas situações interlocutivas trazem a perspectiva dos gêneros textuais e, no nosso caso, os escritos, como forma de materializar os usos sociais da leitura e da escrita e, no interior dessas atividades, o trabalho discursivo com os conhecimentos gramaticais, distanciando-se, dessa forma, de um ensino pautado na reprodução e repetição mecânica de formas da língua, afastando-se, ao mesmo tempo, também das atividades que enfocavam conhecimentos gramaticais tendo o gênero como pretexto. Conforme dito no Capitulo VI, Barbosa (2001) defende que o trabalho com os gêneros textuais não supõe apenas uma “visitação”, como comumente ocorre nos livros didáticos, e sim um trabalho que inclui as características das esferas de circulação dos gêneros (condições de produção, conteúdo temático, construção composicional e estilo), integrando as atividades de leitura, produção e os conhecimentos gramaticais. Concordamos com a autora quando afirma que a questão central para um trabalho com a perspectiva acima enseja uma aposta na formação dos professores. Ressalte-se que a formação defendida pela autora incide sobre uma demanda: o trabalho nas aulas de língua materna com os gêneros textuais. De acordo com as categorias elencadas nesta pesquisa, apostamos que a formação se configure numa “ampliação” do modo como o ensino das formas gramaticais da língua foi articulado nas atividades de leitura e de produção escrita, pois “tentativas” ocorreram, logo não desconsideraremos tal fato. A possibilidade é que pesquisas posteriores, bem como projetos de formação, garantam a articulação entre as situações práticas de ensino/aprendizagem que já ocorrem no interior da sala de aula e a produção de conhecimento teórico. E mais, acreditamos que, atrelada a uma concepção dos gêneros discursivos, devemos considerar uma formação gramatical intelectualmente sadia, a qual [...] só pode ser atingida através de um exame racional e rigoroso do fenômeno da linguagem e da estrutura da língua, nunca através de princípios desconexos e, o que é pior, ministrados dentro de um esquema de autoridade (PERINI, 2007, p. 19). 234 Desse modo, acreditamos que as discussões aqui apresentadas possibilitaram entrever aspectos essenciais para a compreensão do processo de ensino/aprendizagem dos conhecimentos gramaticais, tendo em vista o conceito de gêneros textuais apontado como unidade básica de ensino de Língua Portuguesa nos últimos dez anos. Tivemos oportunidade de estabelecer um contraponto com a produção de conhecimento na área e, ao mesmo tempo, acenar que, para além de um ensino gramatical pautado numa tradição, há possibilidade de refletir sobre os usos sociais da língua nas práticas de leitura e de escrita. Assim, esperamos que pesquisas posteriores ampliem as nossas discussões preliminares, mesmo porque concordamos com Bakhtin, quando diz que [...] todo falante é por si mesmo um respondente em maior ou menor grau: porque ele não é o primeiro falante, o primeiro a ter violado o eterno silêncio do universo [...] todo enunciado [...] tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados de outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros [...] o falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva (BAKHTIN, 2003, p. 274275). 235 REFERÊNCIAS 1 AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. J. 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As marcas do humano: às origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005. 50 POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola? Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996. 51 PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA. Secretária Municipal de Educação. Diretrizes curriculares para o ensino fundamental. Vitória, 2004. 52 PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA. Secretaria Municipal de Educação. Proposta curricular- Ensino Fundamental Séries Finais. Serra, 2002. 53 RIBEIRO, Maria Ormezinda. Ensinar ou não ensinar a gramática na sala de aula, eis a questão. Linguagem e Ensino. Pelotas, EDUCAT, v. 4, n. 1, p. 141-157, 2001. 54 ROJO, Roxane (Org.). A prática de linguagem em sala de aula – praticando os PCNs. São Paulo: Mercado de Letras, 2000. 55 ______. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; ROTH-MOTTA, Dèsirée (Org.). Gêneros, teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 184-214. 56 ROJO, Roxane; CORDEIRO, Glaís Sales. Apresentação: gêneros orais e escritos como objetos de ensino: modos de pensar, modo de fazer. In: DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. p. 7-18. 57 RODRIGUES, Rosângela Hammes. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; ROTH-MOTTA, Dèsirée (Org.). Gêneros, teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 152-182. 239 58 RUSSEFF, Ivan. O ensino da língua portuguesa: variações em torno da gramatiquinha brasileira. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 20., 2003, Caxambu. Caxambu: ANPED, 2003. GT10. http://anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/vanrusseff.rtf 59 SARMENTO, Manuel Jacinto. O estudo de caso etnográfica em educação. In: ZAGO, Nadir et al. (Org.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 137-179. 60 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 2004. 61 SILVA, Maurício. A gramática brasileira novecentista: uma história. Revista Letra Magna, São Paulo, ano 3, n. 2, p. 1-9, 2006. 62 SILVA, Rosa Mattos e. Tradição gramatical e gramática tradicional. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2002. 63 SILVA, Wagner Rodrigues. Articulações entre gramática, texto e gênero em seqüências de atividades didáticas. In: SIGNORINI, Inês (Org.). Gêneros catalisadores: letramento e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 175-200. 64 SOBRAL, Adail. Filosofias (e filosofia) em Bakhtin. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 123-150. 65 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1.º e 2.º graus. 8. ed. São Paulo: Cortez, (2002a). 66 ______. Gêneros de texto definidos por atos de fala. In: ZANDWAIS, Ana (Org.). Relações entre pragmática e enunciação. Porto Alegre: Sagra Luzzato, (2002b). p. 129-153. (Coleção Ensaios, n.º 17). 67 ______. Composição tipológica de textos como atividade de formulação textual. Revista do Gelne, Fortaleza, v. 4, n. 1/2, p. 32-37,(2002c). 68 ______. Gramática: ensino plural. 2. ed. São Paulo: Cortez,(2004a). 69 ______. Tipologia textual, ensino de gramática e o livro didático. In: HENRIQUE, Cláudio Cezar; SIMÕES, Darcília (Org.). Língua e cidadania: novas perspectivas para o ensino. Rio de Janeiro: Europa, (2004b). p. 114138. 70 ______. Categorias de texto como objeto de ensino. Disponível em: <http://www.gtltac.com/fdebates.htm>. Acesso em: 18 jun. 2006. 71 ______. Tipelementos e a construção de uma teoria tipológica geral de textos. In: FÁVERO, Leonor Lopes; BASTOS, Neusa M. de O. Barbosa; MARQUESI, 240 Sueli Cristina (Org.). Língua portuguesa, pesquisa e ensino. São Paulo: EDUC/FAPESP, 2007 (2007a). v. 2, p. 97-117. ISBN 85-283-0337-3. 72 ______. Das relações possíveis entre tipos na composição de gêneros. Uberaba: Ed. UFU,(2007b). 73 ______. A caracterização de categorias de texto: tipos, gêneros e espécies. Alfa, São José do Rio Preto, n. 51, 2007c (Em fase de publicação). 74 UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. Mattoso Ca,.mara: um novo discurso sobre o estudo da linguagem no Brasil. Delta, São Paulo, v. 20, 2004. Disponívelem<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102– 44502004000300003&Ing=pt&nrm=iso>. Acesso em: 3 ago. 2006. 75 VYGOTSKI, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 76 ______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 77 VOLOSHINOV, Valentin Nikolaevich. Estrutura do enunciado. Tradução para uso didático por Ana Vaz. [S.l.:s.n.], [200-]. 78 VOLOSHINOV, Valentin Nikolaevich; BAKHTIN, Mikhail. O discurso na vida e o discurso na arte. Tradução para uso didático por Cristóvão Tezza e Carlos Alberto Faraco. [S.l.: s.n.], [200-]. 79 WEEDWOOD, Barbara. História concisa da lingüística. 4. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 241 APÊNDICES 242 APÊNDICE A –TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresento à Escola de Ensino Fundamental Dr. Hélio Ferraz (instituição integrante da rede Municipal de Ensino do Município de Serra-ES) e aos funcionários, técnicos-pedagógicos professores e alunos (sujeitos da pesquisa), o projeto de e pesquisa Ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais na perspectiva dos gêneros textuais escritos em aulas de Língua Portuguesa de autoria da mestranda Elane Nardotto Rios, como recomendação para a realização do mestrado em educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo da pesquisa é investigar como gêneros textuais vêm sendo utilizados no trabalho de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais. Como instrumentos de pesquisa, serão utilizados análise de documentos escolares relacionados à história da escola, registros de alunos, entrevistas, registros em diário de campo, gravações em áudio e vídeo. Os dados terão tratamento ético, com garantia de proteção dos nomes dos sujeitos e autorização da participação dos alunos pelas famílias. O trabalho será realizado a partir de negociações com os sujeitos envolvidos na pesquisa no decorrer do estudo. Por isso, solicito sua autorização por meio da assinatura deste Termo de Consentimento. Vitória, .................de.......................de 2007. ELANE NARDOTTO RIOS Nome do profissional Função Professor Pedagoga Diretor Assinatura Telefone 243 APÊNDICE B –TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAR EM PESQUISA Vitória, ES, ......... de .................. de 2007. Prezados responsáveis pelos alunos e alunas da 8ª série ..... do turno Vespertino da Escola de Ensino Fundamental “Dr. Hélio Ferraz”. Sou professora da Área de Língua Portuguesa e, atualmente, estou realizando curso de pós-graduação em nível de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Educação e Linguagens, da Universidade Federal do Espírito Santo. O objetivo do projeto de pesquisa é investigar como gêneros textuais vêm sendo utilizados no trabalho de ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais. Dessa forma, para realizar minha pesquisa, preciso proceder à coleta de dados que inclui entrevistas, registros em diário de campo, gravações em áudio e vídeo. Nesse sentido, solicito a autorização dos senhores e/ou senhoras para utilizar as imagens por mim captadas, as gravações realizadas em sala de aula e as produções escritas feitas por seu (sua) filho(a) ou aluno que esteja legalmente sob a sua responsabilidade. Esclareço que os dados coletados serão utilizados estritamente para análise e os nomes dos (as) alunos(as) não serão divulgados. Quando for necessário me referir a eles (elas) utilizarei as iniciais do nome, resguardando totalmente a identidade dos (das) participante(s) da pesquisa. Esses dados coletados serão apresentados na dissertação e poderão ser utilizados para publicação. Ao final deste estudo, a minha intenção é contribuir para a melhoria da qualidade do ensino de Língua Portuguesa nas escolas de Ensino Fundamental. Elane Nardotto Rios Prof.ª Área de Língua Portuguesa Eu, ______________________________________, responsável pelo aluno(a) ____________________________________, da EEF Dr. Hélio Ferraz, autorizo sua participação no projeto de pesquisa ensino/aprendizagem de conhecimentos gramaticais na perspectiva dos gêneros textuais escritos em aulas de Língua Portuguesa de autoria da mestranda Elane Nardotto Rios – PPGE/UFES, concordando com os procedimentos acima apresentados. Assinatura ________________________________ RG: _________________ Serra, _______ de ____________ de 2007. 244 APÊNDICE C – ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA Instrumento de pesquisa a ser utilizado para coletar informações destinadas à escola-campo. 1. Nome da escola: _______________________________________________________________ 2. Endereço: _______________________________________________________________ 3. Dados históricos: _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _______________________________________________________ 4. Bairros de origem da clientela: _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ ___ 5. Aspecto físico: a) Número de salas ___________________________________________ de aula: b) Condições da sala de aula: ______________________________________ ______________________________________________________________ c)Possuibiblioteca?______Condiçõesdefuncionamento:_____________________ ____________________________________________________________ d)Possui sala ambiente?___________________Quais?__________________ e) Possui sala de professores, sala de direção, coordenação pedagógica, secretaria? Outras? _______________________________________________ _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ f)Possuirefeitório?_________________________________________________ g) Possui área livre? Parquinho?Quadra de esportes? _____________________ h)Comosãoutilizados?________________________________________________ ______________ ______________________________________________ 245 6) Organização das turmas: a)Média de alunos por turma: _____________________________________ b)Númerodealunosporturno: Matutino____Vespertino:______Noturno________ c) Número de turmas por turno: Matutino: _____________ Vespertino _____________ Noturno: _________ d) Organização das turmas: Matutino Vespertino Noturno 7. Recursos Humanos: a)Número de professores por turno: Matutino____Vespertino____Noturno______ b) Composição do corpo técnico administrativo: ___________________________ _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ c) Faxineiras e merendeiras: __________________________________________ d) Pessoal de apoio: _________________________________________________ 8. Recursos materiais: a) Tipo de material pedagógico existente na escola? _____________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _______________________________________________________ b)Recursos audiovisuais:___________________________________________ _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ Como são utilizados e com que freqüência? ____________________________ _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 9. Rotina escolar: a) A chegada das crianças na escola: ________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ b) O recreio: _____________________________________________________ _______________________________________________________________c) O intervalo entre as aulas: _______________________________________ _______________________________________________________________ 246 d) O momento da saída: ___________________________________________ _______________________________________________________________ e) Outras atividades: ______________________________________________ _______________________________________________________________ f) Eventos: ______________________________________________________ _______________________________________________________________ 11. Usos de gêneros textuais escritos no ambiente escolar: a) Há circulação de gêneros textuais escritos? Quais ? _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ _______________________________________________________________ b) São aproveitados como recurso pedagógico? _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ 247 APÊNDICE D – FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS SALAS DE AULA DA TURMA DE 8ª SÉRIE C TURNO VESPERTINO 1. Aspecto físico: a) Dimensão espacial: _____________________________________________ b) Mobília: ______________________________________________________ c) Acústica;______________________________________________________ d) Há ambientes específicos na sala de aula? Quais? ____________________ _______________________________________________________________ e)Materiais escritos expostos? ______________________________________ 2. A turma: a) Número de alunos: Meninas: ________________ Meninos;______________ b) Forma de organização da turma no espaço físico: _____________________ c) Número de alunos ingressantes este ano? ___________________________ d) Número de alunos que estão repetindo a mesma série? ________________ 3. Sobre o trabalho coletivo: a) Há regras para orientar o trabalho e a organização diária: _______________________________________________________________ b) São explicitadas? Como? ________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ ___________________________________________________________ c) São cobradas? Como? __________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ ___________________________________________________________ 4. A rotina diária: _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ 248 _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ ___________________________________________ APÊNDICE E – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS (AS) ALUNOS (AS) 1. Nome do aluno (a): ____________________________________________ 2. Endereço completo: ___________________________________________ 3. Dados pessoais: a) Data de nascimento _____________/____/_________ b) Idade: ______________________________________ c) Sexo: _______________________________________________________ d) Algum problema de saúde? Qual?_________________________________ 4. Dados da vida escolar: a) Com que idade freqüentou pela primeira vez um espaço escolar? ________ b) Com que idade aprendeu a ler e escrever? __________________________ c) Já ficou reprovado alguma vez? ___________________________________ Quantas vezes? ________________________________________________ Em que série? _________________________________________________ Se na oitava série, em que matérias? _______________________________ d) Há quantos anos estuda nesta escola? _____________________________ 5. Atividades de leitura e escrita extra-escolar: a) Lê jornais? ________________ Quantas horas por dia? _______________ b) Em caso afirmativo, o que mais gosta de ler?________________________ c) Lê revistas? __________________________________________________ d) Em caso afirmativo, qual? _______________________________________ 6. Sobre conhecimentos escolares: a) O que é gramática para você? _______________________________________________________________ 249 b) O que acha do estudo de conteúdos gramaticais nas aulas de Língua Portuguesa? _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ 7. Dados familiares: a) Pessoas que moram com você: Quantas e quais? _____________________ _______________________________________________________________ b) Pai: __________________________________________________________ Profissão: _____________________________________________________ Trabalho atual: _________________________________________________ Renda mensal: ________________________________________________ Grau de instrução: _____________________________________________ c) Mãe: ________________________________________________________ Profissão: ____________________________________________________ Trabalho atual: _________________________________________________ Renda mensal: ________________________________________________ Grau de instrução: ______________________________________________ d) Responsável: __________________________________________________ Profissão: _____________________________________________________ Renda Mensal: _________________________________________________ Grau de instrução: ______________________________________________ e) Números de irmãos: (Marque um X) Nenhum ( ) Um irmão/irmã ( ) Dois irmãos ( ) Três irmãos ( ) Mais de três irmãos ( ) 250 APÊNDICE F – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A PROFESSORA Instrumento a ser utilizado para coletar informações para a caracterização da professora da turma envolvida no estudo. 1. Sexo: Masculino ( ) Feminino ( ) 2. Idade: ( ) abaixo de 25 anos ( ) entre 26 e 30 anos ( ) entre 31 e 35 anos ( ) entre 36 e 40 anos ( ) acima de 40 anos 3. Você trabalha em: Uma só escola ( ) Duas escolas ( ) Três escolas ou mais ( ) Outra situação:______________________________________________ 4. Nesta escola você é: Profissional efetivo: ( ) 251 Profissional contratado: ( ) Profissional com designação temporária ( ) Outra situação: _______________________________________________ 5. Há quanto tempo trabalha nesta escola? __________________________ 6. Além de trabalhar nesta escola você exerce outra atividade profissional fora da sala de aula ou outra atividade fora da área da educação? _____________ Qual ? ________________________________________________________ 7. Sua formação acadêmica está em nível de: ( ) médio ( ) licenciatura curta ( ) licenciatura plena ( ) pós graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas) ( ) pós graduação/especialização (360 horas ou mais) ( ) mestrado ( ) doutorado Outros: ______________________________________________________ 8. Sua experiência como professora: ( ) abaixo de 2 anos ( ) entre 2 e 5 anos ( ) entre 5 e 7 anos ( ) entre 7 e 10 anos ( ) acima de 10 anos 9. Que curso (s) de ensino superior cursou? ___________________________ 10. Participou ou participa de cursos que tenham contribuído com a sua formação? _________________________ Cite três cursos, por ordem de relevância, indicando a carga horária correspondente: 1)_____________________________________________________________ 2)_____________________________________________________________ 3)_____________________________________________________________ 11. É vinculado a algum sindicato? Qual ? _____________________________ 12. Assina jornais, revistas ou algum periódico? Quais? ________________ _______________________________________________________________ 13. Participa de seminários, encontros similares ou congressos? ( ) às vezes ( ) nunca ( ) sempre 14. Suas atividades culturais mais freqüentes? __________________________ 252 15. Suas leituras mais comuns: ______________________________________ 16. O que a levou a escolher a profissão de professora de Língua Portuguesa? _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 17. Para você o que é linguagem? _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 18. E a gramática? _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 19. Acha necessário o ensino dos aspectos gramaticais da língua? Por quê? _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 20. Como costuma trabalhar com a 8ª série os conhecimentos gramaticais? _________________________________________________________________ _____________________________________________________________ 21.O que você entende por gêneros do discurso/texto? ___________________ _______________________________________________________________ 22.Como você orienta a leitura e a produção escrita desses gêneros? _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ 23. O que você acha do desempenho dos alunos nas produções de textos escritos no que tange aos conhecimentos gramaticais? 24. Como você acha que pode trabalhar essa questão com os alunos? 253 APÊNDICE G – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO EM SALA DE AULA I - Gêneros textuais escritos que circulam em sala de aula para o trabalho com os conhecimentos gramaticais: a) Identificação dos gêneros e do suporte b) Tipologia textual 254 c) Trabalho com as condições de produção e elementos (estilo, forma composicional e conteúdo temático) II - Trabalho com a leitura de gêneros textuais: a) Caracterização da atividade de leitura - estratégia (oral, silenciosa, dramatizada) - atividades de interpretação - enfoque : aspectos discursivos, situação de produção do gênero textual, conteúdos gramaticais III - Trabalho com a produção de gêneros textuais escritos: a) Orientações para a escritura do texto b) Orientações para a reescrita do texto c) Enfoque para a escrita e reescrita: aspectos discursivos, situação de produção do gênero textual, conteúdos gramaticais IV - Conhecimentos gramaticais (aspectos lexicais, morfológicos, sintáticos, ortográficos) a) Tipo de atividade em que é contemplado o conhecimento gramatical APÊNDICE H – FOLHA DE DIÁRIO DE CAMPO O diário de campo será utilizado para registro das observações realizadas em sala de aula. 255 Escola: ________________________________________________________ Data: __________________________________________________________ Período de observação (horário):_____________________________________ 1. Observações: APÊNDICE I – LEVANTAMENTO DOS DIAS EM CAMPO Mês Dias de observação participante em Dias em que foram realizadas outras Total 256 sala de aula Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Total atividades em campo 17, 20, 24, 27 03, 04, 10, 11, 13 04, 08, 15, 18, 25, 29 05, 06, 12, 19, 20, 14, 21, 28 22 03, 04, 06, 25, 27, 31 01, 03, 07, 17, 21, 02, 09, 16, 23, 30 24, 31 04, 18, 19, 21 20 33 dias 14 dias 09 dias 06 dias 09 dias 06 dias 12 dias 08 dias 47 dias Quadro 1 – Levantamento dos dias em campo. APÊNDICE J – TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE Evento Data 01 17/04/2007 Diário de campo X Forma de registro Áudio Audiovisual (MP3) (VHS) Evento 257 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 17/04/2007 20/04/2007 20/04/2007 24/04/2007 24/04/2007 27/04/2007 27/04/2007 04/05/2007 04/05/2007 08/05/2007 08/05/2007 15/05/2007 18/05/2007 18/05/2007 22/05/2007 22/05/2007 25/05/2007 25/05/2007 29/05/2007 29/05/2007 05/06/2007 06/06/2007 12/06/2007 12/06/2007 19/06/2007 19/06/2007 20/06/2007 22/06/2007 22/06/2007 03/07/2007 03/07/2007 04/07/2007 06/07/2007 06/07/2007 25/07/2007 27/07/2007 27/07/2007 31/07/2007 31/07/2007 01/08/2007 03/08/2007 03/08/2007 07/08/2007 07/08/2007 17/08/2007 17/08/2007 21/08/2007 X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 01 02 01 01 01 01 02 02 01 01 01 01 01 01 X X X X X X X X X X X X X X X X 01 01 01 01 01 01 02 01 01 01 02 01 01 01 02 01 258 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 Total 21/08/2007 24/08/2007 24/08/2007 31/08/2007 31/08/2007 04/09/2007 04/09/2007 18/09/2007 18/09/2007 19/09/2007 21/09/2007 21/09/2007 X X X X X X X X X X X x 60 03 X X X X X X X X X X X X 38 01 01 01 01 02 01 02 01 01 01 01 50 Quadro 2 - TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE APÊNDICE L – Demonstrativo das atividades desenvolvidas nas aulas de 259 Língua Portuguesa. Aula 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 Data 17/04/2007 17/04/2007 20/04/2007 20/04/2007 24/04/2007 24/04/2007 27/04/2007 27/04/2007 04/05/2007 04/05/2007 08/05/2007 08/05/2007 15/05/2007 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 18/05/2007 18/05/2007 22/05/2007 22/05/2007 25/05/2007 25/05/2007 29/05/2007 29/05/2007 05/06/2007 06/06/2007 12/06/2007 12/06/2007 19/06/2007 19/06/2007 20/06/2007 22/06/2007 22/06/2007 03/07/2007 03/07/2007 04/07/2007 06/07/2007 06/07/2007 25/07/2007 27/07/2007 27/07/2007 31/07/2007 31/07/2007 01/08/2007 03/08/2007 03/08/2007 Enfoque principal da aula Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação escrita Leitura “de fruição” Leitura e interpretação escrita Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação oral Leitura “de fruição” Leitura e interpretação escrita Leitura “de fruição” Leitura e interpretação escrita Produção escrita Leitura oral Conhecimento gramatical * Leitura e interpretação oral Leitura “de fruição” Conhecimento gramatical Leitura e interpretação escrita Conhecimento gramatical Leitura “de fruição” Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Leitura e interpretação oral Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Leitura “de fruição” Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Leitura “de fruição” Conhecimento gramatical Leitura e interpretação oral Produção escrita Produção escrita Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação escrita Produção escrita 260 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 07/08/2007 07/08/2007 17/08/2007 17/08/2007 21/08/2007 21/08/2007 24/08/2007 24/08/2007 31/08/2007 31/08/2007 04/09/2007 04/09/2007 18/09/2007 18/09/2007 19/09/2007 21/09/2007 21/09/2007 Conhecimento gramatical Leitura oral Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação oral Leitura e interpretação escrita Conhecimento gramatical Leitura “de fruição” Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Fruição - Filme Conhecimento gramatical Conhecimento gramatical Quadro 3 – Demonstrativo das atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa. * Obs.: O quadro acima foi organizado levando em consideração o enfoque principal da aula observada. Convém ressaltar que na 13ª aula ocorreram dois enfoques principais: “conhecimento gramatical” e “leitura e interpretação oral”. Como o tempo maior da aula esteve voltado para a “leitura e interpretação oral”, esta aula ficou assim classificada, sem no entanto desconsiderar as atividades sobre conhecimentos gramaticais para efeitos da análise qualitativa.