A virtude de estar moralmente errado

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A virtude de estar moralmente errado
De David Pizarro*
Tradução: Isabel Martins Barbosa**
“... um Utilitarista pode desejar, razoavelmente, em
princípios Utilitários, que algumas de suas
conclusões sejam rejeitadas pela humanidade, em
geral...”
-Henry Sidgwick,
Os Métodos da Ética (1884)
O artigo “The Virtue in Being Morally Wrong”1, de David Pizarro2, foi publicado
originalmente na revista Scientific American Mind em 2008. Ele é direcionado a todos
que se interessam por psicologia moral e filosofia empírica de uma forma geral, em
especial a um público não-acadêmico. Tradução feita por Isabel Martins Barbosa3.
Um dia já pareceu óbvio à maioria dos acadêmicos que nossa habilidade de usar a razão
era o que nos tornava criaturas morais. Diferentemente de animais inferiores,
poderíamos usufruir dela para alcançar um conjunto de princípios morais e (até mesmo,
às vezes) aderir a eles. Porém, ao longo do caminho, pensadores visionários, como os
filósofos do século XVIII David Hume e Adam Smith, argumentaram que eram os
sentimentos calorosos de empatia e compaixão, e não as frias regras da lógica, que
pareciam ser os principais responsáveis por nosso senso moral.
Um século após a saída da psicologia da poltrona para o laboratório, o debate acerca das
raízes da moralidade está recebendo mais atenção do que nunca. Como Jorge Moll e
Ricardo de Oliveira-Souza descrevem no artigo que acompanha este texto4, boa parte
dessa atenção vem dos neurocientistas cognitivos. Um artigo de Michael Koenigs, Liane
* Professor de psicologia na Universidadede Yale. Faz pesquisa acerca da linguagem e desenvolvimento.
** Graduanda em Direito pela Puc-Rio, bolsista do projeto Ética e realidade atual: o que podemos saber,
o que devemos fazer (www.era.org.br).
1
PIZARRO, D.A. (2008b). The Virtue in Being Morally Wrong. Scientific American Mind,
February/March 2008.
2
David Marcelo Pizarro Cortes é Ph.D. pela Universidade de Yale (Yale University), na área de pesquisa
de psicologia social. Atualmente, é professor assistente da Universidade de Cornell (Cornell University),
lecionando três diferentes cursos: “Moral Reasoning”, “The Psychology of Emotions” e “Topics in
Emotion: Feelings, Emotion, and the Human Brain”.
3
Aluna de graduação do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio), cursando no momento o 2ºperíodo. Bolsista da PUC-Rio por desempenho acadêmico e bolsista do
ERA.
4
MOLL, Jorge e DE OLIVEIRA-SOUZA, Ricardo. When Morality Is Hard to Like. Scientific American
Mind, Fevereiro/Março de 2008.
Young, e seus colegas em Nature5 acrescenta alguns pontos interessantes ao longo
debate acerca das nascentes da moralidade. Os autores mostram que pacientes com
danos no córtex pré-frontal ventromedial, ou VMPFC, são consistentemente utilitários
em suas decisões morais. O juízo destes pacientes, que não parecem comovidos pelo
prospecto de empurrar alguém para a morte, contanto que os números compensem, se
assemelham menos aos juízos não-utilitários freqüentes de participantes normais e mais
às reações de sociopatas.
E quanto ao dever?
Conforme Moll e Oliveira-Souza apontam, estas descobertas elucidam as contribuições
relativas da razão e da emoção ao juízo moral. Elas também têm implicações em uma
questão mais controversa: quais devem ser nossos juízos morais nestes contextos? As
pessoas normais no estudo Koenigs estão fazendo a escolha certa ao rejeitar o
utilitarismo se a opção utilitária é emocionalmente amedrontadora? Essa linha de
questionamento é frequentemente deixada de lado com a lembrança de que descobertas
empíricas não devem ter peso em questões éticas; atravessar a fronteira entre o que é e o
que deve ser é inaceitável. Porém, se sociopatas e pacientes com lesões cerebrais fazem
juízos que pessoas normais consideram abomináveis, não seria isso uma boa evidência
de que as pessoas normais estão certas? Não deveríamos nos orgulhar de nossas
tendências não-utilitárias?
Esta conclusão poderia ser comprovada se não fosse pelo fato de que algumas pessoas,
que não são nem sociopatas nem pessoas com lesões cerebrais, também endossam
insistentemente o utilitarismo. Muitos filósofos e cientistas sociais não sociopatas e em
perfeito estado cerebral levam o utilitarismo bastante a sério. Para eles, as emoções que
nos tornam receosos quanto a agir pelo bem maior não devem desempenhar um papel
no juízo moral de maneira alguma.
Os Utilitaristas são bons colegas de quarto?
Então, diferentemente, digamos, de escolher um time de basquete para torcer, é difícil
saber como se posicionar em relação ao utilitarismo apenas ao observar os fãs do time.
Este fato significa que a psicologia não pode contribuir em nada para este debate?
Imagine que você está encarregado de criar uma nova espécie de criatura semelhante ao
ser humano do zero. Você privaria esta nova espécie das regiões do cérebro e das
reações emocionais responsáveis pelas tendências não utilitárias, garantindo que seus
integrantes não tivessem problemas ao sacrificar alguns em prol de muitos? Até para
utilitaristas esta noção pode ser perturbadora, como exemplificado pela declaração de
Sidgwick. Como um de meus muitos colegas economistas colocou, se você conhece um
homem que está perfeitamente confortável com a noção de empurrar alguém de uma
ponte (mesmo que isso seja pelo bem maior), é um palpite muito bom que ele não é o
5
KOENIGS, Michael; YOUNG, Liane e outros. Damage to the Prefrontal Cortex Increases Utilitarian
Moral Judgement. Nature, Abril de 2007.
tipo de pessoa que vá ser eleito o pai do ano, fazer doações de caridade ou ser fiel ao seu
time.
O Utilitarismo pode, ao final, ser a teoria moral correta. Mas queremos pessoas que
sejam utilitaristas não por serem emocionalmente anestesiadas (tais como sociopatas e
pacientes com lesões cerebrais), mas por terem decidido que suas emoções ternas e
calorosas devam ser postas de lado em alguns casos específicos. Talvez algumas
pessoas sejam capazes dessa sutil regulação emocional. Mas, para a maioria de nós, ser
bons utilitaristas exigiria o sacrifício de emoções que, embora possivelmente nos
tornem moralmente superiores, também nos tornariam estúpidos.
Referências Bibliográficas:
MOLL, Jorge e DE OLIVEIRA-SOUZA, Ricardo. When Morality Is Hard to Like.
Scientific American Mind, Fevereiro/Março de 2008.
KOENIGS, Michael; YOUNG, Liane; ADOLPHS, Ralph; TRANEL, Daniel;
CUSHMAN, Fiery; HAUSER, Marc e DAMASIO, Antonio (2007). Damage to the
prefrontal cortex increases utilitarian moral judgements. Nature, April 19, 446(7138):
908-911
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