CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ CURSO DE DIREITO MATERIAL DIDÁTICO TEORIA GERAL DO PROCESSO Prof. Esp. MAURÍCIO CORRÊA Macapá – Amapá Janeiro/2014 Página 1 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA : TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR : MAURÍCIO CORRÊA DATA : 1ª PARTE 1. APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR 2. PLANO DE CURSO 3. SISTEMAS AVALIATIVOS EMENTA: A Sociedade e Tutela Jurídica: noções gerais. A função pacificadora do Estado. Acesso à justiça. Processo. Conceito de Processo. O Processo e o Direito Processual. Princípios Gerais do Direito Processual. Princípios e garantias constitucionais do processo. A trilogia estrutural: jurisdição, ação e processo. Jurisdição: Conceito, Finalidade, Classificação, Características, Limites, Princípios. Jurisdição Contenciosa e Jurisdição Voluntária. Competência: Aspectos Gerais, Divisão da competência, Competência Internacional, Competência Interna. Critérios de fixação (valor da causa, natureza da causa, em razão da pessoa, funcional, territorial ou de foro). Qualidade da competência (absoluta e relativa). Modificação da competência: conexão, continência, prevenção. Prorrogação da competência. Declaração de incompetência absoluta. Conflito de competência: noções, espécies (positivo e negativo), solução do conflito. Da ação: conceito, natureza jurídica, elementos da ação (partes, pedido ou objeto, causa de pedir), condições da ação (legitimidade (ordinária e extraordinária), interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido). Classificação das ações: quanto à natureza, quanto ao direito do reclamado, quanto ao objeto, quanto ao fim. Concurso e cumulações de ações. Das partes: conceito, capacidade de ser parte e capacidade processual, substituição processual, substituição das partes ou sucessão processual, capacidade postulatória. Do Ministério Público: noções, natureza jurídica de sua atuação, princípios institucionais, formas de atuações do Ministério Público. Do Juiz e os auxiliares da Justiça: poderes, deveres e responsabilidade do Juiz, auxiliares da justiça. Dos atos processuais: conceito, classificação, forma, atos processuais praticados por meio eletrônico, linguagem, publicidade, o tempo e o lugar dos atos processuais, férias e feriados forenses, prazos, preclusão, comunicação dos atos processuais, nulidades. 2ª PARTE UNIDADE I: A SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA 1.1. NOÇÕES GERAIS Para entender o que é sociedade temos antes que entender o que é ser humano. Este é um ser que nasceu para viver em comunidade. Desde o início de sua existência têm-se notícias que o homem se agrupava para sua sobrevivência. Do homem individual, passou-se a família, ao clã, a tribo e, posteriormente, ao Estado, sendo, pois, o homem um ser social. Aristóteles: zoon politikon (animal político). Contudo, vivendo em sociedade, não pode o ser humano achar que pode tudo. Devem, pois, existir regras de conduta que fazem com que ele limite suas intenções, trazendo aquela comunidade uma tentativa de paz social. Sem regras sociais a vida em comunidade seria impossível de acontecer, tornando inconsistente a vida em comum. Não haveria como ter vida social, sem um mínimo de regras. Sozinho, o homem não necessita de normas, mas em comunidade elas são imprescindíveis. A vida em sociedade traz evidentes benefícios, mas, por outro lado, favorece a criação de uma série de limitações que, em certos momentos e em determinados lugares, são de tal modo numerosas e frequentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana. E, apesar disso, o homem continua vivendo em sociedade. Neste aspecto, pontua o professor Milton Paulo de Carvalho1: “homem é um animal sociável. (...) Como não pode obter por si próprio tudo que tem necessidade, racionalmente se organiza com seus semelhantes para, em união e cooperação livre e 1 CARVALHO. Milton Paulo de. Teoria geral do processo civil. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 3. Página 2 de 64 estável, buscar o fim comum. Essa união, assim moral porque procedente da inteligência e da vontade e porque livre, estável e voltada à consecução do bem comum, chama-se sociedade”. Por outro lado, o fato do homem viver em sociedade é extremamente relevante para o Direito. Com efeito, se não houvesse qualquer tipo de contato entre os homens não surgiriam conflitos e, assim, não seria preciso disciplinar o comportamento humano através de regras que estabelecessem como deve se conduzir. O direito é construído pela humanidade como necessidade inapartável desta, e produzido pela atividade humana em incessante elaboração de estruturas formais diferenciadas e adequadas à regulação dos interesses prevalentes em cada época e, por via de sua qualidade ordenativa e sistêmica, para criar, extinguir, impor, manter ou ocultar, em convenientes padrões de legalidade (licitude ou incolumidade), as ideologias (de repressão, dominação, permissão) e teorias adotadas nas diversas quadras da história dos privilégios, conflitos e insatisfações humanas. Para isso existem meios de solução de conflitos e de insatisfações. O direito regula somente aquilo que é relevante para a sociedade. 1.2. A FUNÇÃO PACIFICADORA DO ESTADO As expressões “ubi societas ibi jus” (não existe sociedade sem direito) e “ubi jus ibi societas” (não existe direito sem sociedade) encontram-se entre as mais significativas expressões jurídicas, pois mostram a real influência de um sobre o outro. A função que o Direito exerce sobre a sociedade, ordenando-a de forma a organizá-la, demonstra que a tutela jurídica sempre foi e sempre será o caminho para a pacificação dos conflitos da sociedade. Por isso, o direito é a mais importante forma de controle social existente. Isso não quer dizer que o Direito evite e elimine os conflitos entre as pessoas. O Direito apenas trabalha para que as insatisfações se dirimam. Compreende-se então, que o Estado moderno exerce o seu poder para a solução de conflitos interindividuais. O poder estatal, hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as pretensões apresentadas e impondo as decisões. No estudo da jurisdição, será explicado que esta é uma das expressões do poder estatal, caracterizando-se este como a capacidade, que o Estado tem, de decidir imperativamente e impor decisões. O que distingue a jurisdição das demais funções do Estado (legislação, administração) é precisamente, em primeiro plano, a finalidade pacificadora com que o Estado a exerce. Na realidade, são de três ordens os escopos visados pelo Estado, no exercício dela: sociais, políticos e jurídico. A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um. A doutrina moderna aponta outros escopos do processo, a saber: a) educação para o exercício dos próprios direitos e respeito aos direitos alheios (escopo social); b) a preservação do valor liberdade, a oferta de meios de participação nos destinos da nação e do Estado e a preservação do ordenamento jurídico e da própria autoridade deste (escopos políticos); c) a atuação da vontade concreta do direito (escopo jurídico). É para a consecução dos objetivos da jurisdição e particularmente daquele relacionado com a pacificação com justiça, que o Estado institui o sistema processual, ditando normas a respeito (direito processual), criando órgãos jurisdicionais, fazendo despesas com isso e exercendo através deles o seu poder. A partir desse conceito provisório de jurisdição e do próprio sistema processual já se pode compreender que aquela é uma função inserida entre as diversas funções estatais. Mesmo na ultrapassada filosofia política do Estado liberal, extremamente restritiva quanto às funções do Estado, a jurisdição esteve sempre incluída como uma responsabilidade estatal. E hoje, prevalecendo às idéias do Estado social, em que ao Estado se reconhece a função fundamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça. Afirma-se que o objetivo-síntese do Estado contemporâneo é o bem-comum e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção particularizada do bem comum nessa área é a pacificação com justiça. Página 3 de 64 1.3. ACESSO À JUSTIÇA Seja nos casos de controle jurisdicional indispensável, seja quando simplesmente uma pretensão deixou de ser satisfeita por quem podia satisfazê-la, a pretensão trazida pela parte ao processo clama por uma solução que faça justiça a ambos os participantes do conflito e do processo. Por isso é que se diz que o processo deve ser manipulado de modo a propiciar às partes o acesso à justiça, o qual se resolve, na expressão muito feliz da doutrina brasileira recente, em "acesso à ordem jurídica justa". Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. Para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais. A ordem jurídico-positiva (Constituição e leis ordinárias) e o lavor dos processualistas modernos têm posto em destaque uma série de princípios e garantias que, somados e interpretados harmoniosamente, constituem o traçado do caminho que conduz as partes à ordem jurídica justa. O acesso à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias. Assim, (a) oferece-se a mais ampla admissão de pessoas e causas ao processo (universalidade da jurisdição), depois (b) garante-se a todas elas (no cível e no criminal) a observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, para que (c) possam participar intensamente da formação do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do contraditório), podendo exigir dele a (d) efetividade de uma participação em diálogo, tudo isso com vistas a preparar uma solução que seja justa, seja capaz de eliminar todo resíduo de insatisfação. Eis a dinâmica dos princípios e garantias do processo, na sua interação teleológica apontada para a pacificação com justiça. Para a efetividade do processo, ou seja, para a plena consecução de sua missão social de eliminar conflitos e fazer justiça, é preciso, de um lado, tomar consciência dos escopos motivadores de todo o sistema (sociais, políticos, jurídicos); e, de outro, superar os óbices que a experiência mostra estarem constantemente a ameaçar a boa qualidade do seu produto final. Esses óbices situam-se em quatro pontos sensíveis, a saber: 1) A admissão ao processo (ingresso em juízo): É preciso eliminar as dificuldades econômicas que impeçam ou desanimem as pessoas de litigar ou dificultem o oferecimento de defesa adequada. A oferta constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, inc. LXXIV) há de ser cumprida, seja quanto ao juízo civil como ao criminal, de modo que ninguém fique privado de ser convenientemente ouvido pelo juiz, por falta de recursos. A justiça não deve ser tão cara que o seu custo deixe de guardar proporção com os benefícios pretendidos. É preciso também eliminar o óbice jurídico representado pelo impedimento de litigar para a defesa de interesses supraindividuais (difusos e coletivos); a regra individualista segundo a qual cada qual só pode litigar para a defesa de seus próprios direitos (CPC, art. 6º) está sendo abalada pela Lei da Ação Civil Pública (lei n. 7.347, de 24.7.85), que permite ao Ministério Público e às associações pleitear judicialmente em prol de interesses coletivos ou difusos, assim como, pela garantia constitucional do mandado de segurança coletivo, que autoriza partidos políticos e entidades associativas a defender os direitos homogêneos de toda uma categoria, mediante uma só iniciativa em juízo (art. 5º, inc. LXX); 2) O modo-de-ser do processo: No desenrolar de todo processo (civil, penal, trabalhista) é preciso que a ordem legal de seus atos seja observada (devido processo legal), que as partes tenham oportunidade de participar em diálogo com o juiz (contraditório), que este seja adequadamente participativo na busca de elementos para sua própria instrução. O juiz não deve ser mero espectador dos atos processuais das partes, mas um protagonista ativo de todo o drama processual; 3) A justiça das decisões: O juiz deve pautar-se pelo critério de justiça, seja (1) ao apreciar a prova, (2) ao enquadrar os fatos em normas e categorias jurídicas ou (3) ao interpretar os textos de direito positivo. Não deve exigir uma prova tão precisa e exaustiva dos fatos, que torne impossível a demonstração destes e impeça o exercício do direito material pela parte. Entre duas interpretações aceitáveis, deve pender por aquela que conduza a um resultado mais justo, ainda que aparentemente a vontade do legislador seja em sentido contrário (a mens legis nem sempre corresponde àmens legislatoris); deve "pensar duas vezes antes de fazer uma injustiça" e só mesmo diante de um texto absolutamente sem possibilidade de interpretação em prol da justiça é que deve conformar-se; Página 4 de 64 4) A efetividade das decisões: Todo processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter. Essa máxima de nobre linhagem doutrinária constitui verdadeiro slogan dos modernos movimentos em prol da efetividade do processo e deve servir de alerta contra tomadas de posição que tornem acanhadas ou mesmo inúteis as medidas judiciais, deixando resíduos de injustiça. Todavia, é sabido que não há sociedade sem direito; entre eles há uma correlação causada pela função ordenadora exercida pelo direito, ou seja, de coordenar os interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre seus membros. A tarefa do direito é de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de alcançar a maior realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste, seguindo o critério do justo e do equitativo de acordo com a convicção prevalente em determinado momento e lugar. O direito é geralmente apresentado como uma das formas do controle social. A existência do direito não é, porém, suficiente para evitar ou eliminar todos os conflitos (situações em que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pôde obtê-lo - o que gera insatisfação). A indefinição de situações é sempre motivo de angústia e tensão. A eliminação de conflitos ocorrentes pode acontecer por obra de um ou de ambos os sujeitos (sacrifício total ou parcial do próprio interesse - autocomposição; ou sacrifício do interesse alheio - autotutela) ou ainda por ato de terceiro (conciliação, mediação ou processo estatal/arbitral). O Estado moderno exerce o seu poder para solução de conflitos interindividuais. A jurisdição deve ser entendida como a capacidade que o Estado tem de decidir imperativamente e impor decisões com finalidade pacificadora. São de três ordens os escopos realizados pelo Estado: escopo social (se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um), escopo político (participação política, preservação da liberdade, do ordenamento e da autoridade dele) e escopo jurídico (atuação da vontade concreta do direito). O sistema processual é instituído para a consecução dos objetivos da jurisdição, ditando normas a respeito, criando órgãos jurisdicionais, fazendo despesas com isso e exercendo através deles o seus poder. A conciliação é tentada antes de todo o processo, como requisito para sua realização e julgamento da causa, instituindo uma verdadeira fase conciliatória no procedimento que disciplina. A conciliação pode ser extraprocessual (tradicional no Brasil) ou endoprocessual; em ambos os casos, visa a induzir as próprias pessoas em conflito a ditar a solução para sua pendência. O conciliador procura obter uma transação (mútuas concessões), ou submissão de um à pretensão do outro (reconhecimento do pedido), ou renúncia (desistência da pretensão). Tratando-se da conciliação endoprocessual, fala-se ainda da mera desistência da ação. Na mediação, os interessados utilizam a intermediação de um terceiro, particular, para chegarem à pacificação de seu conflito. Se diferencia da conciliação pelo método: a conciliação busca sobretudo o acordo entre as partes e é mais indicada para conflitos que não se protraiam no tempo (acidentes de veículos, relações de consumo) enquanto a mediação trabalha com o conflito e é mais indicada para conflitos que se protraiam no tempo (relações de vizinhança, de família); contudo, ambas têm o mesmo resultado. A arbitragem era um instituo em desuso no direito brasileiro, situação que foi alterada com a Lei das Pequenas Causas e com a Lei da Arbitragem, contudo, só se aplica na área do direito civil (não penal). O juízo arbitral é delineado no direito brasileiro da seguinte forma: convenção de arbitragem; limitação aos litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis; restrições à eficácia da cláusula compromissória inserida em contratos de adesão; capacidade das partes; possibilidade de escolherem as partes as regras de direito material a serem aplicadas na arbitragem; desnecessidade de homologação jurisdicional ulterior. Os árbitros, por não terem poder jurisdicional estatal, não podem realizar a execução de suas próprias sentenças nem impor medidas coercitivas; é sempre autorizado, em contraposição, a julgar por equidade. A única diferença entre a jurisdição arbitral e a jurisdição estatal consistiria na circunstância de que o juízo arbitral é atribuído a um privado, investido de jurisdição pela vontade das partes, enquanto a jurisdição estatal é desempenhada pelo Estado, por intermédio de seus juízes e tribunais. Como formas de acesso à justiça, temos: AUTOCOMPOSIÇÃO (CONCILIAÇÃO): É a modalidade de solução das lides por obra dos próprios litigantes quando outros resolvem dispor do interesse ou parte dele para acabar com o litígio. Admissibilidade: dentro ou fora do processo. Espécies: desistência (um dos pretensos simplesmente desiste do bem); submissão (ameaça de ingresso no juízo e a parte paga por submissão); transação (ambos chegam em acordo mediante concessões mútuas e recíprocas). HETEROCOMPOSIÇÃO: Quando um terceiro auxilia na resolução da lide instaurada. Como formas têm: (1) Mediação: um terceiro apenas faz as tratativas, sem dizer qual das partes está com a razão. O mediador, portanto, não decide, mas apenas procura fazer com que as partes cheguem à solução ideal para o conflito. Aliás, também é possível identificar Página 5 de 64 formas primitivas de mediação, quando um terceiro colocava-se entre as partes e tentava fazer com que chegassem a um acordo a respeito do conflito. A solução dos conflitos era, no entanto, o resultado da vontade das próprias partes. (2) Arbitragem: forma privada de jurisdição. Um juiz privado (particular) instruirá o processo arbitral e sentenciará qual parte tem razão. A execução fica a encargo do Poder Judiciário. (3) Jurisdição: O Estado-juiz presta a jurisdição através do seu instrumento (processo). Hoje, a função pacificadora do Direito sobre a sociedade funciona desta forma. Os conflitos de interesses são colocados ao Estado (por meio do Poder Judiciário) e este os soluciona com as decisões imperativas dos magistrados. Sem a jurisdição (poder/dever do Estado de ditar o Direito) a sociedade não sobreviveria pois estaria fadada ao caos e desordem, prevalecendo sempre a força dos mais fortes sobre os mais fracos. ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS → Só há sentido na existência do direito, cujo objetivo é orientar a pacificação social, quando há uma sociedade → A jurisdição é uma função estatal que objetiva aplicar o direito ao caso concreto – dirimindo conflitos e pacificando a sociedade, com justiça. Ela pode ser pública (exercida pelo Poder Judiciário) ou privada (pelos árbitros, sendo que sua sentença é reconhecida pelo Estado, nos termos da lei 9.307/96). → Para o exercício da jurisdição existe a ferramenta processual, que segue formas prescritas em lei (regras e princípios) para garantir a segurança e o respeito aos direitos dos litigantes. → O processo justo tem de primar pela celeridade, simplicidade (informalidade/instrumentalidade), baixo custo, acesso facilitado, garantia de defesa, efetividade, imparcialidade, dentre outras garantias que são seus princípios estruturantes. → É imprescindível que mesmo instaurado um litígio judicial, arbitral ou contencioso administrativo, que seja estimulada a autocomposição, que pode ser alcança por dois métodos: conciliação e mediação. → A conciliação é uma etapa obrigatória de diversos procedimentos judiciais, arbitrais ou administrativos. Os conciliadores, em regra, não são escolhidos pelas partes, mas sim servidores ou funcionários indicados para comissões de conciliação. A conciliação se desenvolve, geralmente, em audiências ou reuniões conciliatórias, portanto, mais rápida que a mediação, objetivando apenas a solução do conflito e não necessariamente a manutenção do relacionamento entre os contendores. → A Mediação, a seu turno, é o mecanismo de solução de controvérsias em que um terceiro imparcial, escolhido pelas partes, intervém entre elas, para que solucionem o litígio, pois ele nada decide. É um procedimento opcional, podendo ser adotado antes mesmo da propositura de uma demanda e visa preservar o relacionamento entre as partes. → AÇÃO: Ato preliminar da formação do processo. Direito legítimo de qualquer cidadão, de qualquer pessoa física ou jurídica pleitear em juízo, perante os tribunais, o reconhecimento daquilo que lhe é devido por lei. É um direito subjetivo público de invocar a tutela jurisdicional do Estado para requerer um direito que foi violado. → PROCESSO: Sequência de atos para alcançar determinado fim. → LIDE: Conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. → FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS, EM ORDEM EVOLUTIVA: a) AUTOTUTELA: É quando uma das partes impõe a solução à outra, submetendo-a a sua vontade. Justifica-se pela impossibilidade de aguardar a pacificação social, dada a gravidade ou urgência e pela impossibilidade de confiar no altruísmo alheio. Em regra, quando não se trata de um exercício regular de direito, configura um delito (art. 345 do CP). São previsões lícitas para uso desse mecanismo: 1) direito de retenção (art. 578 do CC); legítima defesa e estado de necessidade (art. 24 e 25 do CP); desforço imediato (1201 CC - § 1º); e a poda de raízes e galhos limítrofes (art. 1283 CC) b) AUTOCOMPOSIÇÃO: Ocorre quando as próprias partes solucionam o conflito. Divide-se em 1) desistência (da pleitear a pretensão); 2) submissão ou renúncia (abdica-se do direito material, ou se reconhece a procedência do direito alheio) e 3) transação (concessões recíprocas). Não se admitirá em casos que não haja indisponibilidade objetiva (bens irrenunciáveis como a vida, liberdade, alimentos, nome e etc.) ou indisponibilidade subjetiva (pessoas que a lei não permite que transijam, livremente, sobre seus próprios direitos, como os incapazes e o Poder Público) c) HETEROCOMPOSIÇÃO: Quando a controvérsia é resolvida por um terceiro, alheio às partes. É realizada por intermédio das decisões do Poder Judiciário ou de árbitros (Lei 9.307/96). Página 6 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA: TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR: MAURÍCIO CORRÊA DATA: UNIDADE II: PROCESSO 2.1. CONCEITO DE PROCESSO Processo é o instrumento da jurisdição. Para que o Estado, por seus juízes, possa aplicar a lei ao caso concreto, é preciso que se realize uma sequência de atos, que vão estabelecer relações jurídicas e que são destinados a um fim determinado: a prestação jurisdicional. Como condição inafastável para o exercício da jurisdição, o processo, ente abstrato, constitui-se por uma sequência de atos, indicados na Constituição Federal e nas leis, que devem ser observados por aqueles que integram a relação jurídica processual. Para o professor Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barroso2, conceitua: “Processo é o instrumento colocado à disposição dos cidadãos para solução de seus conflitos de interesses e pelo qual o Estado exerce a Jurisdição. Tal solução e exercício são desenvolvidos com base em regras legais previamente fixadas e buscam mediante a aplicação do direito material ao caso concreto, a entrega do bem da vida, a pacificação social e a realização da Justiça” Já o professor Elpídio Donizetti3 leciona: “O processo pode ser conceituado sob dois enfoques: do ponto de vista intrínseco, é a relação jurídica que se estabelece entre autor, juiz e réu (afora eventuais terceiros, como o assistente e o denunciado à lide), com vistas ao acertamento, certificação, realização ou acautelamento do direito substancial subjacente; sob a perspectiva extrínseca, é o meio, o método ou o instrumento para definição, realização ou acautelamento de direitos materiais” No magistério do Professor Vicente Greco Filho 4, ensina: “Na essência, o processo é a relação jurídica que se instaura e se desenvolve entre o autor, juiz e réu; na exteriorização o processo se revela como uma sucessão ordenada de atos dentro dos modelos previstos em lei, que é o procedimento. Por outros termos, procedimento ou rito é a exteriorização do processo ou a forma como se praticam os atos processuais. Portanto, processo é palavra que apresenta vários significados. Dentre os tantos sentidos que são atribuídos ao termo, aquele que importa no momento é o de método de exercício da jurisdição, idealizado pelo legislador por meio de normas processuais e interpretado, nas situações concretas, pela jurisprudência. 2.2. O PROCESSO E O DIREITO PROCESSUAL O processo tem por objetivo produzir um resultado que corresponda àquele determinado pelo direito material. Por isso, deve amoldar-se ao tipo de pretensão que, por meio dele, busca-se realizar e utilizar uma técnica que seja apropriada para o tipo de conflito que é levado a juízo. O processo pode ser considerado uma espécie de caminho que deve ser percorrido pelas partes e pelo juiz para que, ao final, se chegue ao fim almejado, que é a prestação jurisdicional. O processo ainda abrange a relação jurídica que se estabelece entre as partes, e entre elas e o juiz, na qual sobrelevam poderes, deveres, faculdades e ônus. Por seu turno, o direito processual é o conjunto de normas e princípios que estuda a atividade substitutiva do Estado (jurisdição) e a relação jurídica que irá se desenvolver-se entre as partes litigantes e o agente político (juiz) que exerce a função jurisdicional. Na pena de José de Albuquerque Rocha 5, define: “o direito processual é justamente o conjunto de normas jurídicas que dispõem sobre a constituição dos órgãos jurisdicionais e sua competência, disciplinando essa realidade que chamamos de BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Matos. Teoria Geral do Processo e do Processo de Conhecimento. 13ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2012. (Coleção sinopses jurídicas, v. 11). p. 17. 3 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 17ª ed. rev. ampl. e atual. especialmente de acordo com as Leis nºs. 12.424/2011 e 12.431/2011. – São Paulo : Atlas. 2013. p. 73. 4 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 6ª ed. – São Paulo : Saraiva, 1989. p.77. 5 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. – São Paulo : Malheiros, 1996. p.36. 2 Página 7 de 64 processo e que consiste numa série coordenada de atos tendentes à produção de um efeito jurídico final que, no caso do processo jurisdicional, é a decisão e sua eventual execução”. Nos ensinamentos da professora Ada Pellegrini Grinover6 assevera: “Caracterizada a insatisfação de alguma pessoa em razão de uma pretensão que não pôde ser, ou de qualquer modo não foi, satisfeita, o Estado poderá ser chamado a desempenhar a sua função jurisdicional; e ele o fará em cooperação com ambas as partes envolvidas no conflito ou com uma só delas (o demandado pode ficar revel), segundo um método de trabalho estabelecido em normas adequadas. A essa soma de atividades em cooperação e à soma de poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições que impulsionam essa atividade dá-se o nome de processo. E chama-se direito processual o complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado.” Por fim, o direito processual pertence ao ramo do direito público constituído por normas e princípios disciplinadores da função jurisdicional do Estado. 2.2.1. DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL A lei atribui numerosos direitos aos membros da coletividade. As normas de direito material são aquelas que indicam o direito de cada um (direito subjetivo). As normas de processo são meramente instrumentais. Pressupõe que o titular de um direito material entenda que ele não foi respeitado, e recorra ao Judiciário para que o faça valer. O direito material pode ser espontaneamente respeitado, ou pode não ser. Se a vítima quiser fazê-lo valer com força coercitiva, deve recorrer ao Estado, do que resultará a instauração do processo. Ele (processo) não é um fim em si mesmo, nem o que almeja quem ingressou em juízo, mas um meio, um instrumento, para fazer valer o direito desrespeitado. As normas de direito processual regulamentam o instrumento de que se vale o Estado-juiz para fazer valer os direitos não respeitados dos que a elem recorreram. O direito material é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, tributário, trabalhista etc.). O que distingue fundamentalmente direito material do direito processual é que este cuida das relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder aos atos deste sem nada dizer quanto ao bem da vida que é objeto do interesse primário das pessoas (o que entra na órbita do direito substancial). O direito processual é, assim, do ponto-de-vista de sua função puramente jurídica, um instrumento a serviço do direito material: todos os seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção, processo) são concebidos e justificam-se no quadro das instituições do Estado pela necessidade de garantir a autoridade do ordenamento jurídico. O objeto do direito processual reside precisamente nesses institutos e eles concorrem decisivamente para dar-lhe sua própria individualidade e distingui-lo do direito material. 2.3. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL Entende-se por princípio, a base sobre a qual se assenta certo ordenamento jurídico. Nesse sentido, princípio se equipara à viga mestra de uma construção, pois é sobre as vigas que se levanta todo o edifício. Os princípios do processo são também as vigas sobre as quais se assenta o edifício jurídico. Os princípios têm por finalidade traçar uma linha geral para o legislador e para o intérprete, aquele ao fazer a lei, e este, ao aplicá-la, e podem ser divididos em dois grupos: princípios constitucionais e infraconstitucionais. Os primeiros estão na própria constituição: os segundos, nas leis processuais. Há também quem se refira a princípios do procedimento, mas há assim quem não pense. Para Amaral Santos, alguns princípios são do procedimento porque só se aplicam a determinado rito, como a oralidade e a imediatidade. Greco Filho entende que em maior ou menor grau todos informam o mesmo fenômeno. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23ª edição – São Paulo : Malheiros Editores Ltda., 2007. p.46. 6 Página 8 de 64 Sem tomar partido na discussão, o professor Ari Queiroz7 acrescenta apenas que os princípios, sejam do processo ou do procedimento, são encontrados em vários pontos do processo: há princípios das provas, dos prazos, da audiência, da relação processual, do duplo grau de jurisdição e outros. Realmente, que não há como distinguir entre princípios do processo e do procedimento, pois este é apenas exteriorização daquele. De qualquer forma, é possível afirmar que, dos princípios, o da oralidade se relaciona mais com o procedimento do que com o processo, e, por sua vez, se informa pelos princípios da imediatidade, identidade física do juiz, concentração e irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias. 2.3.1. PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO A Constituição Federal de 1988 preserva a liberdade e os bens, garantindo que seu titular não os perca por atos não jurisdicionais do Estado. Além disso, o Judiciário deve observar as garantias inerentes ao Estado de direito, e deve respeitar a lei, assegurando a cada um o que é seu. E é no bojo da Constituição Federal, que encontramos princípios que garantem à aplicabilidade da norma, garantindo à todos, os direitos básicos e impondo a observância, principalmente, do devido processo legal. 2.3.1.1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 2.3.1.1.1. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSUAL LEGAL (DUE PROCESS OF LAW) O art. 5º, LIV, Constituição Federal, dispõe que ninguém será privado da liberdade nem dos seus bens sem o devido processo legal. O devido processo legal ou due process of law é um dogma constitucional que reflete imensuravelmente no direito. Por força deste princípio, ninguém pode sofrer nenhuma pena sem que tenha havido regular processo. O devido processo legal é por demais amplo e abrangente. É dele que derivam os demais princípios do setor processual. O due process of law deve ser interpretado em dois sentidos: um material e outro processual. O professor Marcos Destefenni8, abordando esse duplo aspecto afirma: “No sentido substancial se aproxima do princípio da razoabilidade, no sentido de que todas as normas devem ser aplicadas e todos os bens devem ser tutelados de forma razoável. Do ponto de vista processual, garante que o processo seja justo e adequado, de tal forma que o julgamento da lide ou a solução do caso submetido à apreciação judicial seja feita com a observância de um conjunto mínimo de regras e valores” Entende-se por regular processo aquele que assegura a igualdade de tratamento, a oportunidade de defesa ampla, a justiça gratuita aos pobres, a publicidade dos atos processuais etc. 2.3.1.1.2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS LITIGANTES (ISONOMIA PROCESSUAL) O art. 5º, caput, Constituição Federal, dispõe que todos são iguais perante a lei. O art. 125, inciso I, do CPC, dispõe que o juiz velará pela igualdade dos litigantes. Esta igualdade, assegurada tanto pela Constituição como pelo Código de Processo, determina que o tratamento dado a uma das partes quanto às oportunidades no processo, à imparcialidade do juiz, o direito a defesa por advogado ao pobre que não possa pagar, por exemplo, deve ser dado à outra. 2.3.1.1.3. PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE Para ser válido, o processo há de ser presidido por autoridade imparcial. Daí ser considerada a imparcialidade do magistrado pressuposto processual subjetivo de validade. As causas de impedimento e suspeição estão prevista em lei. QUEIROZ, Ari de Ferreira de. Direito Processual Civil : teoria geral do processo – processo de conhecimento – recursos. 9ª. ed. rev. ampl. e atual. – Goiânia : IEPC, 2008. p. 108. 8 DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil, volume 1. – São Paulo : Saraiva, 2006. p. 13. 7 Página 9 de 64 A imparcilidade do juiz não tem previsão expressa no texto constitucional, mas decorre diretamente dos princípios de acesso à justiça e da isonomia processial. 2.3.1.1.4. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO Aduz que o processo deve ser uma relação jurídica dialética entre as partes litigantes e o juiz. O contraditório é uma consequência da isonomia processual e do devido processo legal. A lei exigência sua observância sob pena de nulidade processual. É cláusula pétrea esculpida no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Portanto, o direito ao contraditório é um corolário do devido processo legal. O contraditório é a oportunidade que deve ser dada a uma parte sobre os atos praticados pela outra, para que, querendo, venha se defender. O contraditório não é a obrigação de se defender, mas sim o direito que deve ser dado de se defender. 2. 3.1.1.5. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA A ampla defesa é um desdobramento do princípio de contraditório. Cabe ao magistrado, assim, sob pena de nulidade processual, assegurar aos acusados em geral, como corolário do contraditório, a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal). 2. 3.1.1.6. PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO A Constituição exige dos órgãos da jurisdição a motivação, explícita de todos os seus atos decisórios. Tal garantia assegura às partes o conhecimento das razões do convencimento do juiz e o porquê da conclusão exarada em sua decisão, outorgando ao seu ato maior força de pacificação social, possibilitando a interposição de recursos pela parte vencida. Com efeito, em nosso sistema legal (civil law) os agentes políticos da jurisdição não são eleitos pelo voto popular, a demonstração do raciocínio lógico-jurídico a eles imposto é a forma de legitimação da sua função, essencial ao estado de direito e ao conceito de devido processo legal. Como o princípio do devido processo legal extrapolou os limites do direito processual, a fundamentação tem sido exigida até mesmo nas decisões das autoridades administrativas, sob pena de nulidade da sanção aplicada. Sua fundamentação legal encontra-se esculpida no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. 2. 3.1.1.7. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE Todos os atos praticados em juízo são dotados de publicidade, como forma de controle da atividade jurisdicional pelas partes e garantia de lisura no procedimento. É preciso que não somente as partes, mas também a sociedade tome conhecimento dos atos processuais e das decisões administrativas e judiciais oriundas do Judiciário e possam fiscalizar as atividades desse Poder. O juiz só poderá restringir o acesso nos casos de segredo de justiça ou em que haja interesse público (art. 5º, inciso LX, Constituição Federal), como o previsto no art. 155 do CPC. 2. 3.1.1.8. PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL A Emenda Constitucional nº. 45/2004 fez incluir, dentro do rol das garantias constitucionais do processo, a celeridade processual, conforme o que dispõe o art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal. A celeridade processual é caracterizada por dois aspectos distintos, quais sejam: (1) a razoabilidade na duração do processo e, (2) a celeridade em sua tramitação. 2.3.1.1.9. PRINCÍPIO DA LICITUDE DO MEIO PROBATÓRIO Não são admissíveis no processo provas obtidas por meios ilícitos. Mesmo que a prova seja boa, mas sendo ilícito o meio utilizado para consegui-la, como a agravação clandestina de conversa telefônica (grampo telefônico), em processo será uma prova sem qualquer valor (art. 5º, inciso da LVI, da Constituição Federal). Página 10 de 64 2. 3.1.1.10. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OU DA RECORRIBILIDADE O duplo grau de jurisdição, embora não previsto expressamente no texto constitucional, é um princípio implicitamente contido no inciso LV do art. 5º, no qual dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, como os meios e recursos a ela inerentes”. Se o texto fala em recursos, implícito está o princípio em comento. 2.3.2. PRINCÍPIOS INFRACONSTITUCIONAIS A jurisdição é inerte. Todavia, é garantida a toda e qualquer pessoa, requerer a prestação jurisdicional. Atento às condições que movimentam o processo, necessário se faz, a observância dos princípios infraconstitucionais. 2.3.2.1. PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES A jurisdição é inerte, vedado o seu exercício de ofício, devendo ser provocada pelas partes. Em especial, o processo civil começa por iniciativa das partes, vez que a jurisdição é uma função inerte (art. 2º do CPC) que só pode ser prestada a quem pedir. Duas expressões latinas refletem o princípio: nemo iudex sine actore ou ne procedat iudex ex officio, isto é, não há processo sem autor, e o não há procedimento em juízo sem pedido do interessado, porque o juiz não pode agir de ofício. 2.3.2.2. PRINCÍPIO DO IMPULSO OFICIAL Provocada que seja a jurisdição com a propositura da ação, ato de iniciativa da parte, o processo se desenvolve por impulso oficial, isto é, com o ato ordenado pelo juiz se assemelhando a uma aceleração de veículo, que só no embalo caminha uma boa distância. Esta distância é o impulso oficial, o que ocorre também no processo (art. 262 do CPC). 2.3.2.3. PRINCÍPIO DISPOSITIVO O processo civil pertence às partes. Mesmo depois de proposta ou de contestada a ação cabe às partes requerer ao juiz o que pretendem. O juiz não decidirá sobre o que não for pedido pelo autor. Se a parte não praticar ato que lhe compete, ou requerer o que lhe seja de direito, o juiz extinguirá o processo sem apreciar o mérito. Ao contrário do sistema inquisitivo, em que o processo se inicia e se desenvolve por ato oficial, o princípio dispositivo impõe que o processo civil só se inicie por disposição de vontade da parte ou interessado, nunca do juiz, e por seu interesse continue em desenvolvimento, até a solução final. Iniciando-se, desenvolve-se por impulso oficial, vale dizer, o juiz determina o andamento do processo até onde possa chegar sem iniciativa da parte, como, por exemplo, quando uma delas de praticar um ato, com o adiantamento de despesa relativa a prova, caso em que o juiz determina que prossiga o processo sem dita prova (arts. 2º e 262 do CPC). Há exceções, entretanto: o art. 130 do CPC, que permite ao juiz determinar de ofício provas que entender serem necessárias, e o art. 462 c/c o art. 418 do CPC, que se refere ao fato novo não alegado nos atos e que possa influir no julgamento da causa. No entanto, só se pode apreciar de ofício “fato novo” se versar sobre direitos indisponíveis, como a posterior união do casal que está pretendo o divórcio. 2.3.2.4. PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL O juiz é livre para decidir com base nas provas constantes dos autos, atribuindo a cada uma um valor que sua consciência determinar, mas deverá indicar, na sentença, os motivos do seu convencimento. Por isso se diz persuasão racional, porque o valor de cada prova é ato privativo do juiz, conforme sua consciência (art.131 do CPC). O sistema oposto consagrava o princípio da íntima convicção do juiz, pelo qual formava sua consciência até mesmo extraautos, sem necessidade de fundamentação, decidindo mais com a paixão do que com a razão. Página 11 de 64 2.3.2.5. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL Ainda que o código tenha adotado o princípio da persuasão racional, a lei não pode querer que a verdade do processo, meramente formal, seja melhor que a verdade dos fatos, verdade material. Assim, o juiz pode, em determinados casos, determinar a pratica de alguma prova quando a parte não a tenha pedido, desde que julgue necessária para esclarecer a verdade real. 2.3.2.6. PRINCÍPIO DA ORALIDADE O princípio da oralidade não significa que todos os atos processuais sejam orais, mesmo porque sem tais constem registrados nos autos, não existem no mundo jurídico. Significa apenas a predominância da palavra verbal, cujos atos assim praticados oralmente devem ser reduzidos a termo (escrito). Há atos que só podem ser praticados oralmente, como os depoimentos de testemunhas e partes e os esclarecimentos de peritos em audiência. 2.3.2.7. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ O mesmo juiz que colher as provas deve prolatar a sentença. O juiz que olha nos olhos das testemunhas e partes, em audiência, e sente os seus anseios e angústias, tem melhores condições de decidir, do que apenas aquele juiz que analisa os atos frios de um processo. Por isso, se diz identidade física do juiz, que é a relação pessoal e direta daquele que colhe as provas com aquele que profere a sentença. A violação ao princípio da identidade física do juiz é a causa de nulidade do processo. Não há, porém, nulidade alguma quando, em audiência, não são produzidas provas orais, limitando-se as partes a apresentar memoriais ou debates. 2.3.2.8. PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE O princípio da imediatidade está intimamente ligado ao da identidade física do juiz. Trata-se do contrato imediato com as provas, isto é, o próprio juiz deve colher as provas sem valer-se de interposta pessoa, por isso que até mesmo as perguntas das partes às testemunhas são sempre feitas pelo juiz. 2.3.2.9. PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO Os atos processuais devem ser concentrados de modo a realização de várias audiências ou petições e decisões. O ideal é que numa só audiência sejam produzidas as provas orais, feitas as alegações finais e proferida a sentença (arts.278 e 456 do CPC). 2.3.2.10. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL Pelo princípio da economia processual, processo é meio e não fim em si mesmo, pelo que os atos praticados de modo diferente do previsto em lei são válidos, desde que deles não resulte prejuízo a qualquer das partes. Da mesma forma, mesmo sendo grave o erro formal, se a decisão for favorável à parte que poderia se beneficiar com declaração de nulidade, o ato será considerado válido, em obediência ao princípio pas de nullitté san grief (arts. 295, 130 e, 330 do CPC). 2.3.2.11. PRINCÍPIO DA LEALDADE E BOA-FÉ Voltado às partes e seus procuradores, o princípio determina que devem agir com lealdade e boa-fé e sem praticar atos atentatórios à dignidade da justiça (arts. 14 e 15 do CPC), podendo o juiz mandar riscá-las e aplicar multas aos que desobedecerem (art. 18, 125, III e 129 do CPC), o que pode ser feito até mesmo ofício. Página 12 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA: TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR: MAURÍCIO CORRÊA DATA: UNIDADE III: A TRILOGIA ESTRUTURAL: JURISDIÇÃO, AÇÃO, PROCESSO 3.1. JURISDIÇÃO Da jurisdição, podemos dizer que é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentando em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada). Que ela é uma função do Estado e mesmo monopólio estatal, já foi dito; resta agora, a propósito, dizer que a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal). 3.1.1. CONCEITO A análise etimológica da expressão “jurisdição” indica a presença de duas palavras unidas: juris (direito) e dictio (dizer). E esse “dizer o direito”, a partir do instante que o Estado chama para si a responsabilidade de solucionar as lides, transforma essa função em nítido poder estatal, poder este exercido não só pela obrigatoriedade da jurisdição estatal, mas também pela sujeição imposta à parte perdedora na demanda judicial de observar o julgado, sob pena de cumprimento coercitivo. Decorre daí o princípio da inevitabilidade da jurisdição. O professor Carlos Henrique Soares9 leciona: “A jurisdição é função ou atividade desempenhada pelo Estado. O Estado possui responsabilidade de manter a ordem jurídica da sociedade. Assim, por meio do devido processo legal, deve o Estado buscar de forma imparcial a aplicação do direito, resolvendo os casos concretos que lhe são apresentados.” Marcus Vinicius Rios Gonçalves10, em síntese, conceitua: “Jurisdição é função do Estado, pela qual ele, no intuito de solucionar os conflitos de interesses em caráter coativo, aplica a lei geral e abstrata aos casos concretos que lhe são submetidos.” Por fim, ensina o professor Elpídio Donizetti11: “Jurisdição, portanto, é o poder, a função e a atividade exercidos e desenvolvidos, respectivamente, por órgãos estatais previstos em lei, com a finalidade de tutelar direitos individuais ou coletivos. Uma vez provocada, atua no sentido de, em caráter definitivo, compor litígios ou simplesmente realizar direitos materiais previamente acertados, o que inclui a função de acautelar os direitos a serem definidos ou realizados, subsituindo, para tanto, a vontade das pessoas ou entes envolvidos no conflito.” 3.1.2. FINALIDADE Extrai-se dos conceitos acima que, por meio da atividade jurisdicional, o estado resolve conflito de interesses compondo a lide, isto é, diz a quem pertence o direito controvertido apenas e tão somente naquele caso concreto. O dever-poder do Estado, por meio do Poder Judiciário, permite a solução de conflito de interesses, ou efetivando um direito já assegurado. SOARES, Carlos Henrique. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Manual elementar de processo civil. – Belo Horizonte : Del Rey, 2011. p. 7. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 83. 11 DONIZETTI, Elpídio. op. cit. p. 6. 9 10 Página 13 de 64 Assim, a jurisdição tem por finalidade: a) A composição de litígios, através da aplicação e especialização das normas gerais de conduta (direito) ao caso concreto (escopo12 jurídico); b) A pacificação social (escopo social); c) A realização da justiça (escopo político). 3.1.3. CLASSIFICAÇÃO A jurisdição pode ser classificada levando-se em conta alguns critérios 3.1.3.1. PELO CRITÉRIO DO OBJETO DA LIDE a) Penal: é aquela que trata de lides de natureza penal; b) Civil: é aquela que trata de lides de natureza civil, podendo ser esta última contenciosa ou voluntária. 3.1.3.2. QUANTO AOS ORGANISMOS JUDICIÁRIOS QUE A EXERCEM a) Especial: compõem-se da Justiça Militar, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho e Justiça Militar Estadual; b) Comum: é composta da Justiça Estadual e Justiça Federal, quando seus conteúdos não atinar ao da justiça especial. 3.1.3.3. QUANTO A HIERARQUIA a) Superior: é a exercida pelos órgãos a que cabem recursos contra as decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais a quo; b) Inferior: é a exercida por órgãos jurisdicionais que, ordinariamente, conhecem do processo desde o seu ínicio. 3.1.3.4. QUANTO A FONTE O critério da fonte do direito com base no qual é proferido o julgamento e divide-se em: a) De direito: o julgador restringi-se a decidir a lide com base no direito positivo; b) Equidade: o julgador decide sem limitações impostas pelas regulamentações legais. 3.1.4. CARACTERÍSTICAS Para tornar mais fácil a compreensão de jurisdição, é importante colocar em destaque suas características, isto é, aqueles elementos que permitem distinguir a “jurisdição” de outras funções exercidas pelo Estado e, de maneira ampla, de quaisquer outras atividades relevantes para o Direito. A jurisdição tem por características a aplicação do direito material, após provocação das partes, as quais não obtiveram êxito em resolver seus conflitos amigavelmente (escopo de atuação do direito), e a substitutividade, consistente em atuar no lugar das partes e de maneira obrigatória. 3.1.4.1. SUBSTITUTIVIDADE Como afirmado, um dos principais elementos que compõem o conceito de jurisdição – e que a caracterizam -, portanto, é a substitutividade. No magistério do professor Roberto Moreira de Almeida13 leciona: “A atividade do juiz substitui a atuação particular dos litigantes. Com efeito, quando as pessoas não obtêm uma solução extrajudicial para determinado litígio, podem levar o fato ao conhecimento do Poder Judiciário. Incumbe a este, substituindo a vontade das partes, dirimir o conflito, aplicar a solução para o caso concreto e, se for o caso, a pedido do vencedor, impor coercitivamente ao vencido a decisão”. 12 13 Alvo, mira, intenção (in dicionário mini Aurélio), p. 304. ALMEIDA, Roberto Moreira de. Teoria geral do processo: penal, civil e trabalhista. – 2 ed. – Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : Método, 2010. p. 177. Página 14 de 64 Na visão do professor Elípidio Donizetti14 esclarece: “Como o Estado é um terceiro estranho ao conflito, ao exercer a jurisdição estará ele substituindo, como atividade sua, a vontade daqueles direitamente envolvidos na relação jurídica de direito material, os quais obrigatoriamente se sujeitarão ao que restar decidido pelo Estado-juízo. É nesse sentido que se fala em substitutividade da jurisdição” 3.1.4.2. IMPARCIALIDADE Em primeiro lugar, há quem a enquadre como pressuposto processual de validade. Em outros termos, a imparcialidade seria requisito para que exista a atividade jurisdicional. A imparcialidade é tida por Ovídio Baptista da Silva15 como principal elemento que discerne a jurisdição das demais atividades estatais e decorre da substitutividade, visto que nada adiantaria que o magistrado aplicasse a “vontade concreta da lei” ao conflito entre terceiros, substituindo a sua vontade, se tivesse interesse nesse resultado. Neste diapasão, pontua o professor Elpídio Donizetti16: “Para ser legítimo o exercício da jurisdição, é imprescindível que o Estado-Juízo – ou melhor, aqueles agentes que, em decorrência da lei, integrarão o órgão jurisdicional (juiz, escrivão, oficial de justiça, contador) – atue com imparcialidade. No exercício da jurisdição deve predominar o interesse geral de administração da justiça, devendo os agentes estatais zelar para que as partes tenham igual tratamento e igual oportunidade de participar na formação do convencimento daquele que criará a norma que passará a reger o conflito de interesses.” 3.1.4.3. INDELEGABILIDADE O Poder Judiciário, como os outros poderes, não pode delegar suas atribuições típicas. A indelegabilidade deve ser entendida no sentido de que os órgãos que podem exercer a função jurisdicional, atuar jurisdicionalmente, são única e exclusivamente aqueles que a Constituição Federal cria e autoriza. É vedado que haja alguma forma de “delegação” da função jurisdicional a outros órgãos ou pessoas não autorizados pela Constituição Federal. A teor do tema é a opinião do professor Carlos Henrique Soares 17: “A atividade jurisdicional é uma atividade exclusiva do órgão judiciário. Assim, se a lei disser que a competência para dirimir o conflito é desse judiciário, ele e nenhum juiz podem delegar sua atribuição. A Constituição da República é que estabelece as atribuições do Judiciário. Esse princípio não é absoluto, admitindo exceções, que podem ser indicadas no arts. 102, I, m, da CR/88, e os arts. 201 e 492 do Código de Processo Civil”. No magistério do professor Ari Queiroz18 leciona: “Significa que o juiz já é um delegado do estado a quem compete prestar a tutela jurisdicional, pelo que seria um contra-senso se pudesse delegá-la. Embora deva exercê-la pessoal, não afronta o princípio a realização de atos por meio de carta precatória, de ordem ou rogatória”. 3.1.4.4. INEVITABILIDADE Considerando que a prestação jurisdicional é uma atividade pública, ela poderá sujeitar a parte ao processo, bem como ao seu resultado. A invevitabilidade da jurisdição se verifica quando do (1) início do processo e (2) em relação aos seus resultados. Também o produto da atividade jurisdicional impõe-se às partes, não podendo ser por elas recusado como norma de regulação de sua conduta. Assim sendo, uma vez decidida uma determinada lide pelo Estado-juiz, a regra emanada do Judiciário é o comando válido e apto a regular a situação jurídica dos litigantes. Com efeito, ensina o professor Rodrigo Klippel19: “A inevitabilidade restringe-se ao mundo jurídico do dever-ser, ou seja, depois de transitada em julgado, a decisão vincula as partes juridicamente, dando solução à lide, que não mais poderá ser DONIZETTI, Elpídio. op. cit. p. 11. SILVA, Ovídio Baptista da. Teoria geral do processo civil. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 75 16 DONIZETTI, Elpídio. op. cit. p. 11.. 17 SOARES, Carlos Henrique. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. op. cit. p. 11. 18 QUEIROZ, Ari de Ferreira de. op. cit. p. 109. 19 KLIPPEL, Rodrigo e BASTOS, Antônio Adonias. Manual de direito processual civli. – volume único. 3ª ed. rev. ampl. e atual. – Salvador : Editora JusPodivm, 2013. p. 72. 14 15 Página 15 de 64 discutida à luz do ordenamento jurídico. Se a “pacificação” jurídica corresponderá à pacificação social, ao cumprimento da regra de conduta, é outro problema, que não afeta a ideia de inevitabilidade.” Assim, uma vez ativada pelas partes, a jurisdição é forma de exercício do poder estatal, e o cumprimento de suas decisões não pode ser evitado pelas partes, sob pena de cumprimento coercitivo (tutela executiva). 3.1.4.5. DEFINITIVIDADE As decisões judiciais de mérito, uma vez transitadas em julgado, ganham o cunho de definitividade e irrevogabilidade (res judicata). Essa característica difere a atividade administrativa da jurisdicional. Enquanto a decisão administrativa irrecorrível é passível de anulação pelo Poder Judiciário, as decisões judiciais de mérito, não mais passíveis de recursos, tornam-se definitivas (imutáveis). 3.1.5. LIMITES Se o escopo jurídico da jurisdição é a atuação do direito, seria de crer que em todos os casos de norma descumprida ou de alguém a lamentar uma resistência oposta à pretensão, sua invariavelmente houvesse a possibilidade de acesso aos tribunais e obtenção da prestação jurisdicional. Mas nem sempre assim é. Existem limitações internas de cada Estado, excluindo a tutela jurisdicional em casos determinados; e há também limitações internacionais, ditadas pela necessidade de coexistência dos Estados e pelos critérios de conveniência e viabilidade. Assim sendo, nem sempre há coincidência de extensão entre a legislação e a jurisdição (duas funções do Estado); a vontade do direito nem sempre é atuada por autoridade do mesmo Estado que a editou e mesmo nem sempre é atuada através de um Estado qualquer. 3.1.5.1. LIMITES INTERNACIONAIS Quem dita os limites internacionais da jurisdição de cada Estado são as normas internas desse mesmo Estado. Contudo, o legislador não leva muito longe a jurisdição de seu país, tendo em conta principalmente duas ponderações ditadas pela experiência e pela necessidade de coexistência com outros Estados soberanos; a) a conveniência (excluem-se os conflitos irrelevantes para o Estado, porque o que lhe interessa, afinal, é a pacificação no seio da sua própria convivência social); b) a viabilidade (excluem-se os casos em que não será possível a imposição autoritativa do cumprimento da sentença). A doutrina, sintetizando os motivos que levam à observância dessas regras, alinha-os assim: a) existência de outros Estados soberanos; b) respeito a convenções internacionais; c) razões de interesse do próprio Estado. Fala-se também nos princípios da submissão e da efetividade, que condicionam a competência internacional de cada Estado. Assim, em princípio cada Estado tem poder jurisdicional nos limites de seu território: pertencem à sua autoridade judiciária as causas que ali tenham sede. No direito brasileiro, os conflitos civis consideram-se ligados ao território nacional quando: a) o réu tiver domicílio no Brasil; b) versar a pretensão do autor sobre obrigação a ser cumprida no Brasil; c) originar-se de fato aqui ocorrido; d) for objeto da pretensão um imóvel situado no Brasil; e) situarem-se no Brasil os bens que constituam objeto de inventário, conforme regramento contido no CPC, arts. 88 e 89. Em direito processual penal, a solução é dada por vias diferentes. Como o direito penal (direito material) se rege estritamente pelo princípio da territorialidade, não se impondo além dos limites do Estado, e como as sanções de direito penal não podem ser impostas senão através do processo, segue-se que o juiz de um Estado soluciona as pretensões punitivas exclusivamente de acordo com a norma penal pátria; ou, em outras palavras, a jurisdição penal tem limites que correspondem precisamente aos de aplicação da própria norma penal material. No processo trabalhista, afirmada a estrita territorialidade do direito material, a doutrina também sustenta que a jurisdição da Justiça do Trabalho nacional tem os mesmos limites da lei substancial. Página 16 de 64 3.1.5.1.1. LIMITES INTERNACIONAIS DE CARÁTER PESSOAL Por respeito à soberania de outros Estados, tem sido geralmente estabelecido, em direito das gentes, que são imunes à jurisdição de um país: a) os Estados estrangeiros; b) os chefes de Estados estrangeiros; c) os agentes diplomáticos. A tendência é no sentido da ampliação das imunidades, tanto que, ultimamente, tratados e convenções as têm estendido a organismos internacionais, como é o caso da ONU; e a imunidade prevalece, ainda que se trate de atos praticados jure gestionis pelas embaixadas e agências comerciais (não se restringindo, pois, aos atos jure imperii, inerentes aos próprios fins de representação diplomática). Essa regra é plenamente válida para a jurisdição civil em sentido estrito, mas, ainda na jurisprudência mais recente, põe-se em dúvida sua aplicação à jurisdição trabalhista. A imunidade das pessoas físicas (chefes de Estado, agentes diplomáticos) refere-se tanto à jurisdição civil como à penal. Os principais textos a respeito da matéria são: a) a Convenção Sobre Funcionários Diplomáticos (Havana, 1928); b) a Conferência Internacional Sobre Relações Diplomáticas (Viena, 1961). 3.1.5.2. LIMITES INTERNOS No direito moderno, em princípio a função jurisdicional cobre toda a área dos direitos substanciais (Constituição Federal, art. 5º, inc. XXXV; Código Civil, art. 186), sem que haja direitos ou categorias de direitos que não possam ser apreciados jurisdicionalmente. Esse princípio, porém, deve ser entendido com os esclarecimentos e ressalvas que seguem. Em primeiro lugar, às vezes é o Estado-administração o único a decidir a respeito de eventuais conflitos, sem intervenção do Judiciário. É o que se dá nos casos de impossibilidade da censura judicial dos atos administrativos, do ponto-de-vista da oportunidade ou conveniência (a jurisprudência, no entanto, vai restringindo a área dessa incensurabilidade). Além disso, a lei expressamente exclui da apreciação judiciária as pretensões fundadas em dívidas de jogo (Código Civil, art. 814). Em alguns países (não no Brasil), as causas de valor ínfimo não são conhecidas pelo Poder Judiciário (minimis non curat praetor – princípio da insignificância). Todos os casos alinhados acima são de impossibilidade jurídica da demanda e são excepcionalíssimos porque a garantia constitucional do acesso à justiça tem conduzido a doutrina e jurisprudência a uma tendência mareadamente restritiva quanto às vedações do exame jurisdicional de pretensões insatisfeitas. 3.1.6. PRINCÍPIOS 3.1.6.1. PRINCÍPIO DA INVESTIDURA O Estado atua por meio de seus órgãos. E assim sendo, somente os agentes políticos investidos do poder estatal de aplicar o direito ao caso concreto (julgar) é que podem exercer a jurisdição. Tal investidura é realizada de duas formas: mediante aprovação em concursos públicos de provas e títulos, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica, e pela nomeação direta, por ato do chefe do Poder Executivo, de pessoas com prévia experiência e notável saber jurídico, como nos casos de ingresso na magistratura pelo quinto constitucional ou nomeação de ministros dos tribunais superiores. Com efeito, a respeito do princípio em comento, leciona o professor Rinaldo Mouzalas 20: “a jurisdição só pode ser exercida por quem estiver investido da função judicante (mediante aprovação prévia do bacharel em direito, com no mínimo três anos de atividade jurídica, em concurso público de provas ou provas e títulos, ou, no caso de Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais e os Tribunais Superiores, conforme o art. 101 e seguintes da CF).” 3.1.6.2. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA FUNÇÃO JURISDICIONAL OU DA INDECLINABILIDADE A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. É preceito constitucional que nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário. Se o Estado exige dos cidadãos a observância da obrigatoriedade da jurisdição, tem ele o dever de solucionar os conflitos de interesse quando provocado. 20 MOUZALAS, Rinaldo. Direito processual civil/coleção OAB. – Salvador : Editora JusPodivm, 2012. p. 32. Página 17 de 64 Sobre este princípio, pontua o professor Ari Queiroz 21: “O órgão constitucionalmente investido no poder de jurisdição tem a obrigação de prestar a tutela jurisdicional, e não a simplesmente faculdade. Não pode recursar-se a ela quando legitimamente provocado alegando falhas ou lacunas na lei. Na solução de casos concretos, o juiz deve lançar mão das normas gerais, assim entendidas as leis e demais atos normativos, mas, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes, aos princípios gerais do direito e por fim à equidade, se for necessário.” Deste modo, a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito, conforme preceito constitucional esculpido no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Mesmo que não haja lei que se possa aplicar, de forma específica, a um determinado caso concreto, o juiz não se escusa de julgar invocando a lacuna. 3.1.6.3. PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE Princípio acima já estudado acrescente-se que, como a jurisdição é investida após preenchimento de rigorosos critérios técnicos, tem-se que não pode ser objeto de delegação pelo agente que a exerce com exclusividade. 3.1.6.4. PRINCÍPIO DA ADERÊNCIA OU TERRITORIALIDADE O exercício da jurisdição, por força do princípio de territorialidade da lei processual, deve estar sempre vinculado a uma prévia delimitação territorial. Este princípio pressupõe uma área circunscricional sobre a qual o juiz exerce seu poder jurisdicional. Os tribunais superiores (STF, STJ, TST, TSE e STM), por exemplo, nos limites de sua competência, têm jurisdição em todo o território nacional e o Tribunal de Justiça de cada Estado, sobre o território desse Estado. Já os juízes estaduais exercem a jurisdição dentro da área (comarca) traçada pela lei de organização judiciária do Estado. Com efeito, o órgão jurisdicional competente para determinada causa, em dado lugar, só pode atuar nos limites de sua jurisdição, de acordo com as regras de competência. Destarte, caso haja necessidade de praticar um ato processual fora dos limites da jurisdição, cabe ao juiz solicitar a cooperação de outros magistrados, seja por meio de expedição de carta precatória (cumprimento dentro do território nacional) ou rogatória (cumprimento no exterior). 3.1.6.5. PRINCÍPIO DA INÉRCIA Por decorrência do princípio da ação, a jurisdição não pode ser exercida de ofício pelos agentes detentores da investidura, dependendo ela sempre de provocação das partes. Nessa esteira, adverte o professor Ari Queiroz 22: “A jurisdição é atividade estritamente inerte, vale dizer, o Estado só age quando provocado pelo interessado pela ação adequada no caso concreto”. 3.1.6.6. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL AO PEDIDO A prestação da atividade jurisdicional está adstrita ao pedido. É o que determina o art. 128 do CPC. Assim não pode existir sentença que dê mais que o pedido (sentença ultra petita), menos que o pedido (sentença citra petita) ou fora do pedido (sentença extra petita). 3.1.6.7. PRINCÍPIO DO JUÍZO NATURAL O juiz natural é aquele a quem a lei outorga competência jurisdicional, segundo regras estabelecidas previamente. Sua adoção veda o estabelecimento de juízo após a ocorrência do fato a ser apreciado (tribunais de exceção), o que asseugra aos litigantes a imparcialidade e a independência funcional dos magistrados. O princípio do juiz natural comporta três proteções, que são conferidas pelo ordenamento jurídico aos jurisdicionados, para o fim de garantir-lhes isonomia, bem como maior qualidade na prestação da tutela jurisdicional: a) a vedação à instituição de tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII da Constituição Federal de 1988); 21 22 QUEIROZ, Ari de Ferreira de. op. cit. p. 110. Idem. p. 108. Página 18 de 64 b) a garantia de processamento e julgamento por órgão jurisdicional cuja competência decorra de regras contidas na Constituição Federal (art. 5º, LIII); c) a garantia da imparcialidade do julgador, que deve ser impedido (art. 134 do CPC) ou suspeito (art. 135 do CPC). 3.1.6.8. PRINCÍPIO DA UNICIDADE A jurisdição, como expressão do poder estatal soberano, a rigor comporta divisões, pois falar em diversas jurisdições num mesmo Estado significaria afirmar a existência, aí, de uma pluralidade de soberanias, o que não faria sentido; a jurisdição é, em si mesma, tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano. Muito embora se fale em jurisdição civil e penal, Justiça Federal e Estadual, na realidade esse poder-dever é uno e indivisível. As divisões decorrentes de sua repartição administrativa entre os diversos órgãos só têm relevância para o aspecto da funcionalidade da justiça, não retirando da jurisdição sua natureza una. 3.1.7. JURISDIÇÃO CONTENCIOSA E JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA Nenhum poder estatal exerce com exclusividade suas funções inerentes. Pelo contrário, existem zonas de interseção nas quais podemos vislumbrar o exercício de atividades típicas de um dos poderes da República por outro. Como, por exemplo, no julgamento pelo Congresso Nacional dos crimes de responsabilidade do presidente da República (impeachment) ou na atividade legiferante do chefe do Poder Executivo nas leis delegadas e medidas provisórias. Da mesma forma o Judiciário exerce funções distintas daquela que lhe é inerente, ora assumindo função legislativa (regimentos internos dos tribunais, provimentos, etc.). ora praticando atos de pura administração. O Código de Processo Civil, no seu art. 1º., divide a jurisdição civil em contenciosa e voluntária. 3.1.7.1. JURISDIÇÃO CONTENCIOSA A jurisdição contenciosa é a atividade inerente ao Poder Judiciário, com o Estado-juiz atuando substitutivamente às partes na solução dos conflitos, mediante o proferimento de sentença de mérito que aplique o direito ao caso concreto. No preciso conceito do professor Carlos Henrique Soares23 ensina: “Denomina-se jurisdição contenciosa a pretensão colocada ao Judiciário no qual se verifica a presença da lide, ou seja, do conflito de interesses. Assim, todas as vezes que se verificar que de um lado existe uma pretensão e de outro uma pretensão resistida, estamos falando que a jurisdição está atuando de modo contencioso”. No magistério do professor Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barroso 24 leciona: “A jurisdição contenciosa, destinada à solução de conflitos pela atividade substitutiva do Estado-juiz, é a atividade inerente ao Poder Judiciário. Tem como elementos caracterizadores a presença da lide, partes, sentença de mérito e função jurisdicional.” Assim, a jurisdição contenciosa é a jurisdição propriamente dita. Há mela um litígio, lide ou conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita. 3.1.7.2. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA A jurisdição voluntária não é, na realidade, jurisdição na específica acepção jurídica do termo, correspondente mais a uma administração pública de interesses privados. O que, segundo a doutrina tradicional, caracteriza a jurisdição voluntária é a circunstancia de ela dar tutela jurisdicional aos sujeitos do processo, sabendo-se desde o início a qual deles ela poderá ser dada. Com acuidade, observa o professor Cássio Saparpinella Bueno 25: “No âmbito da “jurisdição voluntária” (arts. 1º e 1.103 a 1.210 do Código de Processo Civil), o juiz não aplica o direito controvertido no caso concreto, substituindo a vontade das partes. Pratica, bem diferentemente, atos integrativos da vontade dos interessados, de negócios jurídicos privados, que, nestas condições, passam a ser administrados (e, neste sentido amplo, tutelados) pelo Poder Judiciário. Por isso mesmo é SOARES, Carlos Henrique. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. op. cit. p. 10. BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Matos. op. cit. p. 44. 25 BUENO,Cássio Saparpinella. Curso sistematizado de direito processual civil : teoria geral do direito processual civil. 1. 3ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2009. p. 10. 23 24 Página 19 de 64 que os autores negam à “jurisdição voluntária” que as decisões proferidas pelo Estado-juiz tornem-se imutáveis, isto é, revistam-se de coisa julgada.” No magistério do professor Marcos Destefenni26 leciona: “Por sua vez, denomina-se jurisdição voluntária (ou graciosa) a atuação do Poder Judiciário na administração pública de interesses privados, isto é, em situações em que há necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário embora não exista litígio, um conflito entre as partes”. Já o professor Carlos Henrique Soares27 conceitua: “Denomina-se jurisdição voluntária a pretensão colocada no Judiciário no qual não existe lide. Na verdade, tanto autor quanto réu pretendem a mesma coisa, não havendo objeto controvertido. (...) Na jurisdição voluntária, o Judiciário desempenha um papel apenas fiscalizatório e administrativo, pois não se quer aqui resolve nada, mas simplesmente a observância da lei.” ALGUMAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES → Apenas uma consideração sobre tais expressões. Entendemos que, diante das concepções apresentadas para o termo jurisdição, não seria correto dizer “jurisdição contenciosa” ou “voluntária”, mas sim processo contencioso ou voluntário, pois a jurisdição como atividade estatal deve ser sempre exercida na busca da aplicação do direito material e da observância da lei, que pode ser feito no processo litigioso (lide) ou não. → Rinaldo Mouzalas28 ao estudar o tema, adverte: “Contudo, a doutrina moderna, denominada revisionista, vem questionando a visão da jurisdição voluntária como atividade meramente administrativa. Argumenta-se que por meio da jurisdição voluntária se busca a eliminação de situações incertas, levando à pacificação social. Nela há pretensão, e, por conseguinte, petição inicial, a qual deverá ser acompanhada de documentos; há citação dos demandados e respostas destes; há princípio do contraditório e provas e, por fim, há sentença e apelação. (...) Por esta corrente, também seria substitutiva da vontade das partes, uma vez que a lei impede que os titulares dos interesses ali referidos possam livremente negociá-los.” QUADRO COMPARATIVO JURISDIÇÃO CONTENCIOSA Lide Partes Sentença de mérito Função jurisdicional JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA Acordo de vontades Interessados Homologação Atribuição administrativa DESTEFENNI, Marcos. op. cit. p. 50. SOARES, Carlos Henrique. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. op. cit. p. 10. 28 MOUZALAS, Rinaldo. op. cit.. p. 34.. 26 27 Página 20 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA: TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR: MAURÍCIO CORRÊA DATA: UNIDADE IV: COMPETÊNCIA 4.1. ASPECTOS GERAIS A jurisdição é o poder-dever que tem o estado de solucionar conflito de interesses, compondo a lide. Por outras palavras, é o poder de dizer a quem pertence à razão num caso concreto que lhe seja levado à apreciação. A competência é o limitador desta jurisdição porque marca o conjunto de atribuições do órgão judiciário de todas as instâncias e o local onde pode exercê-la. Por isso se diz que todo juiz tem jurisdição, mas nem todos têm competência. Competência é a medida ou qualidade de jurisdição atribuída aos seus órgãos de exercício. A jurisdição, muito embora una, necessita ser distribuída entre os agentes nela investidos, tudo visando à melhor administração da justiça. É a competência, portanto, a divisão do poder estatal entre seus agentes públicos. Para Chiovenda29, a competência é “conjunto de causas nas quais o órgão jurisdicional pode exercer, segundo a lei, a jurisdição, e, num segundo sentido, entende-se por competência essa faculdade do órgão jurisdicional considerada nos limites em que lhe é atribuída”. Isto significa que a competência tem estreita ligação com a jurisdição. Assim, competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos em lei. Para definir o aspecto de atuação de determinado órgão do Judiciário é necessário conhecer as normas constitucionais, as leis processuais e as de organização judiciária. O legislador brasileiro, para estabelecer a competência, levou em consideração a soberania nacional, o espaço territorial, a hierarquia de órgãos jurisdicionais, a natureza ou o valor das causas e as pessoas envolvidas no litígio. A fixação da competência do Judiciário brasileiro se dá tanto no âmbito interno quanto no externo, como veremos a seguir. 4.1.1. PROCESSO E JULGAMENTO DE CAUSAS CÍVEIS As causas cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos jurisdicionais, nos limites de sua competência, salvo se as partes optarem pelo juízo arbitral (art. 86 do CPC). Juntando-se a esta regra a prevista no art. 132 do CPC, que trata do princípio da identidade física do juiz, tem-se que o mesmo juiz que presidir a instrução deverá julgar a causa. Entretanto, há situações em que um juiz processa e outro decide quando, por exemplo, é removido, promovido ou se aposenta no curso do processo, bem como nos casos em que as provas são colhidas por carta precatória. A prestação jurisdicional é monopólio do Poder Judiciário, regra que não comporta exceção, embora se admitam vias alternativas de composição de conflitos, como a faculdade que têm as partes beligerantes de optarem pela arbitragem. 4.1.2. PERPETUATIO JURISDICTIONES Por sua vez, o artigo 87 do Código de Processo Civil dispõe do que se convencionou chamar de princípio da perpetuação da jurisdição ou perpetuatio jurisdictiones, que consiste na regra que não permite a modificação da competência depois de proposta a ação, sendo irrelevante o surgimento de novos fatos. Proposta a ação contra pessoa domiciliada em comarca diversa da do autor, a futura mudança desta para domicílio idêntico não faz com que cesse a competência anterior já fixada com a só propositura da ação30. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, v. II. 2 ed. – Campinas : Bookseller, 2000. p. 183. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Súmula 58. Proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executado não desloca a competência já fixada.” 29 30 Página 21 de 64 Esta regra deve ser compreendida em conjunto com o art. 263 do CPC, que prevê duas situações distintas, conforme seja juízo de única vara ou único juiz, ou de mais de uma vara ou mais de um juiz. Em ambos os casos, considera-se proposta a ação tanto que a petição seja protocolizada no fórum, ainda que o distribuidor não a distribua ou juiz não a despache. Saindo da esfera de disponibilidade do autor, entrando para a do estado, está proposta a ação e fixada à competência. 4.1.3. ESTADO DE FATO OU DE DIREITO O princípio da perpetuação da jurisdição se mantém mesmo que ocorram alterações no estado de fato ou de direito vigentes ao tempo da propositura. Entende-se por alteração no estado de fato a verificada na situação da pessoa ou coisa litigiosa, como mudança de domicílio do réu depois de proposta a ação; morte do réu, havendo a substituição pelos herdeiros, ainda que residentes em outro Município; ação de separação proposta no foro da residência da mulher, que depois se muda; a divisão da circunscrição da comarca, criando outra. Entende-se por alteração no estado de direito, as impostas por lei ou ato público, como a ação que verse sobre imóvel que venha ser desmembrado e passe a pertencer a comarcas diferentes, ou o desmembramento de um processo em vários, caso em que o juiz que ordenou continua competente para todos. 4.1.4. EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONES O princípio da perpetuação da jurisdição sofre as exceções decorrentes da extinção do órgão judiciário e alteração das regras de competência em razão da matéria, da hierarquia e da pessoa. Em razão da supressão do órgão judiciário, por evidente, uma vez extinto outro deverá ser o competente; em razão da alteração das demais regras de competência, porque todas estas são absolutas, enquanto a perpetuação só se dá com a competência relativa. 4.2. DIVISÃO DA COMPETÊNCIA Divide-se a competência em internacional e interna. A internacional fixa a competência da justiça brasileira para resolver o conflito, mesmo que possa ter repercussão internacional ou interesse a país estrangeiro. A interna fixa a competência da autoridade brasileira. Como a jurisdição é exercida em todo o território nacional, segue-se que se deve fixar (prefixar) a qual órgão interno cabe solucionar o conflito, repartindo-se entre eles a competência. 4.2.1. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL No Código de Processo Civil, nos arts. 88 e 89, o legislador colocou o tópico sobre a competência internacional. Na verdade, o termo “competência internacional” é impreciso, já que a constatação de qual país soberano é o competente para dirimir a lide é verdadeiro conflito de jurisdição. Portanto, sob esta equivocada nomenclatura, os ats. 88 a 90 do Código de Processo Civil estipulam quando a jurisdição civil nacional deverá atuar sobre os conflitos de interesses. A competência internacional é subdividida em dois aspectos: concorrente e exclusiva, que passamos a verificar em seguida. 4.2.1.1. COMPETÊNCIA CONCORRENTE A competência internacional concorrente admite a propositura da ação no Brasil ou no estrangeiro. A ação proposta no estrangeiro não induz litispendência no Brasil, podendo ser repetida em implicar extinção do processo (art. 90 do CPC). A eficácia, no Brasil, da sentença proferida por juiz estrangeiro depende de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu presidente, o que é vedado quanto a sentença ofensiva da soberania nacional 31, da ordem pública ou dos bons costumes. A homologação da sentença depende dos seguintes requisitos: a) ter sido a sentença proferida por juiz competente; b) terem sido citadas as partes, ainda que se tenha verificado legalmente a revelia; c) ter ocorrido o trânsito em julgado 32; d) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. “Súmula 381. Não se homologa sentença de divórcio obtida por procuração, em país de que os cônjuges não eram nacionais.” 32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. “Súmula 420. Não se homologa sentença proferida no estrangeiro, sem prova do trânsito em julgado.” 31 Página 22 de 64 estar revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida; e) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial. Compete à justiça federal de primeira instância processar a execução da sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, independente da matéria sobre que verse ou da qualidade das partes 33. Entre os casos de competência internacional concorrente incluem-se as ações (art. 88 do CPC): a) em que o réu de qualquer nacionalidade estiver domiciliado no Brasil; b) cuja obrigação tiver de ser cumprida no Brasil; c) que se originem de fatos ou atos ocorridos ou praticados no Brasil. 4.2.1.2. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA Há certas matérias que a legislação nacional suprime da apreciação de autoridade judicial estrangeira – ou pelo menos nega validade ou eficácia a suas sentenças – por residirem na esfera de competência exclusiva da justiça brasileira (art. 89 do CPC). São os seguintes os casos de competência internacional exclusiva da autoridade brasileira: a) ação real ou pessoal sobre bem imóvel localizado no Brasil; b) inventário e partilha de bens situados no Brasil, qualquer que seja a nacionalidade das partes e onde quer que seja o seu domicílio ou tenha ocorrido a morte. Nesses casos, além de eventual ação proposta no estrangeiro não induzir litispendência no Brasil, a sentença que proferir não terá nenhum valor, não poderá homologada e nem executada no Brasil por violar a soberania nacional, porquanto as regras definidoras de competência são de ordem pública, às quais o Superior Tribunal de Justiça se subordina. 4.2.2. COMPETÊNCIA INTERNA Estabelecidas as hipóteses da jurisdição pátria, são as regras de competência interna aquelas que indicarão quais os órgãos locais responsáveis pelo julgamento de cada caso concreto apresentado em juízo. Deste modo, a competência interna nos permite verificar em qual Judiciário brasileiro (estadual ou federal), bem como estabelecer o local (foro), em que a ação será proposta e julgado o respectivo processo. 4.3. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA INTERNA Vários são os sistemas adotados para determinar a competência dos órgãos judiciários, sendo preferido o que leva em conta critérios objetivos, territoriais e funcionais. Por critérios objetivos, consideram-se a competência em razão do valor da causa, da matéria e da qualidade parte em juízo. A competência territorial, por sua vez, é a que define no âmbito espacial perante o qual se deve propor a ação, prevalecendo à regra de que é naquele onde for domiciliado o réu. Por fim, a competência funcional a que se fixa em razão da organização judiciária, entre os juízes e os tribunais. 4.3.1. COMPETÊNCIA PELO VALOR DA CAUSA O valor atribuído à causa34 pode ser um critério para determinar a competência, como nas causas de até sessenta salários mínimos que, por obedecerem ao rito sumário (art. 275, I), podem ser distribuídos para vara específica conforme dispuser a lei local de organização judiciária. Outro exemplo é a competência dos juizados especiais cíveis, que se define pelo valor de causa, cabendo-lhe processar e julgar as causas cíveis de menor complexidade, assim entendidas as de valor não superior a quarenta salários mínimos, ressalvada as exceções legais (art. 3º, § 2º, lei n.º 9.099, de 26.09.95) 35. BRASIL. Constituição Federal. “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...). X. os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização.” 34 Sobre critérios objetivos para se atribuir valor à causa, consulte o art. 259 do Código de Processo Civil. 35 Segundo posicionamento firmado na doutrina e jurisprudência, a competência do juizado especial é faculdade conferida ao autor, que poderá optar pela justiça comum. Cabe ao interessado avaliar o que lhe parece melhor: litigar perante o Juizado Especial onde não há custas a serem pagas, não precisa de advogado e pode ter o trâmite mais rápido, mas não tem direito de recorrer ao Tribunal de Justiça, se não concordar com as decisões, ou se o melhor é trilhar os caminhos da justiça comum, sujeitando-se a maior demora, a custas nem sempre baixas e sempre se fazendo acompanhar de advogado, mas com a “vantagem” de poder se valer de todos os recursos previstos na legislação convencional. 33 Página 23 de 64 Neste sentido, a Coordenação Nacional dos Juizados Especiais 36 editou dois enunciados dispondo sobre competência dos Juizados Especiais: Enunciado n.º 1. O procedimento do Juizado Especial é facultativo para o autor. Enunciado n.º 2. As causas cíveis enumeradas no art. 275, II, do Código de Processo Civil, ainda que de valor superior a quarenta salários mínimos, podem ser propostas no Juizado Especial. Mas, é bem dominante o entendimento que desprestigia o enunciado n.º 2 e lhe nega aplicação, pois salvo para homologar acordos em nenhum outro caso se admite causa de valor superior a quarenta salários mínimos perante o Juizado Especial37. Em todos estes casos, em que o critério para fixar a competência é o valor da causa, diz-se competência ratione valorem. 4.3.1.1. COMPETÊNCIA PELA NATUREZA DA CAUSA A natureza da causa em litígio, a matéria posta em discussão, é o principal critério para fixação da competência, na medida em que permite maior especialização os órgãos judiciários, como para as causas de família, acidente de trânsito, falência e outras (art. 91). O Juizado Especial não tem competência para todas as causas de até quarenta salários mínimos. Segundo dispõe o art. 3º, § 2º, de sua lei não podem ser propostas perante o Juizado Especial ações que versem sobre alimentos, falência, acidente de trabalho, resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial, e nem as que versem questões fiscais, como anulatória de débito, repetição de indébito, execução e outras. Trata-se de regra de ordem pública, de competência da União para sobre ela legislar, não podendo ser ampliada ou reduzida pelos estados38. Em todos estes casos, em que o critério para fixar a competência é a natureza da causa, diz-se competência ratione materiae. 4.3.3. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA PESSOA A qualidade da pessoa em juízo, em razão da situação que ocupe no momento da propositura da ação, ou que adquira no curso do processo, é outro critério justificador da necessidade de se dividir a competência, sem ofensa ao princípio da isonomia. O legislador não se preocupou em dar à competência funcional um capítulo próprio como o fizera para a competência em razão da matéria, do valor e do território, mas é de bom alvitre haver órgãos ou varas especializadas para as causas em que a União, ou o Estado ou o Município seja parte, por exemplo. Outro exemplo de competência em razão da pessoa é o Juizado da Infância e Juventude. Em todos estes casos, em que o critério para fixar a competência é a qualidade da parte em juízo, diz-se competência ratione personae iudici. 4.3.3.1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A competência da justiça federal é, praticamente, no seu todo definida em razão da pessoa, não da matéria ou valor da causa. Havendo interesse da União ou suas autarquias, fundações ou empresas públicas, como autoras, rés, assistentes ou oponentes, e desde que não se trate da ação de falência ou ação acidentária, e nem seja causa de competência da justiça eleitoral ou justiça do trabalho, a competência é da justiça federal (art.109, I). O mesmo dispositivo estabelece outros casos de competência da justiça federal em razão da qualidade da parte em juízo: a) as causas entre estado estrangeiro ou organismo internacional e município ou pessoa domiciliada ou residente no país39; b) as causas fundadas em tratado ou Trata-se de órgão informal que reúne os coordenadores dos juizados especiais de cada Estado, que também são informais, e após debates firmam determinadas posições, a elas dando o nome de “enunciados”, como se fossem espécies de súmulas dos tribunais. Todavia, enquanto as súmulas emanam de casos concretos decididos reiteradamente pelos tribunais, os enunciados são posições teóricas e abstratas a que chegam os coordenadores, que nem sempre são juízes dos juizados especiais. 37 BRASIL. Lei n.º 9.099, de 26.09.1995. “Art. 3º (...) § 3º. A opção pelo procedimento previsto nesta lei importará na renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.” 38 BRASIL. Coordenação Nacional dos Juizados Especiais. FONAJE. “Enunciado 3. A lei local não poderá ampliar a competência do Juizado Especial.” 39 Quando o litígio ocorrer entre estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território, a competência é do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “e”). 36 Página 24 de 64 contrato da União com estado estrangeiro ou organismo internacional40; c) o mandado de segurança e o habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; d) a disputa sobre direitos indígenas; e) a execução de carta rogatória, após o exequatur concedido pelo Superior Tribunal de Justiça, e da sentença estrangeira, após a homologação pelo mesmo Tribunal, por envolverem ato de soberania de país estrangeiro, é de competência da justiça federal; f) as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização. 4.3.3.2. COMARCA DO INTERIOR ONDE NÃO TENHA VARA FEDERAL As causas em que for parte instituição de previdência social federal (INSS) e segurado, ordinariamente de competência da justiça federal, poderão ser processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, quando a comarca não for sede de vara do juízo federal. Trata-se de dispositivo constitucional auto-aplicável (art. 109, § 3º, primeira parte), pelo que, qualquer que seja a ação entre a instituição de previdência social federal e segurado, pensionista ou beneficiário, poderá ser proposta perante a justiça estadual, embora uma das partes tenha direito ao foro federal. A lei federal poderá atribuir competência para a justiça estadual em outros casos que, a rigor, seria de competência da justiça federal, sempre que não houver vara federal na comarca, conforme dispõe a parte final do art. 109, § 3º, da Constituição Federal. Dando aplicação ao preceito constitucional, citam-se como exemplos a ação civil pública, a usucapião especial, a execução fiscal e o cumprimento de cartas precatórias41, matérias inclusive sumuladas pelo Superior Tribunal de Justiça: Súmula 183: Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a União figure no processo. Súmula 11: A presença da União ou de qualquer de seus entes, na ação de usucapião especial, não afasta a competência do foro da situação do imóvel. Súmula 190: Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos oficiais de justiça. Em todos estes casos, a competência da justiça estadual se dá por delegação, cessando quando instalada vara federal 42, além do que os recursos sempre serão interpostos para o Tribunal Regional Federal da região 43. 4.3.4. COMPETÊNCIA FUNCIONAL A competência funcional não é matéria a ser tratada pelo Código de Processo Civil porque, assim como a competência ratione materiae e a competência ratione valorem, diz respeito à organização judiciária, por isso é tratada pelas leis estaduais de organização judiciária. A competência funcional divide as atribuições os órgãos judiciários em graus de jurisdição. Em geral, sua disciplina se encontra na legislação local de organização judiciária, sendo poucas as disposições sobre ela no Código de Processo Civil ou na Constituição Federal, destacando-se a ação rescisória, que é de competência dos tribunais que julgariam os recursos sobre a questão rescindenda. Igualmente, compete ao tribunal julgar em grau de recurso a apelação interposta contra sentença proferida pelos juízes de primeiro grau que lhe sejam subordinados. 4.3.5. TERRITÓRIO OU DE FORO Especialmente num país de dimensão continental como o Brasil, mais do que útil, é necessário se definirem critérios fixadores da competência que levem em conta o lugar de domicílio das partes envolvidas, ou mesmo o lugar onde se encontra a coisa litigiosa, que será o lugar onde deve ser proposta a ação. Em geral, as causas entre estado estrangeiro ou organismo internacional e a União são de competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “e”). Se o conflito tiver por fundamento tratado ou contrato celebrado entre a União e Estado estrangeiro ou organismo internacional, a competência é da justiça federal de primeiro grau (art.109, III, CF), com recurso para o Tribunal Regional Federal. Ainda, se a causa for entre estrangeiro ou organismo internacional e município ou pessoa domiciliada no Brasil, a competência também é da justiça federal de primeiro grau (art. 109, II), com recurso para o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, II, c). 41 BRASIL. Código de Processo Civil. “Art. 1213. As cartas precatórias, citatórias, probatórias, executórias e cautelares, expedidas pela Justiça Federal, poderão ser cumpridas nas comarcas do interior pela Justiça Estadual.” 42 Analogamente, a súmula nº 10 do Superior Tribunal de Justiça: “Instalada a Junta de Conciliação e Julgamento, cessa a competência do Juiz de Direito em matéria trabalhista, inclusive para a execução das sentenças por ele proferidas.” 43 BRASIL. Constituição Federal. “Art. 109 (...). § 4º. Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.” 40 Página 25 de 64 A competência assim determinada é dita ratione loci ou competência de foro44 e pode ser geral ou especial. A primeira considera apenas o domicílio do réu, e a segunda, várias situações peculiares, como o lugar onde se encontra o imóvel, ou a situação especial da parte para determinadas ações. Essa competência é a única realmente disciplinada por inteiro no Código de Processo Civil, somente remanescendo aos estados o poder de delimitar o território em suas leis de organização judiciária. 4.3.5.1. COMPETÊNCIA TERRITORIAL GERAL Tendo maior interesse na demanda, é curial que ao autor caiba procurar o réu em seu domicílio para lá propor a ação. A regra geral é de que o foro competente para propor a ação é o do domicílio do réu. Esta regra somente é válida para as ações fundadas em direito pessoal que versem sobre quaisquer bens e, também, para as ações fundadas em direito real sobre bens móveis ou semoventes (art. 94, caput, CPC). 4.3.5.1.1. AÇÃO FUNDADA EM DIREITO PESSOAL Entende-se por ação pessoal a que se funda precisamente em direito pessoal, ou, ao contrário, a que tem no pólo passivo o titular de uma obrigação pessoal45. Por outros termos, com a ação pessoal o autor pretende obter do réu o cumprimento de uma prestação, enquanto com a ação real, uma determinada coisa. O pedido fundado em ação real prevalece sobre o pedido fundado em ação pessoal para fins de determinação da competência, como na ação de rescisão de contrato cumulada com reintegração de posse, que deve ser proposta no foro onde se localiza o imóvel, não no foro de domicílio do réu. São exemplos de ações pessoais a de anulação de ato jurídico, investigação de paternidade, declaratória de nulidade, consignação em pagamento, complemento de preço (actio ex empto), abatimento proporcional de preço (actio quanti minoris) e a de rescisão de contrato (actio redibitoria), entre outras. 4.3.5.1.2. AÇÃO FUNDADA EM DIREITO REAL São ações reais as que versem sobre direito real. No rol das ações reais entram a reivindicatória, as ações possessórias, a demarcatória e a divisória, e todas as que se fundem em direitos de vizinhança e sobre os direitos reais próprios ou sobre coisas alheias, como a de usufruto, servidão, hipoteca, uso, habitação, alienação fiduciária, enfiteuse, anticrese e penhor. 4.3.5.2. COMPETÊNCIA TERRITORIAL EM CASO DE DOMICÍLIO CONCORRENTE Diz-se concorrente o domicílio quando a lei faculta ao autor demandar em qualquer deles. A concorrência se dá pela pluralidade de domicílios, pelo litisconsórcio passivo e pela incerteza ou desconhecimento domicílio. 4.3.5.2.1. PLURALIDADE DE DOMICÍLIOS No caso de ter o réu mais de um domicílio, ao autor é assegurado o direito de demandá-lo em qualquer deles, não sendo admitida defesa fundada na alegação de existência domicílio principal e secundário (art. 94, § 1º). 4.3.5.2.2. LITISCONSÓRCIO PASSIVO Também é concorrente o foro previsto no art. 94, § 4º, em que dois ou mais são os réus com domicílios diferentes, caso em que o autor poderá propor a ação em qualquer deles. Sustenta Ernane Fidélis dos Santos46 que no caso de litisconsórcio facultativo fundado em ponto comum de fato ou de direito (art. 46, IV), quando não há, propriamente, nada unindo os réus, quem se sentir prejudicado poderá oferecer exceção Na concepção original do latim, a expressão utilizada era “forum”, e não “foro”. Fórum significava “praça pública”. Modernamente, há certa distinção entre ambos os termos, “foro” significando o território sob determinada jurisdição, e “fórum”, o edifício-sede do Poder Judiciário da comarca. 45 “Entende-se por obrigação pessoal o vínculo jurídico de caráter transitório que liga duas ou mais pessoas, umas na condição de sujeito ativo (credor) e outras na de sujeito passivo (devedor), pelo qual aquele tem o direito de exigir deste o cumprimento de uma prestação economicamente apreciável de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, através de seu patrimônio” (QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito civil (direito das obrigações). 3.ed., p. 32. Goiânia: IEPC, 1998). 46 Manual de direito processual civil. op. cit., p. 144. 44 Página 26 de 64 de incompetência e pedir a separação dos processos por não resultar prejuízo ao autor, a não ser por ter que movimentar dois processos ao invés de um. Ainda que razoável, o argumento não encontra acolhida na jurisprudência pátria. Os tribunais interpretam literalmente o dispositivo entendendo ser direito do autor escolher, entre os dois ou mais foros, perante qual propor a ação, ainda que em relação a um dos litisconsortes haja contrato estabelecendo o foro de eleição 47. 4.3.5.2.3. INCERTEZA OU DESCONHECIMENTO DO DOMICÍLIO A concorrência do domicílio ocorre quando for ser incerto ou desconhecido. É incerto o domicílio quando o réu não tem parada definida, empregando a vida em viagens sem ponto central de negócios, ou que não tenha residência habitual. É o caso dos artistas circences que, vivendo no circo, hoje estão aqui, amanhã acolá e depois de amanhã ninguém sabe. Desconhecido é o domicílio que, a despeito de certo, o autor não sabe onde se localiza. Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ao autor é facultado propor a ação onde encontrá-lo ou no seu próprio domicílio (art. 94, § 2º). 4.3.5.3. COMPETÊNCIA TERRITORIAL ESPECIAL É também territorial a competência que leva em conta o lugar onde se encontra o imóvel, cuja regra prevalece sobre qualquer outra por ser absoluta. É do denominado foro rei sitae. Quando a ação se fundar em ação real sobre bens imóveis, foro competente é aquele onde se encontra o imóvel, especialmente se disser respeito a direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras, e nunciação de obra nova (art. 95). 4.3.5.3.1. REGRAS ESPECIAIS DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL O art. 94, caput, estabelece que “em regra” as ações fundadas em direito pessoal, ou real sobre bens móveis, serão propostas no foro do domicílio do réu, o que denota a idéia de que há exceções. Entre as exceções podem ser apontadas a cláusula de eleição (art. 111) e a prevenção por conexão ou continência (art. 106), bem como as regras hipóteses previstas nos arts. 96, 97, 98 e 100. 4.3.5.3.1.1. COMPETÊNCIA EM CASO DE SUCESSÃO POR MORTE O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações48 em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro (art. 96, caput). Por outro lado, é competente o foro da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo, ou o do lugar em que ocorreu o óbito, se não tinha domicílio certo, mas possuía bens em lugares diferentes (art. 96, parágrafo único) 49. Estas regras não se aplicam às ações fundadas em direito real sobre bens imóveis, que devem ser propostas no foro da situação da coisa, como as de usucapião e desapropriação e todas as demais ressalvadas no art. 95: direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova. 4.3.5.3.1.2. COMPETÊNCIA EM CASO DE SER RÉU O AUSENTE As ações em que o ausente for réu correm no foro de seu último domicílio, que também é competente para a arrecadação, inventário, partilha e cumprimento de disposições testamentárias (art. 97), exceto as ações fundadas em direitos reais sobre bens imóveis, que são de competência do foro do lugar onde for situado o imóvel. 4.3.5.3.1.3. COMPETÊNCIA EM CASO DE SER INCAPAZ O RÉU Quando for incapaz o réu, seu domicílio é o do representante legal, pelo que neste serão propostas as ações, ou, como dispõe o art. 98, a ação em que o incapaz for réu se processará no foro do domicílio de seu representante 50. Sendo dois ou mais os réus, o autor poderá ajuizar a ação no domicílio de um deles, ainda que, em contrato firmado com o outro, haja cláusula elegendo foro diverso (RTFR 153/283); 48 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Súmula 161. É da competência da Justiça Estadual autorizar o levantamento dos valores relativos ao PIS-PASEP e FGTS, em decorrência do falecimento do titular da conta.” 49 BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. “Súmula 58. Não é absoluta a competência definida no art. 96, do Código de Processo Civil, relativamente à abertura de inventário, ainda que existente interesse de menor, podendo a ação ser ajuizada em foro diverso do domicílio do inventariado.” 47 Página 27 de 64 4.3.6. REGRAS DE COMPETÊNCIA PREVISTAS NO ART. 100 O art. 100 do Código de Processo Civil estabelece uma série de regras especiais de competência, que em sua maioria conferem certo privilégio a determinadas pessoas, em determinadas ações. Sendo privilégio, a parte beneficiada tem a faculdade de renunciar e demandar o réu e seu domicílio, não sendo admitida exceção de incompetência, vez que esta seria a regra geral, não fosse o privilégio. 4.3.6.1. REGRAS PRIVILEGIADORAS a) é competente o foro da residência da mulher, no Brasil, para as ações de separação, conversão da separação em divórcio e anulação de casamento, ainda que seja ela a autora (art.100, I). Tratando-se de regra que confere privilégio, não pode ser interpretada extensivamente, por isso não se aplica à ação de divórcio direto e nem à anulatória ou modificatória de cláusula da separação; b) em todas as ações nas quais se discute pensão alimentícia, como a própria ação de alimentos, a investigatória de paternidade cumulada com alimentos, a execução da pensão, a revisional da pensão e outras, é competente o foro do domicílio ou da residência do alimentando, seja ele o autor ou o réu 51 (art. 100, II). Tratando-se, também, de regra que confere privilégio, não poderá ser interpretada extensivamente, pelo que não se aplica quando se tratar de alimentos devidos por ato ilícito, o que não decorre da relação de casamento ou parentesco; c) é competente o foro do lugar onde ocorreu o fato ou ato, do qual resulte dano, para a ação indenizatória (art. 100, V, “a”). Se o dano for resultante de acidente de veículo ou de delito, ao foro do lugar onde ocorreu se acresce o do lugar do domicílio do autor (art. 100, V, parágrafo único), que terá, então, três alternativas: o do lugar onde ocorreu o ato ou fato, o seu próprio domicílio ou, renunciando ao privilégio, demandar no foro do domicílio do réu segundo a regra geral; d) é também competente o foro do lugar onde ocorreu o fato ou ato para a ação e for réu o administrador ou gestor de negócios alheios (art. 100, V, “b”). 4.3.6.1. REGRAS QUE NÃO CONFEREM PRIVILÉGIOS Nas situações seguintes, somente há verdadeiro privilégio quando a pessoa indicada for o autor da ação, casos em que será lícito renunciar ao benefício e optar pelo foro do domicílio do réu: a) é competente o foro do domicílio do devedor, no Brasil, para a ação de anulação de título extraviado ou destruído (art. 100, III). Sendo o devedor o autor da ação, a regra lhe confere um benefício, do qual pode renunciar e optar pelo foro do domicílio do réu; b) é competente o foro do lugar onde se encontre a sede da pessoa jurídica, para a ação em que for ré, ou o do lugar onde se encontre a agência, filial ou sucursal, quanto às obrigações por ela assumidas. (art. 100, IV, “a” e “b”); c) quando for ré sociedade civil ou comercial sem personalidade jurídica, é competente o foro do lugar onde exerce a sua atividade principal (art. 100, IV, “c”); d) nas ações em que se exige cumprimento de obrigação, é competente o foro do lugar onde deve ser cumprida, como a de cobrança de condomínio, a execução de cheque e a interpretação de contrato. (art. 100, IV, “d”). 4.4. QUALIDADE DA COMPETÊNCIA Como visto, o estudo dos critérios que determinam a competência é extremamente importante para distinguir a competência absoluta da competência relativa. A distinção é importante, tendo em vista os diferentes regimes jurídicos a que estão submetidas. 4.4.1. COMPETÊNCIA ABSOLUTA Diz-se absoluta a competência que é imodificável, seja por convenção das partes, seja por ato judicial, seja por inércia do réu que não a argüi no prazo da resposta. "Em ação para a qual esteja previsto foro comum (arts. 94 a 100), mas o réu for incapaz, preponderará o disposto no art. 98, que não incidirá, porém, em ação para a qual esteja previsto foro especial" (SIMPÓSIO. conclusão II). 51 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Súmula 1. O foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos.” 50 Página 28 de 64 É absoluta a competência em razão da matéria, da pessoa e a funcional em razão da organização judiciária (art. 111, primeira parte). Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que é inderrogável a competência fixada pelo critério funcional 52 até mesmo por lei estadual, pois o que se leva em conta, no caso, é a questão federal atinente à incompetência absoluta de um órgão judiciário. Sobre o tema, advoga o professor Marcos Destefenni53: “A incompetência absoluta é alegada em preliminar de contestação (art. 301 do CPC). Por se tratar de matéria de ordem pública, pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, podendo também ser pronunciada de ofício (art. 267, § 3º, e 301, § 4º do CPC). Trata-se de pressuposto processual de validade da relação processual.” 4.4.2. COMPETÊNCIA RELATIVA É relativa à competência ratione valorem e ratione loci, que podem ser modificadas por convenção das partes, elegendo, no contrato, o foro onde deverão ser propostas as ações para solucionar os conflitos futuros que dele puderem resultar (art. 111, segunda parte). Não é relativa, mas sim absoluta, a competência determinada pelo lugar onde se encontre o imóvel, nas ações reais imobiliárias, posto que em tais não se admite a cláusula eletiva do foro (art.95). O foro de eleição somente tem validade quando constar de contrato54 escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico, não se podendo elegê-lo em caráter geral para todos os negócios entre duas ou mais pessoas (art. 95, § 1º). Uma vez estabelecido, o foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes (art. 95, § 2º) 55. É válida a cláusula de eleição de foro inserida em contrato de adesão regido pelo Código de Defesa do Consumidor 56, salvo se for abusiva, o que se verifica quando constatado: a) que, no momento da celebração, a parte aderente não dispunha de intelecção suficiente para compreender o sentido e os efeitos da estipulação contratual; b) que da prevalência dessa estipulação resulta inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao Judiciário; c) que se trata de contrato de obrigatória adesão, assim considerado o que tenha por objeto produto ou serviço fornecido com exclusividade por determinada empresa. Por outro lado, não obstante a eleição de foro pelas partes no contrato, o ajuizamento anterior de demanda relativa ao mesmo contrato em foro diverso determina a prevenção deste juízo para a apreciação, em simultaneus processus, da ação conexa proposta posteriormente. Essa orientação não se aplica ao foro eleito quando se cogita da anulação do próprio contrato, e não apenas de processos oriundos do contrato. A incompetência relativa é uma exceção, que deve ser alegada pelo réu na primeira oportunidade em que se manifestar nos autos, sob pena de preclusão e, em consequência, prorrogação da competência do juiz incompetente, conforme regramentos contidos nos arts. 304,112 e 114, todos do CPC. A incompetência relativa também é considerada pressupostos de validade. 4.5. MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA A competência relativa (e só ela) pode ser modificada antes ou depois de proposta a ação, não prevalecendo neste caso a regra da perpetuação da jurisdição (art. 87). Antes de se propor a ação, a competência se modifica por convenção das partes ao elegerem o foro em contrato escrito (art. 111, segunda parte). 52BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 152870/RS, 1997/0075973-3, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ. 17.05.1999, P, 210. DESTEFENNI, Marcos. op. cit. p. 63. 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. “Súmula 335. É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato.” 55 “Mesmo havendo eleição de foro, não fica a parte inibida de propor a ação no domicílio da outra, desde que não demonstrado o prejuízo" (VI ENTA. concl. 8, aprovada por maioria). 56 Sobre conceito de contrato de adesão estabelecido por lei, ver art. 54 do Código de Defesa do Consumidor. 53 Página 29 de 64 Também se modifica a competência, por antecipação em face da prevenção, que é o fenômeno que se verifica quando um juiz já praticou algum ato que o vincule à causa, como o despacho que ordena a citação. Prevento o juiz, as ações conexas devem ser propostas perante o mesmo juiz (arts. 107 e 109). Mesmo depois de proposta a ação, a competência relativa é modificável pela conexão (art. 103), continência (art. 104) e pela prevenção, se não tiver sido proposta para o juízo prevento (arts. 105 e 106), devendo ambos os processos ser reunidos perante o juiz prevento. 4.5.1. CONEXÃO Conexão é o elo que liga duas ou mais ações por terem em comum algum de seus elementos. Os elementos da ação são as partes, o pedido (objeto mediato) e a causa de pedir (art. 301, § 2º). Comparando duas ou mais ações, e havendo entre elas identidade de todos os elementos, são idênticas, do que decorre o instituto da litispendência ou coisa julgada, conforme tenham curso simultâneo ou uma já esteja julgada. Se destes elementos apenas os respectivos objetos ou causas de pedir forem iguais, elas são análogas, ocorrendo a conexão. A identidade apenas de partes não é suficiente para gerar conexão por ser o mais fraco dos elementos da relação processual. Esta é a doutrina de Pescatore, para quem as coisas podem ser idênticas, semelhantes ou diferentes. Idênticas, as que têm os mesmos elementos; diversas, quando todos os elementos são diferentes; semelhantes, quando alguns elementos são iguais e outros, diferentes. Estas são as que, no processo, geram ações conexas. A conexão se justifica por questões de ordem pública e privada. Por ordem pública, porque visa evitar sentenças contraditórias e economia processual; pela privada, porque visa celeridade na solução das controvérsias e economia financeira para as partes. 4.5.1.1. CASOS DE CONEXÃO Entre casos que ensejam conexão de ações, podem ser apontados os seguintes: a) ação de execução e ação de consignação em pagamento fundadas no mesmo contrato; b) ação de divórcio e ação de separação; c) ação de alimentos e ação investigatória de paternidade; d) ação demarcatória cumulada com queixa de esbulho e ação possessória; e) ação de usucapião e ação reivindicatória; f) ação de desapropriação direta e ação de desapropriação indireta; g) ação de despejo por falta de pagamento e ação de consignação em pagamento. 4.5.1.2. CASOS EM QUE NÃO HÁ CONEXÃO Por outro lado, é pacífico o entendimento de que não há conexão nos seguintes casos: a) ação renovatória de locação e ação de despejo por falta de pagamento ou por denúncia vazia; b) ação de consignação em pagamento e ação despejo por denúncia vazia; c) ação renovatória de locação e ação revisional de aluguel; d) ações de despejo por falta de pagamento relativos a meses diferentes. 4.5.2. CONTINÊNCIA Continência é o elo que liga duas ou mais ações por terem em comum as partes e a causa de pedir. O objeto mediato (pedido) de uma delas (continente) é mais amplo que o da outra (conteúdo) e a contém. Por exemplo, a ação de cobrança para receber o principal e, separadamente, ação para receber os juros, ou a ação de despejo por falta de pagamento e ação para recebimento dos aluguéis atrasados com rescisão de contrato. Página 30 de 64 O instituto da continência é objeto de crítica doutrinária por ser desnecessário, vez que seus efeitos são os mesmos da conexão, e todas as vezes que se tem continência, que exige identidade de causa de pedir entre as duas ou mais ações, tem-se, com este fundamento, a conexão. 4.5.3. PREVENÇÃO Prevenção é o fenômeno processual pelo qual um juiz tem preferência em relação a outro para conhecer e decidir uma causa, porque antes já praticou algum ato que influa no julgamento daquela lide. Só ocorre nos casos em que há competência concorrente, isto é, quando há mais de um juiz, em tese, competente para a mesma causa, especialmente quando há mais de um juiz na mesma comarca, ou quando o território do imóvel se estende por mais de uma comarca. No primeiro caso, fixa-se a competência do juiz que ordenar a citação em primeiro lugar (art. 106); no segundo caso, como são juízes de comarcas distintas fixa-se a competência a favor do juiz em cujo processo primeiro se verificou a citação válida (art. 219). Por conseguinte, as regras previstas nos arts. 106 e 219 não são contraditórias, como parece a primeira vista: o art. 106 só tem aplicação quando se trata de concorrência de competência entre juízes da mesma comarca, enquanto o art. 219, juízes de comarcas diferentes. 4.6. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA Não se confundem os fenômenos da modificação e prorrogação da competência. A prorrogação ocorre quando o réu deixa de suscitar no caso e prazo legais a incompetência relativa por meio de exceção (art. 112), vez que não pode ser declarada de ofício57, salvo em contratos de adesão, conforme entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça58: “Nos contratos de adesão, se o juiz do foro escolhido pelas partes verificar que a cláusula é abusiva, poderá declará-la de ofício a nulidade da eleição e declinar de sua competência ao juízo do foro do domicílio do réu.”. Não há prorrogação da competência absoluta, a qual pode e deve ser declarada até mesmo de ofício (art. 113). Logo, só é prorrogável a competência relativa, caso o réu não ofereça exceção declinatória do foro ou do juízo na forma e no prazo legal (art. 114). Entende-se por exceção declinatória do juízo a oposta para atacar a incompetência relativa fundada no valor da causa; por declinatória de foro, a fundada na incompetência territorial. 4.7. DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA Antes de despachar a petição inicial o juiz deve verificar se é competente para o caso. Sendo competente não precisa dizêlo, bastando que despache a inicial e tem-se que a aceitou. Pode ocorrer, no entanto, que seja incompetente absoluta ou relativamente. No caso de incompetência relativa, deve aguardar a manifestação do réu por meio de exceção, dela não conhecendo se for apresentada na mesma peça da contestação. Está superado o entendimento jurisprudencial que admitia ao juiz declará-la quando fosse manifesta a sua incompetência, desde que o fizesse antes de proferir qualquer despacho na inicial, tanto que dispõe a súmula n.º 33 do Superior Tribunal de Justiça de que "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". Sendo absolutamente incompetente em razão da matéria, da hierarquia ou da pessoa, independentemente de provocação de quem quer que seja o juiz, de ofício, deverá reconhecê-la declarando nos autos, remetendo-os ao juiz competente. Essa providência deve ser tomada antes de se praticar qualquer ato processual. Mesmo já tendo despachado ou decidido qualquer incidente, a qualquer tempo ou em qualquer grau de jurisdição que se verificar a incompetência absoluta deve-se proceder da mesma forma, qual seja, anulando os atos de caráter decisório. Os demais atos, embora nulos, não serão declarados em face do princípio pas de nullitté san grief, isto é, não se declaram nulidades quando não atentarem contra a ordem pública ou não prejudicarem a defesa 59. Atos sem carga decisória, como a juntada de uma petição, não produzem efeitos e não serão anulados (art. 113, § 2º). O juiz pode e deve se declarar BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Súmula 33. A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC 21.540, 27.05.98, rel. min. Ruy Rosado. 59 No capítulo próprio serão vistos mais detalhes sobre as nulidades. 57 58 Página 31 de 64 incompetente de ofício nos casos de incompetência absoluta, mas o ônus de argüi-la é do réu ao oferecer a contestação, como questão preliminar do mérito da causa (art. 113, § 1º e art. 301, II). Isto equivale a dizer que antes de contestar o pedido do autor o réu deve argüir a incompetência do aparelho judiciário, e deverá fazê-lo na própria peça de contestação, independente de exceção60. Como se trata de questão de ordem pública, amparada até mesmo pela ação rescisória (art. 485, II), mesmo que o réu não a deduza na contestação, a incompetência absoluta poderá ser conhecida e declarada a qualquer tempo, mas, em face de sua inércia, o réu responderá pelas custas do retardamento, embora possa sair vencedor da demanda. 4.8. CONFLITO DE COMPETÊNCIA 4.8.1. NOÇÕES Proposta a ação, o juiz analisará sua competência e aguardará que o réu a questione eventual incompetência relativa. De qualquer forma é certo que num caso concreto não pode haver dois juízes competentes simultaneamente. Ainda que a previsão abstrata da lei atribua competência a mais de um juiz, como nas comarcas de mais de uma vara, ou quando o imóvel se estender por mais de uma comarca, competente in concreto será o juiz prevento. Dada esta possibilidade abstrata de existirem dois ou mais juízes com a mesma competência, é possível que ambos se declarem competentes para decidir a mesma causa, ou cada um entenda que a competência é do outro, gerando um conflito positivo ou negativo, respectivamente. O conflito só pode ocorrer se ainda não houver sentença com trânsito em julgado proferida por um dos juízes conflitantes. 4.8.2. ESPÉCIES 4.8.2.1. CONFLITO POSITIVO Suponha a propositura, perante uma das varas cíveis, de ação entre duas empresas economia mista, uma das quais venha ser transformada em empresa pública no curso do processo. Com a transformação, a empresa pública requer ao juiz a remessa dos autos para uma das varas da Fazenda Pública, ao mesmo tempo em que ajuíza outra ação, perante o juízo da vara da Fazenda Pública, com o mesmo objeto da ação em curso na vara cível. Entendendo o juiz da vara cível que a empresa pública, por ser de direito privado, não se submete à jurisdição do juízo privativo, ao contrário deste juízo, e, por isso, deixa de lhe remeter os autos, está instalado o conflito positivo, por ambos se declaram competentes para julgar a mesma causa. 4.8.2.2. CONFLITO NEGATIVO No mesmo exemplo, mas invertendo as posições, se o juiz da vara cível determinar de ofício a remessa dos autos ao juízo da vara da Fazenda Pública, que entende não ser competente por não haver foro privativo para a empresa pública, estará formado o conflito negativo porque nenhum dos dois juízes se vê competente para decidir a causa. 4.8.2.3. CONTROVÉRSIA SOBRE REUNIÃO OU SEPARAÇÃO DE PROCESSOS A hipótese do inciso III do art. 115 se refere aos casos de competência concorrente quando dois ou mais juízes são competentes para a mesma causa, firmando-se a competência pela prevenção. Se forem da mesma comarca e, por isso, tiverem a mesma competência territorial, prevento é aquele que ordenou a citação em primeiro lugar; (art.106) se a competência territorial for diferente, porque de outra comarca, prevento é o juízo onde primeiro se deu a citação válida (art. 219). Ao juízo prevento devem ser remetidas as ações conexas ou continentes pelas razões já expendidas. Um juiz pede a reunião, mas o outro entende que não é o caso de conexão, ou um juiz pede a separação porque não vê a conexão, mas o outro entende de modo diferente. Está formado o conflito, que pode ser negativo ou positivo 61. Isto se deve ao princípio da concentração da defesa, que será visto em outra oportunidade. Exemplo concreto de conflito enfrentei em feito em curso na 1ª vara cível da comarca de Goiânia, onde fui titular: O banco “A” ajuizou ação de rescisão de contrato de leasing por falta de pagamento das parcelas pelo devedor “B”. “B”, por sua vez, depois que foi citado, ajuizou ação cautelar de busca e apreensão em face da pessoa “C” a quem vendera o veículo por meio de “contrato de gaveta”, porque “C” ficara de pagar as prestações e não pagara. A primeira ação foi distribuída para o juízo da 1ª vara cível, e a segunda, para a 3ª vara cível. O juiz desta última vara declinou da competência para a 1ª vara entendendo que havia prevenção por força de conexão decorrente da identidade de objeto (o veículo). Conexão haveria se ambos objetivassem o mesmo contrato, e não, simplesmente, o mesmo veículo. Causa de pedir e objeto diversos, não há conexão, e, logo, não pode haver prevenção, nem reunião de processos. 60 61 Página 32 de 64 4.8.3. SOLUÇÃO DO CONFLITO 4.8.3.1. LEGITIMIDADE Qualquer dos juízes envolvidos pode suscitar ao Tribunal que resolva o conflito. Também podem suscitar o conflito qualquer das partes e o Ministério Público, inclusive nos processos em que não atuar, por ser o incidente uma anomalia processual62. O Ministério Público deverá intervir em todos os conflitos de competência (art. 82, III), salvo nos que suscitar, quando terá a qualidade de parte e não haver dualidade de ministérios públicos (art. 116, parágrafo único). À regra de que qualquer das partes pode suscitar o conflito, impõe-se a exceção do art. 117, impedindo-se quem, no processo, tenha argüido a incompetência por meio de exceção. Parece que o impeditivo se destina àquele que tenha oferecido exceção de incompetência e, por causa desta, venha surgir o conflito. 4.8.3.2. COMPETÊNCIA Competente para decidir o conflito é o Tribunal a que o juiz está subordinado, em regra. Se o conflito for entre juízes subordinados a Tribunais diferentes, competente será o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, "d", CF), assim como é este Tribunal o competente para dirimir conflito entre tribunais e juízes a ele não vinculados, ou entre quaisquer tribunais, exceto os conflitos entre o próprio Superior Tribunal de Justiça e outro tribunal, ou entre tribunais superiores, ou ainda entre quaisquer destes e outro tribunal, casos em que a competência é do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, "o"). Por evidente, não há conflito entre juiz e o Tribunal ao qual se subordine porque onde há hierarquia não há conflito 63. Se o juiz estadual estiver no exercício de jurisdição federal (art. 109, § 3º), competente para solucionar o conflito entre ele e o juiz federal é o Tribunal Regional Federal da região 64. Por identidade de razões, se o juiz de direito estiver no exercício de jurisdição trabalhista, competente será o Tribunal Regional do Trabalho da região.65 O conflito de competência entre juizados especiais e varas judiciais do mesmo Estado deve ser dirimido pelo respectivo Tribunal de Justiça, segundo orientação do Supremo Tribunal Federal apreciando conflito suscitado na comarca de Trindade, Estado de Goiás: EMENTA: Conflito de competência. Juiz de direito e juizado especial. Juízes integrantes do Poder Judiciário de um mesmo estado-membro, cujos lindes jurisdicionais hão de ser definidos pelo Tribunal de Justiça local, órgão a que deverão ser remetidos os autos. Precedentes do Plenário do STF (CC nº 7.096, Relator Ministro Maurício Corrêa). Conflito não conhecido66. É prática a regra de competência decidida pelo Supremo Tribunal Federal que submete ao Tribunal de Justiça a solução de conflito de competência entre juízes do próprio estado, mesmo que sendo entre juizado especial e justiça comum; não segue a lógica, entretanto, e quebra o sistema de que competente para resolver conflito de competência é o órgão competente para julgar recursos contra decisões dos juízos conflitantes. Como o Tribunal de Justiça não tem competência para julgar recursos contra decisões dos juizados especiais, por um lado, e por outro, a Turma Recursal também não o tem, contra decisões dos juízos comuns, parece claro lhe falta competência para resolver conflitos entre ambos, com o que restaria competente o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal. Sem embargo, a praticidade da solução do conflito pelo tribunal local recomenda que se aceite como correta a orientação do Supremo Tribunal Federal constante na decisão retro mencionada, mesmo não sendo vinculante. SANTOS, Ernane Fidélis do. Op. cit., p.163. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Súmula 22. Não há conflito de competência entre o Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada do mesmo Estadomembro.” 64 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Súmula 3. Compete ao Tribunal Regional Federal dirimir conflito de competência verificado, na respectiva Região, entre Juiz Federal e Juiz Estadual investido de jurisdição federal.” 65 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Súmula 180. Na lide trabalhista, compete ao Tribunal Regional do Trabalho dirimir conflito de competência verificado, na respectiva região, entre Juiz Estadual e Junta de Conciliação e Julgamento.” 66 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. CC 7.095/GO, rel. min. Ilmar Galvão, DJ 04.08.2000. 62 63 Página 33 de 64 4.8.3.3. PROCEDIMENTO Quando o suscitante for o juiz, expondo suas razões remeterá os autos do processo de ofício ao presidente do tribunal; se for qualquer das partes ou o Ministério Público, o conflito deve ser suscitado por meio de petição também dirigida ao presidente do tribunal (art. 118) com os documentos que possam interessar. O processo será distribuído a um relator, que poderá mandar ouvir os juízes em conflito, ou apenas o suscitado, se um deles for o suscitante, para que no prazo assinado preste as informações que tiver. Quando o conflito for positivo, o relator, de ofício ou a requerimento de quaisquer das partes, poderá mandar sobrestar o processo, mas, neste caso, ou no de conflito negativo, designará um dos juízes em conflito para resolver em caráter provisório as questões urgentes para evitar o periculum in mora. Se houver jurisprudência dominante do Tribunal sobre a questão, o relator poderá decidir de plano o conflito, de cuja decisão caberá agravo nos próprios autos, no prazo de cinco (5) dias, ao órgão a quem caberia julgar o conflito 67. Ao resolver o conflito, o Tribunal deve se manifestar sobre a validade dos atos praticados pelo juiz incompetente, remetendo em seguida os autos ao juiz competente. 67 Ver parágrafo único do art. 120, acrescido pela lei n.º 9.756, de 17.12.98. Página 34 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA: TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR: MAURÍCIO CORRÊA DATA: UNIDADE VI: DAS PARTES 6.1. CONCEITO Partes são aquelas que participam da relação jurídica processual existente com o Estado-juiz, exercem as faculdades que lhes são oferecidas, observam os deveres a elas impostos e sujeitam-se aos ônus processuais. Visto de um ângulo, o processo é soma de atos que têm por objetivo solucionar litígios, ou efetivar direitos já reconhecidos, ou prestar cautela a outros processos. Do outro ângulo, o processo é “relação jurídica”, dotada de completa autonomia, já que nada tem a ver com a relação de direito material nele deduzida. A característica fundamental da relação jurídica é a de gerar direitos e obrigações para os que dela participam. O processo, a relação processual, tem, como toda relação jurídica, seus sujeitos. Sujeitos do processo são o juiz e as partes. No processo de conhecimento, as partes são o autor, que é aquele que pede tutela jurisdicional, e o réu, aquele contra quem ou em face de quem se pede; no processo de execução, há o credor e o devedor, ou o exeqüente e o executado; no processo cautelar, o requerente e o requerido. Na execução, não se deve confundir “credor” e “devedor”, no sentido processual da parte, com o credor e devedor da relação creditícia do direito material. Partes e sujeitos do processo são, portanto, conceitos diversos. No magistério do professor Marcos Destefenni68 conceitua: “A relação jurídica processual envolve a atividade de diversos sujeitos. Porém, destacam-se nessa relação: o juiz, chamado de sujeito desinteressado; o autor e o réu, os chamados sujeitos interessados. Autor, réu e juiz, portanto, são os sujeitos processuais”. O juiz é o destinatário da atividade das partes, pois essa atividade é direcionada a dar-lhes o conhecimento da lide, para que possa ela ser resolvida, solucionada. Indispensável, assim, conceituar o que seja parte, mesmo porque isso será fundamental para identificar os casos de litisconsórcio e de intervenção de terceiros. O conceito atual de parte é bastante simples e independente da relação jurídica material. Por isso, parte é quem solicita a prestação jurisdicional (sujeito ativo), bem como aquele em face de quem a prestação é solicitada (sujeito passivo). Tratase, pois, de conceito eminentemente processual. Assim, para saber quem é o autor ou quem é o réu basta identificar quem teve a iniciativa em propor a demanda. Ou, como afirmar Athos Gusmão Carneiro69: “parte, simplesmente, é quem figura no pólo ativo ou passivo da relação jurídica processual”. A respeito do tema, pontua o professor Luis Rodrigues Wambier: “Regra geral, denomina-se partes os chamados sujeitos parciais do processo – autor e réu – que são, respectivamente, aquele que formula pedido em juízo, relativo à pretensão de que se diz titular, mediante o exercício da ação, e aquele contra quem se pede a tutela jurisdicional”. Ao cuidar do tema, leciona a professora Ada Pellegrini Grinover: “Sendo um instrumento para a resolução imparcial dos conflitos que se verificam na vida social, o processo apresenta, necessariamente, pelos menos três sujeitos: o autor e o réu, nos pólos contrastantes da relação processual, como sujeitos parciais; e, como sujeito imparcial, o juiz, representando o interesse coletivo orientado para a justa resolução do litígio”. OBSERVAÇÃO 1: Essa clássica definição, contudo, contém um quadro extremamente simplificado, que não esgota a realidade atinente aos sujeitos que atuam no processo, merecendo ser realçados os seguintes pontos: 68 69 DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil. volume I. – São Paulo : Saraiva, 2006. p. 153. CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. – São Paulo : Saraiva, 1988. p. 3. Página 35 de 64 a) além do juiz, do autor e do réu, são também indispensáveis os órgãos auxiliares da Justiça, como sujeitos atuantes no processo; b) os juízes podem suceder-se funcionalmente no processo, ou integrar órgãos jurisdicionais colegiados que praticam atos processuais subjetivamente complexos – o que confirma que ele próprio não é sujeito processual, nem o é sempre em caráter singular; c) pode haver pluralidade de autores (litisconsórcio ativo), de réus (litisconsórcio passivo), ou de autores e réus simultâneos (litisconsórcio misto ou recíproco), além da intervenção de terceiros em processo pendente, com a conseqüência maior complexidade do processo; d) é indispensável também a participação do advogado, uma vez que as partes, não o sendo, são legalmente proibidas de postular judicialmente por seus direitos. 6.2. CAPACIDADE DE SER PARTE E CAPACIDADE PROCESSUAL Nos termos do art. 7º do CPC, toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo. Conforme o Código Civil (art. 2º.), a personalidade jurídica da pessoa natural se inicia a partir do nascimento com vida, enquanto que a da pessoa jurídica a partir do registro de seus atos constitutivos. Quem tem personalidade jurídica pode ser parte. O Código de Processo Civil, porém, vai mais além, reconhecendo a capacidade processual mesmo a alguns entes despersonalizados, como é o caso do espólio, da massa falida e outros. Capacidade de ser parte, portanto, tem aquele que tem capacidade de direito. Por isso, um menor tem capacidade de ser parte. No magistério do professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves70 ensina: “Como o processo é um instrumento que visa tornar efetivos os direitos, todos os titulares de direitos na ordem civil terão capacidade de ser parte. Portanto, todas as pessoas, físicas e jurídicas. Mas o CPC vai além, estendendo a capacidade de ser a alguns entes despersonalizados, que não são pessoas, porque há certas circunstâncias em que eles podem ter necessidades de comparecer em juízo, como a massa falida, o condomínio, a herança jacente ou vacante, o espólio. Mas só excepcionalmente, quando houver previsão legal, os entes despersonalizados terão capacidade de ser parte. O processo não poderá ter desenvolvimento válido e regular se nele figurar alguém que não a tenha”. Falta ao menor, porém, a capacidade processual, pois não pode estar validamente em juízo se não estiver representado (absolutamente incapaz) ou assistido (relativamente incapaz) por um representante legal. Assim, nos termos da legislação civil e processual civil, os absolutos e relativamente incapazes podem ser parte, mas não podem praticar atos processuais por lhes faltar a capacidade processual. Esta é reconhecida àqueles que têm capacidade plena para o exercício dos seus direitos, sendo que os incapazes devem ser representados ou assistidos em juízo. De fato, determina o art. 8º do CPC, que os incapazes serão representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da lei civil. A falta da capacidade processual pode ser alegada pelo réu, em preliminar de contestação, sendo, porém, lícito que o juiz a examine de ofício, mesmo porque é pressuposto processual e, assim, matéria de ordem pública (art. 267, IV do CPC). 6.3. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL A regra é que ninguém pode pleitear direito alheio em nome próprio (art. 6º do CPC), ou seja, em princípio, tem legitimidade de propor a ação quem for detentor do direito material controvertido. Entretanto, a lei, em casos excepcionais autoriza a propositura da ação por pessoa estranha à relação jurídica. Nesse caso, diz-se que ocorre a substituição processual, legitimação extraordinária ou anômala. A substituição processual, que, reitere-se, somente será possível naquelas hipóteses autorizadas por lei. Pressupõe um vínculo jurídico especial existente entre substituto e substituído, ligado a uma conexão de interesses de ambos. 70 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 161/162. Página 36 de 64 Os poderes do substituto são amplos, abrangendo todos os atos processuais, como ajuizamento da ação, produção de provas, interposição de recursos, etc., não compreendendo, todavia, os atos que impliquem disposição do direito material do substituído, vale dizer, a confissão, a transação, a renúncia e o reconhecimento do pedido. 6.4. SUBSTITUIÇÃO DAS PARTES OU SUCESSÃO PROCESSUAL O processo somente começa por iniciativa da parte, em razão do princípio dispositivo ou princípio da iniciativa da parte, desenvolvendo-se por impulso oficial, denotando o princípio inquisitivo. As partes, - autor e réu - deste processo, são sujeitos parciais por serem interessados diretamente na solução do litígio e sem os quais não se completa a relação jurídica processual, cumprindo ressaltar a distinção entre a substituição das partes e a substituição processual do art. 6º, do CPC. Nesta, não há troca de partes, o que ocorre é a presença de um substituto que atua em defesa de direito alheio, constituindo legitimação extraordinária autônoma, agindo o substituto na defesa de direito material que não lhe pertence, como, por exemplo, no caso do Ministério Público que substitui o titular do direito à reparação do dano quando este for pobre. Já na substituição das partes, um dos litigantes se retira do processo e um outro ingressa em seu lugar. Trata-se de verdadeira sucessão das partes, portanto, já que o termo substituição não foi usado em sua acepção técnica. Uma vez ajuizada a ação, esta é considerada proposta assim que a petição inicial for despachada pelo juiz, ou, ainda, quando for distribuída, nas comarcas em que existe mais de uma vara. Nesta primeira fase, em que o processo é distribuído ou despachado pelo julgador, forma-se a relação apenas entre autor e Estado, havendo a necessidade da citação válida do réu para que se forme a relação processual entre autor, réu e o Estado. Ao autor é lícito requerer a substituição do réu, embora já haja processo em curso (art. 263, do CPC), desde que ainda não tenha sido efetivada a citação. Sem olvidar que um dos efeitos da citação válida, conforme prevê o art. 219 do CPC, é tornar a coisa litigiosa, além de tornar prevento o juízo e induzir litispendência. Vencida a citação, tem-se por fixados os elementos objetivos e os subjetivos do processo, sendo defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, sendo obrigatória também a manutenção das partes, salvo as hipóteses permitidas por lei, conforme arts. 264 e 294 do CPC. Ainda a respeito dos efeitos da citação válida, Humberto Theodoro Júnior, diz que não mais se permite: a) a modificação do pedido ou da causa de pedir, salvo acordo com o réu; b) a alteração das partes litigantes, salvo as substituições permitidas por lei; c) a alteração do juízo, pois este vincula-se pela propositura da ação (art. 87); mas essa vinculação é do órgão (juízo) e não da pessoa física do juiz, e recebe a denominação de perpetuatio iurisdictionis. Assim, destaca Humberto Theodoro Júnior que “o processo, uma vez aperfeiçoada a relação processual pela integração de todos os seus elementos subjetivos, estabiliza-se”. Quanto à substituição das partes, diz o artigo 264 do CPC, parte final, que somente ocorrerá nas hipóteses legais, como, por exemplo, no caso da nomeação à autoria – que deve ser requerida no prazo para a defesa conforme artigo 64, do CPC. A substituição também pode ser imposta por lei, como no caso de morte do autor ou de morte do réu, aplicando-se o artigo 12, V, § 1º do CPC, bem como na hipótese de extinção da pessoa jurídica. Todavia, como regra geral, as partes integrantes da relação processual permanecem nela até a solução da questão controvertida. Porém, podem ocorrer fatos ou situações que exijam a alteração tanto do pólo ativo e/ou passivo da relação processual, quanto de seus procuradores. 6.5. CAPACIDADE POSTULATÓRIA Deriva da necessidade de uma aptidão especial para formular requerimentos ao Poder Judiciário. Em sendo o processo instrumento objeto de direito positivado, com regras técnicas próprias de quem tenha o conhecimento das leis, somente aquele habilitado em curso superior jurídico tem capacidade de postular em juízo. Página 37 de 64 Em regra, as pessoas em geral não têm capacidade postulatória, exceto em situações excepcionais, quando a lei expressamente o autoriza. O advogado é o técnico em direito que representa a parte em suas postulações no processo e no exercício das suas faculdades processuais. É sua exclusividade a capacidade postulatória, sendo absolutamente nulo o processo no qual a parte se faça representar por quem não detém habilitação legal para o exercício da advocacia. Quem normalmente tem tal capacidade são os advogados e os membros do Ministério Público. Aqueles que não a têm, deve outorga procuração a quem a tenha, para que, e, seu nome, postule em juízo. A falta de capacidade postulatória não gera apenas nulidade, mas inexistência do processo, conforme regra contida no art. 37 do CPC. A lei excepciona essa regra geral, possibilitando a postulação diretamente pela parte: a) Quando advoga em causa própria, conforme regra contida no art. 36 do CPC; b) Mesmo quando não sendo advogado, não houver causídico no lugar ou os que existam tenham recusado o patrocínio da causa. Essas pessoas são conhecidas como rábulas (CPC, art. 36); c) Nas causas de competência do juizado especial cível, quando seu valor não ultrapassar vinte salários mínimos. Página 38 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA: TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR: MAURÍCIO CORRÊA DATA: UNIDADE VII: DO MINISTÉRIO PÚBLICO 7.1. CONCEITO O Ministério Público é, na sociedade moderna, a instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade. Define-o a Constituição como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis", conforme regra contida no art. 127 da Constituição Republicana de 1988. Sobre o conceito, é a manifestação do professor Ari Queiroz71: “O Ministério Público é um órgão público independente, cuja função tem assento constitucional, para defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos em que dispõe a Constituição Federal”. Na opinião do professor Roberto Moreira de Almeida 72 pontua: “O Ministério Público é a instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado incumbido de realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” 7.2. NATUREZA JURÍDICA DE SUA ATUAÇÃO Na Constituição de 1967. O Ministério Público figurava como órgão do Poder Executivo. Na atual ordem constitucional, em razão da autonomia e independência que lhe foram outorgadas, o legislador achou por bem desvincular o Ministério Público dos poderes do Estado, inserindo-o num capítulo à parte, denominando “Das Funções Essenciais à Justiça”. Mesmo não figurando como órgão dos poderes da soberania nacional (Executivo, Legislativo e Judiciário), “pela natureza intrínseca de suas funções, indiscutivelmente o Ministério Público exerce atividade administrativa (promover a execução das leis não é atividade legislativa nem jurisdicional”. Não se pode deixar de mencionar, todavia, que a doutrina se divide com relação à natureza jurídica do próprio órgão ministerial. Basicamente, três são as correntes doutrinárias sobre este tema, a saber: a) A primeira, cuja origem remonta ao voto do Ministro Sepúlveda Pertença no julgamento da ADI 132, defende que o Ministério Público integra o Poder Executivo, não obstante figure como instituição autônoma. b) A segunda, encabeçada por Alfredo Valadão, por outro lado, afirma que o órgão ministerial não se enquadraria na clássica repartição dos poderes, figurando, assim, um quarto poder, ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário. c) A terceira, por fim, há quem entenda que se trata de uma instituição constitucional sui generis. Sobre o assunto, é a manifestação do professor Elpídio Donizetti 73: “Afora as diversas afirmações sobre a natureza jurídica do Ministério Público, o que interessa, a bem da verdade, é que, com a promulgação da Constituição de 1988, esse órgão passou a ter grande relevância social, sendo tratado como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” 7.3. PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS Três são os princípios institucionais do Ministério Público: a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, conforme previsão contida no art. 127, § 1º, da Constituição Federal de 1988. 71QUEIROZ, Ari de Ferreira de. op. cit. p. 138. ALMEIDA, Roberto Moreira de. op. cit. p. 285. 73 DONIZETTI, Elpídio. op. cit. p. 233. 72 Página 39 de 64 7.3.1. UNIDADE Significa dizer que todos os membros de cada Ministério Público fazem parte de uma mesma instituição. O professor Hugo Nigro Mazzilli74 explica que: “unidade significa que os membros do Ministério Público integram a um só órgão sob a direção de um só chefe” (...) “só há unidade dentro de cada Ministério Público. Unidade alguma existe entre o Ministério Público Federal e os dos Estados, nem entre o de um Estado e o de outro. Nem há unidade entre os diversos ramos do Ministério Público da União”. 7.3.2. INDIVISIBILIDADE É um desdobramento do princípio da unidade. Corresponde ao fato de um integrante do Ministério Público pode vir ser substituído por outro membro em um mesmo processo, segundo a forma prevista em lei, sem implicar nulidade processual. A prática do ato processual, é bom que se frise, não é da pessoa física que o subscreve na condição de promotor ou procurador, mas da instituição “Ministério Público”. A respeito é o posicionamento do professor Hugo Mazzilli75: “indivisibilidade significa que esses membros podem ser substituídos uns pelos outros, não arbitrariamente, porém, mas, segundo a forma estabelecida na lei. Entretanto, nesse sentido, não há unidade ou indivisibilidade alguma entre os membros de Ministérios Públicos diversos”. 7.3.3. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL A administração pública é organizada com base na hierarquia que deve existir entre os diversos órgãos administrativos, os quais são devidamente escalonados e hierarquizados. No Ministério Público e no Poder Judiciário, diversamente, os agentes possuem independência funcional, ou seja, os membros do parquet (promotores e procuradores) e os magistrados devem atuar no processo de acordo com as suas convicções jurídicas, sem subordinação a quem quer que seja. Na esfera administrativa, no entanto, há que observar certas regras de conduta (deveres funcionais), sob pena de medidas disciplinares legalmente previstas, tais como: advertência, censura e suspensão. A aplicação de pena administrativa de demissão ou cassação de aposentadoria somente se aplica ao membro não vitalício, pois para este a perda do cargo dependerá de sentença judicial transita em julgado. Destarte, não há subordinação funcional-hierarquico, mas tão somente administrativa, por exemplo, do promotor de justiça e o procurador de Justiça ou destes com o Procurador-Geral de Justiça. Também os juízes não se subordinam funcionalmente aos desembargadores, nem estes aos Ministros dos tribunais superiores. 7.4. FORMAS DE ATUAÇÕES DE MINISTÉRIO PÚBLICO No processo civil, o ministério público atua como parte ou como fiscal da lei (custos legis). Sua atuação como parte se dá quando exerce o direito de ação nos casos previstos em lei (art. 81 do CPC). Como fiscal da lei atua nas hipóteses elencadas no art. 82 do CPC. OBSERVAÇÃO 1: O Ministério Público nunca atua como mandatário ou procurador da parte. Intervém no processo apenas na qualidade de parte ou de fiscal da lei. OBSERVAÇÃO 2: Mesmo nas hipóteses em que a lei prevê a defesa de terceiros (art. 1.182, § 1º), a atuação é no sentido de tutelar a ordem jurídica ou interesses sociais e indiciduais indisponíveis. 7.4.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO PARTE Inicialmente há que distinguir parte material de parte processual. Geralmente, a parte processual pe também a parte do direito material controvertido. Ocorre, todavia, de a lei, em casos extraordinários, autorizar certas pessoas e órgãos, inclusive o Ministério Público, a pleitear em nome próprio direito alheio, conforme regra contida no art. 6º do CPC. 74 75 MAZZILLI, Hugo Nigro.Regime Jurídico do Ministério Público. – São Paulo : Saraiva, 1995. p. 80. Idem. p. 80. Página 40 de 64 Na prmeira hipótese, temos a parte material, que também pode figurar no processo. Na segunda, temos a ideia da parte num sentido meramente processual. Assim, quando o Ministério Público age na qualidade de Estado (como órgão estatual, compõe o próprio Estado), por exemplo. Exercendo a titularidade da ação penal, ou, no processo civil, propondo a ação de anulação de casamento (Código Civil, art. 1.549), ou fazendo requerimento por meio de procedimento de jurisdição voluntária, sua atuação se dá como parte material. Quando o Ministério Público pleiteia em nome próprio direito alheio, seja de pessoa ou da coletividade, como, por exemplo, na ação civil pública, na ação civil ex delicto, diz-se que é parte apenas no sentido processual (substituto processual). De qualquer forma, nas duas hipóteses sua atuação é como parte. Geralmente, como parte, o Ministério Público tem legitimidade apenas ativa. Segundo o professor Elpídio Donizetti 76, ocorre apenas uma hipótese em que o Ministério Público figura como réu: na ação rescisória de sentença, em cujo processo atuou como autor. 7.4.2. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS Qualquer que seja o interesse justificador da intervenção do Ministério Público, incumbe ao órgão, preciopuamente, a defesa da ordem jurídica. Pouco importa figure num dos polos da relação processual um incapaz ou a Fazenda Pública, ou verse a demanda sobre uma das causas elencadas no inciso II. O primeiro aspecto a ser tutelado é a ordem jurídica, até porque, preservada esta, na demanda, preservado estará o regime democrático, os interesses sociais e individuais indisponíveis. Afora a tutela da ordem jurídica, cada hipótese revela o interesse que deva ser tutelado pelo órgão ministerial. Nas causas em que há interesses de incapazes (inciso I), a atuação se justifica-se pela proteção que a lei outurga ao incapaz, seja a incapacidade absoluta ou relativa. No magistério do professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro 77: ensina: “Como órgão interveniente, o MP atua como fiscal da lei (custos legis), exercendo os mesmos poderes e direitos processuais que as partes, ressalvado, obviamente, aqueles quando possível, de disposição do direito ou da ação. A legitimidade do MP para intervir, nesta qualidade, é ditada sempre pela lei” 7.5. GARANTIAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO Segundo o que dispõe o parágrafo 5º, inciso I, do art. 128, da Constituição Federal, os membros do Ministério Público gozam das seguintes garantias: a) Vitaliciedade: após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado. b) Inamovibilidade: salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) c) Irredutibilidade de Subsídio: fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). 7.6. CONSEQUÊNCIA DA AUSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO Atuando como parte, não se pode falar em ausência do Ministério Público no processo, até porque, nessa qualidade, cabem-lhe os mesmos poderes e ônus que às partes, conforme regra contida no art. 81 do CPC. Atuando como fiscal da lei, o Ministério Público terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos processo, conforme regra do art. 83, I do CPC. 76 77 DONIZETTI, Elpídio. op. cit. p. 235. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal. 5. ed. – Rio de Janeiro : Forense, 1994. p. 12. Página 41 de 64 Apesar da dicção do art. 84 do CPC, a intervenção do Ministério Público pode ocorrer por iniciativa das partes, do juiz e do próprio Ministério Público. Se a intervenção do Ministério Público era devida, o descumprimento da imposição legal da intimação do MP pode trazer nulidade ao processo, mas desde que tenha havido prejuízo ao interesse daquele que receberia a tutela do MP. Caso contrário, todos os atos processuais serão válidos (STJ. REsp 780935/RJ), sendo suficiente, ademais, a atuação do MP em segundo grau para suprir eventual nulidade (STJ Resp 2903/MA). 7.7. PODERES, ÔNUS E RESPONSABILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO Tem o Ministério Público os mesmos poderes e prerrogativas das partes. Aliás, suas prerrogativas são bem maiores do que as conferidas às partes comuns. Atuando como parte ou como fiscal da lei, a intimação do Ministério Público é pessoal, a vista dos autos é fora da secretaria, o prazo para contestar é computado em quádruplo e, em dobro, o prazo recursal, conforme aponta a regra do art. 188 do CPC. Quanto aos ônus, vale lebrar que o Ministério Público não está sujeito ao adiantamento das despesas processuais (art. 19, § 2º, do CPC), nem à condenação nestas (art. 27 do CPC). O membro do Ministério Público não pode se recusar a intervir no processo, quando assim for ordenado pelo juiz. Se a determinação não tem amparo legal, poderá utilizar-se de correição parcial, a fim de restabelecer a ordem do processo. Caso haja simples negativa de emissão de parecer, ao fundamento de inexistência de interesse público, ode o juiz, não acatando as razões da recusa, remeter os autos ao procurador-geral, na forma do art. 28 do CPC, por analogia. Entretanto, a melhor solução é dar normal prosseguimento ao feito, sem intervenção do Mnistério Público, uma vez que a nulidade não haverá, porquanto foi dada oportunidade de manifestação. O órgão do Ministério Público será civilmente responsável quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude (art. 85 do CPC). O prejudicado por ato doloso ou fraudulento praticado por representante do Ministério Público terá o direito de ressarcir-se por meio de ação dirigida contra o Poder Público. Em tal hipótese, o membro do Ministério Público é responsável perante o Estado, devendo indenizá-lo em regresso. Nada obsta, porém, a que o prejudicado intente ação diretamente contra o membro do Ministério Público ou contra este e o Estado, conjuntamente. Já o comportamente culposo, decorrente de imprudência, negligência ou imperícia, não é suficiente para caracterizar a responsabilidade pessoal do representante do Ministério Público, a teor do dispositivo legal citado, embora não exima a Fazenda Pública de responsabilidade (objetiva). 7.8. IMPEDIMENTO, SUSPEIÇÃO E INCOMPETÊNCIA Os motivos de impedimento e de suspeição previstos no CPC aplicam-se ao órgão do Ministério Público, quando não for parte. Sendo parte, aplicam-se os motivos de suspeição previstos nos ns. I a IV do art. 135 do CPC. Evidentemente, não se aplica o inciso V do art. 135 do CPC, quando o Ministério Público atua no processo como órgão agente, pois toda e qualquer parte tem interesse no julgamento da causa. Em sendo constatado caso de impedimento ou suspeição do representante do Ministério Público, a parte interessada deverá arguir o impedimento ou suspeição, em oetição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nbos autos. O próprio juiz da causa mandará processar o incidente em separado e, sem suspensão da causa, ouvirá o arguido no prazo de 5 dias, facultando a produção de provas, se necessário, quando então julgará o pedido. Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente. Quanto a competência, esta não pode ser falada. A competência do ponto de vista jurídico, é a limitação da jurisdição. Como o Ministério Público não tem jurisdição, mas sim atribuições, impróprio seria falar em incompetência. Página 42 de 64 7.9. LEGITIMIDADE PARA RECORRER O Minstério Público tem legitimidade para recorrer, assim, no processo que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei, conforme previsão do art. 499, § 2º, do CPC. Legitmidade não se confude com interesse. O Ministério Público pode ter legitimidade, porque interveio no processo, mas não ter interesse para recorrer no caso concreto, em razão de o desfecho da demanda ter sido favorável ao interesse justificador de sua intervenção. Assim, se a sentença foi favorável ao incapaz, carece o Ministério Público de interesse para recorrer. O mesmo se dá quando, nas ações de divórcio e de anulação de casamento, a decisão preserva o vínculo matrimonial. O Ministério Público, exercendo a função de fiscal da lei, não tem legitimidade para recorrer adesivamente. Isto porque a interposição de recurso adesivo pressupóe mútua sucumbência, o que não ocorre quando o Ministério Público atua como custos legis. E também porque, no caso, o Ministério Público não é parte e, nos termos do art. 500, caput, do CPC, somente que figura nessa qualidade pode recorrer adesivamente. 7.10. ALGUMAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES I - ORGANIZAÇÃO O Ministério Público abrange: 1. O Ministério Público da União, que compreende: 1.1. Ministério Público Federal; 1.2. Ministério Público do Trabalho; 1.3. Ministério Público Militar; 1.4. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução. Os membros do Ministério Público da União são denominados Procuradores da República e Procuradores Regionais da República. A destituição do Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da República, deve ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal. A Lei Complementar Federal n. 75, de 20 de maio de 1993, dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. 2. Ministérios Públicos dos Estados Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal têm por chefe, cada um deles, um Procurador-Geral de Justiça. São escolhidos por integrantes da carreira para compor uma lista tríplice, na forma da lei respectiva. À vista dos nomes apresentados nessa lista, o Chefe do Poder Executivo pode escolher e nomear qualquer um deles, para mandato de dois anos, permitida uma recondução. Os membros do Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal são denominados Promotores de Justiça (atuam em primeira instância) e Procuradores de Justiça (atuam em segunda instância, junto aos tribunais estaduais). A Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Cada unidade da Federação também possui sua própria lei orgânica. Página 43 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA: TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR: MAURÍCIO CORRÊA DATA: UNIDADE VIII: DO JUIZ E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA 8.1. O JUIZ Na relação jurisdicional, o Estado-juiz ocupa uma posição de supremacia e equidistância das partes. A supremacia decorre do fato de o processo ser um instrumento de exercício do poder soberano do Estado de Jurisdição. Já a equidistância é a demonstração de imparcialidade, é a substitutividade (característica essencial da jurisdição). O juiz é o órgão principal da justiça, nele é que se concentra a função jurisdicional, e é dele a competência de dirigir os serventuários a fim de atingir os objetivos da justiça. Todo juízo independente de grau de jurisdição tem em sua formação o juiz e os órgãos auxiliares que são formados pelos serventuários (escrivães, oficiais de justiça, escreventes, técnicos e etc). 8.1.2. DOS PODERES, DEVERES E RESPONSABILIDADES DO JUIZ No Código de Processo Civil encontramos as atribuições, deveres e responsabilidades do juiz, a partir do art.125, onde ele deve dirigir o processo, e observar alguns preceitos como os abaixo discriminados: I – assegurar as partes igualdade de tratamento; II – vela pela rápida solução do litígio; III – prevenir ou reprimir a qualquer tempo ato contrário á dignidade da justiça; IV – tentar a qualquer tempo conciliar as partes. Quanto aos deveres do magistrado, o professor Misael Montenegro Filho78 dando maior ênfase ao tratamento isonômico que deve ser dispensado às partes, evidencia: “No campo dos deveres, destacamos a obrigação de assegurar tratamento igualitário às partes, em respeito ao primado constitucional estampado no art. 5º da CF, relativo à isonomia processual. Já anotamos em outras passagens desta obra que a igualdade não pode ser vista de forma absoluta, mas apenas principiológica”. O juiz não pode se eximir de julgar sentenciando ou despachando com alegação de obscuridade ou lacuna na lei, a norma contida no art. 126 o obriga a praticar tais atos na legalidade, mas na falta desta, ele deve recorrer a analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito, é norma repetida da LINB (antiga LICC) no seu art. 4º, casos em que também poderá decidir por equidade. Ao juiz no processo civil é proibido conhecer de questões que não foram suscitadas pelas partes, quando a lei assim exige que o façam, cabendo-lhe tão somente decidir por equidade. São prerrogativas do juiz: a) Proferir sentença obstando os objetivos das partes quando o fazem praticando ato simulado ou para obter fim proibido por lei; b) De ofício ou a requerimento determinar a coleta ou a produção de provas necessárias ao processo e indeferir as diligências inúteis ou protelatórias; c) Apreciar livremente as provas (CPC, art.131); d) Mandar repetir as provas já produzidas se achar necessário (CPC, art. 132, parágrafo único); 78 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. volume I. 7. ed. – Rio de Janeiro : Editora Atlas, 2011. p. 43. Página 44 de 64 e) Declarar-se suspeito (CPC, art.135, parágrafo único) por motivo íntimo. Interessantemente, se faz necessário pontuar a norma insculpida no art. 133 do CPC, versando sobre a responsabilidade do juiz, podendo este vir a responder por perdas e danos quando: 1) No exercício jurisdicional, proceder com dolo ou fraude (inc. I); 2) Recusar, omitir o retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte (inc.II). O parágrafo único do artigo acima expõe a forma de verificação das situações previstas no inciso II, in verbis: Parágrafo único - Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II se depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias. 8.1.3. DAS GARANTIAS E VEDAÇÕES A Constituição da República arrola uma série de garantias para os magistrados, destinadas a assegurar que a atuação do magistrado se dê de forma imparcial. Os juízes gozam das garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, conforme regra constitucional abaixo transcrita: “Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária. IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.” 8.1.4. PODERES-DEVERES DO JUIZ Esses poderes do magistrado podem ser divididos, em primeiro lugar, em poderes administrativos e jurisdicionais. Os poderes administrativos, também chamados de “poderes de polícia”, são exercidos ao longo do processo para assegurar a ordem e o decoro, conforme o que dispõe o art. 445 do CPC, in verbis: “Art. 445. O juiz exerce o poder de polícia, competindo-lhe: I - manter a ordem e o decoro na audiência; II - ordenar que se retirem da sala da audiência os que se comportarem inconvenientemente; III - requisitar, quando necessário, a força policial.” Página 45 de 64 8.1.5. PODER-DEVER DE PRESTAR A TUTELA JURISDICONAL O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. Sobre o tema, pontua o professor Elpídio Donizetti79: “Uma vez provocada, a atuação da jurisdição é inexorável. Pouco importa haja ou não lei, seja essa completa ou lacunosa, cumpre ao Estado desempenhar a função de compor o litígio, aplicando o direito ao caso concreto”. Havendo lei, o parâmetro de apreciação do direito, pelo menos num primeiro momento, será nela buscado. Não pode o juiz substituir o legislador na formulação da regra de direito aplicável. Todavia, não está o juiz, mesmo na jurisdição contenciosa, ocorrendo a hipótese do afastamento da lei, obrigado a observar critério da legalidade estrita. Na opinião do professor Elpídio Donizetti80, esclarece: “O conflito é solucionado com a aplicação do direito. É de se evidenciar que o direito não se confude com a lei, porquanto esta é apenas uma das fontes, um critério de apreciação justo. Ademais, a lei nem sempre é direito, às vezes constitui um antidireito, e quando isso ocorre, cabe ao juiz afastar-se da lei e aplicar o direito”. De outro norte, ensina o professor Paulo Nader81: “Não havendo lei ou não constituindo ela critério razoável de apreciação do justo, cabe ao juiz buscar a integração do direito com a analogia, que consiste em aplicar, a um caso não previsto pelo legislador, a solução por ele apresentada para um outro caso fundamentalmente semelhante àquele”. À falta de lei e na impossibilidade da integração pela analogia, deve o juiz recorrer às normas consuetudinárias como critério de apreciação do direito. Não sendo possível aquilatar o direito utilizando-se dos parâmetros anteriores, o juiz se valerá dos princípios gerais do direito, procurando, então, apanhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e canalizá-lo para o caso concreto. 8.2. DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA São auxiliares da justiça aquelas pessoas a quem o Código de Processo Civil atribui o encargo de realizar os serviços complementares ao exercício da jurisdição sob a autoridade do juiz. Eles aparecem como sujeitos secundários na administração do processo, atuam na prática dos atos que por lei são legitimados a realizar. Esses funcionários atuam sob a direção do magistrado, e a ele estão subordinados. Os auxiliares da justiça existem em todos os órgãos judiciários, e também em todos os graus de jurisdição, desde as varas, onde os juízes exercem a jurisdição de primeiro grau ou de base até os tribunais superiores. Os auxiliares de justiça se situam entre os sujeitos secundários do processo não são qualificados como essenciais à função jurisdicional pela legislação, todavia têm legitimidade exclusiva para prática dos atos para os quais foram instituídos e investidos. Segundo o professor Elpídio Donizetti82 anota: “São auxiliares do juízo (art. 139), além de outros cujas atribuições são determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o oficial de justiça (arts. 140-141), o perito (arts. 145-147), o depositário (arts. 148-150), o administrador (arts. 148-150) e o intérprete (arts. 151-153). O código também menciona como auxiliares do juízo o partidor (arts. 141, IV, c, e 1.023), o contador (arts. 141, IV, c, 769, 770, 1.013, § 1º, e 1.034), o distribuidor (art. 253, parágrafo único) e o porteiro (art. 688, para´grafo único, e 694). Afora o juiz, o escrivão é a autoridade mais importante da vara. O escrivão tem fé pública, é responsável civilmente pelos prejuízos que acarretar às partes, na forma do art. 144, e, nos seus impedimentos, é substituído segundo as normas de organização judiciáriae do art. 142 do CPC. DONIZETTI, Elpídio. op. cit. p. 289. Idem. p. 289. 81 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 6 ed. Rio de Janeiro : Forense, 1991. p. 210. 82 DONIZETTI, Elpídio. op. cit. p. 295. 79 80 Página 46 de 64 8.2.1 DEVER DE IMPARCIALIDADE E RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA Como servidores públicos, os auxiliares da Justiça devem realizar suas atividades com impessoalidade assim como o juiz, porquanto é público o serviço por eles prestado e estão também sujeitos as regras de impedimento e suspeição igualmente ao magistrado. A obrigação direta da impessoalidade que os serventuários da justiça devem guardar, e também da de manter a imparcialidade profissional com que devem exercer suas funções implica a possibilidade de serem recusados pela parte, com fundamento em suspeição ou impedimento, hipóteses que se encontram previstas no CPC. Também responde o Estado objetivamente pelos atos dos auxiliares da justiça quando realizados no exercício da função, contudo, correlativamente, pode o Estado exercer o regresso contra estes, respondendo eles sempre que haja sido ao menos culposa a conduta que foi causadora do dano (CR, art. 37, § 6º) até mesmo pelos atos dos auxiliares eventuais como o perito, o intérprete, o arbitrador ou o conciliador, pois que não obstante serem profissionais autônomos na prestação do serviço para o qual são convocados, estão exercendo função pública. 8.2.2. DOS AUXILIARES PERMANENTES Entre os auxiliares temos o escrivão que na justiça do trabalho vem a se chamar de chefe de secretaria, entre as suas funções podemos destacar: 1) Documentar os atos processuais; 2) Movimentar a relação processual; 3) Zelar pelos autos dos processos; 4) Dar certidões dos processos. Observando-se administrativamente pode-se dizer que o escrivão é um chefe de seção, pois tem funcionários subalternos sob seu comando e que o podem substituir eventualmente: O escrivão e também um chefe de seção (ofício de justiça), com funcionários subalternos sob sua direção (escreventes); e a lei processual permite que o escrivão se faça substituir por um escrevente na realização de atos de seu ofício (CPC, art. 41, III; CPP, art. 808). (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2006) O oficial de justiça é serventuário que tem suas origens ligadas aos meirinhos, os quais tinham a função de executar as ordens judiciais e comunicação de justiça. O oficial de justiça continua sendo o responsável pelas diligências externas do juízo. Elencamos aqui as suas principais funções: 1) Atos de comunicação processual (ex: citação, intimação); 2) Atos de constrição judicial (penhora, arresto, sequestro, busca e apreensão); 3) Incumbe- lhe também estar presente as audiências e coadjuvar o magistrado na manutenção da ordem. Há a figura do distribuidor, que é aquele funcionário existente quando há mais de um escrivão, este tem a função primordial de distribuir os feitos entre os escrivães, obedecendo os critérios estabelecidos em lei e regimentos. O contador é o servidor que é responsável pelos cálculos, é ele que calcula custas do processo, do imposto a pagar nos processos de inventário e também o valor do cálculo dos valores devidos em relação aos títulos executivos. Existe também o partidor, que tem sua atuação diretamente ligada aos processos onde haja partilha de bens, em especial nos inventários. Ao depositário público cabe responsabilidade de guardar e conservar aqueles bens sob a sujeição do juízo, ou seja, aqueles apreendidos, seqüestrados, penhorados e etc. Página 47 de 64 8.2.3. DOS AUXILIARES EVENTUAIS Nesta categoria de servidores temos o perito, o intérprete, o depositário particular, o administrador, o síndico, o comissário e o inventariante. São todas pessoas que não ocupam cargo fixo na administração da justiça, e são nomeados “ad hoc” pelo juiz. O perito é a pessoa que auxilia no juízo através de seus conhecimentos técnicos, o perito realiza vitorias e avaliações na qual o juiz não tem capacidade técnica para tal. Na categoria de perito temos: o avaliador, o arbitrador, e também segundo a doutrina: “São peritos todos os engenheiros, médicos, contadores etc. que venham trazer ao juízo cooperação de seus trabalhos especializados.” (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2006) Quanto aos laudos e pareceres apresentados pelos peritos ao juiz, relatam o trabalo feito e formulam conclusões, quanto a vinculação do juiz aos laudos ficamos com as palavras dos mestres CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO: “O laudo não vincula o juiz: o perito é mero auxiliar e este fica livre para decidir segundo sua convicção, ainda contra as conclusões do laudo (CPC, arts. 131 e 436; CPP, art. 182), 2006) O intérprete tem funções ligadas as questões de linguagem (língua estrangeira e língua brasileira de sinais - LIBRAS). A pessoa que designada pelo juiz como depositário particular tem as mesmas funções eobrigações do depositário público (art. 666, CPC). Nos casos de falência, concordata e inventário, o juiz designa três espécies de a auxiliares: o sindico, o comissário e o inventariante, já o administrador judicial eo inventariante são designados (nomeados) pelo juiz em recuperação judicial de empresa, falência, e extraordinariamente para execução por quantia (arts. 148, 149, 150, 716 à 729 e 990, CPC) 8.2.4. DOS ÓRGÃOS ESTRAVAGANTES EVENTUAIS AUXILIARES DA JUSTIÇA Para que os objetivos jurisdicionais sejam alcançados, algumas vezes se faz necessária a cooperação de outros órgãos (públicos ou privados), só ilustrando podemos transcrever alguns: 1) A ECT – quando o juízo necessita expedir cartas citatórias e precatórias; 2) A Policia Militar – casos de resistência a Oficial de justiça; 3) Imprensa Oficial do Estado e empresas jornalísticas particulares – publicação de editais; 4) Órgãos pagadores de entidades públicas e privadas, encarregadas de descontar em folha a prestação de alimentos devida pelo funcionário empregado. 8.2.5. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS AUXILIARES A responsabilidade civil dos auxiliares da Justiça foi imposta legalmente perante a parte ou as partes a quem tenham causado dano. Na legislação é trazida explicitamente essa responsabilidade e esta é atribuída ao escrivão, ao perito, ao depositário público, ao administrador ao intérprete (arts. 144, 147, 150 e 153, CPC). Quanto à responsabilidade civil do contador, do partidor do distribuidor, do juiz leigo e do conciliador, o Código de Processo Civil restou silente, porque os mesmos não constam no rol do art. 138, contudo, não se pode concluir que os mesmo são isentos ou imunes à responder civilmente pelos danos causados a terceiros (as partes), pois o previsto no art. 159 do Código Civil se impõe a todos. Temos também que considerar que exercendo eles função pública são todos passíveis de figurar no pólo ativo de crimes próprios dos funcionários públicos, e nesse aspecto também se sujeitam no ponto de vista penal os auxiliares eventuais, como por exemplo, o perito que nomeado “ad hoc” pelo juiz realiza falsa perícia (CP, art. 342) Como já explanado anteriormente há sempre a responsabilidade objetiva do Estado pelos atos dos seus agentes quando em decorrência do exercício de função pública vem a causar danos a particulares, deve o Estado responder objetivamente, e o agente causador do dano se concorreu ao menos culposamente para o resultado responder regressivamente. 8.2.6. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE (FÉ PÚBLICA) Os atos do escrivão gozam de fé pública em todas as certificações, também os escreventes tem fé pública quanto ao que certificam no exercício de suas funções. Página 48 de 64 No Código de Processo Civil, o art. 364, expõe de forma reduzida ou simplificada, porém as leis de organização judiciária lhes concedem essa prerrogativa. Quanto à veracidade das certidões expomos a opinião dos mestres: O escrivão e o oficial de justiça têm fé pública, o que siginifica que suas certidões são havidas por verdadeiras, sem qualquer necessidade de demonstração se sua correspondência com a verdade, até que o contrario seja provado (presunção júris tantum). (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2006). Logo, pode-se concluir que caso o escrivão ou oficial de justiça venham a emitir certidões de conteúdo inverídico, isto, ficando devidamente provado, faz que os mesmos servidores passem a responder tanto civil com criminalmente pela falsidade que cometerem, e no caso concreto fica autorizado desde logo, ao que fora prejudicado pela falsidade o direito a exigir a devida indenização. Página 49 de 64 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ DISCIPLINA: TEORIA GERAL DO PROCESSO PROFESSOR: MAURÍCIO CORRÊA DATA: UNIDADE IX: DOS ATOS PROCESSUAIS 9.1. CONCEITO Ato processual é espécie do gênero do fato jurídico. Este tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, ou seja, tem efeito sobre a relação jurídica de direito material. Aquele tem por fim instaurar, desenvolver, modificar ou extinguir a relação jurídico-processual. Em outras palavras, ato processual é toda ação humana que produz efeito-jurídico em relação ao processo. Ato processual é modalidade de fato processual. Fato processual é todo acontecimento com influência sobre o processo. O ato processual também tem influência sobre o processo, com uma diferença: decorre da manifestação da pessoa humana. Observação 1: são exemplos de fato processual: a morte da parte, a perda da capacidade processual e o decurso do tempo, porquanto independem da vontade humana e têm influência sobre o processo. Observação 2: são exemplos de ato processual: a petição inicial, o interrogatório e a sentença. 9.2. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS Diversos critérios são adotados para classificar os atos processuais. O critério mais empregado, que também é o adotado pelo CPC, leva em conta o sujeito que pratica o ato processual. O nosso Código divide os atos processuais em: »» atos das partes (arts. 158/161); »» atos do juiz (art. 162/165) e »» atos do escrivão ou chefe de secretaria (arts. 166 a 171). 9.2.1. ATOS DAS PARTES São os praticados pelo autor, réu, terceiros intervenientes e pelo Ministério Público. Em regra, tais atos produzem seus efeitos imediatamente (art. 158 do CPC)83. Determinados atos, entretanto, para produzir efeitos processuais, exigem homologação judicial. É o que ocorre com a desistência da ação (art. 158, parágrafo único), a conciliação e transação. Consistem em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade (art. 158 do CPC) e se classificam em postulatórios, dispositivos, instrutórios e reais, além das cotas e condutas, segundo pontua o professor GRECCO FILHO: 9.2.1.1. ATO POSTULATÓRIO É o que contém algum pedido ou requerimento do autor ou réu, como as petições em geral. A própria petição inicial contém pedido e o requerimento. O pedido é o de mérito, é a pretensão do autor, seja imediata (art. 282, VI do CPC); requerimento, é o que diz respeito a questão processual, como o de citação do réu (art. 282, VII do CPC)84. Também são atos postulatórios a contestação e os recursos, entre outros. Art. 158. Os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais. Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeito depois de homologada por sentença. 84Art. 282. A petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - o requerimento para a citação do réu. 83 Página 50 de 64 9.2.1.2. ATO DISPOSITIVO OU NEGÓCIO PROCESSUAL É aquele que a parte manifesta a intenção de dispor da jurisdição, seja para dar existência à relação processual ou para modificá-la. Tais atos se dividem em: unilaterais, quando podem ou devem ser praticados por apenas uma das partes, como a contestação, a petição inicial, o recurso e outros; concordantes quando, praticados por uma das partes, a outra consente, como o pedido de desistência da ação a que o réu não se opõe; contratuais, são aqueles praticados por ambas as partes em conjunto, como os acordos em geral. 9.2.1.3. ATO INSTRUTÓRIO É o que se destina a formar a convicção do juiz e se divide em: alegações, que são as exposições acerca da questão posta em juízo; probatório, que consiste na propositura e produção de alguma prova. 9.2.1.4. ATO REAL É o que se exterioriza pela apresentação da coisa, não por meras palavras, como a juntada de algum documento ou o preparo do processo (art. 257 do CPC)85. 9.2.1.5. COTAS São simples manifestações, em geral, manuscritas, nos próprios autos, pelas quais as partes dão ciência de intimações ou de juntadas de documentos. 9.2.1.6. CONDUTAS Seriam de tamanha variação que se torna impossível classificá-las, como os depoimentos pessoais ou o depósito de alguma coisa ou valor. O depósito é o que o professor Amaral Santos denomina de “ato real”. 9.2.1.7. EFEITOS Em regra, os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem os efeitos que lhe são próprios, bem como os indiretos, tão logo sejam praticados, independente de despacho do juiz. Por isso que, protocolada petição dispensando provas, não se pode voltar atrás ap pretexto de que o juiz ainda não despachou. Igualmente quando se noticia por petição a renúncia a prazo particular (art. 186 do CPC) 86 ou renúncia ao direito de recorrer (art. 502 do CPC)87, provocando o imediato trânsito em julgado da sentença ou preclusão da decisão. Como exceção à regra, de que os atos das partes produzem efeitos imediatos, a desistência da ação só o produz depois que for homologada por sentença (art. 158, parágrafo único do CPC). Discute-se, em doutrina, sobre a necessidade de homologação do pedido de desistência do recurso, que é um direito assegurado ao recorrente, mesmo contra a vontade dos litisconsortes ou da parte recorrida (art. 501 do CPC) 88. Omissa a lei, domina o entendimento de que se deve atentar ao que dizem os regimentos internos dos tribunais. Se nada dispuserem também, a desistência do recurso produz efeitos imediatos. 9.2.2. ATOS DO JUIZ Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos (art. 162 do CPC)89. Acrescenta o art. 163 do CPC90 que recebe o nome do acórdão o julgamento proferido pelos tribunais. Art. 257. Será cancelada a distribuição do feito que, em 30 (trinta) dias, não for preparado no cartório em que deu entrada. Art. 186. A parte poderá renunciar ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor. 87 Art. 502. A renúncia ao direito de recorrer independe da aceitação da outra parte. 88 Art. 501. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. 89 Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. § 2 Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. § 3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma. § 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários. 90 Art. 163. Recebe a denominação de acórdão o julgamento proferido pelos tribunais. 85 86 Página 51 de 64 A distinção é necessária, posto que dos despachos não cabe recurso algum (art. 504 do CPC) 91, enquanto da sentença cabe apelação (art. 513 do CPC)92 e das decisões interlocutórias cabe agravo (art. 522 do CPC) 93. 9.2.2.1. SENTENÇA É o ato que põe fim ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Mérito é a pretensão resistida, isto é, a lide. Sentença que decide mérito é aquela que diz a quem pertence o direito com fundamento em uma das causa previstas no art. 269 do CPC94. É denominada de sentença “definitiva”, no sentido de que define a quem pertence a razão. Sentença que não decide o mérito é aquela que acolhe preliminares ou outras causas previstas no art. 267 do CPC95. Denomina-se sentença “terminativa”, no sentido de que põe termo ao processo, mas mão resolve a quem pertence o direito. 9.2.2.2. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA É o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente, porém, com reflexos nos interesses ou direitos das partes, mas não põe fim ao processo. Como exemplos, o saneamento do processo, a exclusão de terceiro interveniente, o indeferimento de petição declaratória incidental, o indeferimento de requerimento de produção de provas e outros. 9.2.2.3. DESPACHO Despachos, ou despachos de mero expediente, são todos os demais atos que não sejam sentença ou decisão interlocutória, como a ordem para citação ou para juntada de documentos, a ordem de abertura de vista, a ordem para elaboração de cálculos para atualização, entre outros. Tais atos não têm carga decisória, nem implicam em ofensa a direitos das partes, sendo mera preparação para outros atos. 9.2.2.4. ACÓRDÃO Acórdão é a “sentença” ou a “decisão interlocutória” proferida pelos tribunais ou outros órgãos colegiados, como as turmas recursais dos juizados especiais. Todo acórdão deve ter ementa (art. 563 do CPC)96. A ementa é uma síntese resumida do que foi decidido no acórdão. Pode ser redigida por palavras próprias, ou retirando partes do texto do acórdão. 9.2.3. ATOS DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA 9.2.3.1. NOÇÕES GERAIS Em sentido amplo, auxiliares da justiça são todas as pessoas que contribuem para a entrega da tutela jurisdicional, como o perito, as testemunhas, o advogado, o representante do Ministério Público, etc; em sentido estrito, porém, auxiliares são os serventuários da justiça, como o escrivão, o oficial de justiça, o avaliador, o depositário, o contador e outros. De todos estes auxiliares, sem dúvida alguma, o escrivão e o oficial de justiça são os que mais praticam atos processuais e sem os quais o processo não se desenvolve. 9.2.3.2. ATOS DO ESCRIVÃO O escrivão pratica atos próprios de movimentação do processo, por termo nos autos, documenta outros atos processuais. Dentre os seus atos apontam-se, entre outros, os previstos no art. 141 do CPC, in verbis: Art. 504. Dos despachos não cabe recurso. Art. 513. Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269). 93 Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. 94 Art. 269. Haverá resolução de mérito. 95 Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito. 96 Art. 563. Todo acórdão conterá ementa. 91 92 Página 52 de 64 Art. 141. Incumbe ao escrivão: I - redigir, em forma legal, os ofícios, mandados, cartas precatórias e mais atos que pertencem ao seu ofício; II - executar as ordens judiciais, promovendo citações e intimações, bem como praticando todos os demais atos, que Ihe forem atribuídos pelas normas de organização judiciária; III - comparecer às audiências, ou, não podendo fazê-lo, designar para substituí-lo escrevente juramentado, de preferência datilógrafo ou taquígrafo; IV - ter, sob sua guarda e responsabilidade, os autos, não permitindo que saiam de cartório, exceto: a) quando tenham de subir à conclusão do juiz; b) com vista aos procuradores, ao Ministério Público ou à Fazenda Pública; c) quando devam ser remetidos ao contador ou ao partidor; d) quando, modificando-se a competência, forem transferidos a outro juízo; V - dar, independentemente de despacho, certidão de qualquer ato ou termo do processo, observado o disposto no art. 155. Art. 142. No impedimento do escrivão, o juiz convocar-lhe-á o substituto, e, não o havendo, nomeará pessoa idônea para o ato. 9.2.3.3. ATOS DO OFICIAL DE JUSTIÇA O oficial de justiça tem como atribuição principal a prática dos atos externos, como a penhora, o arresto, a busca e apreensão, a prisão e outros ordenados pelo juiz. São todos atos de execução. Em regra, o oficial de justiça pode praticar qualquer ato sozinho, salvo quando a lei expressamente determinar que se faça acompanhar de outro, como na busca e apreensão (art. 842 do CPC) 97 e o arrombamento de residência para se efetivar a penhora (art. 662 do CPC) 98, que devem ser feitos por dois oficiais de justiça. Da mesma forma, em face da fé pública de que goza tal servidor, isto é, presunção legal de que seus atos são válidos e verdadeiros até que a parte interessada prove o contrário, o oficia de justiça não depende de testemunhas, embora possa delas se valer, se estiverem no local da penhora ou da prisão (art. 143, I, parte final do CPC). Dentre os seus atos, destacam-se os apontados no art. 143, in verbis: Art. 143. Incumbe ao oficial de justiça: I - fazer pessoalmente as citações, prisões, penhoras, arrestos e mais diligências próprias do seu ofício, certificando no mandado o ocorrido, com menção de lugar, dia e hora. A diligência, sempre que possível, realizar-se-á na presença de duas testemunhas; II - executar as ordens do juiz a que estiver subordinado; III - entregar, em cartório, o mandado, logo depois de cumprido; IV - estar presente às audiências e coadjuvar o juiz na manutenção da ordem. V - efetuar avaliações. Observação 1: há casos em que a presença de testemunhas é condição de validade, como no de arrombamento para realização de penhora em que o devedor resiste (art. 661, parte final). Observação 2: O escrivão e o oficial de justiça são civilmente responsáveis: I - quando, sem justo motivo, se recusarem a cumprir, dentro do prazo, os atos que Ihes impõe a lei, ou os que o juiz, a que estão subordinados, Ihes comete; II - quando praticarem ato nulo com dolo ou culpa. (art. 144 do CPC). 9.3. FORMAS DOS ATOS PROCESSUAIS Os atos jurídicos, quanto à forma, são classificados em atos solenes e não-solenes. Solenes são aqueles para os quais a lei prevê uma forma como condição de validade; subordinam-se, geralmente, à forma escrita, a tempo e lugar previstos na lei. Não solenes são os atos que podem ser praticados de forma livre. Art. 842. O mandado será cumprido por dois oficiais de justiça, um dos quais o lerá ao morador, intimando-o a abrir as portas. Art. 662. Sempre que necessário, o juiz requisitará força policial, a fim de auxiliar os oficiais de justiça na penhora dos bens e na prisão de quem resistir à ordem. 97 98 Página 53 de 64 A regra é a forma livre dos atos jurídicos, conforme o que determina o art. 107 do Código Civil99. Excepcionalmente, a lei condiciona a validade do ato jurídico à forma, como ocorre com os atos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente no País. Nesses casos, a escritura púbica é essencial. O ato processual, como espécie do ato jurídico, segue a mesma regra. A validade do ato processual não requer forma determinada, a não ser quando a lei expressamente o exigir (art. 154 do CPC). Em raríssimos casos o CPC prescreve a forma como requisito de validade do ato processual. No Distrito Federal e nas Capitais dos Estados (e onde houver convênio com os órgãos de imprensa para a publicação dos atos judiciais), consideramse feitas as intimações pela só publicação dos atos no órgão oficial (art. 263, caput). Mesmo assim, pelo princípio da instrumentalidade das formas (art. 244), reputar-se-á válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. O que comumente ocorre é de o Código prescrever requisitos de validade para o ato processual. Exemplos da petição inicial (art. 282 do CPC), da sentença (art. 458 do CPC) e das cartas (de ordem, precatória e rogatória). A evolução tecnológica levou o legislador processual a cogitar da prática de atos processuais por meios eletrônicos. Segundo o parágrafo 2º do art. 154, todos os atos e termos podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico na forma da lei. Outra inovação diz respeito ao parágrafo único do art. 164, o qual permite a assinatura eletrônica nos despachos, decisões, sentenças e acórdãos. 9.3.1. ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS POR MEIO ELETRÔNICO A regra no processo civil brasileiro é o registro escrito de todos os atos e termos (de juntada, de conclusão, de penhora, etc.) do processo, formando o que se denomina autos ou caderno processual. Em alguns procedimentos sumarizados, como os adotados nos juizados especiais, às vezes o registro escrito dos atos processuais é dispensado ou contenta-se com o registro em fitas de áudio ou áudio e vídeo. Nesse caso, incumbe ao juiz, no ato decisório, fazer menção da ocorrência que julgar relevante para a decisão. De qualquer maneira, em regra o registro se dá por escrito. Até recentemente a escrita, isto é, a representação gráfica dos atos processuais, era feita sobre meio físico, cartular, em português mais direito, em folha de papel. Quando registrados em folha de papel, a lei previa e prevê que os atos e termos do processo sejam datilografados ou manuscritos com tinta escura e indelével, assinando-os as pessoas que neles intervieram. O advogado constituído assina a petição; o juiz, a sentença; o escrivão, o termo de conclusão; o perito, o laudo; e o promotor de justiça o parecer, porquanto tais atos são privativos desses operadores do processo. Ocorre que, desde o advento da Lei 10.259, editada em 2001, teve início, embora apenas nos Juizados Especiais Federais, a virtualização do processo, ou melhor, do registro dos atos processuais. Em 2006, com a edição da Lei 11.419, o processo eletrônico espraiou-se para todos os procedimentos e órgãos do Judiciário. Muito bem. Quanto o ato processual for registrado em folha de papel, a assinatura será manuscrita; ao revés, quando registrado em meio virtual (no disco rígido de um computador), a assinatura será eletrônica. A assinatura, manuscrita ou eletrônica, constitui o meio pelo qual se atribui autenticidade e validade a qualquer declaração, a qualquer ato jurídico, inclusive, evidentemente ao ato processual (art. 219 do Código Civil e art. 10, § 1º, da Medida Provisória 2.200-2/2001). A assinatura eletrônica, vale enfatizar, pode ser baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da Medida Provisória 2.200-2/2001 ou mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos tribunais. 9.3.2. ASSINATURA ELETRÔNICA Ao receber seu certificado digital, o titular terá a possibilidade de concluir negócios jurídicos, via de regra, de valor ilimitado, uma vez que o certificado digital, além de funcionar como uma carteira de identidade no meio virtual, presta-se também à atribuição de autoria e documentos eletrônicos e, em se tratando especificamente de atos processuais, nos termos do art. 11 da Lei 11.419/2006. O certificado digital consiste numa estrutura de dados sob a forma eletrônica que associa o nome e atributos de uma pessoa a um par de chaves. Essa estrutura é montada com a utilização de criptografia assimétrica ou de chaves públicas. 99 Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Página 54 de 64 Assinar digitalmente consiste em aplicar sobre a mensagem, constante de um meio virtual (texto escrito no computador, por exemplo), a chave privada (ou privativa), isto é, o código pessoal do usuário, detentor do certificado digital, o que pode ser feito com a inserção, num dispositivo adequado, do cartão magnético (tal como ocorre nos caixas eletrônicos). 9.3.3. LINGUAGEM UTILIZADA NOS ATOS PROCESSUAIS A exteriorização dos atos jurídicos se faz por intermédio da linguagem, que pode ser oral ou escrita. O ato escrito é aquele que vem redigido na forma escrita (petição). O ato oral deve ser reduzido a termo pelo escrivão para sua documentação nos autos (exemplo, audiência de instrução e julgamento, depoimento de testemunha). O art. 156 preceitua que em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo 100. Assim, os atos e termos processuais escritos em língua estrangeira são reputados nulos. O documento que for apresentado em outra língua deverá ser acompanhado de sua versão, firmada por tradutor juramentado ou, na falta deste, por tradutor indicado pelo juiz (art. 157 do CPC). Nos atos orais das partes e testemunhas que não souberem expressar-se em língua nacional há necessidade de intérprete para lhes dar expressão em vernáculo. O mesmo acontece para a tradução da linguagem mínima dos surdos-mudos. 9.3.4. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS Em geral são públicos os atos processuais, assim, qualquer pessoa pode obter translados e certidões a respeito dos atos e termos contidos no processo. Há, porém, casos em que, por interesse público e pelo respeito que merecem as questões de foro íntimo, o Código reduz a publicidade dos atos, verificando-se o procedimento chamado “segredo de justiça”, ao qual, apenas as partes e seus procuradores têm acesso aos termos e atos do processo. A exceção de publicidade dos atos processuais está prevista no art. 155 do CPC. Quanto ao processo em “segredo de família”, segundo o parágrafo único do art. 155, o terceiro só poderá requerer ao juiz certidão a respeito do dispositivo da sentença (nunca de sua fundamentação ou de outro dado do processo) e do inventário e partilha resultantes de separação judicial ou divórcio. 9.4. TEMPO DOS ATOS PROCESSUAIS 9.4.1. NOÇÕES GERAIS Tempo não se confunde com prazo. Tempo diz respeito à época (dia e horário) em que podem ser realizados atos processuais; prazo é um período entre dois termos, que são o termo inicial (dies a quo) e o termo final (dies ad quem). Quanto ao tempo, surgem duas questões, que são o horário e o dia. 9.4.2. O HORÁRIO De ordinário os atos processuais devem ser praticados em dias úteis, das 6:00 às 20:00 horas, conforme determina o art. 172, caput, do CPC. Entre as 20:00 horas e 6:00 horas só podem ser praticados atos processuais de citação e penhora por ordem expressa do juiz (art. 172, § 2º do CPC), ou aqueles iniciados antes, cujo adiamento para o dia seguinte possa causar grave dano ou prejudicar a diligência (art. 172, § 1º do CPC). O próprio Código cita exemplo de ato que pode ser concluído no mesmo dia, ainda que seja depois do horário normal, como a penhora (art. 664, parte final)101. A prática dos atos noturnos, em entanto, após às 18:00 horas, esbarra no princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI, CR/88)102, pelo qual nem mediante ordem do juiz se pode entrar na casa sem autorização do morador. 9.4.3. O DIA Dias úteis são os de segunda-feira a sábado, que não sejam feriados (art. 175 do CPC), isto é, consideram-se não-úteis os feriados, os domingos e outros dias que a lei designar. Vernáculo: Diz-se da linguagem pura, sem estrangeirismo. Idioma de um país. Art. 664. Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia. 102 XI do art. 5º da CR/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. 100 101 Página 55 de 64 Não há proibição para a prática de atos processuais no sábado, porquanto é dia útil. O que ocorre é que, em razão do que estabelecem as leis de organização judiciária, não há expediente forense aos sábados, entretanto, nada impede que um ato processual, a citação, por exemplo, seja lavado a efeito nesse dia. OBSERVAÇÃO 1: não se confunde horário para prática do ato processual com horário de expediente forense. O expediente pode encerrar-se às 17, 18 ou 19 horas. Nesse caso, se o ato tiver que ser praticado por meio de petição, esta deverá ser apresentada no protocolo, no horário de expediente (art. 173, § 3º do CPC). OBSERVAÇÃO 2: a citação e a penhora poderão, em casos excepcionais, e mediante autorização expressa do juiz, realizarse nos domingos e feriados, ou nos dias úteis, fora dos horários estabelecidos em lei, observado o disposto no art. 5º, XI da CR/88, sob pena de abuso de autoridade. OBSERVAÇÃO 3: no processo eletrônico, consideram-se realizados os atos processuais no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário. Assim, transmitida a petição eletrônica, o que será comprovado por meio de protocolo eletrônico (recibo expedido pelo sistema), interrompida estará a prescrição ou afastada a decadência ou preclusão, caso ainda não consumadas. OBSERVAÇÃO 4: como se verifica, a prática dos atos processuais por meio eletrônico não mais se sujeita ao horário de expediente forense, pelo que serão consideradas tempestivas as petições transmitidas até as 24 horas do seu último dia. 9.4.4. FÉRIAS E FERIADOS COMO EXCEÇÃO Férias não se confundem com feriados. Estes, para efeito forense, são os domingos e os dias declarados em lei (art. 175 do CPC). Os magistrados (juízes, desembargadores e ministros) têm direito a férias anuais por sessenta dias. Para racionalização dos serviços judiciários, exceto na Justiça do Trabalho, tais férias, de regra, eram gozadas coletivamente, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho (Lei Complementar nº 35/79, art. 66). Entretanto, com o advento da Reforma do judiciário (EC 45/2004), que entre outras alterações na estrutura do Judiciário incluiu o inciso XII do art. 93 da Constituição Republicana, as férias coletivas foram vedadas nos juízos de primeiro grau e nos tribunais de 2º grau. Agora, de acordo com o texto do mencionado dispositivo constitucional, a regra é que a atividade jurisdicional seja ininterrupta, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente. A exceção ficou por conta dos tribunais superiores (SFT, STJ, TST e TSE), onde ainda há férias coletivas. Ministros gozam de férias coletivas; desembargadores e juízes, não. Por duas razões a inclusão do inciso XII ao art. 93 do CR/88 em nada alterou os artigos do CPC que dispõem sobre a prática de atos processuais nas férias e nos feriados forenses (art. 173 e 174 do CPC). Primeiro porque, nos tribunais superiores, continua vigendo o regime de férias coletivas, aplicando-se, portanto, as disposições dos arts. 173 e 174. o outro motivo da inalterabilidade, é que, com a vedação das férias coletivas, tem-se adotado o “recesso de final de ano”. OBSERVAÇÃO 1: como já foi dito, a regra é que os atos processuais sejam praticados apenas nos dias úteis. Férias e feriados não são dias úteis, por isso, neles, comumente, não se praticam atos processuais. O Código, nos arts. 173 e 174, prevê exceções. 9.5. PRAZO 9.5.1. NOÇÕES GERAIS Prazo é um período de tempo medido entre dois termos: o termo inicial, que marca o início da contagem do prazo, considerado dies a quo, e o termo final, que marca a data de vencimento do prazo, considerado dies a quem. Há prazos fixados em minutos, como o destinado aos debates em audiências (art. 454 do CPC), em horas, como o do pagamento ou nomeação de bens à penhora (art. 652 do CPC), em dias, como o da contestação (art. 297 do CPC), em meses, como o de suspensão do processo por mútuo acordo (art. 265, II, e § 3º do CPC), e em anos, como o máximo permitido para dar andamento ao processo sob pena de extinção (art. 267, II). OBSERVAÇÃO 1: todo prazo, em regra, é contínuo, não se interrompendo nos feriados, mesmo os prolongados, como a Semana Santa e o Carnaval (art. 178 do CPC). Página 56 de 64 OBSERVAÇÃO 2: o recesso (de final de ano) e as férias (coletivas), orem, suspendem os prazos. Sobrevindo as férias, a contagem do prazo é paralisada e o restante só recomeça a fluir a partir do primeiro dia útil seguinte ao término das férias (art. 179 do CPC). OBSERVAÇÃO 3: nas causas que correm nas férias não há suspensão dos prazos. OBSERVAÇÃO 4: também suspendem o curso do prazo (art. 180 do CPC): o obstáculo criado pela parte contrária, como a retirada indevida de autos da secretaria103; a morte ou a perda da capacidade processual das partes; de seu representante legal ou de seu procurador; a convenção das partes quando se tratar de prazo dilatório, e a exceção de incompetência, impedimento ou suspeição. 9.5.2. CLASSIFICAÇÃO Os prazos para a prática dos atos processuais podem ser classificados considerando a fonte de que derivam, o seu destinatário, a mutabilidade e a forma de contagem. 9.5.2.1. QUANTO A FONTE a) PRAZO LEGAL: é o estabelecido em lei, como o dos recursos e da resposta (art. 177 do CPC). Também é prazo legal o de cinco (5) dias previsto no art. 185 do CPC, denominado de “prazo supletivo”, para ser obedecido no caso de omissão legal e falta de fixação pelo juiz. b) PRAZO JUDICIAL: é o estabelecido pelo juiz quando omissa a lei ou prazo for meramente enunciativo, como no art. 491, que prevê a fixação pelo relator entre 15 e 30 dias para o réu responder a ação rescisória. c) PRAZO CONVENCIONAL: é o estabelecido por comum acordo entre as partes, o que só é permitido em casos de prazos dilatórios, nunca em prazo peremptório (art. 181 do CPC). 9.5.2.2. QUANTO AO DESTINATÁRIO a) PRAZO COMUM: é o que ocorre em cartório simultaneamente para ambas as partes, como a juntada de memoriais, oferecimento de contestação e manifestação sobre esboço de partilha (art. 1.024 do CPC). No curso do prazo comum, os autos não poderão sair de cartório com vista a qualquer das partes. b) PRAZO PARTICULAR OU INDIVIDUAL: é o que ocorre independente para cada parte, como o de oferecimento de embargos à execução e interposição de recursos. c) PRAZO PRÓPRIO: é o fixado para as partes, cujo vencimento em branco extingue, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato (art. 183 do CPC), salvo se provar que o não o fez por justo motivo, caso em que o juiz fixará outro prazo (art. 183, § 2º do CPC). Assim, o vencimento do prazo das partes gera a preclusão temporal. d) PRAZO IMPRÓPRIO: é o estabelecido ao juiz para proferir a sentença, despachos e decisões, e para os auxiliares da justiça, para os seus atos. O juiz tem prazo de 2 dias para despachar e dez dias para decidir (art. 189 do CPC), em regra, salvo em casos como a da ação cautelar, em que o prazo para sentenciar é de 5 dias (art. 803 do CPC). Os auxiliares da justiça, como o escrivão, têm prazo de 24 horas para remeter os autos conclusos ao juiz e 48 horas para executar os atos de seu ofício (art. 190 do CPC). Havendo motivo justificado, como a sobrecarga de trabalho, o juiz pode exceder qualquer prazo pelo dobro legal (art. 187 do CPC). O esgotamento em branco de prazo impróprio não leva à preclusão, limitando-se a sanções de natureza disciplinar. Conforme o art. 40, § 2º do CPC, com a redação dada pela Lei 11.969/2009, sendo o prazo comum às partes, “só em conjunto ou mediante prévio ajuste por petição nos autos, poderão os seus procuradores retirar os autos, ressalvada a obtenção de cópias, para a qual cada procurador poderá retirálos pelo prazo de 1 (uma) hora independentemente de ajuste”. 103 Página 57 de 64 9.5.2.3. QUANTO À MUTABILIDADE a) PRAZO DILATÓRIO: é o que as partes podem modificar para mais ou para menos, prorrogando-se ou reduzindo-o, como o prazo para concluir perícia ou formular pedido de quinhão em partilha (art. 181 do CPC). O pedido de prorrogação deve ser feito antes de vencido o prazo e fundado em motivo legítimo, correndo, por conta da parte favorecida, as custas do retardamento (art. 181, § 2º do CPC). b) PRAZO PEREMPTÓRIO: é o que não pode ser modificado pelas partes, seja para reduzi-lo, seja para prorrogá-lo (art. 182, primeira parte), como os previstos em lei para responder à ação, recorrer, nomear bens à penhora, propor açõa principal quando cumprida medida liminar, entre outros. O juiz não pode reduzir nenhum prazo, mas, sendo comarca de difícil transporte, pode prorrogar qualquer um por até 60 dias, ainda que seja peremptório (art. 182, parte final). Em casos de calamidade pública, o tempo de prorrogação pode exceder o prazo legal até o limite do necessário (art. 182, parágrafo único). 9.5.2.4. QUANTO À CONTAGEM a) PRAZO PROGRESSIVO: é o prazo cuja contagem se faz normalmente, para frente, como são os da resposta e da apelação, de 15 dias, contados a partir da juntada aos autos do comprovante de intimação. b) PRAZO REGRESSIVO: é o prazo cuja contagem se faz de trás para frente, como o oferecimento de rol de testemunhas até 10 dias antes da audiência (art. 407 do CPC), ou a juntada do laudo pericial, até 20 dias antes da audiência de instrução e julgamento (art. 433 do CPC), ou, inda, o requerimento para intimação de perito ou de assistente técnico para prestar esclarecimento em audiência, que deve ser cumprido com pelo menos 5 dias de antecedência à data designada (art. 435, parágrafo único do CPC). 9.6. TERMO INICIAL DOS PRAZOS Geralmente os prazos são contados excluindo-se o dia do começo e incluindo-se o dia do vencimento (art. 184 do CPC),sendo a intimação o marco inicial dos prazos (art. 240 do CPC). O prazo somente começará a fluir a partir do dia útil seguinte ao da intimação. Assim, se feita numa sexta-feira, permitirá o início da contagem do prazo na segunda-feira, se for dia útil. A intimação foi feita no sábado (dia em que não há expediente forense) leva a considerar que tal se deu na segunda-feira e a contagem do prazo terá início na terça-feira (primeiro dia útil seguinte ao da intimação). O art. 241 do CPC estabelece as seguintes regras para a fixação do termo inicial do prazo: I - quando a citação ou intimação for pelo correio, da data de juntada aos autos do aviso de recebimento; II - quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos autos do mandado cumprido; III - quando houver vários réus, da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido; IV - quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida; V - quando a citação for por edital, finda a dilação assinada pelo juiz. Para interposição de recurso, o art. 242 estabelece que o prazo seja contado da data da intimação da decisão, sentença ou acórdão. Quanto ao termo final, se cair em feriado ou em dia em que o expediente forense foi encerrado antes da hora normal, considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil (art. 184, § 1º do CPC). Com relação aos processos informatizados, importantes atentar para o disposto no art. 4º da Lei 11.419/2006, o qual preceitua que os prazos processuais terão início no primeiro dia útil seguinte ao considerado como data da publicação. Esta, por sua vez, corresponde ao primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça Eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores. Em síntese, se determinada informação foi disponibilizada na em 7/2/2007, considerar-se-á a data de publicação o dia 8/2/2007 e o prazo, via de conseqüência, será contado a partir de 9/2/2007. Página 58 de 64 9.6.1. PRAZOS PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO, FAZENDA PÚBLICA E DEFENSORIA PÚBLICA Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público (art. 188 do CPC). Entende-se por Fazenda Pública: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem assim as respectivas autarquias e fundações públicas. Onde a assistência judiciária for organizada e mantida pelo Estado, o defensor público, ou quem exerce cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos (Lei 1.060/50, art. 5º, § 5º). Observação: as sociedades de economia mista e as empresas públicas não gozam dos privilégios previstos no art. 188, eis que seu regime jurídico é de direito privado. 9.6.2. PRECLUSÃO A preclusão é a perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual. Existem três modalidades de preclusão. a) PRECLUSÃO TEMPORAL: decorre da inércia da parte que deixa de praticar um ato no tempo devido (art. 183 do CPC). No procedimento ordinário, a faculdade de oferecer resposta preclui quinze dias após a citação. b) PRECLUSÃO LÓGICA: decorre da incompatibilidade entre o ato praticado e outro, que se queria praticar (art. 503 do CPC). Ao cumprir o julgado, perde a parte interesse no recurso. c) PRECLUSÃO CONSUMATIVA: origina-se do fato de ter praticado o ato, não importa se bem ou mal, uma vez praticado, não será possível realizá-lo novamente. OBSERVAÇÃO: a preclusão não ocorre com relação aos despachos, uma vez que não ferem direitos ou interesses das partes, podendo, portanto, ser revistos ou revogados pelo juiz. 9.7. COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS Os arts. 200 a 242 tratam da comunicação dos atos. Em razão dos objeto deste trabalho, abordaremos apenas os aspectos mais relevantes, aqueles com maior incidência nos concursos, recomendando a leitura atenta dos dispositivos mencionados. Os direitos e as obrigações decorrentes da relação processual só se estabelecem após a comunicação do ato. O réu só se vincula ao processo, sujeitando-se aos efeitos da sentença após a citação. O prazo para apresentar quesito só começa a fluir após a intimação do despacho que nomeou o perito (art. 421, § 1º). Daí a importância da comunicação dos atos processuais. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial ou requisitados por carta, hajam de realizar-se dentro ou fora dos limites territoriais da comarca (art. 200 do CPC). As cartas podem ser de três espécies: precatória, de ordem e rogatória (art. 201 do CPC). A carta precatória é aquela em que a diligência nela requisitada tem de ser cumprida por juiz do mesmo grau; carta de ordem é expedida por um tribunal para ser cumprida por um juiz subordinado àquele tribunal; e carta rogatória é aquela dirigida a autoridade judiciária estrangeira. A carta de ordem, carta precatória ou carta rogatória podem ser expedidas por meio eletrônico, situação em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei (art. 202, § 2º do CPC). A comunicação dos atos, no processo, se dá através da citação (art. 213 do CPC) e da intimação (art. 234 do CPC). Os protestos, as notificações e as interpelações não figuram como modalidades de comunicação de atos processuais, mais sim como procedimentos cautelares específicos (arts. 867 e 873 do CPC). 9.7.1. CITAÇÃO Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender (art. 213 do CPC). Pode ser feita pessoalmente ao réu, ao procurador legalmente autorizado ou ao seu representante legal, se for incapaz. É ato indispensável à validade do processo (art. 214 do CPC), até porque, sem ela, não se completa a relação jurídica processual que deve ser estabelecida entre autor, juiz e réu. O comparecimento espontâneo do réu supre a falta de citação ou convalida a citação irregular (art. 214, § 1º). Se o réu comparece e defende-se, o processo prossegue normalmente, uma vez que o comparecimento pressupõe ausência de Página 59 de 64 prejuízo. Se o réu comparece e argúi a nulidade, sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data que ele ou seu advogado for intimado da decisão (art. 214 do CPC). O Código prevê as seguintes modalidades de citação, conforme regra contida no art. 221, in verbis: Art. 221. A citação far-se-á: I - pelo correio; II - por oficial de justiça; III - por edital. IV - por meio eletrônico, conforme regulado em lei própria. 9.7.1.1. CITAÇÃO OU INTIMAÇÃO POR MANDADO OU CORREIO Quando se tratar de citação ou intimação por mandado ou pelo correio, conta-se o prazo a partir da data da juntada aos autos do mandado ou do aviso de recebimento devidamente cumprido (art. 241, I e II do CPC). Sendo vários réus, conta-se o prazo para responder à ação a partir da data da juntada aos autos do último comprovante de citação (art. 241, III do CPC), regra esta que não se aplica ao processo de execução, no caso, para oferecimento de embargos, quando cada executado disporá de prazo individual. 9.7.1.2. CITAÇÃO OU INTIMAÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA Quando o ato se realizar em outra comarca por meio de carta precatória, carta de ordem ou carta rogatória, conta-se o prazo a partir da data em que for ela devolvida à comarca de origem e devidamente juntada aos autos do processo de onde fora extraída (art. 241, IV do CPC). 9.7.1.3. CITAÇÃO OU INTIMAÇÃO POR EDITAL Quando for citação ou intimação por edital, dia inicial será o do vencimento do prazo de dilação fixado dilação fixado pelo juiz. Assim, citado por edital com prazo de 15 dias, para responder em 5 dias, somente após os 15 dias de publicação é que se iniciam os 5 para a resposta (art. 241, V do CPC). 9.7.1.4. PRAZO PARA RECORRER O prazo para interposição de recurso se conta da data juntada do comprovante de intimação do advogado, e não da parte (art. 242 do CPC). 9.7.1.5. ATOS PRATICADOS EM AUDIÊNCIA Quando o ato for publicado em audiência, esta será a data do início, ainda que a parte, devidamente intimada, não tenha comparecido (art. 242, § 1º do CPC). OBSERVAÇÃO 1: Preceitua o art. 6º da Lei 11.419/2006 que as citações, inclusive da Fazenda Pública, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando. Todavia, devem-se observar as formalidades previstas no art. 5º daquela lei. OBSERVAÇÃO 2: a citação por hora certa é feita por oficial. Ocorre quando, por três vezes, houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, havendo suspeita de ocultação (art. 227 do CPC). OBSERVAÇÃO 3: denomina-se citação ficta a realizada por edital ou por hora certa. OBSERVAÇÃO 4: a citação válida tem 5 efeitos, sendo 3 de natureza processual e 2 de natureza material. São efeitos de natureza processual da citação: tornar prevento o juízo, induzir litispendência e fazer litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, gera dois efeitos materiais, quais sejam: constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição (art. 219 do CPC). 9.7.1.6. A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO COMO EFEITO DA CITAÇÃO VÁLIDA Prescrição é a perda da pretensão à reparação de um direito violado, em razão da inércia de seu titular, durante o lapso temporal estipulado pela lei. Página 60 de 64 A prescrição aniquila somente a pretensão, não alcançando o direito constitucional de ação. Exemplificando, quando a prescrição atinge somente a pretensão executiva do cheque, nada obsta que o titular do direito busque a satisfação de seu crédito por outras vias, como por exemplo, por meio do procedimento monitório ou comum. Levada a efeito a citação válida, opera-se a interrupção, cujos efeitos retroagem à data da propositura da ação. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara (art. 263 do CPC). 9.7.2. INTIMAÇÃO Intimação é ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa (art. 234 do CPC). As intimações podem ser feitas pelo escrivão, pelo oficial de justiça e por publicação na imprensa. Admite-se também a intimação por edital e com hora certa e por meio eletrônico, na forma do art. 5º da Lei 11.419/2006. A intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente. A falta de intimação tem como conseqüência a nulidade absoluta (art. 246 do CPC). As intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais e aos advogados pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria. É o que dispõe o art. 238 do CPC, cujo parágrafo único acrescenta que “presumem-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos, cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver modificação temporária ou definitiva”. 9.8. NULIDADES Em face do princípio da liberdade das formas (art. 154 do CPC), como regra geral, a prática de atos processuais independente de forma, só sendo exigida quando a lei assim dispuser. Como todo ato jurídico, o ato processual tem como requisito a capacidade do agente, a licitude do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei. A capacidade do agente refere-se aos pressupostos subjetivos necessários à validade do ato processual e, consequentemente, à validade da relação processual. Para ser válido, é mister que a parte tenha capacidade processual e esteja representada por advogado, se o ato foi por ela praticado; tratando-se de ato do juiz, indispensável é a competência. Quanto à ilicitude do objeto visado pelo ato processual, o Código, nos arts. 125, III 104, e 129105, sem se referir expressamente à nulidade, prevê medidas para reprimir os atos ilícitos. A incidência de nulidade é mais presente quando se trata de defeito de forma, tanto que na sistematização do tema (arts. 243 a 250 do CPC) visou, sobretudo, ao vício decorrente desse aspecto do ato. É evidente que não se excluem os vícios decorrentes de outros motivos, por exemplo, a incapacidade processual ou a irregularidade da representação do autor (art. 13, I do CPC)106. 9.9. ATO INEXISTENTE Parte da doutrina faz distinção entre nulidade e inexistência do ato. A nulidade pressupõe a existência do ato e, via de conseqüência, a possibilidade de convalidação, ao passo que, se reputado como inexistente, a questão não se situa no plano de validade, mas sim no plano anterior do ser ou não ser. Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; 105 Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes. 106 Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber: I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo. 104 Página 61 de 64 O Código, no art. 37, parágrafo único107, admite a inexistência jurídica do ato. De qualquer forma, nulo ou inexistente, a consequência prática é idêntica: nulidade do processo (art. 13, I do CPC). 9.10. NULIDADE ABSOLUTA E NULIDADE RELATIVA Difícil é estabelecer a distinção entre nulidade absoluta e nulidade relativa. O que se percebe é que a nulidade absoluta é estabelecida em razão do exclusivo interesse público (norma cogente). A distribuição de competência em razão da matéria e das pessoas (competência absoluta), por exemplo, leva em conta apenas o interesse da jurisdição e não eventual comodidade dos litigantes, como ocorre com a competência territorial. O mesmo ocorre com determinados princípios, com a imparcialidade do juiz (impedimento) e o contraditório, cuja a infringência a lei não tolera. Na nulidade relativa, além do interesse público, verifica-se que o objetivo maior do disciplinamento é tutelar interesse privado. A publicação dos atos processuais pela imprensa deve conter, dentre outros dados, o nome do advogado. A norma visa, sobretudo, assegurar o real conhecimento do ato pela parte ou seu advogado. Se a despeito de eventual vício, o advogado toma conhecimento da intimação e pratica o ato que lhe competia, a nulidade fica sanada. 9.10.1. SISTEMA DE NULIDADE DO CÓDIGO O princípio prevalente no Direito Processual é o da instrumentalidade das formas e dos atos processuais. Faculta tal princípio a possibilidade de considerar válido ato praticado de forma diferente da prescrita em lei, desde que atinja ele seu objetivo (art. 244 do CPC). Não havendo prejuízo para a parte, não há nulidade (art. 249, § 1º). Em certas hipóteses de nulidade absoluta, mesmo não havendo alegação, o prejuízo é presumindo, para aparte ou para a jurisdição. É o que ocorre com a decisão proferida por juiz impedido, que não se compatibiliza com o princípio da imparcialidade da jurisdição, que pode ser argüida em qualquer tempo e grau de jurisdição e até em ação rescisória. É o que ocorre também com a sentença proferida por juiz absolutamente incompetente. A nulidade só pode ser decretada a requerimento da parte prejudicada e nunca por aquela que foi a causadora (art. 243 do CPC). 9.10.2. MOMENTO DA ARGUIÇÃO DA NULIDADE A nulidade relativa deve ser arguida na primeira oportunidade que a parte falar nos autos, sob pena de preclusão, salvo demonstrado justo impedimento (art. 245 do CPC). A nulidade absoluta pode ser argüida em qualquer fase do processo, podendo também ser reconhecida de ofício pelo juiz (art. 245, parágrafo único). Em alguns casos, em razão da falta de prejuízo ou porque a decisão de mérito pode ser favorável à parte interessada, não se decreta a nulidade, nem mesmo a absoluta. 9.10.3. DECRETAÇÃO DA NULIDADE E SEUS EFEITOS Ao contrário do que ocorre no direito material, no processo não existe nulidade de pleno direito. A nulidade deve ser sempre declarada. Ao decretar a nulidade, o juiz deve declarar os atos atingidos (art. 249 do CPC). Em razão do encadeamento dos atos processuais, anulado um ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes que dele dependam (art. 248 do CPC). Com efeito, pode ocorrer que, em razão de os atos serem independentes, hipótese em que a nulidade de um não compromete o outro. Por exemplo, reconhecido o cerceamento de defesa em razão da negativa de se ouvir uma testemunha, a conseqüência será a nulidade do ato de recusa ou da sentença, se já tiver ocorrido o julgamento, não comprometendo o restante da audiência. O erro de forma acarreta a anulação somente dos atos que não possam ser aproveitados (art. 250 do CPC). Assim, desde que não haja prejuízo para a defesa, a regra é aproveitar todos os atos processuais. Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz. Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos. 107 Página 62 de 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Roberto Moreira de. Teoria geral do processo: penal, civil e trabalhista. – 2 ed. – Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : Método, 2010. BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Matos. Teoria Geral do Processo e do Processo de Conhecimento. 13ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2012. (Coleção sinopses jurídicas, v. 11). BRASIL. Constituição Federal. 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